Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1638/08.3BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:10/16/2025
Relator:VITAL LOPES
Descritores:AVALIAÇÃO INDIRECTA
INIMPUGNABILIDADE DO ACTO TRIBUTÁRIO
ACORDO NO PROCESSO DE REVISÃO DA MATÉRIA TRIBUTÁVEL
ACORDO NA CDR SOBRE PARTE DA MATÉRIA TRIBUTÁVEL FIXADA NO RELATÓRIO DE INSPECÇÃO TRIBUTÁRIA
Sumário:i) Nos termos do disposto no art.º 86.º, n.º 4, da LGT, “Na impugnação do acto tributário de liquidação em que a matéria tributável tenha sido determinada com base em avaliação indirecta, pode ser invocada qualquer ilegalidade desta, salvo quando a liquidação tiver por base o acordo obtido no processo de revisão da matéria tributável regulado no presente capítulo”.

ii) O acordo, ali referido, é o que permite estabelecer o valor da matéria tributável a considerar para efeitos de liquidação (art.º 92.º, n.ºs 1 e 3 da LGT).

iii) A circunstância de o perito do contribuinte na CDR ter dado a sua concordância expressa quanto a determinados aspectos/ elementos da quantificação propostos pela inspecção tributária, não consubstancia, para efeitos do art.º 86.º, n.º 4 da LGT, qualquer acordo quanto à matéria tributável, que restrinja a impugnabilidade do acto tributário de liquidação.

iv) No entanto, incorre em erro de julgamento a nova sentença que conhece do erro na aplicação de métodos indirectos se a solução preconizada no Acórdão revogatório da sentença primitiva – bem ou mal – restringe o âmbito dessa impugnabilidade, ou seja, limita o conhecimento dos vícios substantivos da liquidação à questão da quantificação sobre que não recaiu acordo dos peritos na Comissão de Revisão (CDR)

Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção Tributária Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SUBSECÇÃO COMUM DA SECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL


I. RELATÓRIO

A Autoridade Tributária e Aduaneira, inconformada com a sentença do Tribunal Tributário de Lisboa [prolatada em cumprimento do acórdão deste TCAS de 19.06.2024], que julgou procedente a impugnação judicial que a sociedade C……..- Centro de Informação ………………, Lda., deduziu contra os atos de liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC), referente ao exercício de 2004, no valor de € 21.726; ao ano de 2005, no montante de €18.481,88 e ao exercício de 2006, no valor de € 24.026,08.


Nas suas alegações de recurso formula as seguintes e doutas conclusões: «
4.1. Visa o presente recurso reagir contra a Douta decisão que julgou procedente a Impugnação judicial, intentada pela ora recorrida contra as liquidações oficiosas de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas ("IRC") referentes aos exercícios de 2004, 2005 e 2006, no montante total de 64.234,88 €.

4.2. Como fundamentos da impugnação invocou a impugnante a ilegalidade das liquidações de IRC em questão, alegando para tanto, e em suma:
• Ocorre falta de pressupostos para aplicação de métodos indiretos pois, das razões apresentadas no relatório de inspeção nenhuma isoladamente, nem todas em conjunto, seriam suscetíveis de inviabilizar o correto apuramento da matéria tributável, ao contrário do que se afirma no Relatório de Inspeção, pelo que o recurso a este método se afigura ilegal e abusivo;
• Invoca a errada quantificação da matéria coletável, quando às matérias em que não houve acordo das partes no âmbito do procedimento de revisão, para efeitos de redução da matéria tributável, uma vez que considera que para efeitos de circularização dos clientes os valores em causa encontram-se documentados, a saber:
- Quanto ao IRC/2004, deverão deduzir-se às correções efetuadas pela AT, as despesas aqui calculadas e documentadas pela Impugnante, procedendo-se à redução da matéria coletável no valor de € 27.192,88;
- Quanto ao IRC/2005, deverão deduzir-se às correções efetuadas pela AT, as despesas aqui calculadas e documentadas pela Impugnante, procedendo-se à redução da matéria coletável no valor de €28.616.,80;
-Quanto ao IRC/2006, deverão deduzir-se às correções efetuadas pela AT, as despesas aqui calculadas e documentadas pela Impugnante, procedendo-se à redução da matéria coletável no valor de €26.428,80;

4.3. Conclui o seu articulado inicial peticionando a procedência da impugnação e, em consequência, a anulação dos atos tributários em causa, referentes ao IRC dos exercícios de 2004, 2005 e 2006.

4.4. O Ilustre Tribunal “a quo” julgou procedente a impugnação, considerando não poder manter-se na ordem jurídica as liquidações de IRC em crise, por entender, em suma, que não se encontram verificadas as condições previstas no artigo 87.°, n.° 1, al. b), da LGT que permitiriam o recurso aos métodos indiretos.

Ora

4.5. a decisão ora recorrida, não perfilhou, com o devido respeito, e salvo sempre melhor entendimento, a acertada solução jurídica no caso sub-judice, de facto e de direito.

Senão vejamos:

4.6. O Ilustre Tribunal a quo conheceu e julgou acerca da (i)legalidade da aplicação, por parte da Administração Tributária, de métodos indiretos na determinação da matéria coletável da impugnante, sujeita a IRC, nos exercícios de 2004 a 2006, julgando a presente impugnação procedente com fundamento no ilegal recurso à aplicação de métodos indiretos à impugnante, por parte da Administração Tributária.

Ora,

4.7. é com este segmento do decisório que a Fazenda Pública não se conforma, considerando a Fazenda Pública que, com o devido respeito e salvo sempre melhor entendimento, mal andou o Ilustre Tribunal recorrido ao conhecer da matéria, factual e jurídica, alegado pela impugnante no que respeita ao acerto, ou desacerto, da Administração Tributária ter, in casu, recorrido á aplicação de métodos indiretos para a determinação da matéria coletável sujeita a IRC.

E isto porque,

4.8. no modesto entendimento da Fazenda Pública, as questões referentes ao recurso à aplicação de métodos indiretos no apuramento da matéria tributável da impugnante já se encontrava, à data da emissão das liquidações objeto da presente impugnação, definitivamente decidida, tendo-o sido na data em que foi realizada a reunião da comissão de revisão, levada a cabo no âmbito do procedimento de revisão da matéria tributável, aberto por requerimento da impugnante, e constante da ata n.° 27/08, lavrada no âmbito desse procedimento.

4.9. Ora, de acordo com o disposto no n.° 4 do artigo 86.° da LGT, “Na impugnação do ato tributário de liquidação em que a matéria tributável tenha sido determinada com base em avaliação indireta, pode ser invocada qualquer ilegalidade desta, salvo quando a liquidação tiver por base o acordo obtido no processo de revisão da matéria tributável regulado no presente capítulo.’’.

Assim

4.10. tendo os peritos da comissão de revisão em questão acordado nos termos constante da citada ata n.° 27/08, aí tendo o perito indicado pela impugnante declarado concordar com “os motivos e factos que implicam o recurso a métodos indirectos”, é entendimento da Fazenda Pública, salvo sempre melhor entendimento, que as questões relativas à verificação dos pressupostos de que depende a aplicação de métodos indiciários se fixa definitivamente por acordo, de acordo com o disposto no citado artigo 86.°, n.° 4, da LGT.

4.11. Não sendo por isso lícito, in casu, ao Ilustre Tribunal a quo, com o devido respeito e salvo sempre melhor entendimento, conhecer das questões relativas à aferição dos pressupostos legais de aplicação de métodos indiretos na determinação da matéria tributável, sob pena de violar o disposto no aludido artigo 86.°, n.° 4, da LGT.

Aliás

4.12. este mesmo entendimento foi já perfilhado pelo Colendo Tribunal Central Administrativo do Sul, no seu Acórdão proferido em 19-06-2024 no âmbito deste mesmo processo de impugnação, e pelo qual foi determinada a baixa dos autos à primeira instância jurisdicional a fim de ser sentença que conheça do fundo da causa:

jm da leitura do citado Acórdão, colhe-se a conclusão que o Colendo STA-Sul considerou - e bem, no modesto entendimento da fazenda Pública - que os presentes autos de impugnação deveriam baixar à primeira instância jurisdicional para conhecimento judicial das questões relativas à “parte da matéria colectável fixada em que não existe acordo dos peritos”. Ou seja, na parte relativa à quantificação da matéria tributável, determinada pela aplicação de métodos indiretos, pois as questões referentes à verificação dos pressupostos para a aplicação de métodos indiretos já se encontrava definitivamente resolvida, por acordo.

Razão pela qual,

4.14. ao assim não entender, e ao determinar a anulação das liquidações de IRC referentes aos anos de 2004, 2005 e 2006 em sindicância, com base nos fundamentos com os que o foi, o Ilustre Tribunal a quo, sempre com o devido respeito e salvo sempre melhor entendimento, incorreu em erro de julgamento no que à aplicação do direito diz respeito, violando com isso o disposto no artigo 86.°, n.° 4, da LGT.

4.15. Pelo que, com o devido respeito e salvo sempre melhor entendimento, deve ser revogada a decisão ora recorrida, com as legais consequências daí decorrentes.»

Notificada da interposição de recurso a Impugnante, ora Recorrida, apresentou contra-alegações, que remata com as seguintes conclusões:«

A) A questão decidenda no presente recurso reconduz-se a aferir da (i)legalidade das liquidações em sede de IRC n.os ………………227, ………………257 e ………………..971, referentes aos exercícios de 2004, 2005 e 2006, respetivamente, nas quais se apurou o montante total a pagar de EUR 64.234,88;
B) O recurso a métodos indiretos para determinação da matéria coletável constitui uma exceção ao princípio da avaliação direta, só sendo admissível quando demonstrada, de forma concreta e fundamentada, a impossibilidade de comprovação e quantificação exata dos elementos essenciais à determinação da matéria tributável;
C) A Autoridade Tributária e Aduaneira não demonstrou, no procedimento - nem o fez em juízo a Fazenda Pública, a título complementar, com as limitações subjacentes a uma fundamentação a posteriori (que não é admissível) - que tais pressupostos se verificavam no caso concreto, limitando-se a invocar conclusões genéricas e não fundamentadas;
D) O Tribunal a quo apreciou corretamente a matéria, concluindo que a Autoridade Tributária e Aduaneira não esgotou os meios de avaliação direta ao seu dispor, designadamente a análise casuística de movimentos bancários e a circularização de clientes, meios esses que, se utilizados, permitiriam a determinação direta da matéria tributável, assim contrariando evidentemente a utilização de métodos de natureza indiciária, pela Autoridade Tributária e Aduaneira;
E) A aplicação de métodos indiretos nos presentes autos carece de fundamentação legalmente exigida, violando o disposto nos artigos 77.°, n.°4, 85.°, n.°1, e 87.°, n.°1, alínea b), da LGT, bem como os princípios constitucionais da legalidade e da proporcionalidade, resultando na clara ilegalidade dos atos tributários impugnados nos autos;
F) A alegação da Fazenda Pública, no sentido de que o Tribunal a quo não se poderia pronunciar sobre a legalidade do recurso a métodos indiretos, é infundada, na medida em que o Juiz não está sujeito às alegações das partes quanto à qualificação e aplicação do Direito, nos termos do disposto no n.°3 do artigo 5.° do CPC, aplicável ex vi do disposto na alínea e) do artigo 2.° do CPPT;
G) A quantificação da matéria coletável feita pela Autoridade Tributária e Aduaneira, baseada em médias aritméticas e presunções genéricas, ignorou a realidade concreta da atividade da Recorrida e a documentação apresentada que justificava, caso a caso, as situações de faturação;
H) A ausência de análise casuística e a adoção de um critério meramente estatístico e presuntivo constitui, uma vez mais, violação dos princípios da legalidade, da justiça tributária e do dever de fundamentação;
I) Nestes termos, deve ser julgada totalmente improcedente a pretensão recursória da Fazenda Pública, mantendo-se a decisão recorrida que anulou as liquidações impugnadas na parte em que a quantificação da matéria coletável não foi objeto de acordo em sede de comissão de revisão, com as demais consequências legais.
Nestes termos e nos demais de Direito que Vossas Excelências suprirão, deverá o presente recurso ser dado como totalmente improcedente, por provado, e, em consequência, ser mantida no ordenamento jurídico a Sentença recorrida, com as legais consequências.
Espera deferimento.».

A Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunto, emitiu mui douto parecer no sentido de improceder o recurso interposto pela Autoridade Tributária.

Colhidos os vistos legais e nada mais obstando, vêm os autos à conferência para decisão.

II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cf. artigo 635.º, n.º 4 e artigo 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2003, de 26 de Junho), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.

Assim, analisadas as conclusões da alegação do recurso, as questões a resolver reconduzem-se a saber se a sentença incorreu em erro de julgamento ao concluir que a existência na CDR de um acordo parcial que não tenha recaído sobre a totalidade da matéria colectável fixada no relatório de inspecção tributária, não compromete, à luz do disposto no art.º 86.º, n.º 4 da Lei Geral Tributária, a possibilidade de se discutir na impugnação da liquidação a existência de pressupostos para a aplicação de métodos indirectos, nem a quantificação da matéria colectável por métodos indirectos e se se conforma com a solução preconizada no Acórdão do TCAS, de 19/06/2024, revogatório da primitiva sentença.

III. FUNDAMENTAÇÃO
A) OS FACTOS

Em 1ª instância, deixou-se consignado em sede factual: «
1. A impugnante é uma sociedade que se dedica à atividade de contabilidade, auditoria e consultadoria, enquadrado no CAE 69200 e coletada em IRC no regime geral de tributação [facto não controvertido];

2. A impugnante, regra geral, recebia mensalmente dos seus clientes um quantitativo global que englobava o pagamento da avença mensal, montante para a Segurança Social, verba para retenções na fonte e outras despesas eventuais [cf. depoimento das testemunhas Mário ………………; Naresh …………………..; Fernando ………………; Joaquim …………..; Manuel …………..; Rosária ……………….. e Ana ……………….];

3. Esse quantitativo mensal recebido pela impugnante, mensalmente, de cada cliente era pago através de cheque, transferência bancária ou dinheiro [cf. depoimento de Naresh …………….; Fernando …………… e Manuel ……………….];

4. A impugnante não efetuava contratos escritos de "Avença" com os seus clientes, as condições eram acertadas de forma verbal [cf. depoimento de Naresh ……………; Fernando ……………..];

5. A impugnante possuía uma conta bancária no Banco M…………. - BCP, que fornecia aos seus clientes e, para a qual eram transferidos todos os pagamentos de clientes. Também, a partir dessa conta bancária eram efetuados, por conta dos clientes, os pagamentos para o Estado [cf. depoimento das testemunhas Joaquim ……………, Manuel ……………….; Rosária …………………; Lucília ………………….. e Ana …………………];

6. O procedimento adotado pela impugnante quanto aos movimentos financeiros com os clientes, consistia no envio de um e-mail mensal aos mesmos com a identificação e discriminação do valor da avença e dos pagamentos a efetuar pela impugnante, por conta dos clientes, às várias entidades (Segurança Social, Finanças, etc.), sendo certo que alguns clientes apenas procediam ao pagamento, à impugnante, do valor correspondente à avença [cf. depoimento das testemunhas Rosária …………………; Lucília …………….. e Ana ………………];

7. A impugnante possuía cerca de cem clientes, com avenças mensais de valores que oscilavam entre os € 40,00 aos € 175,00, sendo que em algumas situações não cobrava qualquer valor pelos serviços prestados [cf. depoimento das testemunhas Mário …………; Luis ……………; Naresh …………………; Fernando ………………..; Joaquim …………… e, Manuel …………..];

8. No decurso do ano de 2007, a Impugnante foi notificada para a realização de um procedimento de inspeção (externo), tendo a Administração Tributária fixado a matéria coletável da Impugnante em € 82.879,48 para 2003, € 108.651,15 para 2004, € 98.360,61, para 2005 e, € 127.225,48 para 2006 [cf. Doc. 3 junto com a PI];

9. Do Relatório de Inspeção Final, decorre a exposição dos factos e fundamentos que implicaram a aplicação dos métodos indiretos, como se enuncia:

"(...) IV. MOTIVOS E EXPOSIÇÃO DOS FACTOS QUE IMPLICAM O RECURSO A MÉTODOS INDIRECTOS

(...)
1. A Contabilidade não reflecte a existência de qualquer conta bancária (ver Balancetes no ANEXO V), tendo-se verificado que a empresa dispõe de conta bancária e apresenta, entre os documentos contabilísticos, diversos documentos relativos a movimentos bancários (exemplos dos mesmos no ANEXO IX), designadamente: emissão de livros de cheques; pagamento de refeições com cartão Multibanco; pagamentos à segurança social por transferência bancária; correspondência para envio de cheques a fornecedor.
Notificado para apresentar os extractos das contas bancárias, forneceu cópias dos mesmos, os quais, pela sua extensão, não se fazem constar em ANEXO ao presente Relatório, mas antes em PAPEIS DE TRABALHO. Porém, foi feito um somatório das entradas na conta bancária em cada um dos meses, bem como dos saldos no final de cada mês, tendo sido apurados os valores que se fazem constar do quadro da página seguinte, e donde, logo numa primeira abordagem, ressaltam as seguintes situações:
a) Saldos bancários relativamente elevados no final de cada mês, omitidos na Contabilidade;
b) Discrepância grande entre os depósitos efectuados e os proveitos contabilizados;


(...) Embora a existência e movimentação de conta bancária por sujeitos passivos de IRC apenas se tenha tornado obrigatória desde 2005 (Art.63°-C da LGT), tal facto não dispensa o registo dos respectivos movimentos na Contabilidade, para os contribuintes que já a possuíam e utilizavam. Desta forma, a contabilidade não reflecte todas as operações realizadas, o que constitui infracção ao Art.17° n°3 al.b) do CIRC, e põe em causa a credibilidade da mesma.
2. Os saldos de "Caixa" encontram-se permanentemente elevados,

não nos tendo sido apresentada qualquer justificação plausível para este facto. Na resposta adicional à Notificação (ponto 2), o contribuinte veio apresentar uma decomposição do saldo em 31/12/2006, na qual alegou que 97.487,00 € eram constituídos por "vales de Caixa".
3. A facturação é emitida por um programa extra-contabilístico, o qual emite uma listagem resumo das facturas emitidas, que serve de base à contabilização dos proveitos. O lançamento da facturação dos serviços prestados é feito pelos valores totais da listagem (prestação de serviços, IVA liquidado e clientes c/geral). De forma análoga, os recebimentos são lançados pelo valor global da facturação emitida, num único lançamento no final do mês: débito de caixa e crédito de clientes, c/ geral (ver exemplos comprovativos no ANEXO X).
Nestas circunstâncias, a Contabilidade não evidencia a posição de cada cliente, uma vez que não existem contas-correntes individuais, e, se existissem estariam sempre saldadas, face ao procedimento adoptado. Foram-nos facultados os extractos de clientes emitidos pelo programa de facturação, mas estes apenas têm registo das facturas e não dos recebimentos. Assim, também nesta área se verifica que os valores apresentados pela Contabilidade não merecem crédito, por não traduzirem a realidade.
4. Verificou-se também que os valores manifestados pela Contabilidade foram "compostos", de forma a que o resultado do exercício fosse o pretendido. Para o efeito, foi efectuado no final de cada ano um lançamento interno de "operações diversas", pelo qual se acrescem à conta "72.1113", por contrapartida da conta "27-Acréscimo de Proveitos", os valores necessários no final de cada ano (...)
Por outro lado, os saldos apresentados na conta "27" no final de cada ano são muito elevados face à facturação emitida, o que, perante a actividade concreta do contribuinte, reforça o indício de não se tratar de valores reais:

« Quadro no original»
Na resposta adicional ao ponto 6 da Notificação (ver ANEXOS VI e VII), o contribuinte veio apresentar uma decomposição dos saldos das contas "27", mas da sua análise concluiu-se que a mesma não é fiável, uma vez que, após análise da facturação nos vários anos, se verificou que grande parte dos créditos que constituem o saldo de um determinado ano não foram facturados no ano seguinte, o que deveria ter acontecido, dado que o lançamento feito em "31/12/ano n" é anulado em "31/12/ano n+1". Mais uma vez fica demonstrada a falta de veracidade dos valores apresentados pelo contribuinte.
É de referir que apenas constam dessas listagens os contribuintes com declarações de rendimentos entregues até setembro de 2007 (data em que foram extraídas) - Decl.mod.22 de IRC, ou Decl.mod.3 de IRS - e que, das pessoas singulares apenas constam as que possuem contabilidade organizada, que obrigue à existência de um TOC. Ainda com esta limitação, verificou-se que grande parte dos contribuintes constante dessas listagens não foi objecto de facturação por parte da C......, isto é, a C......, na pessoa de um dos três TOCs indicados, executou e elaborou a sua Contabilidade e procedeu à entrega das Declarações de Rendimentos, Anuais de Informação Contabilístico-fiscal, etc., mas não Ihe facturou os serviços prestados. Nalguns casos, faltam alguns períodos, noutros, falta a avença do ano inteiro.
Para tomar possível esta conclusão, foi necessário efectuar previamente uma análise exaustiva de toda a facturação emitida, do que resultaram os mapas constantes do ANEXO XII.
Nestas circunstâncias, o contribuinte foi notificado para justificar o motivo pelo qual não facturou a prestação de serviços aos contribuintes a quem executou e elaborou a Contabilidade e entregou as Declarações de Rendimentos e Anuais (ver ponto 8 da Notificação e respectiva resposta - ANEXOS VI e VII). Na resposta fornecida surgiram as mais diferentes situações, das quais se pode referir a título de exemplo:
- clientes a quem refere que faz os serviços gratuitamente, ou por questões de amizade pessoal, ou porque lhe entregou apenas a Declaração, mas não tiveram qualquer actividade;
- clientes que diz não facturar porque o valor dos serviços está integrado na avença de outro cliente;
- clientes que refere serem empresas já dissolvidas e/ou sem actividade;
- clientes de quem diz que deixaram de lhe pagar, pelo que não lhe facturou mais;
- clientes a quem diz que, de facto, facturou, mas que, analisada a factura, se concluiu ser referente a serviços de anos anteriores (alguns desde 1999 ou antes);
-clientes a quem assume não ter facturado, referindo "facturado/a facturar em 2007".
Da análise pontual de todos os casos questionados - e consultados, quer os dados constantes do sistema informático, para verificar a situação fiscal do contribuinte em causa, quer a facturação efectivamente emitida pela C...... concluiu-se que grande parte dos argumentos alegados não correspondem à verdade. Assim, tendo-se provado a falta de facturação de parte dos serviços prestados pela empresa, ficaram reunidos mais elementos de prova de que os valores apresentados pela Contabilidade não têm aderência com a realidade nem revelam as operações efectivamente praticadas pelo contribuinte.

IV. I1 PRESSUPOSTOS DE APLICAÇÃO DE MÉTODOS INDIRECTOS
Face a tudo o que vem sendo descrito, verifica-se a impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável, nos termos do Art.52° do CIRC e al. b) do Art.87° da LGT, a qual decorre essencialmente do previsto na al. a) do Art.88° (insuficiência dos elementos da contabilidade e irregularidades na sua organização e execução), mas também na al. d) do Art.88° da LGT- o que nos conduz à aplicação de Métodos Indiretos para a determinação do Resultado Tributável dos exercícios de 2003, 2004, 2005 e 2006.

V. CRITÉRIOS E CÁLCULOS DOS VALORES CORRIGIDOS COM RECURSO A MÉTODOS INDIRECTOS

V.I I.R.C.
Estabelece o Art. 75° da Lei Geral Tributária que, quando a Contabilidade ou 'escrita do sujeito passivo se mostre organizada segundo a lei comercial e fiscal, se presume a veracidade dos dados e apuramentos dela decorrentes, salvo se se verificarem erros, inexactidões ou outros indícios fundados de que a mesma não reflecte a Matéria Tributável efectiva do contribuinte.
Assim, e atendendo à existência de pressupostos para aplicação de Métodos Indirectos, acima referidos, far-se-á o apuramento da Matéria Tributável por avaliação indirecta, através da quantificação, de forma integrada, de duas componentes:
• Correcções de natureza técnica ao resultado tributável declarado, já descritas no Capitulo iii (pág.10 a 16), as quais irão ser subsumidas pelo conjunto das correcções decorrentes da aplicação de Métodos Indirectos
• Cálculo, por Métodos Indirectos, do valor de alguns proveitos que se provou estarem contabilizados por valores não correspondentes aos reais
Cálculo, por Métodos Indirectos, do valor de alguns proveitos (prestações de serviços não facturadas, ou subfacturadas)
O critério adaptado assentou nos procedimentos que, de seguida, se enunciam, os quais se enquadram no Art.90° n°1 al.d) e al.i) da LGT:

A) PROCEDIMENTOS PRÉVIOS
1º Foram registadas todas as facturas emitidas pelo contribuinte nos anos de 2003 a 2006, conforme já atrás referido, fazendo corresponder os valores facturados ao mês em que as facturas foram emitidas. Resultaram daqui os "mapas defacturação emitida pela C......", constantes do ANEXO XI.
2° Por não haver coincidência entre os meses de emissão das facturas e os meses da prestação dos serviços, seguiu-se uma imputação dos valores facturados ao correspondente mês em que os serviços foram prestados, de acordo com o descritivo das facturas. Tudo o que respeitava a serviços anteriores a 2003 foi transportado para uma coluna de "exercícios anteriores.
Desta imputação resultaram os mapas que se fazem constar do ANEXO XIII, nos quais foi possível identificar os clientes e os períodos com ausência de facturação. Estes mereceram uma análise caso a caso, por forma a, expurgando as situações de início ou cessação de actividade a meio de um ano, bem como das alterações dos TOC, com maior exactidão identificar os clientes aos quais não foi facturada avença pela prestação dos serviços de Contabilidade, bem como os períodos em que isso ocorreu.
3ºA esse ficheiro foi acrescentada a informação do montante de "vendas + prestação de serviços" declarado por cada cliente - obtida a partir dos dados das Declarações de Rendimentos disponíveis no sistema informático. É de referir que os casos em que não aparece qualquer montante são ambíguos, pois tanto podem corresponder a falta de entrega da Declaração Anual, modelo A, como a montantes nulos de vendas e prestações de serviços.
Os clientes da C...... foram, então, ordenados por ordem decrescente das "vendas + prestações de serviços" declaradas, conforme mapas do ANEXO XIV, o que permitiu realçar algumas disparidades entre avenças para clientes com montantes muito próximos. Concluiu-se, pois, haver indícios de subfacturação para alguns dos clientes.
4º Procedeu-se, de seguida (final de Novembro) à circularização de alguns clientes seleccionados entre aqueles em que foi constatada falta de facturação das avenças, durante todo o ano ou apenas em determinados períodos, aqueles em que se admitiu poder haver facturação por valor inferior ao valor efectivo da avença, e um ou outro que não nos oferecia grandes dúvidas - tendo os mesmos sido questionados sobre a identificação do(s) seu(s) TOC (s), o montante da avenças pagas, e pedidas cópias das facturas e pagamentos.
Fazem-se constar do ANEXOS XVIII a XX as respostas dos clientes, as quais, apesar de ter sido definido um prazo de 10 dias, se prolongaram até meados de janeiro de 2008. A análise das mesmas não foi concludente, uma vez que foram, na sua quase totalidade, elaboradas segundo um mesmo modelo (presumem-se, até, redigidas na própria C......), e os elementos enviados limitaram-se a extractos de conta (extraídos do programa de Contabilidade utilizado pela C......) e cópias das facturas a que já tivemos acesso. Duas excepções marcaram a diferença:
- um dos clientes veio pessoalmente prestar esclarecimentos, tendo sido ouvido em Auto de Declarações, e em que o valor da avença que disse pagar (55,00€ mensais em 2003; 60,00€ em 2004; 65,00€ em 2005; e 70,00€ em 2006 e 2007) difere substancialmente da avença facturada (75,00€ por trimestre). A resposta à notificação (presume-se que elaborada na C......) chegou posteriormente por correio, reafirmando os valores da Contabilidade.
- outro dos circularizados deixou de ser cliente da C...... em 2003, mas os valores da avença fornecidos para esse ano são também divergentes dos facturados pela C.......
5° A base de dados dos clientes da C...... circularizados foi completada com a indicação das respostas dadas, conforme mapas do ANEXO XV, e a sua análise permitiu confirmar os casos de falta de facturação (identificados na listagem com "X"), bem como os respectivos períodos, e identificar os casos com claros indícios de subfacturação (identificados na listagem com "F"). Para estes, houve necessidade de recurso a presunção das avenças facturadas.

B) CRITÉRIOS E CÁLCULOS
O critério adoptado para a determinação por Métodos Indirectos das avenças não facturadas e subfacturadas consistiu, em termos gerais, na determinação de uma avença média, apurada por
intervalos de volume de "vendas + prestações de serviços", relativamente aos clientes da C...... cuja facturação não nos levantou grandes suspeitas; e na aplicação dessa avença média aos clientes não facturados /subfacturados que se situam no mesmo intervalo de " vendas + prestação de serviços
Assim,
6º De toda a base de dados da facturação emitida por anos, foram escolhidos os clientes cujo montante de avença não nos levanta grandes suspeitas, e ordenados por ordem decrescente de volume de "vendas + prestações de serviços"
Uma vez ordenados, repartiram-se em quatro escalões, de forma mais ou menos igualitária, de que resultaram os seguintes intervalos:
-volumes de negócios abaixo de 100.000,00 €,
- volumes de negócios entre 100.000,00 € e 300.000,00 €,
- volumes de negócios entre 300.000,00 € e 1.000.000,00 €,
- volumes de negócios superiores a 1.000.000,00 €
e determinou-se a avenca média facturada pela C...... em cada um desses escalões.
Estes procedimentos encontram-se evidenciados nos mapas do ANEXO XVI, e os montantes das avenças médias aí determinadas, arredondados por defeito, são as seguintes:

« Quadro no original»

Foram aplicadas essas avenças médias mensais aos clientes não facturados e subfacturados, de forma a determinar o valor dos serviços prestados presumidos, sendo de realçar os seguintes aspectos:
-não tendo havido qualquer facturação, foi determinada a avença anual presumida, em função do escalão em que se encontrava o cliente
-nos casos de subfacturação, a avença anual presumida foi deduzida do montante já facturado
-havendo apenas determinados meses em falta, presumiu-se uma avença mensal igual à facturada nos restantes meses ou anos
-desconhecendo-se o volume de negócios do cliente a presumir, entendeu-se atribuir uma avença mínima mensal de 100,00 €, correspondente ao mínimo dos clientes cujo montante de avença não nos levantou suspeitas.
De acordo com esta metodologia, foram feitos os devidos cálculos, que ficam evidenciados nos mapas do ANEXO XVII, tendo sido apurados os seguintes valores de correcção:

« Quadro no original»

[cf. Doc. 3 junto com a PI];

10. Em 08.04.2008, na sequência das conclusões da Inspeção Tributária, a Impugnante apresentou um Pedido de Revisão de matéria tributável fixada por métodos indiretos, do qual resultou um acordo parcial obtido entre os Peritos, quanto à quantificação dos valores tributáveis IRC/IVA. Entendeu-se, nessa sede, que deveria proceder-se à alteração das correções presumidas e, consequentemente, à fixação da matéria coletável, para efeitos de IRC, nos seguintes termos: € 67.889,48 para 2003, € 76.576,15 para 2004, € 69.450,61 para 2005 e, de € 87.710,48 para 2006 [cf. Docs. 4 e 5 juntos com a PI];

11. Do "Ponto de Ordem" efetuado pelo perito do contribuinte, que ficou a fazer parte integrante da Ata n° 19/08 da DF Lisboa, (Procedimento de Revisão n° 1820 a 1827/2008, de 12.05.2008), consta o seguinte "Tendo o presente procedimento de revisão assentado na análise caso a caso de clientes do contribuinte (...), o perito do contribuinte aceita e acorda nos valores evidenciados no tal mapa e para os clientes que nela lá constam. Outros factos, constatações e evidências, tidas como verdadeiras pelo contribuinte, e explanadas em sede administrativa antecedente, não foram passíveis de acordo com o perito da fazenda nacional. Entende o perito do contribuinte, deixar bem explicita a sua posição sobre este assunto, entendendo que, pelo facto do acordo ora estabelecido não contemplar outras matérias, deixa propositadamente ao arbítrio do contribuinte a decisão sobre posterior recurso, reclamação ou impugnação" [cf. fls. 167 a 168 do PAT, em apenso aos autos];

12. Em 12.08.2008 é assinada pelo perito do contribuinte, perito da AT e perito independente, a Ata n° 27/08, de 12 de maio, referente ao Procedimento de Revisão n° 1820 a 1827/2008, de 12.05.2008, em que se fez constar, resumidamente, o seguinte:
"FUNDAMENTOS PARA FIXAÇÃO DA MATÉRIA COLECTÁVEL
Os Peritos da Fazenda Pública, do Contribuinte bem como o Perito Independente reuniram para apreciar o pedido de revisão efectuado pelo Sujeito Passivo, nos termos do Art° 91° da LGT. Com tal pedido o Contribuinte tentava contrapor á fundamentação constante do relatório de Inspecção, que se dá por reproduzido, do qual se concluía pela necessidade de aplicação de métodos indirectos, para obtenção do lucro tributável com referência aos exercícios de 2003, 2004, 2005 e 2006.
Dos pressupostos para tributação de forma indirecta:
- Inexistência de conta(s) bancária (s):
Apesar de possuir conta bancária a mesma não é reflectida na contabilidade. Com efeito, não obstante apresentar diversos documentos relativos a movimentos bancários (anexo IX do relatório) os mesmos não são contabilizados como tal.
-Saldos de Caixa elevados
Apresentando-se os saldos de Caixa elevados, (pág. 22 do relatório) não terá sido apresentada explicação para esse facto. O contribuinte veio a decompor o saldo de 31.12.2006, argumentando a existência de vales de caixa.
-Inexistência de contas correntes de Clientes
A facturação era emitida num programa extra-contabilístico, o qual emitia uma listagem resumo de facturas emitidas, que servia de base à contabilização dos proveitos. Assim o lançamento da facturação dos serviços prestados era feito pelos valores totais da listagem. Da mesma forma os recebimentos eram lançados pelo valor global da facturação emitida, debitando Caixa e creditando Clientes c/geral. (Anexo X do relatório).
Desta forma a contabilidade não evidenciava a posição de cada cliente, por não existirem contas correntes individuais. Tendo sido apresentados extractos de clientes emitidos pelo programa de facturação, verificou-se que os mesmos apenas tinham registo das facturas e não dos recebimentos.
-Conta 27. Acréscimo de Proveitos
No final de cada ano era efectuado um lançamento interno de operações diversas, pelo qual se acrescentavam á conta de Proveitos (72.1113), por contrapartida da conta 27 - Acréscimo de Proveitos, os montantes necessários para compor o resultado declarado. E acresce o facto de, relativamente a esta conta os saldos apresentados no final de cada ano serem muito elevados face à facturação emitida, o que em relação à actividade do contribuinte reforçava o indício de não se tratar de valores reais, mas sim de valores arranjados para compor resultados.
- Circularização aos Clientes
Tendo sido efectuada circularização aos seus clientes concluiu-se que nalguns casos não haviam sido facturados valores de prestação de serviços efectuados aos mesmos. Como justificação para tais situações foram apresentadas pelo Contribuinte as razões referidas na pág. 24 do relatório, as quais não mereceram acolhimento por parte dos Técnicos Inspectores, tendo os mesmos concluído que “ os valores apresentados pela contabilidade não têm aderência com a realidade nem revelam as operações efectivamente praticadas pelo contribuinte.”
Assim, concluíram os serviços de Inspecção Tributária, ficou comprometida a confirmação e a quantificação directa da matéria colectável. E não sendo possível a confirmação do lucro através da aplicação do método directo foi necessário, nos termos dos art° 52° do CIRC e art° 87° alínea b) da LGT, a aplicação de métodos indirectos, por força das alíneas a) e d) do art° 88°, também da LGT.
Da quantificação da matéria colectável
Com base nos cálculos efectuados pelos serviços de inspecção, que resultam dos procedimentos constantes a págs. 26, 27, 28 e 29 do relatório, chegaram os mesmos aos valores constantes do mapa de apuramento do lucro tributável constante da pág. 53 do relatório, e do imposto IVA que consta do mapa referido nas págs. 31 e 32, e que resulta da aplicação das taxas de Iva ás bases tributáveis presumidas e consideradas em falta.
Das razões aduzidas pelo Sujeito Passivo
No requerimento apresentado pelo Sujeito Passivo para efeitos de revisão do lucro tributável não são apresentadas outras razões, sendo antes reafirmadas as razões já anteriormente apresentadas aquando do exercício do direito de audição, para o qual havia sido devidamente notificado. Aproveitamos para referir que não obstante ter sido apresentado fora de prazo, foi o mesmo devidamente analisado, tendo dessa análise resultado alteração favorável ao contribuinte. Ou seja, algumas correcções propostas pelos Serviços de Inspecção, foram desconsideradas, baixando por isso o lucro inicialmente proposto.
Foi ainda solicitado que se mantivesse a tributação pelo método directo e que, caso tal não sucedesse, a serem presumidos os proveitos os mesmos fossem substancialmente reduzidos para os valores agora propostos.
Conclusões:
Dos Pressupostos para tributação por Métodos Indirectos:
Pelas razões constantes do ponto 1, parece-nos que efectivamente ficaram demonstradas e provadas irregularidades efectivas na elaboração da contabilidade. Ficando provadas essas irregularidades, concluíram os técnicos Inspectores que ficou abalada a confiança para manutenção de tributação pelo método directo. E tal conclusão veio a ter concordância da chefe de Equipa e do Chefe de Divisão. Não conseguiu o Sujeito Passivo afastar a evidência e a existência dessas irregularidades. Acabou até por confirmá-las (última linha pág. 3 do pedido de revisão do lucro).
Argumentou o representante do Sujeito Passivo que não obstante não haver contabilização da conta de Bancos o extracto bancário veio a ser apresentado aos Inspectores. No entanto, não tendo o contribuinte procedido correctamente à luz de sãos princípios de contabilidade, com a consequente contabilização da conta Bancos durante vários anos, não competia aos Inspectores fazerem a circularização dos clientes e dos bancos e refazerem a contabilização dos seus proveitos. Ou seja, a contabilidade era o que era e valia o que valia. No entanto continuava a não dar segurança para que se pudesse manter a tributação pelo método directo.
Relativamente à conta 27. Acréscimo de Proveitos, da análise por nós efectuada conclui-se que a mesma, não reflectindo qualquer aderência à realidade, não deve ser considerada. E já não foi pelos Inspectores, como não será por nós, nem sequer para extrapolar conclusões comparativas no que respeita ao valor de avenças praticadas em relação a hipotéticos valores provisionados. Algumas considerações mencionadas na petição não serão por mim (Perito da Fazenda) objecto de análise por extravasarem o âmbito da mera análise técnica, antes entrando em considerandos pessoais.
Na análise ao exercício do direito de audição (pág. 37 a 40 do relatório), que se dá por reproduzido, são reafirmadas as razões pelas quais não é possível dar credibilidade á contabilidade, considerando-se essa análise tecnicamente correcta.
Pelo exposto parece-nos que efectivamente não é possível considerar o resultado da contabilidade, encontrando-se assim reunidas as condições previstas no art° 87° da LGT, devendo, pois, recorrer-se à aplicação de métodos indirectos.
Da quantificação dos valores Tributáveis IRC/TVA
Demonstrada que ficou a necessidade de aplicação de métodos indirectos, resta-nos verificar se o método de cálculo é ou não correcto. Considerando-se, tal como refere o Sujeito Passivo na sua petição, que da aplicação do método se terá obtido valores irreais e incomportáveis para a sua realidade tributária, o que é facto é que a quantificação assente em valores possivelmente obtidos é sempre difícil, podendo ficar sempre a dúvida da sua aproximação com os valores realmente obtidos.
Com efeito, na aplicação do método podemos chegar a valores que poderão ser considerados anormais para o tipo de actividade exercida. No entanto, também podemos concluir que não é um método que não possa ser aplicado. Sendo matematicamente correcto trata-se de uma forma objectiva e simples, que não colide com qualquer regra, sendo muitas vezes utilizada para obtenção de proveitos presumidos.
Na nossa análise e discussão no decorrer da reunião mantivemos a atitude de tudo discutir, mas só aceitar com repercussão nos valores presumidos as situações que efectivamente possam ter prova. Ou seja, abstivemo-nos de considerações mais ou menos subjectivas e baseámo-nos em situações objectivas.
Assim não discordando em absoluto com o método reafirmado a págs, 46 a 50 do relatório - um dos possíveis, entendo, no entanto, que os valores presumidos poderão ser alterados, pelas seguintes razões:
Na presunção efectuada, estão incluídos alguns casos de avenças que não foram facturadas, estando os valores referentes aos serviços prestados incluídos no valor facturado à empresa mãe. Com efeito, trata-se de grupos de empresas, tendo-se constatado que se trata de empresas com volume de negócios reduzido. Sabendo-se que na prática poderá acontecer esta situação parece-nos que é admissível aceitarmos essa situação de facto. Não será normal que sejam aplicados valores de presunção como se de empresas independentes se tratassem. Outro problema que se poderia pôr seria a imputação ou não dos custos em causa na esfera das empresas do grupo, mas isso era possível verificar. Tendo o perito do contribuinte carreado para esta Comissão esses elementos probatórios, que se juntam em anexo no total de 20 folhas (13 referentes às mputações e 7 referentes á reduzida actividade - anexo 2) aceitamos essa pretensão.
Outra situação que nos parece ser de ter em conta refere-se a avenças presumidas para todo o ano e pelo mesmo valor, referentes a empresas que iniciaram a actividade em época diferente. Ou seja, se a empresa teve o seu início em Julho ou Agosto não terá sido efectuada a contabilidade desde Janeiro, e portanto pagos esses serviços, com a consequente presunção de avenças na esfera da C....... Alguns destes elementos de prova já haviam sido carreados para o processo no decurso do exercício do direito de audição e constam do mesmo.
No decurso da acção inspectiva foi aceite uma situação análoga estas, (A………… - NIPC ……………..pag. 3 ANEXO XVII). Juntam-se em anexo 2 folhas resumo em que constam as datas do inicio da actividade. (anexo 3).
Tendo sido presumidas avenças veio o Perito do Sujeito Passivo apresentar á Comissão alguns elementos que mereceram acolhimento e que correspondem a casos excepcionais, ou relativos a simples entregas de declarações de IVA sem movimento ou a 3 casos de favor (relações de amizade) e que pela sua falta de representatividade tivemos em consideração.
Na petição do Sujeito Passivo é referido um erro no mapa constante da pág. 53 do relatório, relativamente ao ano de 2004. Com efeito, a soma das facturas 10603 a 10611 totaliza 15 252,90 e não 16 977,90 euros. No entanto há que acrescer 1 725 euros que estão incluídos na listagem mas que não foram contabilizados pelo que somados perfazem 16 977,90 euros. Assim não vai ser considerada essa diferença de 1 725 euros no apuramento a efectuar.
Assim em anexo 4, juntam-se 3 folhas onde são relacionadas as empresas sobre as quais é aceite a redução de Serviços Prestados presumidos com a referência ás razões da aceitação.
Pelo exposto, concluo pela alteração das correcções presumidas, e da consequente fixação das matérias colectáveis para efeitos de IRC em: 2003 67 889,48 euros 2004 76 576,15 euros 2005 69 450,61 euros 2006 87 710,48 euros.
Consequentemente os valores a tributar em sede de IVA serão de 12 327,68 euros em 2003; de 14 411,50 euros em 2004; de 17 302,85 euros em 2005 e de 17 947,65 euros em 2006 conforme mapa que se anexa (anexo 1).
- Relativamente ao ano de 2005, é seguido o mesmo critério que foi seguido pelos Serviços de Inspecção, para efeitos de tributação em IVA.
Relativamente à imputação por meses vai ser abatido a cada mês, ao valor presumido pelos Serviços de Inspecção, 1/12 do valor anual aceite como redução da presunção.
O Representante do Sujeito Passivo entendeu juntar à acta, como declaração 2 folhas que se anexam e que ficam a fazer parte integrante da mesma. Juntam-se ainda 4 folhas a que correspondem 7 páginas relativas ao Parecer do Perito Independente. (…)” [cf. fls. 158 a 166 do PAT apenso aos autos];

13. Da referida Ata n° 27/08, de 12 de maio, ficou também a constar o Parecer do Perito Independente, no qual concluiu que a matéria coletável em sede de IRC e IVA deveria ser ajustada em conformidade com o proposto e acordado na reunião de peritos, como se enuncia: “(...) Face ao exposto:

a) Com base, e atentos os fundamentos de facto e de direito, baseado no meu envolvimento, atenta a disposição do n.° 7 do artigo 92.° da L.G.T., nos termos e com os fundamentos acima mencionados, é meu parecer, que os dados em que a estimativa se baseia são rigorosos, completos e relevantes, merecendo da minha parte concordância, os motivos e factos que implicam o recurso a métodos indirectos;
b) Constatando-se que existe segurança razoável e acordo, quanto à adequação da estimativa das prestações de serviços presumidas pela Administração Fiscal, proponho que a matéria colectável em sede de IRC e IVA seja ajustada em conformidade com o proposto e acordado na reunião de peritos.
c) Tendo havido acordo entre os peritos, o tributo deverá ser liquidado com base na matéria tributável acordada." [cf. fls. 169 a 175 do PAT em apenso aos autos];

14. Em 12.06.2008, a Impugnante foi notificada da liquidação adicional de IRC n.° ……………..227, referente ao exercício de 2004, bem como da demonstração de acerto de contas e de juros, no montante a pagar de € 21.726,12 [cf. Doc. 6 junto com a PT];

15. Em 19.06.2008, a Impugnante foi notificada da liquidação oficiosa de IRC n.° ……………..257, referente ao exercício de 2005, bem como da demonstração de acerto de contas e de juros, no montante a pagar de € 18.481,88 [cf. Doc. 7 junto com a PT];

16. Em 10.07.2008, a Impugnante foi notificada da liquidação oficiosa de IRC n.° ………….971, referente ao exercício de 2006, bem como da demonstração de acerto de contas e de juros, no montante a pagar de € 24.026,08 [cf. Doc. 8 junto com a PT].

IV.2- DOS FACTOS NAO PROVADOS

Não existem factos relevantes para a decisão que importe destacar como não provados.


*

IV.3 - MOTIVAÇÃO MATÉRIA FACTO

A convicção do Tribunal formou-se com base no teor de documentos que integram os autos e o processo administrativo, nos termos que se encontram expressamente referidos em cada um dos pontos do probatório.

Considerou-se, ainda, os depoimentos das testemunhas (obtidos no âmbito de diligência efetuada nos autos de impugnação 2267/09.0BELRS - aproveitamento prova) arroladas pela Impugnante: Mário ………………; Luís …………..; Naresh ………….; Fernando …………; António ……………..; Joaquim …………..; Manuel …………….; Rosária …………….., Lucília …………… e, Ana …………, que se manifestaram de forma séria e credível.

O depoimento das testemunhas Mário ……………; Luís ……………..; Naresh ……………; Fernando ……………..; António ………………; Joaquim L………….. e Manuel ……………, mostrou-se relevante no que concerne ao modus operandi da impugnante com os clientes em geral, tendo ficado demonstrado que a Impugnante recebia mensalmente um valor que previamente dava a conhecer aos clientes, o qual se destinava a pagar a Avença mensal e para fazer face às despesas de cada empresa/cliente, uma vez que era a impugnante, na maioria dos casos, quem se encarregava de efetuar os pagamentos para as Finanças, Segurança Social e/ou outras entidades do Estado.

O depoimento destas testemunhas também esclareceu o montante dos valores mensais das respetivas avenças, sendo certo que, inclusive, um dos depoimentos foi no sentido de que a Impugnante, em algumas situações não cobrava qualquer valor a título de avença, justificando assim algumas situações detetadas no âmbito da inspeção, alegadas de ausência de faturação. Os depoimentos destas testemunhas foram determinantes para a fixação dos factos 2, 3, 4, 5 e 7 do probatório.

As testemunhas Rosária ………………, Lucília ……………… e Ana ………………, funcionárias da C......, vieram confirmar que a Impugnante tem uma conta no Banco M………… BCP e que o modus operandi com os clientes em geral, era efetivamente aquele que as testemunhas (clientes) descreveram, ou seja, as quantias recebidas pelos clientes não se destinavam apenas a custear as avenças, antes serviam também para que a impugnante procedesse ao pagamento das suas despesas junto das entidades públicas.

Salienta-se que as testemunhas Rosária …………….., Lucília …………… e Ana ………………., apesar de serem contabilistas certificadas, não efetuaram a contabilidade da impugnante, mas apenas a dos seus clientes. Neste âmbito, os seus depoimentos no que concerne à contabilidade da impugnante manifestaram-se vagos, uma vez que foram emitidos com base na presunção de que os procedimentos de contabilização seriam semelhantes aos desenvolvidos para os seus clientes. Os depoimentos destas testemunhas foram determinantes para a fixação do facto 6 do probatório.».


B.DE DIREITO

A questão que importa resolver consiste em saber se tendo havido na CDR acordo parcial quanto à quantificação da matéria tributável por métodos indirectos, é possível discutir na impugnação os pressupostos de aplicação de métodos indirectos e a quantificação da matéria tributável.

Como se apreende dos elementos dos autos, a sentença impugnada foi proferida em execução do Acórdão deste TCA, de 19/06/2024, que revogou a primitiva sentença e ordenou a baixa dos autos à 1.ª instância para conhecimento do mérito da impugnação.

Com efeito, o que se passou foi que no pressuposto entendimento de que tinha havido acordo no processo de revisão da matéria tributável, a primitiva sentença concluiu pela inimpugnabilidade do acto de liquidação quer quanto aos pressupostos de determinação indirecta da matéria tributável, quer quanto ao erro na quantificação, vícios do acto invocados na impugnação judicial.

Esse entendimento não foi validado por este TCA no recurso interposto da primitiva sentença, que no citado Ac. de 19/06/2024 concluiu que apenas tinha havido acordo parcial quanto à quantificação da matéria tributável e, por conseguinte, a impugnante podia discutir na impugnação a quantificação por métodos indirectos, como pretendia fazer.

Em execução da solução preconizada no citado Acórdão deste TCA, o qual não foi impugnado por qualquer das partes, o Tribunal recorrido conheceu do mérito da impugnação, tendo concluído ser de anular as liquidações de IRC impugnadas por não se encontrarem reunidos os pressupostos de que depende o recurso a métodos indirectos na determinação da matéria tributável.

Vem agora a recorrente sustentar que o recurso a métodos indirectos integrava o acordo conseguido no processo de revisão, que apenas deixou de fora aspectos ligados à quantificação e que, na sua interpretação do acórdão do TCA de 19/06/2024, apenas esses aspectos da quantificação não abrangidos pelo acordo conseguido na CDR poderiam ser discutidos na impugnação.

No fundo, o que a recorrente pretende é que a inimpugnabilidade do acto tributário de liquidação derivada da existência de acordo parcial no processo de revisão da matéria tributável (cf. art.º 86.º, n.º 4 da LGT) não sendo absoluta, restringe a impugnação contenciosa à parte da matéria colectável fixada em que não existe acordo dos peritos. Vejamos.

Dispõe aquele art.º 86.º, n.º 4 da LGT: “Na impugnação do acto tributário de liquidação em que a matéria tributável tenha sido determinada com base em avaliação indirecta, pode ser invocada qualquer ilegalidade desta, salvo quando a liquidação tiver por base o acordo obtido no processo de revisão da matéria tributável regulado no presente capítulo.”

O processo de revisão a que alude aquele preceito está previsto e regulado no art.º 92.º da LGT, que tem a seguinte redacção:

«Artigo 92.º
Procedimento de revisão
1 - O procedimento de revisão da matéria colectável assenta num debate contraditório entre o perito indicado pelo contribuinte e o perito da administração tributária, com a participação do perito independente, quando houver, e visa o estabelecimento de um acordo, nos termos da lei, quanto ao valor da matéria tributável a considerar para efeitos de liquidação.
2 - O procedimento é conduzido pelo perito da administração tributária e deve ser concluído no prazo de 30 dias contados do seu início, dispondo o perito do contribuinte de direito de acesso a todos os elementos que tenham fundamentado o pedido de revisão.
3 - Havendo acordo entre os peritos nos termos da presente subsecção, o tributo será liquidado com base na matéria tributável acordada.
4 - O acordo deverá, em caso de alteração da matéria inicialmente fixada, fundamentar a nova matéria tributável encontrada.
5 - Em caso de acordo, a administração tributária não pode alterar a matéria tributável acordada, salvo em caso de trânsito em julgado de crime de fraude fiscal envolvendo os elementos que serviram de base à sua quantificação, considerando-se então suspenso o prazo de caducidade no período entre o acordo e a decisão judicial.
6 - Na falta de acordo no prazo estabelecido no n.º 2, o órgão competente para a fixação da matéria tributável resolverá, de acordo com o seu prudente juízo, tendo em conta as posições de ambos os peritos.
7 - Se intervier perito independente, a decisão deve obrigatoriamente fundamentar a adesão ou rejeição, total ou parcial, do seu parecer.
8 - No caso de o parecer do perito independente ser conforme ao do perito do contribuinte e a administração tributária resolver em sentido diferente, a reclamação graciosa ou impugnação judicial têm efeito suspensivo, independentemente da prestação de garantia quanto à parte da liquidação controvertida em que aqueles peritos estiveram de acordo».

Ora, o acordo obtido no processo de revisão de que fala o art.º 86.º, n.º 4 da LGT, é o acordo estabelecido entre os peritos que permita estabelecer o valor da matéria tributável a considerar para efeitos de liquidação.

Não prevê a lei acordos parciais entre os peritos, circunscritos a determinados aspectos da quantificação, mas não a outros.

Compreende-se que assim seja, por evidentes razões. Com efeito, não faz sentido a lei consolidar na ordem jurídica os aspectos da quantificação (por exp.º, omissão de compras) acordados em sede de processo de revisão e permitir, em detrimento da posição da processual da AT, que o contribuinte discuta contenciosamente outros (por exp.º, omissão de proveitos), o que até se revela de alcance prático nulo na medida em que, dando o Tribunal razão à pretensão anulatória do contribuinte quanto à parte da matéria tributável fixada em que não exista acordo dos peritos, a liquidação não pode manter-se na ordem jurídica, devendo ser anulada na sua totalidade e não apenas na parte afectada de ilegalidade.

Na verdade, constitui jurisprudência pacífica e consolidada do Supremo Tribunal Administrativo, nomeadamente expressada no seu Ac. de 13 de Novembro de 2013, tirado no proc.º 285/13-30, que:

«I. O acto tributário de liquidação é por natureza um acto divisível e, consequentemente, é susceptível de anulação parcial, no respectivo processo de impugnação.
II. Não é, todavia, possível proceder-se à anulação parcial do acto, se o vício judicialmente reconhecido resulta de, na fixação da matéria colectável por métodos indirectos, a AT ter presumido uma margem de lucro que o Tribunal entendeu insuficientemente demonstrada, pois não cabe aos tribunais, substituindo-se à Administração, escolher a margem de lucro ajustada ao caso e proceder à correspondente liquidação».

A ser correcta a leitura que fazemos, impõe-se a conclusão inexorável de que no caso vertente e para efeitos do disposto no art.º 86.º, n.º 4 da LGT, não houve lugar a qualquer “acordo obtido no processo de revisão” que determine a inimpugnabilidade de qualquer vício assacado ao acto tributário de liquidação, seja o erro nos pressupostos de aplicação de métodos indirectos, seja o erro na quantificação da matéria tributável.

Como tal, ao conhecer do invocado erro nos pressupostos da aplicação de métodos indirectos, a sentença não incorreu em erro de interpretação jurídica das normas aplicáveis e convocadas.

No entanto, há que reconhecer razão à recorrente no também convocado argumento de que a sentença recorrida se não conformou com a solução jurídica preconizada no Ac. revogatório deste TCAS, de 19/06/2024, o qual – bem ou mal, não importa agora, posto que consolidado na ordem jurídica – restringiu o âmbito da impugnabilidade da liquidação à questão da quantificação da matéria tributável sobre que não recaíra o acordo dos peritos, vedando a apreciação de outros eventuais vícios do acto de liquidação, nomeadamente, o erro nos pressupostos de aplicação de métodos indirectos.

Tendo sido este (erro na aplicação de métodos indirectos) o fundamento anulatório conhecido e julgado procedente na sentença recorrida, é manifesto que a sentença não se conformou com a decisão do Acórdão revogatório.

Nessa medida, haverão os autos de baixar ao Tribunal recorrido para prolação de nova sentença que restrinja o conhecimento dos vícios assacados à liquidação à questão do erro ou excesso de quantificação da matéria tributável sobre que não houve acordo dos peritos na CDR, o que se determinará no dispositivo deste Acórdão.

A sentença enferma, pois, do invocado vício de erro de julgamento por desconformidade com o Ac. revogatório do TCAS, sendo de conceder provimento ao recurso.

IV. DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da Subsecção Comum da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso revogar a sentença recorrida e ordenar a baixa dos autos ao Tribunal recorrido para decisão conforme com o Ac. revogatório deste TCAS, de 19/06/2024.

Sem custas.

Lisboa, 16 de Outubro de 2025


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Vital Lopes



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Tiago Brandão de Pinho



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Rui A. S. Ferreira