| Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
| Processo: | 38316/25.0BELSB | 
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| Secção: | CA | 
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| Data do Acordão: | 10/23/2025 | 
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| Relator: | LUÍS BORGES FREITAS | 
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| Descritores: | INTIMAÇÃO PARA PROTEÇÃO DE DIREITOS, LIBERDADES E GARANTIAS INDEFERIMENTO LIMINAR PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO REGIME DE CONTRATAÇÃO DE DOUTORADOS ABERTURA DE PROCEDIMENTOS CONCURSAIS PARA A CARREIRA | 
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| Sumário: | I - A evidência da solução que determina a decisão de indeferimento liminar leva, em si, o pressuposto da manifesta desnecessidade justificadora do não cumprimento do princípio do contraditório, pelo que a reação ao indeferimento liminar passará apenas pelo crivo do eventual erro de julgamento e não pela alegada violação do princípio do contraditório. II - De acordo com o disposto no artigo 6.º/5 do Decreto-Lei n.º 57/2016, de 29 de agosto, na redação dada pela Lei n.º 57/2017, de 19 de julho, «[a] instituição, em função do seu interesse estratégico, procede à abertura de procedimento concursal para categoria da carreira de investigação científica ou da carreira de docente do ensino superior, de acordo com as funções desempenhadas pelo contratado doutorado, até seis meses antes do termo do prazo de seis anos referido no n.º 2». III - A abertura do referido procedimento consubstancia um dever da respetiva instituição. IV - A escolha que a lei lhe confere é apenas entre o concurso para categoria da carreira de investigação científica ou para categoria da carreira de docente do ensino superior, escolha essa que terá de ser fundamentada no seu interesse estratégico. | 
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| Votação: | Declaração de voto e voto de vencido | 
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| Indicações Eventuais: | Subsecção Administrativa Social | 
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| Aditamento: |  | 
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| Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na Subsecção Social do Tribunal Central Administrativo Sul: I G……. intentou, em 25.6.2025, no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, a presente intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias contra a FACULDADE DE CIÊNCIAS DA UNIVERSIDADE DE LISBOA, pedindo a condenação da «Ré a realizar todos os procedimentos adequados, previstos no n.º 5 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 57/2016, de 29 de agosto, alterado pela Lei n.º 57/2017, de 19 de julho, que se consubstanciam na abertura de procedimento concursal para ocupação de um posto de trabalho na carreira de investigação científica, de acordo com as funções desempenhadas pelo Autor». * Por decisão de 26.6.2025 o tribunal a quo indeferiu liminarmente a petição. * Inconformado, o Requerente interpôs recurso daquela decisão, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões, que se transcrevem: 1. Salvo o devido respeito, que é muito elevado, a douta sentença recorrida, rejeitando liminarmente a presente ação não efetuou a melhor aplicação do Direito e da Justiça. 2. Esta rejeição configura uma decisão surpresa. O recorrente não foi chamado a exercer o contraditório nos termos previsto no n.º 3 do artigo 3.º do CPC, aplicável ex vi do artigo 1.º do CPTA. 3. A Jurisprudência tem abordado esta questão, adotando uma posição uniforme e pacifica que aqui fica exemplificada através da transcrição do sumário do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, prolatado em 12 de julho de 2018, no âmbito do processo n.º 177/15.0T8CPV-A. P1.S1: “I - A decisão surpresa que a lei pretende afastar com a observância do princípio do contraditório, contende com a solução jurídica que as partes não tinham a obrigação de prever, para evitar que sejam confrontadas com decisões com que não poderiam contar, e não com os fundamentos que não perspetivavam de decisões que já eram esperadas. II - A decisão surpresa não se confunde com a suposição que as partes possam ter feito quanto ao destino final do pleito, nem com a expectativa que possam ter perspetivado quanto à decisão, quer de facto, quer de direito, sendo certo que, pelo menos, de modo implícito, a poderiam ou tiveram em conta, designadamente, quando lhes foi apresentada uma versão fáctica não contrariada e que, manifestamente, não consentiria outro entendimento (…)” 4. Por outro lado, a douta sentença recorrida não teve em conta que através da presente ação o Recorrente pretende que a Ré proceda à abertura do concurso que, na sua opinião, está obrigada a abrir. 5. A precariedade do Recorrente ao serviço da Ré remonta ao ano de 2009 (cfr. PI). Por isso, não se entende que a violação do disposto no n.º 5 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 57/2016 não configure a violação de qualquer direito, liberdade ou garantia do Recorrente ou outro de natureza análoga, conforme parece resultar da douta sentença recorrida. Nomeadamente de violação da liberdade de escolha de profissão e do direito de acesso à função pública, com consagração constitucional no artigo 47.º da nossa Lei Fundamental. 6. A condenação da Ré na abertura de um concurso que devia ter ocorrido até 6 meses do final do contrato de trabalho celebrado com o Recorrente não é compatível com as finalidades da ação administrativa, que não permite suster os prejuízos decorrentes da falta de abertura do concurso, e não pode ser objeto de uma providência cautelar. 7. Quanto à urgência e à repercussão do decurso do tempo na ação de intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias, este tipo de ação não está subordinado a prazo, mas só deve ser usada se for o único meio que em tempo útil permita evitar a lesão do direito do autor. Para efeitos de aferição da necessidade da intimação, o autor deve demonstrar que a intimação é indispensável para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia, no sentido de não poder voltar a exercer o direito cuja efetividade está comprometida. O acórdão proferido pelo STA em 16/05/2019, processo n.º 2762/17 e a doutrina ensinada por Rui Mesquita Guimarães em CJA n.º 135, págs. 3 a 8, ambos supracitados, sustentam esta posição aqui apresentada pelo Recorrente. 8. Como mais bem descrito na petição inicial, ficou demonstrada a especial urgência na tomada de decisão judicial, mostrando-se provada a indispensabilidade do recurso a este meio processual de intimação para proteção do direito do Recorrente de acesso à função pública em condições de igualdade, consagrado no artigo 47.º n.º 2 da CRP, direito esse reforçado pelo Princípio da Igualdade, consagrado no artigo 13.º da CRP. 9. Este entendimento foi vertido na sentença proferida no processo n.º 14247/25.3BELSB, que corre termos no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, que condenou a Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa por ter concluído que: “a norma do supracitado n.º 5 do artigo 6.º do DL n.º 57/2016, consagra uma obrigação vinculada da entidade empregadora pública, condicionada ao seu “interesse estratégico”, mas que não pode servir de justificação para neutralizar por completo a abertura do procedimento, quando estejam em causa funções de carácter permanente.(…) O cumprimento formal da abertura de concursos em áreas genéricas não equivale, necessariamente, ao cumprimento substancial da obrigação legal imposta pelo n.º 5 do artigo 6.º do DL 57/2016. Tal interpretação desvirtuaria os objetivos da norma, comprometendo a proteção do direito de acesso à função pública e o princípio da segurança no emprego (art. 47.º e 53.º da CRP), além de abrir espaço à perpetuação da precariedade em violação da Diretiva 1999/70/CE. (…) entende este Tribunal, que a Entidade Demandada não deu integral cumprimento ao disposto no n.º 5 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 57/2016, de 29 de agosto, com a redação dada pela Lei n.º 57/2017, por não ter promovido, até seis meses antes do termo do contrato, a abertura de procedimento concursal adequado e dirigido à categoria da carreira de investigação científica compatível com as funções efetivamente desempenhadas pela Autora.” 10. Quanto ao “interesse estratégico”, a douta sentença recorrida faz uma errada interpretação deste conceito, plasmado no n.º 5 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 57/2016. Como abordado supra de forma mais alargada, este conceito aplica-se a todo o tipo de organização ou atividade humana. Através deles são definidos os objetivos e a necessidades de uma determinada organização. A investigação científica e o ensino superior, são interesses estratégicos porque, o primeiro sustenta o desenvolvimento económico e social; garante autonomia e soberania em setores-chave; projeta a influência de Portugal e das instituições de ensino superior no cenário global; e responde de forma qualificada aos grandes desafios do presente e do futuro que se colocam a Portugal e ao Mundo. Ao passo que o segundo fortalece a base científica, tecnológica, económica e social de Portugal, contribuindo de forma indispensável para o seu desenvolvimento sustentável, a sua soberania e a sua presença no palco Internacional. Ora, a douta sentença recorrida, sem saber qual é o interesse estratégico da Ré e sem que esta se tenha pronunciado sobre tal interesse, não pode afirmar: “Ora, o interesse estratégico é definido pelos órgãos de gestão da instituição e constitui um ato de gestão interna que consubstancia um juízo discricionário. Juízo esse que, por natureza, é insindicável pelo tribunal.” 11. A Ré integra uma Universidade com elevado prestígio em Portugal e no Mundo, tem um Plano Estratégico para 2023/2027, consultável em https://www.ulisboa.pt/documento/plano-estrategico-2023-2027, que assenta em três pilares fundamentais: Ensino, Investigação e Inovação e valorização do conhecimento, cujo conteúdo se encontra supra transcrito. É ainda de acrescentar que na página n.º 48 deste documento, nos objetivos elencados no âmbito dos recursos, é definido o combate “à precariedade dos vínculos laborais de docentes, investigadores e trabalhadores técnicos e administrativos”. Neste plano estratégico não existe qualquer ideia contrária à contração de investigadores científicos ou de docentes. Existindo, como vimos, o objetivo de combater a precariedade. 12. Quanto à interpretação a dar à expressão “em função do seu interesse estratégico”, contida no n.º 5 do artigo 6.º do Decreto-Lei 57/2016, o “Relatório da discussão e votação na especialidade, texto final da Comissão de Educação e Ciência e propostas de alteração apresentadas pelo PS, BE e PCP”, registado no Diário da Assembleia da República, de 1 de junho de 2017, II série B, n.º 48, págs. 7 e 8, consultável em https://debates.parlamento.pt/catalogo/r3/dar/s2b/13/02/048/2017-06-01/7?pgs=6-35&org=PLC&plcdf=true e supra transcrito na íntegra, é um bom contributo neste domínio interpretativo. De acordo com este relatório, ao introduzir esta norma o legislador teve como objetivo dar resposta ao problema criado com “a separação entre investigação e docência, e que esta separação foi prejudicial ao conjunto do sistema do ensino superior e de ciência e tecnologia. Considera que é, portanto, necessário que haja uma melhor integração entre essas duas formas de participar no sistema de ensino superior e ciência, parecendo adequado ao seu Grupo Parlamentar o reforço da capacidade docente, uma vez que esta é vista como «primeira obrigação» das instituições, quando na verdade o reforço da capacidade docente vai a par com o reforço da capacidade de investigação, podendo estas funções ser trabalhadas lado a lado. A possibilidade que é dada na proposta de alteração do PS é necessária, pois permite ajudar as instituições a responderem à reorientação da sua forma de gestão. O Grupo Parlamentar do PS entende, assim, que uma melhor articulação entre a carreira de docente e a carreira de investigador é positiva para o sistema e para as pessoas que estão no sistema e por isso apelaram a esta abertura, reforçando que a ideia do diploma é a defesa do emprego científico digno e sustentável, tratando-se de um passo que pode ser dado, no sentido de ajudar as instituições a cumprir com o presente diploma”. 13. Tendo em conta o conceito de interesse estratégico e as razões que levaram o legislador a criar a norma constante do n.º 5 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 57/2016, faz todo o sentido que esta norma seja interpretada do seguinte modo: Até seis meses antes do termo do prazo de seis anos do contrato de trabalho em funções públicas a termo resolutivo certo celebrado com um investigador, ao abrigo deste diploma legal, a instituição é obrigada a abrir procedimento concursal de acordo com as funções desempenhadas por este trabalhador. Em função do interesse estratégico da instituição o procedimento concursal pode ser aberto para categoria da carreira de investigação científica ou da carreira de docente do ensino superior. 14. Não sabemos qual é o interesse estratégico da Ré. Tal interesse tem de ser do conhecimento do Tribunal para poder determinar que constitui, ou não, justificação para a não abertura, neste caso concreto, do procedimento concursal. 15. O princípio da legalidade subordina a atividade administrativa à Lei, de forma vinculativa. A reserva de lei é a base legal da atividade administrativa. A lei assume-se não só como limite, mas também como pressuposto e fundamento da atividade administrativa. 16. Não podemos deixar de ter em conta que o contrato de trabalho a termo resolutivo certo foi celebrado para o exercício de atividades de investigação científica, de desenvolvimento tecnológico, de gestão e de comunicação de ciência e tecnologia em instituições do SCTN. A lei não obriga que o concurso seja aberto para a carreira de investigação científica. Permite que a instituição, em função do seu interesse estratégico, possa optar entre a abertura de um concurso para esta carreira ou para a carreira docente. 17. Quanto aos princípios e normas constitucionais violadas, o Direito do Trabalho é, na Constituição, antes de tudo, Direito dos Trabalhadores, em consonância com a sua génese e com a matriz do texto constitucional de 1976. A I Revisão Constitucional acentuou esta proteção dos trabalhadores, criando no domínio dos direitos, liberdades e garantias uma nova área, dedicada aos direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores, de modo a aplicar diretamente a estes direitos a força jurídica dos direitos, liberdades e garantias (artigo 18.º), sem dependência da equiparação casuística do artigo 17.º. 18. Não restam dúvidas de que estes regimes se aplicam a todos os trabalhadores, incluindo os que exercem funções públicas, por força dos artigos 18.º n.º 1 e 13.º n.º 1 da Constituição. Aliás, a evolução da legislação da Função Pública tem sido marcada por uma progressiva convergência entre os trabalhadores do Estado e os trabalhadores do "setor privado", no desenvolvimento deste programa constitucional. 19. A primeira e irrecusável dimensão da segurança no emprego é a proibição de despedimentos sem justa causa. Mas a segurança no emprego tem uma projeção mais ampla e exigente na legislação laboral que resulta da sua conjugação com a obrigação de executar políticas de pleno emprego atribuída ao Estado (e em especial ao Governo e à Assembleia da República, no âmbito das respetivas competências legislativas e executiva), pelo artigo 58.º n.º 2, alínea a), da Constituição. É desta dimensão normativa do direito ao trabalho e da segurança no emprego que resultam, conjugadamente, as limitações ao número de contratos a prazo ou os regimes de conversão em contrato de trabalho dos contratos de prestação de serviços fraudulentos. 20. O regime consagrado no n.º 5 do artigo 6.º do Decreto-Lei 57/2016, de 28 de agosto, deve ser compreendido a esta luz. As instituições públicas, ou dotadas de financiamento público, devem "em função do seu interesse estratégico, proceder à abertura de procedimento concursal para categoria da carreira de investigação científica ou da carreira de docente do ensino superior, de acordo com as funções desempenhadas pelo contratado doutorado, até seis meses antes do termo do prazo de seis anos (...)". Trata-se de um regime que pretende combater a precariedade resultante da sucessão infindável de contratos a prazo, assentando numa presunção iniludível de que a necessidade de prestação de trabalho (já) não é temporária. 21. Pode, na verdade, questionar-se o sentido da referência ao “interesse estratégico da instituição”, neste contexto. A abertura de concurso depende do interesse da instituição, rigorosamente insindicável, esvaziando a norma de sentido útil e retirando-a do enquadramento constitucional que lhe dá a razão de ser? Esta alternativa de interpretação não faz sentido. O argumento literal e, sobretudo, os elementos histórico (espelhado na exposição de motivos do diploma sub judice) e sistemático e teleológico, nos termos explicitados, conduzem a outra interpretação. O que depende do interesse estratégico da instituição é optar pela abertura de um concurso para docentes ou investigadores, mas não a abertura do próprio concurso. É esta a interpretação imposta pela consideração das regras contidas no artigo 9.º do Código Civil. 22. O entendimento alternativo, que faz depender a abertura de qualquer concurso do interesse estratégico da instituição, assenta numa interpretação inconstitucional do artigo 6.º n.º 5 do Decreto-Lei 57/2016, de 28 de agosto. 23. Tal interpretação viola, desde logo, o artigo 47.º n.ºs 1 e 2 da Constituição, na medida em que restringe de modo desnecessário e desproporcionado, em contradição com o disposto no artigo 18.º n.º 2 da Constituição, o direito de acesso à função pública, em condições de igualdade e liberdade, por via de concurso e também o próprio direito de escolher livremente a profissão ou o género de trabalho, salvas as restrições legais impostas pelo interesse coletivo ou inerentes à sua própria capacidade. 24. Por outro lado, a interpretação em crise viola o direito ao trabalho e a segurança no emprego, consagrados mos artigos 58.º n.º 1 e 53.º n.º 1, respetivamente, da Constituição. 25. Impõe-se, por conseguinte, como interpretação conforme à Constituição, o entendimento segundo o qual apenas depende do interesse estratégico da instituição optar pela abertura de um concurso para docentes ou investigadores, mas não a abertura do próprio concurso. 26. É ainda de referir o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 6 de junho de 2024, prolatado no âmbito do processo n.º 0151/24.6BEAVR, que aponta caminho contrário ao seguido pela douta sentença recorrida, considerando que em situação idêntica o Tribunal recorrido incorreu em erro no enquadramento jurídico da situação sub judice e fez uma incorreta interpretação do disposto no artigo 109º do CPTA … Uma correta apreciação e ponderação dos factos alegados pelo Recorrente no requerimento inicial … “não permite a rejeição liminar da PI. 27. O direito de acesso à função pública e o princípio da igualdade (artigos 47.º e 3.º da CRP) alegados pelo Recorrente, são, ambos, direitos fundamentais. Pelo que a douta sentença recorrida não podia rejeitar liminarmente a PI. Ora, o que está em causa no presente processo não é a obtenção de um meio essencial para a conseguir aceder à Função Pública, ou seja, a realização de um concurso a que tem o direito de concorrer. 28. Nestes termos e nos mais que doutamente serão supridos deverá o presente recurso ser julgado totalmente procedente, revogando-se a decisão proferida no tribunal a quo e julgando-se procedente o pedido de intimação, tudo com as legais consequências, como é de JUSTIÇA. * A Requerida apresentou resposta, na qual, além de defender a improcedência da intimação, considerou não se verificarem os pressupostos da sua admissibilidade. Não apresentou contra-alegações. * Notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 146.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, o Ministério Público emitiu parecer no sentido de que o recurso não deve merecer provimento. II Sabendo-se que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões do apelante, as questões que se encontram submetidas à apreciação deste tribunal de apelação consistem em determinar: a) Se se verificam os pressupostos previstos no artigo 109.º/1 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos; b) Se a decisão recorrida violou o princípio do contraditório; c) Se a decisão recorrida errou ao considerar que o artigo 6.º/5 do Decreto-Lei n.º 57/2016, de 29 de agosto, na redação dada pela Lei n.º 57/2017, de 19 de julho, permite que a instituição decida não abrir o procedimento concursal em função do seu interesse estratégico. III A matéria de facto constante da decisão recorrida – e que não foi impugnada - é a seguinte: 1. Em 26.04.2019, o Autor celebrou com a Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa um "Contrato de Trabalho em Funções Públicas a Termo Resolutivo Certo", com início de vigência em 01.05.2019, do qual consta, entre o mais, o seguinte: "[...] [...] [...]" (cf. documento 1, com a petição inicial). 2. Após o período inicial de três anos, contrato foi sucessivamente renovado por períodos de um ano, por último em 01.05.2024. IV Dos pressupostos processuais 1. Muito recentemente, este tribunal central administrativo apreciou situação idêntica à dos presentes autos. Fê-lo no seu acórdão de 9.10.2025, processo n.º 37136/25.7BELSB, no qual considerou estarem verificados os pressupostos estabelecidos no artigo 109.º/1 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, nos termos do qual «[a] intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias pode ser requerida quando a célere emissão de uma decisão de mérito que imponha à Administração a adoção de uma conduta positiva ou negativa se revele indispensável para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia, por não ser possível ou suficiente, nas circunstâncias do caso, o decretamento de uma providência cautelar». 2. Acolhe-se, aqui, o entendimento ali firmado, pois i) está em causa um direito fundamental análogo aos direitos, liberdades e garantias, o que preenche o primeiro dos requisitos previstos no artigo 109.º/1 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (proteção de um direito, liberdade ou garantia), e ii) mostra-se necessária a emissão célere de uma decisão de mérito para proteção desse direito, pois não é possível o decretamento de uma providência cautelar (a condenação, a título cautelar, na abertura de concurso esgotaria o objeto da ação principal, violando a natureza provisória da tutela cautelar). Da alegada violação do princípio do contraditório 3. De acordo com o Recorrente, «[a] rejeição liminar da presente ação configura uma decisão surpresa, na medida em que a questão que a sustenta foi subtraída ao contraditório, tendo ficado o Recorrente impedido de exercê-lo, nos termos previsto no n.º 3 do artigo 3.º do CPC, aplicável ex vi do artigo 1.º do CPTA». 4. Seguindo de perto o acórdão de 25.9.2025 deste tribunal, e do mesmo relator do presente (processo n.º 4765/23.3BELSB), temos que de acordo com o disposto no artigo 590.º/1 do Código de Processo Civil, «[n]os casos em que, por determinação legal ou do juiz, seja apresentada a despacho liminar, a petição é indeferida quando o pedido seja manifestamente improcedente ou ocorram, de forma evidente, exceções dilatórias insupríveis e de que o juiz deva conhecer oficiosamente, aplicando-se o disposto no artigo 560.º». De nada serviria deixar prosseguir a tramitação de um processo sem qualquer viabilidade para o seu autor, inviabilidade essa manifestada na petição inicial. 5. Releva, por outro lado, o seguinte: o indeferimento liminar da petição inicial tem os seus pressupostos claramente identificados na norma acima transcrita. São eles, como se viu: a) O pedido ser manifestamente improcedente; b) Ocorrer, de forma evidente, alguma exceção dilatória insuprível de que o juiz deva conhecer oficiosamente. 6. Finalmente, cabe lembrar que o artigo 3.º/3 do Código de Processo Civil determina que «[o] juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem» (destaque e sublinhado nossos, evidentemente). 7. Em face das normas invocadas temos que a evidência da solução que determina a decisão de indeferimento liminar leva, em si, o pressuposto da manifesta desnecessidade justificadora do não cumprimento do princípio do contraditório. Portanto, a reação ao indeferimento liminar passará apenas pelo crivo do eventual erro de julgamento e não pela alegada violação do princípio do contraditório. Do mérito do recurso 8. Por acórdão de 11.9.2025, transitado em julgado, proferido no processo n.º 288/25.4BESNT, do mesmo relator, foi apreciada a questão que aqui igualmente se coloca. Segue-se, portanto, o que ali já se escreveu. 9. O Decreto-Lei n.º 57/2016, de 29 de agosto, aprovou um regime de contratação de doutorados destinado a estimular o emprego científico e tecnológico em todas as áreas do conhecimento, a promover o rejuvenescimento das instituições que integram o Sistema Científico e Tecnológico Nacional, bem como a valorizar as atividades de investigação científica, de desenvolvimento tecnológico, de gestão e de comunicação de ciência e tecnologia nessas instituições (vd. o seu artigo 1.º). 10. Tal contratação – diz-nos o artigo 6.º/1 - efetua-se através de: a) Contrato de trabalho em funções públicas a termo resolutivo certo, nos termos da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, no caso de contratos a celebrar por entidades sujeitas ao regime de direito público; b) Contrato de trabalho a termo incerto, nos termos do Código do Trabalho, no caso de contratos a celebrar por entidades abrangidas pelo regime de direito privado. 11. Relativamente aos primeiros - contratos de trabalho em funções públicas a termo resolutivo certo -, os mesmos são celebrados pelo prazo de três anos, automaticamente renováveis por períodos de um ano até à duração máxima de seis anos. Quanto aos segundos – os referidos contratos de trabalho a termo incerto -, são celebrados pelo prazo máximo de seis anos, com fundamento na execução de serviço determinado, precisamente definido e não duradouro (cf. o artigo 6.º/2 e 3). 12. Por outro lado, e com interesse decisivo para o presente litígio, o n.º 5 do artigo 6.º, na redação dada pela Lei n.º 57/2017, de 19 de julho, estabelece o seguinte: «A instituição, em função do seu interesse estratégico, procede à abertura de procedimento concursal para categoria da carreira de investigação científica ou da carreira de docente do ensino superior, de acordo com as funções desempenhadas pelo contratado doutorado, até seis meses antes do termo do prazo de seis anos referido no n.º 2». 13. À luz desta norma, a questão que se coloca, e que importa resolver, é a de saber se é obrigatória a abertura do procedimento concursal ali prevista. A decisão recorrida respondeu negativamente, discorrendo do seguinte modo: «A questão que se coloca é se, como defende a Autora, a abertura de procedimento concursal constitui um ato vinculado, ou seja, se é imposta pela norma. Ora, o 5 do art.° 6.° do Decreto-Lei n.° 57/2016 acautela expressamente que a abertura de procedimento concursal para categoria da carreira em questão, de acordo com as funções desempenhadas pelo contratado, dá-se em função do "interesse estratégico" da instituição. Significa isto, na interpretação que se faz da norma, que a abertura do procedimento concursal fica dependente de a contratação (para a categoria carreira em questão, «de acordo com as funções desempenhadas pelo contratado doutorado») corresponder a um interesse estratégico da instituição de ensino superior. Ora, o interesse estratégico é definido pelos órgãos de gestão da instituição e constitui um ato de gestão interna que consubstancia um juízo discricionário, juízo esse que, por natureza, é insindicável pelo tribunal, salvo erro manifesto de ponderação ou ilegalidades formais. O que não vem alegado. Desta forma, não sendo a abertura do referido procedimento um ato vinculado, antes estando dependente de um ato gestionário discricionário da instituição de ensino superior, não pode o tribunal condenar na prática do ato pretendido». 14. Julga-se, no entanto, que esta não será a interpretação correta. É certo que existe uma subordinação a um interesse estratégico. No entanto, essa subordinação respeitará, não à decisão de abrir ou não o procedimento, mas sim, e apenas, para a escolha da carreira a que o mesmo se destinará: carreira de investigação científica ou carreira de docente do ensino superior. 15. Vejamos melhor porquê. A Lei n.º 57/2017, de 19 de julho, teve na sua origem dois requerimentos de apreciação parlamentar do Decreto-Lei n.º 57/2016, de 29 de agosto. Um deles apresentado pelo grupo parlamentar do Bloco de Esquerda (Apreciação Parlamentar n.º 23/XIII/2.ª, de 16.9.2016), o outro apresentado pelo grupo parlamentar do Partido Comunista Português (Apreciação Parlamentar n.º 25/XIII/2.ª, de 7.10.2016). 16. Relativamente ao primeiro (do Bloco de Esquerda), pode ler-se o seguinte na sua exposição de motivos (todos os documentos relativos ao processo legislativo que conduziu à Lei n.º 57/2017, de 19 de julho, e que serão referenciados, podem ser consultados no sítio da Internet da Assembleia da República – www.parlamento.pt): «O Decreto-Lei n.º 57/2016, de 29 de agosto, aprova um regime de contratação de doutorados destinado a estimular o emprego científico e tecnológico. É com consternação que o Bloco de Esquerda observa que o diploma agora publicado não cumpre os objetivos que enuncia. Na verdade, o que o diploma estipula é a troca da precariedade das bolsas por mais precariedade, não criando nenhum horizonte de estabilidade aos investigadores, podendo até constituir uma porta aberta para mais fáceis despedimentos. A contratação a termo resolutivo (para organismos da administração pública) ou a termo incerto (para organismos abrangidos pelo direito privado), pelo prazo de três anos, renováveis até um máximo de seis, não promove a necessária estabilidade e dignidade dos investigadores. Deixa de fora do regime de emprego científico todos os investigadores sem o grau de doutor, como por exemplo muitos dos gestores de ciência. Mesmo em relação à transição da figura de bolseiro para a de contratado a termo certo só vai abranger cerca de 14% dos atuais bolseiros. É certo que, com contratos de trabalho, os investigadores ficam com alguns dos direitos laborais e sociais que hoje lhes são negados, mas tal não pode ser conseguido com um quadro de tão grande precariedade para que são remetidos. (…) Na verdade, o espírito deste regime de contratação de doutorados não é passível de ser enquadrado numa lógica de combate à precariedade, incluída no acordo entre o Bloco de Esquerda e o Partido Socialista, que viabilizou o atual Governo. Nestes termos, ao abrigo do disposto na alínea c) do artigo 162º e do artigo 169º da Constituição e do artigo 189º e seguintes do Regimento da Assembleia da República, as deputadas e os deputados abaixo-assinados do Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda, requerem a Apreciação Parlamentar do Decreto-Lei nº 57/2016, de 29 de agosto, que “aprova um regime de contratação de doutorados destinado a estimular o emprego científico e tecnológico em todas as áreas do conhecimento”, publicado no Diário da República, a 29 de agosto de 2016». 17. Já no que se refere à iniciativa do grupo parlamentar do Partido Comunista Português, retira-se o seguinte do respetivo requerimento de apreciação parlamentar: «Com a publicação do Decreto-Lei n.º 57/2016, de 29 de agosto, o Governo procede à aprovação de um regime de contratação de doutorados com vista ao incentivo do emprego científico e tecnológico. Este Decreto-Lei deveria ser, no nosso entender, um instrumento para contribuir para a integração dos investigadores doutorados em laboratórios e outros organismos públicos e substituição progressiva da atribuição de bolsas pós-doutoramento por contratos de investigador. Infelizmente, o Decreto-Lei n.º 57/2016 inclui um conjunto de disposições que não só limitam o seu alcance na preferência de contratos de investigador em detrimento de bolsas, como podem contribuir para o aumento da desregulação e da precariedade do emprego científico. Mais ainda, fica gorada uma oportunidade para se iniciar uma alteração estrutural com o objetivo de integrar todos os trabalhadores científicos na carreira de investigação e para se contrariar o rumo de degradação do sistema científico nacional. Ao contrário do anunciado no preâmbulo, o diploma em questão cria uma espécie desvirtuada de carreira de investigação paralela, desregulada e sem vínculos estáveis, não incluindo uma única disposição sobre a integração dos doutorados no Estatuto da Carreira de Investigação Científica atualmente (ainda) em vigor. Ao mesmo tempo que revoga, e bem, o programa Investigador FCT, este diploma vem, todavia, consagrar a existência de contratos de investigação à margem do Estatuto da Carreira da Investigação Científica, como são os celebrados à luz desse programa, tornando-os regra para todas as instituições do Sistema Científico e Tecnológico Nacional (SCTN). O Decreto-Lei n.º 57/2016 não combate de forma séria a precariedade do emprego científico, limitando-se a aumentar para seis anos o horizonte temporal dos contratos, face aos cinco do Investigador FCT. Além disso, mantém a atribuição de bolsas de pós-doutoramento. Apesar de indicar que devem ser exclusivamente para formação avançada, não concretiza este significado, permitindo que as instituições continuem a optar por esta modalidade de emprego científico por razões exclusivamente financeiras. Do ponto de vista da substituição de bolsas pós-doutoramento por contratos, na sua redação atual, o Decreto-Lei n.º 57/2016 terá, durante esta legislatura, um universo de aplicação muito limitado, não estando assegurados mecanismos de transição a não ser para os doutorados com bolsas financiadas diretamente pela FCT há mais de três anos. Além disso, as entidades acolhedoras dos bolseiros de pós-doutoramento eram, no essencial, as unidades de investigação FCT. Como estas unidades hoje vivem sem contratos de financiamento estratégico plurianual e com financiamento suportado sob o regulamento dos projetos de investigação FCT, de 3 anos, o carácter precário dos contratos a prazo em que as bolsas são convertidas é ainda mais sublinhado. O PCP defende a existência de um vínculo laboral não precário para todos os trabalhadores científicos, ferramenta essencial para valorizar o Sistema Científico e Tecnológico Nacional e combater as situações de incerteza, precariedade, instabilidade, privação de direitos e de dignidade dos trabalhadores científicos. Por estas razões, entende o PCP que o Decreto-Lei n.º 57/2016 deve ser apreciado pela Assembleia da República, com vista a que possa ser, de facto, um instrumento para a contratação efetiva de investigadores doutorados, reforçando o emprego científico e potenciando o impacto da investigação científica no ensino superior, e para que possa promover uma estreita articulação entre as atividades de investigação e desenvolvimento e as atividades de ensino, de promoção do conhecimento e de divulgação de ciência. Nestes termos, os Deputados do Grupo Parlamentar do PCP, ao abrigo da alínea c) do artigo 162.º e do artigo 169.º da Constituição e ainda dos artigos 189.º e seguintes do Regimento da Assembleia da República, requerem a Apreciação Parlamentar do Decreto-Lei n.º 57/2016, de 29 de agosto, que “Aprova um regime de contratação de doutorados destinado a estimular o emprego científico e tecnológico em todas as áreas do conhecimento”, publicado no Diário da República, 1.ª série — N.º 165 — 29 de agosto de 2016». 18. Vistos os dois requerimentos de apreciação parlamentar, há um elemento comum evidente: o objetivo de combate à precariedade do emprego científico e tecnológico, substituindo-a pela criação de um «horizonte de estabilidade,» combate aquele, aliás, que estaria, inclusivamente, «incluída no acordo entre o Bloco de Esquerda e o Partido Socialista, que viabilizou o atual Governo». O Partido Comunista Português aludia, até, ao «objetivo de integrar todos os trabalhadores científicos na carreira de investigação» e manifestava a defesa da «existência de um vínculo laboral não precário para todos os trabalhadores científicos, ferramenta essencial para valorizar o Sistema Científico e Tecnológico Nacional e combater as situações de incerteza, precariedade, instabilidade, privação de direitos e de dignidade dos trabalhadores científicos». 19. Portanto, o que sabemos até ao momento já indicia que a discricionariedade na abertura dos concursos, em função do interesse estratégico a que a lei se refere, consubstanciaria elemento que neutralizaria os objetivos manifestados naqueles requerimentos. E esses objetivos, no contexto em apreciação, são especialmente relevantes pois, e como adiante melhor veremos, o essencial da solução final foi acolhida pelos grupos parlamentares que desencadearam as apreciações parlamentares. 20. Vejamos, no entanto, os demais elementos relevantes. E a primeira referência deverá ser dada à quatro propostas que vieram a ser apresentadas pelos grupos paramentares do Partido Socialista, do Bloco de Esquerda, do CDS – Partido Popular e do Partido Comunista Português. Relativamente ao artigo 6.º, relevam três dessas propostas, a saber: Partido Socialista (proposta de 18.1.2017): «Artigo 6.º 1 – (…) a) (...) b) (...) 2 - (...) 3 - (...) 4 - A instituição procede à abertura de procedimento concursal para categoria da carreira de investigação científica ou da carreira de docente do ensino superior, em função do interesse estratégico daquela e de acordo com as funções desempenhadas pelo contratado doutorado, seis meses antes do termo do prazo de seis anos referido no n.º 2 do presente artigo. 5 - Independentemente do prazo a que alude o número anterior, as instituições podem, a todo o tempo, proceder à abertura de procedimento concursal nos termos legais. 6 - Os procedimentos concursais referidos nos números anteriores devem assegurar o cumprimento das regras de recrutamento aplicáveis à instituição e à categoria da carreira em causa. 7- O tempo de vigência dos contratos de trabalho a termo resolutivo ao abrigo do presente diploma não é contabilizado para o preenchimento do período experimental ou probatório previstas nas carreiras de investigação científica ou docentes do ensino superior». Bloco de Esquerda (proposta de 18.1.2017): «Artigo 6.º Modalidades de contratação 1 - A contratação de investigadores, doutorados e não doutorados, ao abrigo do presente decreto-lei realiza-se através de: a) Contrato de trabalho em funções públicas a termo resolutivo certo, nos termos da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (LTFP], aprovada em anexo à Lei n.º 35/2014, de 20 de junho, e alterada pelas Leis n.ºs 82-B/2014, de 31 de dezembro, 84/2015, de 7 de agosto, e 18/2016, de 20 de junho, no caso de contratos a celebrar por entidades sujeitas ao regime de direito público, incluindo as de natureza fundacional, a que se refere o artigo 129.º da Lei n.º 62/2007, de 10 de setembro; b) Contrato de trabalho a termo certo, nos termos do Código do Trabalho, no caso de contratos a celebrar por entidades abrangidas exclusivamente pelo regime de direito privado. 2 - Os contratos a que alude o número anterior são celebrados pelo prazo de três anos, automaticamente renováveis por períodos de um ano até à duração máxima de seis anos, salvo se, e sem prejuízo de outras causas de cessação ou extinção legalmente previstas, o órgão científico da instituição contratante propuser a sua cessação com fundamento em avaliação desfavorável do trabalho desenvolvido pelo investigador, realizada nos termos do regulamento em vigor na instituição contratante, a qual deve ser comunicada ao interessado até 90 dias antes do termo do contrato. 3 - [...]. 4 - Sempre que os investigadores, doutorados e não doutorados, completem seis anos no exercício de funções em instituições do Sistema Científico e Tecnológico Nacional (SCTN) mediante contrato a termo resolutivo certo, são contratados por tempo indeterminado nas categorias e normas previstas no Estatuto de Carreira de Investigação Científica aprovado pelo Decreto-Lei n.º 124/99, de 20 de abril, alterado pela Lei n.º 157/99, de 14 de setembro e pelo Decreto-Lei n.º 373/99, de 18 de setembro. 5 - O tempo de vigência dos contratos de trabalho celebrados ao abrigo do presente diploma é contabilizado para o preenchimento do período experimental exigido para a contratação por tempo indeterminado com vista ao exercício de funções de investigador ou docente em qualquer entidade do setor público. 6 - [Anterior n.º 4]. 7 - [Anterior n.º 5]». Bloco de Esquerda (proposta de 18.1.2017): «Artigo 6.º Modalidades de contratação 1- […]: a) Contrato de trabalho em funções públicas a termo resolutivo certo, nos termos da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (LTFP) aprovada em anexo à Lei n.º 35/2014, de 20 de junho, e alterada pelas Leis n.ºs 82-B/2014, de 31 de dezembro, 84/2015, de 7 de agosto, e 18/2016, de 20 de junho, no caso de contratos a celebrar por entidades sujeitas ao regime de direito público e no caso das entidades de natureza fundacional previstas no artigo 129.º da Lei n.º 62/2007, de 10 de setembro. b) Contrato a termo certo, nos termos do Código do Trabalho, no caso de contratos a celebrar por entidades exclusivamente abrangidas pelo regime de direito privado. 2- […]. 3- Os contratos de trabalho a que alude a alínea b) do n.º 1 são celebrados pelo prazo de máximo de seis anos. 4- […]. 5- […]. 6- No final dos prazos previstos no n.º 2 e 3, os doutorados são integrados na Carreira de Investigação Científica, na respetiva categoria prevista no Estatuto da Carreira de Investigação Científica, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 124/99, de 20 de abril, alterado pela Lei n.º 57/97, de 14 de setembro e pelo Decreto-Lei n.º 373/99, de 18 de setembro». 21. Temos, portanto, que a referência ao interesse estratégico já consta da proposta do grupo parlamentar do Partido Socialista. E o que dela parece resultar é um imperativo sem qualquer condição. É com esse imperativo que a norma abre: «A instituição procede à abertura de procedimento concursal (…)». 22. Sucede que a proposta do grupo parlamentar do Partido Socialista não tem a limitação que marca as duas outras propostas já referenciadas. Ou seja, vê o concurso como bidirecional, isto é, tanto pode ter em vista a carreira de investigação científica como a carreira de docente do ensino superior. Portanto, surge natural a referência ao interesse estratégico, na medida em que ele será o elemento que determinará aquela escolha. 23. O próprio Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas não teve dúvidas quanto a essa imperatividade. Por isso escreveu o seguinte, no parecer enviado em 22.2.2017: «O CRUP considera que este problema agravar-se-á ainda mais se for aprovada a proposta de alteração do PS ao nº 4 do artigo 6º do DL57, que obriga ao fim dos seis anos do contrato de investigador à abertura de um concurso para um lugar de carreira. Isto é, a partir do financiamento de um projeto que pode até demorar só um ano ou dois, as universidades não fundação (e as que são fundação se contratarem em regime público) ficam com a obrigação de pagar um salário até ao fim da carreira, o que é totalmente impossível do ponto de vista financeiro, a menos que o Estado dê garantia plena de cobrir todos os custos adicionais daí resultantes. Mesmo nessa circunstância tratar-se-ia de uma gravíssima restrição à autonomia das instituições, pois as respetivas estratégias de contratação ficariam inteiramente dependentes da lotaria da aprovação de projetos de investigação, e das suas transitórias necessidades de investigadores doutorados. Num projeto exploratório pode fazer sentido contratar um investigador para uma área muito especializada, mas pode não fazer qualquer sentido contratar alguém para uma carreira inteira nesse tópico. As universidades têm de ter liberdade para decidir quais são as áreas em que se pretendem desenvolver a longo prazo, porque ninguém consegue distinguir-se em todas as áreas, e os recursos não são infinitos. Total oposição do CRUP merecem as propostas do PCP e do BE de integração automática na carreira dos investigadores ao abrigo do DL 57/2016 que cheguem ao final dos seis anos. Para além das razões expressas nos parágrafos anteriores, acresce que estas propostas violam o princípio de que na função pública só entram pessoas por concurso, nos termos do artigo 47º da Constituição da República Portuguesa. O concurso para um contrato a termo em que os investigadores do DL 57/2016 já participaram não tem obviamente os mesmos parâmetros e a mesma exigência de um concurso para um contrato sem termo. Um concurso para selecionar um investigador para um projeto tem em conta os objetivos, limitados no âmbito e no tempo, desse projeto. Um concurso para um contrato sem termo é um concurso para uma carreira, com âmbito científico e temporal muitíssimo mais lato. São procedimentos profundamente distintos. Não pode haver qualquer tipo de integração automática nas carreiras. Só se pode entrar por concurso com esse fim». 24. Também o Sindicato Nacional do Ensino Superior tomou como pressuposto a inexistência de qualquer poder discricionário na decisão de abertura ou não de concurso, dando nota, aliás, do facto de ser «fundamental que se reverta a situação de profunda instabilidade contratual existente no sistema», pelo que disse ser «com agrado que verificamos que relativamente às matérias de contratação se passou a contemplar a integração nas carreiras (n.º 4, 5 e 6 do art.º 6.º)». 25. Igualmente ilustrativa é a pronúncia do Instituto Superior Técnico, de 20.2.2017, na qual se pode ler o seguinte: «O PS propõe a instituição de um mecanismo nos termos do qual, em todos os casos em que o contrato a termo atinja o sexto ano de duração, é obrigatoriamente (é esta a interpretação que resulta da redacção proposta para o novo n.º 4) aberto um concurso para a carreira de investigação ou para a carreira docente universitária. Esta obrigatoriedade parece totalmente desadequada uma vez que não tem em consideração que o trabalho desenvolvido pelo contratado, ao abrigo do regime previsto no Decreto-Lei n.º 57/2016, será sempre realizado no âmbito de um projecto concreto e com um financiamento específico pelo que a instituição de um mecanismo obrigatório como o agora proposto, desligado da verificação de condições financeiras para a abertura de um lugar permanente em carreira, apenas terá como consequência necessária que nenhum contrato a termo atingirá o sexto ano de duração. 26. Na sequência das pronúncias recebidas vêm a ser apresentadas sete novas propostas de alteração (três do grupo parlamentar do Partido Socialista, duas do grupo parlamentar do Bolco de Esquerda e duas do grupo parlamentar do Partido Comunista Português). Apenas três delas incidem sobre o artigo 6.º. 27. Na proposta de 21.3.2017 do grupo parlamentar do Partido Socialista consta, quanto ao artigo 6.º, o seguinte: «Artigo 6.º (…) 1- (…) a) (...) b) (...) 2 - (…) 3 - (...) 4 - Nos casos em que na entidade contratante não exista órgão científico, o órgão executivo da instituição é competente para emitir a proposta prevista no n.º 2. 5 - Independentemente do prazo a que alude o número anterior, as instituições podem, a todo o tempo, proceder à abertura de procedimento concursal nos termos legais. 6 - Os procedimentos concursais referidos nos números anteriores devem assegurar o cumprimento das regras de recrutamento aplicáveis à instituição e à categoria da carreira em causa. 7 - A instituição, em função do seu interesse estratégico, procede à abertura de procedimento concursal para categoria da carreira de investigação científica ou da carreira de docente do ensino superior, de acordo com as funções desempenhadas pelo contratado doutorado, até seis meses antes do termo do prazo de seis anos referido no n.º 2 do presente artigo. 8 - O tempo de vigência dos contratos a termo resolutivo celebrados ao abrigo do presente diploma será contabilizado, no todo ou em parte, para o preenchimento do período experimental ou probatório previstos nas carreiras científicas ou docentes do ensino superior, de acordo com deliberação favorável e fundamentada do conselho científico da instituição, quando o contratado já exercesse funções na mesma área científica, naquela instituição». 28. Em 12.4.2017 o grupo parlamentar do Partido Socialista apresenta nova proposta, da qual consta, quanto ao artigo 6.º, o seguinte: «Artigo 6.º (…) 1- (…) a) (...) b) (...) 2 - (…) 3 - (...) 4 – (...) 5 - A instituição, em função do seu interesse estratégico, procede à abertura de procedimento concursal para categoria da carreira de investigação científica ou da carreira de docente do ensino superior, de acordo com as funções desempenhadas pelo contratado doutorado, até seis meses antes do termo do prazo de seis anos referido no n.º 2 do presente artigo. 6 - Independentemente do prazo a que alude o número anterior, as instituições podem, a todo o tempo, proceder à abertura de procedimento concursal nos termos legais. 7 - Os procedimentos concursais referidos nos números anteriores devem assegurar o cumprimento das regras de recrutamento aplicáveis à instituição e à categoria da carreira em causa. 8 - O tempo de vigência dos contratos celebrados ao abrigo do presente diploma será contabilizado em 50% para o preenchimento do período probatório ou experimental previstos nas carreiras científicas ou docentes do ensino superior quando o contratado já exercesse funções na mesma área científica, naquela instituição». 29. Por fim, também a proposta de 21.3.2017 do grupo parlamentar do Partido Comunista Português contempla uma alteração ao artigo 6.º, do seguinte modo: «Artigo 6.º Modalidades de contratação 1- […]: a) Contrato de trabalho em funções públicas a termo resolutivo certo, nos termos da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (LTFP) aprovada em anexo à Lei n.º 35/2014, de 20 de junho, e alterada pelas Leis n.ºs 82-B/2014, de 31 de dezembro, 84/2015, de 7 de agosto, e 18/2016, de 20 de junho, no caso de contratos a celebrar por entidades sujeitas ao regime de direito público e no caso das entidades de natureza fundacional previstas no artigo 129.º da Lei n.º 62/2007, de 10 de setembro. b) Contrato a termo certo, nos termos do Código do Trabalho, no caso de contratos a celebrar por entidades exclusivamente abrangidas pelo regime de direito privado. 2- [...]. 3- Os contratos de trabalho a que alude a alínea b) do n.º 1 são celebrados pelo prazo de máximo de seis anos. 4- […]. 5- [...]. 6- No final dos prazos previstos no n.º 2 os doutorados são integrados na Carreira de Investigação Científica, na respetiva categoria prevista no Estatuto da Carreira de Investigação Científica, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 124/99, de 20 de abril, alterado pela Lei n.º 57/97, de 14 de setembro e pelo Decreto-Lei n.º 373/99, de 18 de setembro. 7- Para efeitos do previsto no número anterior, os prazos previstos no número 2 são contabilizados para o preenchimento do tempo do período experimental previsto na carreira de investigação científica». 30. Em face destas novas propostas conclui-se que o texto das novas propostas do grupo parlamentar do Partido Socialista corresponde à redação do atual n.º 5 do artigo 6.º (apenas foi eliminado o trecho final, o que se explica por óbvias razões de técnica legislativa). Apresenta, no entanto, uma evolução relativamente à proposta antecedente. Assim, enquanto na proposta de 18.1.2017 se escrevia 4 - A instituição procede à abertura de procedimento concursal para categoria da carreira de investigação científica ou da carreira de docente do ensino superior, em função do interesse estratégico daquela e de acordo com as funções desempenhadas pelo contratado doutorado, seis meses antes do termo do prazo de seis anos referido no n.º 2 do presente artigo. 31. na proposta de 12.4.2017 o texto é o seguinte: 5 - A instituição, em função do seu interesse estratégico, procede à abertura de procedimento concursal para categoria da carreira de investigação científica ou da carreira de docente do ensino superior, de acordo com as funções desempenhadas pelo contratado doutorado, até seis meses antes do termo do prazo de seis anos referido no n.º 2 do presente artigo. 32. A diferença de redação – em especial a referência ao interesse estratégico – nada trouxe de substancial. Isso mesmo é confirmado pelas intervenções dos deputados da Comissão de Educação e Ciência. 33. Exemplo disso é a intervenção do deputado P......., do grupo parlamentar do Partido Socialista, o qual, na reunião de 12.4.2017, reiterava a preocupação relativa ao «combate à precariedade» no «campo do emprego científico» (27´41”) e dava conta da necessidade que se tinha verificado de «clarificar que não podia haver uma sucessão de períodos de seis anos, uns atrás dos outros, fora da carreira, ou seja, não poderia haver condições para uma instituição, pegando na menor clareza do texto, poder repetir doses de seis anos fora da carreira (…), para que um destes contratados continue para além dos seis anos a trabalhar num determinado contexto ele tem de ter a oportunidade de entrar na carreira» (29´40”). E mais adiante recuperava o «combate à precariedade no emprego científico» (31´30”), que se pretende «digno e sustentável» (31´59”), algo que «não é importante só para as pessoas (…) mas é importante também para as instituições, para a economia, para o país» (32´41”), sendo necessário «um reforço dos direitos do trabalho e das pessoas que dão a contribuição essencial para esse desenvolvimento» (32´59”). Portanto, considerava-se estar em causa a «estabilização do emprego científico» (43´57”), embora «[não seja] aceitável que haja transições automáticas de contratado para a carreira» [44´20”) pois «ninguém pode agradecer que a imagem justa, de exigência, de qualificação, de competição, tanto quanto ela é justa e necessária no trabalho científico, seja substituída por transições automáticas que só iriam deslegitimar socialmente a imagem que justamente a sociedade portuguesa tem destas pessoas e destes trabalhadores científicos» (44´35”). Em suma, pretende-se «melhorar a ideia de que estes contratos de seis anos são transições para a carreira e devem estar ligados a uma integração na carreira, mas estes contratos de seis anos ainda não são a carreira, e portanto a equiparação automática destes contratos de seis anos àquilo que acontece depois de entrar na carreira do nosso ponto de vista é uma forma de desvirtuar este instrumento que pretende aproximar estas pessoas que já são trabalhadores científicos de uma integração harmoniosa da carreira» (45´13”). 34. A recusa de uma transição automática foi secundada pelo deputado D…, do grupo parlamentar do Partido Social Democrata (59´05”), ao passo que o deputado L......., do grupo parlamentar do Bloco de Esquerda, deu conta de que viam «com bons olhos as propostas de alteração que dizem que ao fim de seis anos há uma possibilidade de ingresso na carreira, esse era um dos nossos objetivos e uma das nossas lutas» (13´55”), pois «a entrada na carreira é fundamental» (14´20”). Na mesma linha posicionou-se a intervenção da deputada A......., do grupo parlamentar do Partido Comunista Português, que aludiu a «uma maior garantia no acesso à carreira, de um combate efetivo à precariedade» (21´04”). 35. Na reunião de 12.4.2017 da Comissão de Educação e Ciência mantém-se o sentido das intervenções anteriores, com particular destaque para a intervenção do deputado P......., do grupo parlamentar do Partido Socialista (26´44” a 27´17”). 36. O mesmo se diga da reunião de 23.5.2017, merecendo uma referência especial a intervenção do referido deputado, a propósito do trecho – agora legal - «de acordo com as funções desempenhadas pelo contratado doutorado». Dizia o mesmo o seguinte: «em nosso entender essa expressão deve ficar porque essa expressão se destina a proteger o contratado, ou seja, o que é que poderia acontecer se essa expressão não estivesse lá, vamos supor que eu estou contratado, e a minha área de trabalho é Física Teórica, sem essa expressão nada impede que a instituição abra um concurso em Filosofia da Arte e diga bom, o senhor está aqui, nós abrimos, concorra se quiser» (8´40”) (…) a outra questão é a proteção dos contratados que dão origem a uma vaga, e essa proteção é feita garantindo que o concurso é aberto atendendo àquilo que os contratados lá estão a fazer, essa expressão (…) não deve ser retirada» (9´40”). 37. Como resulta do Relatório de discussão e votação na especialidade, «[l]evada a votação a redação da proposta de substituição do Grupo Parlamentar do PS, para o n.º 5 do artigo 6.º, apresentada na reunião de 12 de abril, a mesma foi aprovada com os votos a favor do PS, BE e PCP, e abstenção do PSD e CDS-PP, uma vez que os Grupos Parlamentares concordam com a interpretação que deve ser dada à norma em causa, ou seja, que ela não visa constituir um precedente para o esvaziamento da carreira de investigação científica». 38. Visto o que de mais relevante se identificou no âmbito dos trabalhos preparatórios, julga-se que não poderão existir dúvidas quanto ao facto de não se ter pretendido atribuir qualquer poder discricionário à instituição quanto à decisão de abrir ou não o procedimento concursal. A interpretação que o admitisse significaria a negação do objetivo que marca os dois requerimentos de apreciação parlamentar, apresentados por partidos (Bloco de Esquerda e Partido Comunista Português) que, como se viu, vieram a votar a favor a redação da proposta de substituição do Grupo Parlamentar do Partido Socialista para o n.º 5 do artigo 6.º, apresentada na reunião de 12.4.2017. A referência legal ao interesse estratégico assume relevância, apenas, para a decisão relativa ao objeto do concurso: preenchimento de lugar de categoria da carreira de investigação científica ou da carreira de docente do ensino superior. 39. Aí sim, a discricionariedade compreende-se. E é confinada a esses limites – e apenas assim - que se respeita um dos pilares essenciais do Decreto-Lei n.º 57/2016, de 29 de agosto, nos termos acima demonstrados. 40. De resto, o próprio elemento literal respeita a intenção manifestada em todos os elementos que vimos integrarem os trabalhos preparatórios. Se o legislador pretendesse consagrar um poder discricionário quanto à própria decisão de abrir ou não o procedimento concursal, natural seria que se expressasse nos termos que habitualmente correspondem a tal figura. Ou seja, diria que a instituição, em função do seu interesse estratégico, pode proceder à abertura de procedimento concursal. Mas não. Foi incisivo e determinou que a instituição procede à abertura de procedimento concursal para categoria da carreira de investigação científica ou da carreira de docente do ensino superior. 41. Consagrando duas possibilidades, igualmente se compreende o indirizzo legislativo, fechando portas a outras ordens de razões que as instituições poderiam considerar. Ou seja, a alternativa, de acordo com a vontade legislativa, será encontrada sempre, e apenas, em função do interesse estratégico da instituição. 42. É oportuno, aliás, recordar algo que, por desnecessário, não foi destacado até ao momento: as propostas dos grupos parlamentares do Partido Comunista Português e do Bloco de Esquerda contemplavam apenas a investigação científica. É apenas a proposta do grupo parlamentar do Partido Socialista que apresenta as duas vias. O que é algo que assume relevância. Isso mesmo se deteta no Relatório da discussão e votação na especialidade, no qual se pode ler o seguinte: «Em sede do debate da especialidade, a Senhora Deputada A....... (PCP) manifestou preocupação quanto à colocação da função de docente por poder constituir um precedente de esvaziamento da carreira de investigação científica, que pode ter consequências difíceis de prever, considerando ser mais confortável para o Grupo Parlamentar do PCP não ter de colocar as coisas nesta duplicidade, porque consideram que há aqui riscos que não estão verdadeiramente avaliados. O Senhor Deputado P....... (PS) manifestou compreender a preocupação da Senhora Deputada A....... (PCP). Para o Grupo Parlamentar do PS, o interesse das instituições responderem positivamente ao emprego científico, para que este corresponda a um efetivo reforço das próprias instituições, carece de ser equilibrado tendo em vista a consolidação das carreiras. Com efeito, referiu que houve uma separação entre investigação e docência, e que esta separação foi prejudicial ao conjunto do sistema do ensino superior e de ciência e tecnologia. Considera que é, portanto, necessário que haja uma melhor integração entre essas duas formas de participar no sistema de ensino superior e ciência, parecendo adequado ao seu Grupo Parlamentar o reforço da capacidade docente, uma vez que esta é vista como «primeira obrigação» das instituições, quando na verdade o reforço da capacidade docente vai a par com o reforço da capacidade de investigação, podendo estas funções ser trabalhadas lado a lado. A possibilidade que é dada na proposta de alteração do PS é necessária, pois permite ajudar as instituições a responderem à reorientação da sua forma de gestão. O Grupo Parlamentar do PS entende, assim, que uma melhor articulação entre a carreira de docente e a carreira de investigador é positiva para o sistema e para as pessoas que estão no sistema e por isso apelaram a esta abertura, reforçando que a ideia do diploma é a defesa do emprego científico digno e sustentável, tratando-se de um passo que pode ser dado, no sentido de ajudar as instituições a cumprir com o presente diploma». 43. O texto legal - «feito a muitas mãos», como dizia a deputada do grupo parlamentar do CDS – Partido Popular, na reunião de 23.5.2017, 26´45” -, na interpretação que se julga ser a correta, faz a simbiose adequada das principais posições manifestadas. Reconhece a existência de uma «espécie desvirtuada de carreira de investigação paralela, (…) sem vínculos estáveis», a que aludia o grupo parlamentar do Partido Comunista Português, abre o «horizonte de estabilidade» pretendido pelo grupo parlamentar do Bloco de Esquerda, mas sem uma «integração automática» que, como defendeu o grupo parlamentar do Partido Socialista, seria incompatível com os necessários critérios de «exigência, de qualificação [e] de competição» inerentes ao trabalho científico e tecnológico. 44. Ou seja, a abertura de procedimento prevista no artigo 6.º/5 do Decreto-Lei n.º 57/2016, de 29 de agosto, na redação dada pela Lei n.º 57/2017, de 19 de julho, consubstancia um dever da respetiva instituição. A escolha que a lei lhe confere é apenas entre o concurso para categoria da carreira de investigação científica ou para categoria da carreira de docente do ensino superior, escolha essa, no entanto, que terá de ser fundamentada no seu interesse estratégico. 45. Em suma: a) O interesse estratégico da instituição permite-lhe optar pela carreira de investigação científica ou pela carreira de docente do ensino superior; b) O interesse do doutorado obrigará a instituição a abrir o concurso acordo com as funções por ele desempenhadas, na medida em que apenas assim o mesmo terá reais condições de sucesso no respetivo concurso. V Em face do exposto, acordam os Juízes da Subsecção Social do Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida e, julgando a intimação procedente, condenar a Entidade Requerida a abrir, no prazo de 20 dias, procedimento concursal, de acordo com as funções desempenhadas pelo Requerente, nos termos do disposto no artigo 6.º/5 do Decreto-Lei n.º 57/2016, de 29 de agosto, na redação dada pela Lei n.º 57/2017, de 19 de julho. Sem custas, por isenção objetiva (artigo 4.º/2/b) do Regulamento das Custas Processuais). Lisboa, 23 de outubro de 2025. Luís Borges Freitas (relator) Ilda Côco (com a declaração de voto junta) Maria Helena Filipe (vencida, conforme declaração junta) Declaração de voto Voto o sentido da decisão, embora não possa acompanhar integralmente os seus fundamentos. Com efeito, atendendo a que a decisão recorrida rejeitou liminarmente a intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias com fundamento na manifesta improcedência do pedido [artigo 590.º, n.º1, do CPC], considero que não cabe no objecto do recurso decidir se se encontram preenchidos os pressupostos da intimação previstos no artigo 109.º do CPTA. É certo que o recorrente alega que se encontram preenchidos os referidos pressupostos. No entanto, o Tribunal a quo não se pronunciou sobre o preenchimento dos pressupostos da intimação, pelo que não podia este Tribunal de recurso conhecer, em sede de apreciação do mérito do objecto do recurso, de uma questão que não foi – nem tinha de ser – decidida na decisão recorrida, que, reitere-se, é uma decisão de rejeição liminar. Tendo a questão da falta de preenchimento dos pressupostos da intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias sido suscitada na resposta apresentada pela entidade requerida, este Tribunal apenas poderia e deveria conhecer daquela questão após conhecer do objecto do recurso, ou seja, verificar se a intimação poderia ter sido rejeitada liminarmente com fundamento na manifesta improcedência do pedido. Com efeito, atento o disposto no artigo 149.º, n.º3, do CPTA, o tribunal de recurso, se julgar que o motivo invocado pelo tribunal recorrido para não conhecer do pedido não procede, verifica se nenhum outro obsta a que se conheça do mérito da causa. Assim, na situação dos autos, considero que, primeiro, se deveria ter apreciado se se verifica o motivo invocado pelo tribunal recorrido para rejeitar liminarmente a intimação, depois, aferido do preenchimento dos pressupostos da intimação e, por fim, conhecido, nos termos previstos na referida norma do artigo 149.º, n.º3, do CPTA, do mérito da causa. Sem prejuízo do exposto, e quanto ao decidido relativamente ao preenchimento dos pressupostos da intimação, não posso acompanhar a afirmação de que se mostra “necessária a emissão célere de uma decisão de mérito para proteção desse direito, pois não é possível o decretamento de uma providência cautelar (a condenação, a título cautelar, na abertura de concurso esgotaria o objeto da ação principal, violando a natureza provisória da tutela cautelar)", uma vez que considero que a urgência a que se reporta o artigo 109.º, n.º1, do CPTA não é definida em função da possibilidade de ser decretada uma providência cautelar. Não obstante, voto o sentido da decisão, por considerar, ainda que com fundamentação diversa da que consta do Acórdão, que se encontram preenchidos os pressupostos previstos no artigo 109.º, n.º1, do CPTA e que, conhecendo este Tribunal do mérito da causa, ao abrigo do disposto no artigo 149.º, n.º3, do CPTA, a intimação deve ser julgada procedente, acompanhando o decidido no Acórdão quanto à interpretação da norma do n.º5 do artigo 6.º do Decreto-lei n.º57/2016, de 29 de Agosto, na redacção introduzida pela Lei n.º57/2017, de 19 de Julho. Ilda Côco VOTO DE VENCIDA Voto Vencida o Acórdão em virtude da interpretação conferida ao ‘interesse estratégico’ da instituição universitária para a determinação da abertura de concurso ínsito no nº 5 do artº 6º do Decreto-Lei nº 57/2016, de 29 de Agosto, alterado pela Lei nº 57/2017, de 19 de Julho, que entendo ser o daquela discernir, em cada momento, face aos recursos humanos docentes que dispõe e aos indicadores quanto ao número de discentes admissíveis/ admitidos em cada ano lectivo, nomeadamente, perante as vagas de acesso ao ensino superior público e, bem assim, à demanda destinada às cadeiras/ disciplinas em consonância e as atinentes à composição do respectivo curso, valorando talqualmente quanto aos alunos que se encontram já a frequentar estudos universitários, sobre a oportunidade de determinar a abertura do procedimento concursal. Esta concepção de ‘interesse estratégico’ corresponde ao ditame dos órgãos de cada instituição no âmbito da respectiva autonomia científica e pedagógica. Na sua génese, encontra-se imbuída da prossecução do interesse público que se manifesta na decisão de recrutar, ou não, professores catedráticos e na área disciplinar para que irá, ou não, ser aberto o concurso, ou seja, implica uma gestão de recurso docentes e económico-financeiros. Entendo, assim, que do nº 5 do artº 6º do diploma supra assinalado, não decorre a obrigatoriedade de abertura de procedimento concursal, ex vi de tal radicar no ‘interesse estratégico’ – a cargo – da instituição em apreço, pelo que não há que lhe impor a abertura de procedimento concursal correspondente às funções desenvolvidas pelo contratado investigador. Nestes termos, negaria provimento ao recurso do Recorrente e confirmaria a decisão recorrida. Maria Helena Filipe |