Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:7735/25.3BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:10/09/2025
Relator:MARTA CAVALEIRA
Descritores:INTIMAÇÃO PARA PROTECÇÃO DE DIREITOS, LIBERDADES E GARANTIAS
PRESSUPOSTOS
AQUISIÇÃO DA NACIONALIDADE
Sumário:I - Para se poder recorrer à intimação para a proteção de direitos, liberdades e garantias, tem de verificar-se uma situação que permita reconhecer que é urgente, sob pena de perda de utilidade, a prolação de uma decisão com vista a assegurar a possibilidade de exercício do direito à aquisição da cidadania portuguesa, consagrado no n.º 1 do artigo 26.º da Constituição, ou seja, que é indispensável a célere emissão de uma decisão que imponha à Administração a adoção de condutas que permitam assegurar o exercício, em tempo útil, desse direito;
II - A não verificação dos pressupostos específicos de que depende a utilização da intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias, previstos no n.º 1 do artigo 109.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, constitui uma exceção dilatória inominada.
Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção Administrativa Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I. Relatório

M…, nacional do Bangladesh, residente na Rua A..., n.º 30, na P..., intentou intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias contra o Instituto dos Registos e do Notariado, IP pedindo que este seja intimado a decidir, com urgência, o pedido de concessão da nacionalidade portuguesa, por naturalização.

O Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, por decisão proferida em 5 de fevereiro de 2025, indeferiu liminarmente o requerimento inicial.

Inconformado com a sentença, o Requerente interpôs recurso de apelação, apresentando alegações nas quais formula as seguintes conclusões e pedido:

«1. A Douta Sentença recorrida indeferiu liminarmente a petição inicial com fundamento na alegada impropriedade do meio processual utilizado, sem, contudo, se verificar qualquer inadequação manifesta ou insuprível;

2. A ação intentada pelo aqui Recorrente tem por objeto a omissão da prática de ato administrativo legalmente devido; o que se enquadra no âmbito da intimação prevista nos artigos 109º e seguintes, do CPTA;

3. Estavam preenchidos os pressupostos legais para a utilização deste meio processual, nomeadamente a existência de um pedido, o decurso do prazo legal para decisão e a inércia da Administração;

4. O aqui Recorrente visa a obtenção da nacionalidade portuguesa por naturalização;

5. Com ela, adquirirá a cidadania europeia e os direitos a ela associados;

6. O direito à cidadania e à identidade pessoal é um direito fundamental consagrado na CRP;

7. A Administração tem o dever constitucional de decidir em prazo razoável (artigo 266.2 da CRP);

8. A Diretiva 2003/86/CE também impõe esse dever quanto a pedidos com impacto no reagrupamento familiar;

9. Estão em causa direitos fundamentais e sua tutela urgente e efetiva;

10. A providência cautelar é manifestamente inadequada e a ação comum demasiado morosa;

11. A Intimação é o único meio processual adequado a assegurar os direitos do aqui Recorrente;

12. A decisão recorrida violou o artigo 266.º da CRP, o artigo 109.º do CPTA, o artigo 20.º do TFUE e a Diretiva 2003/86/CE;

13. A decisão recorrida violou os princípios do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva, consagrados no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa;

14. A jurisprudência dos tribunais superiores tem entendido que o indeferimento liminar por impropriedade do meio processual só deve ter lugar quando a inadequação for clara e insuscetível de sanação, o que não se verifica no caso presente;

15. Em resumo: a Douta Sentença recorrida deve ser revogada e substituída por despacho que ordene o prosseguimento dos autos, nomeadamente, a citação das Entidades Requeridas para se pronunciarem.

V. Pedido

Nestes termos e nos mais de Direito que V. Exas. mais e melhor suprirão, requer-se mui respeitosamente que:

· Seja admitido o presente Recurso de Apelação;

· Seja concedido provimento ao mesmo, revogando-se a Douta Sentença recorrida;

· E, em consequência, seja determinada a prossecução dos autos nos ulteriores termos legais, com a citação das Entidades Requeridas, e apreciação do mérito da causa.»

A Entidade Requerida apresentou contra-alegações, nas quais formula as seguintes conclusões:

«i. O Recorrente impugna a sentença que absolveu a ED da instância, sustentando que a mora administrativa na decisão do seu pedido de naturalização ao abrigo do art.º 6.º n.º 1 da Lei da Nacionalidade constitui, por si só, violação do direito à cidadania e à identidade pessoal, sendo ambos direitos consagrados na CRP.

ii. Ora, a intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias constitui meio processual excecional, cuja admissibilidade está dependente da verificação cumulativa dos pressupostos previstos no artigo 109.º do CPTA, não bastando a mera invocação de um direito fundamental.

iii. O recorrente limita-se a invocar genericamente a existência de um direito à cidadania e à identidade pessoal, omitindo a alegação de factos concretos que demonstrem a indispensabilidade e a urgência da tutela requerida.

iv. A douta sentença recorrida decidiu corretamente ao indeferir liminarmente a petição inicial, por manifesta impropriedade do meio processual utilizado, nos termos dos artigos 109.º do CPTA e 590.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi artigo 1.º do CPTA.

v. O atraso na decisão de pedido de nacionalidade, por si só, não configura lesão direta de um direito, liberdade ou garantia, nem gera automaticamente situação de urgência processual, exigindo-se densificação factual que o recorrente não fez.

vi. A jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Administrativo e dos Tribunais Centrais Administrativos reafirma que o incumprimento dos prazos administrativos não permite, só por si, o recurso à intimação para proteção de direitos fundamentais.

vii. O direito à nacionalidade por naturalização não assume a natureza de direito, liberdade e garantia, tratando-se de uma expectativa jurídica subordinada à verificação de pressupostos legais e ao exercício de um poder discricionário do Estado.

viii. A alegação de que o atraso processual compromete o direito ao reagrupamento familiar ou a identidade pessoal carece de qualquer factualidade concreta que permita avaliar a real existência de perigo ou lesão iminente.

ix. O procedimento de naturalização está sujeito a múltiplas fases e diligências previstas no artigo 27.º do Regulamento da Nacionalidade Portuguesa (RNP), cujos prazos são de natureza ordenadora e não perentória, dada a complexidade da instrução.

x. O legislador previu no RNP prazos sucessivos para atos intermédios e diligências externas, que ultrapassam os 90 dias referidos no artigo 128.º, n.º 1, do CPA, sendo por isso inaplicável o regime deste preceito ao procedimento de nacionalidade.

xi. A não definição de um prazo máximo para a instrução e decisão reflete a opção legislativa consciente de sujeitar a matéria da nacionalidade a uma tramitação própria, especial e flexível, que afasta o regime geral do CPA, conforme resulta do artigo 41.º, n.º 9, do RNP.

xii. Assim, foi corretamente indeferida a petição inicial por inadmissibilidade do meio processual, absolvendo a Recorrida da instância, não havendo fundamento para a sua revogação.

Consequentemente, deve o presente recurso ser julgado totalmente improcedente, confirmando-se a sentença recorrida e mantendo-se a absolvição da entidade demandada da instância, com todas as legais consequências.

Assim se fazendo Justa [sic]!»

O Ministério Público, junto deste Tribunal, notificado nos termos e para efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 146.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, emitiu parecer no sentido de dever ser julgado improcedente o recurso.

Notificadas deste parecer, as partes não se pronunciaram.

Sem vistos dos Exmos. Juízes-Adjuntos, por se tratar de processo urgente, mas com prévia divulgação do projeto de acórdão, o processo vem à conferência da Subsecção Comum para julgamento.


* * *

II. Objeto do recurso – Questões a decidir

Atentas as conclusões das alegações de recurso, que delimitam o seu objeto, nos termos do n.º 4 do artigo 635.º e dos n.ºs 1 e 2 do artigo 639.º, do Código de Processo Civil, aplicáveis por força do disposto no n.º 3 do artigo 140.º, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, cumpre decidir se a sentença incorreu em erro de julgamento ao considerar que não estão demonstrados os pressupostos de que depende a utilização da intimação para a proteção de direitos, liberdades e garantias.

* * *

III. Fundamentação

Em concretização do comando constitucional previsto no n.º 5 do artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa, o legislador ordinário veio estabelecer a possibilidade de ser requerida intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias, meio processual que se encontra regulado nos artigos 109.º a 111.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 109.º, a intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias pode ser requerida quando a célere emissão de uma decisão de mérito que imponha à Administração a adoção de uma conduta positiva ou negativa se revele indispensável para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia, por não ser possível ou suficiente, nas circunstâncias do caso, o decretamento de uma providência cautelar.

Deste preceito legal resulta que o recurso a uma intimação para proteção de direitos liberdades e garantias depende do preenchimento dos seguintes pressupostos: (i) ser indispensável a célere emissão de uma decisão que imponha à Administração a adoção de uma conduta positiva ou negativa para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia e (ii) não ser possível ou suficiente, nas circunstâncias do caso, o decretamento de uma providência cautelar.

Como decorre do que se estabelece no n.º 3 do referido artigo 109.º, a intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias pode ser requerida quando o interessado pretenda a emissão de um ato administrativo. A possibilidade de utilização da intimação para esse efeito depende, no entanto, do preenchimento dos pressupostos enunciados no n.º 1. Sendo o meio normalmente utilizado para obter a condenação à prática de atos administrativos devidos a ação administrativa (alínea b) do n.º 1 do artigo 37.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos), a intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias só pode ser requerida se a utilização da ação administrativa em eventual conjugação como o decretamento de uma providência cautelar não for possível ou suficiente, nas circunstâncias do caso, para assegurar o exercício, em tempo útil, dos direitos, liberdades e garantias em causa.

Por isso se afirma que a intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias é um meio processual subsidiário ou de «ultima ratio».

A jurisprudência deste Tribunal Central Administrativo vem sustentando que na generalidade dos casos relativos à aquisição da nacionalidade portuguesa não se encontram reunidos os pressupostos da utilização da intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias. Ver, neste sentido, a título de exemplo, os acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul, de 19 de março de 2024, Processo n.º 2087/23.9BELSB, de 6 de junho de 2024, Processo n.º 1846/23.7BELSB, de 20 de junho de 2024, Processo n.º 4037/23.3BELSB, de 15 de maio de 2025, Processo n.º 8011/24.4BELSB, de 3 de julho de 2025, Processo n.º 32039/24.5BELSB. Cfr. também, os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 13 de março de 2025, Processo n.º 1962/24.8BEPRT, de 29 de maio de 2025, Processo n.º 7/25.5BESNT e de 16 de julho de 2025, Processo n.º 1625/24.4BELSB, os quais, em casos idênticos, não admitiram recursos de revista.

No entanto, a admissão da utilização de uma intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias depende da análise das circunstâncias de cada caso. A verificação do preenchimento dos pressupostos da intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias, enunciados no n.º 1 do artigo 109.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, é efetuada por referência à causa de pedir e ao pedido formulado pelo Requerente.

Cabe, pois, apreciar o caso em apreço.

O tribunal a quo considerou não ser possível, no caso, a utilização da intimação para a proteção de direitos liberdades e garantias, em suma, com a seguinte fundamentação:

«[…]
Analisando de perto o requerimento inicial, constata-se que o Requerente apenas alega que o atraso na decisão final, por parte da Entidade Requerida, relativamente ao seu pedido de nacionalidade por naturalização tem consequências gravosas e violadoras do seu direito fundamental à cidadania e que o recurso à presente Intimação poderá salvaguardar e tutelar em tempo útil os direitos ameaçados a breve termo.
Mais aduz que se encontra privado de exercer as faculdades e os direitos conexos inerentes à nacionalidade portuguesa, e como tal, à cidadania portuguesa, e que estão em causa direitos constitucionais, ou com proteção constitucional, referindo serem os direitos à cidadania portuguesa e à identidade pessoal e o direito ao reagrupamento familiar.
Primeiramente, importa destacar quais são os direitos, liberdades e garantias que vêm consagrados no artigo 26º da Constituição da República Portuguesa.
Prevê o n.º 1 do artigo enunciado que “A todos são reconhecidos os direitos à identidade pessoal, à capacidade civil, à cidadania, ao bom nome e reputação, à imagem, à palavra, à reserva da intimidade da vida privada e familiar e à proteção legal contra quaisquer formas de discriminação”, estabelecendo o n.º 4 que “A privação da cidadania e as restrições à capacidade civil só podem efetuar-se nos casos e termos previstos na lei, não podendo ter como fundamento motivos políticos”.
Estamos, pois, na presença do direito à nacionalidade, que corresponde a um direito fundamental, cuja tutela se subsume ao objeto do presente meio processual de intimação para defesa de direitos, liberdades e garantias.
Todavia, importa sublinhar que o Requerente é omisso na alegação de factos relativos à sua situação concreta, que permitam concluir que a falta de decisão, por parte da Entidade Requerida, contende com o exercício do direito supra mencionado, não bastando, para o efeito, a sua alegação vaga e genérica.
Ao demais, o Requerente não alega nenhum facto que indicie que seja necessário ser proferida uma decisão de mérito urgente, não logrando realçar a indispensabilidade do recurso à intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias.
Na verdade, de acordo com a factualidade vertida no requerimento inicial, não é possível concluir que o Requerente esteja numa situação premente em que seja indispensável ocorrer a emissão de uma decisão, sob pena de vir a ser lesado o seu direito à nacionalidade.
Com efeito, resulta da matéria de facto alegada que o Requerente é titular de uma autorização de residência em Portugal, válida até 28/08/2027.
Assim sendo, contrariamente ao que alega o Requerente no seu petitório, o mesmo já beneficia dos direitos e está sujeito aos deveres do cidadão português, de acordo com o artigo 15º, n.º 1 da CRP, que consagra o princípio da equiparação entre estrangeiros e cidadãos europeus, com a ressalva dos “direitos políticos, o exercício das funções públicas que não tenham carácter predominantemente técnico e os direitos e deveres reservados pela Constituição e pela lei exclusivamente aos cidadãos portugueses”, nos termos do n.º 2 do mesmo comando normativo.
Os meros incómodos, decorrentes da inércia da Entidade Requerida, alegadamente sofridos pelo Requerente, não são, pois, suficientes para concluir que a emissão urgente de uma decisão de mérito seja indispensável para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade e garantia.
Temos, portanto, que em termos de urgência da tutela requerida, o Requerente não alegou e provou circunstancialismo concreto, de forma a se concluir que a sua situação é distinta (e urgente) relativamente a outros interessados que se dirigem aos serviços da Conservatória com o mesmo propósito e que deve gozar de prioridade relativamente a estes.
Posto isto, a situação de urgência teria de ser analisada perante factos concretos da vida real, que demonstrassem a necessidade de uma decisão imediata do pedido, não tendo o Requerente cumprido com tal ónus de densificação factual, limitando-se a enunciar alegações genéricas e abstratas, em torno dos alegados direitos violados, sem qualquer alusão a algum problema na sua vida pessoal, decorrente da inércia da Entidade Requerida, que possa justificar, de forma cabal e objetiva, a sua especial urgência.
Por último, o Requerente não indica, em nenhum momento, no seu articulado inicial, qual o limite temporal a partir do qual ocorreria a hipotética lesão, ou a ameaça de lesão, do alegado direito à nacionalidade.»

Desde já se adianta que a decisão de considerar não verificados os pressupostos específicos de que depende a utilização da intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias deve ser confirmada, pois a análise das circunstâncias do caso, que decorrem do alegado no requerimento inicial, permitem concluir que não vem alegada a necessidade da célere emissão de uma decisão para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia.

Vejamos, então, o que, sobre o caso concreto e com interesse para a decisão sobre a necessidade de utilização da intimação para proteção de direitos liberdades e garantias, alegou o Requerente no seu requerimento inicial:

- É titular do Título de Residência N.º 346G7T662, emitido em 28/08/2024, pela AIMA IP COIMBRA, e válido até 28/08/2027;

- Apresentou, em 7 de agosto de 2023, um pedido de concessão da nacionalidade portuguesa, por naturalização, junto da Conservatória dos Registos Centrais, em Lisboa;

- O procedimento encontra-se, desde essa data, na fase "submetido" junto ao Arquivo Central do Porto;

- Desde a data da apresentação do pedido e até à presente data, correram mais dezassete (17) meses, sem qualquer decisão do Requerido;

- O atraso na decisão final tem consequências gravosas, e violadoras do direito fundamental do Autor à cidadania. Com a nacionalidade portuguesa também adquiriria a cidadania europeia e, então, na qualidade de nacional europeu, poderia entrar e circular livremente na União Europeia;

- Só o recurso à presente Intimação poderá salvaguardar e tutelar em tempo útil os direitos ameaçados a breve termo; pois, e caso contrário, o Autor continuará a ver-se privado de exercer as faculdades e os direitos conexos inerentes à nacionalidade Portuguesa, e como tal, à cidadania Portuguesa, durante períodos temporais consideráveis, que podem comprometer a utilidade no exercício dos direitos que lhe poderão advir, no caso de lhe ser deferido o pedido de concessão da nacionalidade portuguesa, por naturalização;

- Estão em causa direitos constitucionais, ou com proteção constitucional, neste caso, os direitos à cidadania portuguesa e à identidade pessoal e o direito ao reagrupamento familiar.

Do exposto resulta que não vem alegada pelo Requerente, no requerimento inicial, a necessidade de uma decisão de mérito urgente para assegurar o exercício em tempo útil do direito à aquisição da nacionalidade portuguesa. O Requerente não descreve uma situação que permita reconhecer que é urgente, sob pena de perda de utilidade, a prolação de uma decisão com vista a assegurar a possibilidade de exercício do direito à aquisição da cidadania portuguesa, consagrado no n.º 1 do artigo 26.º da Constituição, ou seja, que é indispensável a célere emissão de uma decisão que imponha à Administração a adoção de condutas que permitam assegurar o exercício, em tempo útil, desse direito.

O Requerente não alega factualidade que permita ao tribunal concluir que apenas uma decisão urgente do seu pedido de aquisição da nacionalidade portuguesa possa assegurar que a mesma lhe seja atribuída atempadamente. Não concretiza em que medida a inobservância dos prazos procedimentais consubstancia lesão iminente e irreversível do seu alegado direito à aquisição da nacionalidade portuguesa.

Embora seja manifesto que o Requerente tem direito a que o seu pedido seja apreciado num prazo razoável, e seja de admitir que a demora na decisão cause prejuízos, esta circunstância não permite concluir pela indispensabilidade do recurso ao processo de intimação para assegurar o exercício, em tempo útil, do direito à aquisição da nacionalidade e à cidadania.

É evidente que, atento o princípio da tutela jurisdicional efetiva (cfr. n.º 4 do artigo 268.º da Constituição da República Portuguesa e n.º 1 do artigo 2.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos), o Requerente tem o direito de obter, em prazo razoável, uma decisão judicial que aprecie a sua pretensão de condenação da Administração à prática do ato administrativo devido. O que se discute é saber se estão verificados os pressupostos específicos de que depende a utilização do meio processual que utilizou.

Para se recorrer à intimação para a proteção de direitos, liberdades e garantias não basta invocar-se a titularidade de um direito, liberdade e garantia e que o mesmo foi ou está a ser violado. É necessário que a decisão de mérito a proferir na intimação se revele indispensável para assegurar o exercício, em tempo útil, desse direito, liberdade ou garantia, o que, no caso, não ficou demonstrado.

Note-se, ainda, que, de acordo com as suas alegações, o Requerente é titular de autorização de residência válida, beneficiando do princípio da equiparação, previsto no artigo 15.º da Constituição da República Portuguesa.

Assim sendo, como adiantámos, e seguindo a supra referida jurisprudência deste Tribunal Central Administrativo, temos de concluir que a decisão de considerar não verificados os pressupostos específicos de que depende a utilização da intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias deve ser confirmada, não sendo, por isso, possível conhecer, neste meio processual, do mérito da pretensão do Requerente.

A não verificação dos pressupostos específicos de que depende a utilização da intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias, previstos no n.º 1 do artigo 109.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, constitui uma exceção dilatória inominada, e não, como erradamente considerou o tribunal a quo, a «impropriedade do meio processual que determina a nulidade de todo o processo».

Face ao exposto, improcedendo as alegações de recurso, não tendo sido violadas as normas invocadas pelo Recorrente, haverá que negar provimento ao recurso e manter a decisão recorrida de rejeição liminar do requerimento inicial, embora com fundamentação não totalmente coincidente.

Não são devidas custas uma vez que os processos de intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias delas estão isentos, nos termos do disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 4.º do Regulamento das Custas Processuais.


* * *


IV. Decisão

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam, em conferência, os Juízes que compõem a Subsecção Comum, da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso e, em consequência, em manter a decisão recorrida, com fundamentação não totalmente coincidente.

Sem custas.

Registe e notifique.

Lisboa, 9 de outubro de 2025


Marta Cavaleira (Relatora)

Lina Costa

Mara Silveira