Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:341/25.4BEALM
Secção:CA
Data do Acordão:10/23/2025
Relator:JOANA COSTA E NORA
Descritores:DIREITO À INFORMAÇÃO PROCEDIMENTAL
INTERESSE LEGÍTIMO DE TERCEIROS
Sumário:Alegando a autora, no requerimento em que pede à entidade demandada a emissão de certidões relativas a procedimentos urbanísticos relativos a determinado prédio, que tal prédio foi objecto de contrato que celebrou com o proprietário do mesmo, e que teve conhecimento de que foi celebrado um contrato entre tal proprietário e uma terceira entidade, visando uma operação urbanística para instalação de uma superfície comercial no referido prédio, operação essa que poderá comprometer o exercício dos direitos emergentes do contrato celebrado com a requerente, na medida em que incide sobre a área contratualizada, é razoável permitir-se à recorrente o acesso à informação pretendida, considerando o impacto que os procedimentos urbanísticos que envolvem o prédio em causa podem ter no contrato em que a mesma é parte, estando, assim, demonstrado um interesse legítimo por parte da autora recorrente no conhecimento dos elementos que pretende.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção Administrativa Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO

Acordam, em conferência, os juízes da subsecção comum da secção administrativa do Tribunal Central Administrativo Sul:


I – RELATÓRIO

F… COMPANY, LDA, intentou intimação para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões, contra o Município do Seixal. Pede a intimação da demandada a emitir as seguintes certidões: “a) Certidão contendo a identificação (número de processo, entidade requerente, tipo de operação urbanística e estado do procedimento) de qualquer procedimento urbanístico incidente sobre o prédio sito na Quinta d…, descrito sob o n.º 3… da CRP de Amora e inscrito na matriz urbana sob o artigo 7…; b) Certidão integral dos requerimentos de operações urbanísticas submetidos relativamente ao prédio referido; c) Certidão das decisões proferidas nos procedimentos mencionados, incluindo, se for o caso, decisões de deferimento de pedidos de licenciamento, informação prévia ou comunicação prévia; d) Na ausência de procedimento urbanístico ativo relativamente ao prédio, certidão negativa comprovativa desse facto; e) Certidão integral de eventuais pedidos e decisões de alteração do alvará de loteamento no âmbito do Processo 29/A/79, ou, em sua ausência, certidão negativa.”
Pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada foi proferida sentença a julgar a presente acção improcedente por falta de legitimidade da autora para obter as certidões peticionadas.
A autora interpôs o presente recurso de apelação, cujas alegações contêm as seguintes conclusões:
“1. Entende a Recorrente, que o Tribunal a quo incorreu em erro na apreciação da prova, ao desconsiderar um facto essencial que resulta cristalino do documento junto aos autos em 02 de junho de 2025: que a resolução do contrato de Associação em Participação, celebrado em 17 de junho de 2013 entre o A… Clube e a ora Recorrente, é objeto de impugnação judicial, pendente no Juízo Central Cível de Almada.
2. Tal facto, conhecido do Município — através do seu Presidente da Câmara, que depôs como testemunha no âmbito da providência cautelar apensa à ação principal de impugnação —, devia constar do elenco dos factos provados, por resultar de acordo, operando-se, nos termos dos artigos 574.º, n.º 1 e 607.º, n.º 5 do CPC, aplicáveis ex vi dos artigos 1.º e 90.º, n.º 2 do CPTA, uma subtração à livre apreciação do julgador quanto a tal matéria factual.
3. Pelo que deverá constar do elenco dos factos dados como provados da sentença recorrida o seguinte facto: “A resolução do contrato de Associação em Participação, celebrado em 17 de junho de 2013 entre o A… Clube e a F… Company, Lda. [ora Recorrente], encontra-se a ser objeto de impugnação judicial, mediante ação que corre os seus termos no Juízo Central Cível de Almada – Juiz 3 – do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, sob o n.º 6182/23.6T8ALM, encontrando-se a mesma pendente.”
4. O princípio da separação de poderes não impede que os tribunais conheçam e sindiquem os pressupostos normativos que integram o bloco de juridicidade em que deve assentar a atuação administrativa.
5. A verificação da existência de interesse legítimo para efeitos de acesso à informação administrativa — tal como previsto nos artigos 82.º e 85.º do CPA e que substancia a respetiva intimação judicial, nos termos dos artigos 104.º e 105.º do CPTA — constitui uma questão de legalidade, e não de oportunidade ou mérito administrativo.
6. No caso sub judice, os Recorrentes demonstram possuir um interesse jurídico atendível, decorrente da eventual afetação da sua posição jurídica por uma operação urbanística incidente sobre o imóvel onde detêm uma garantia – compreendendo-se parte da respetiva área no Contrato de Associação em Participação que a associava com o A… Clube, cuja resolução é objeto de impugnação judicial -, estando, pois, legitimados a obter a informação requerida.
7. A intimação para prestação de informações tem precisamente como pressuposto o incumprimento desse dever informativo por parte da Administração, sem invocação de qualquer causa legítima de recusa.
8. Assim, não se vislumbra em que medida é que se pode falar em violação do princípio da violação de poderes, uma vez que a tarefa ora empreendida pelo Tribunal a quo se limita a exercer o controlo da legalidade, face a um inadimplemento da prestação informativa pela Administração, quer ela assuma, primo, a forma de omissão, e, supervenientemente, a forma de recusa, havendo que repô-la, pela intimação da Administração à prestação da informação administrativa pedida pelo particular (ora Recorrente).
9. Sendo que essa reposição da juridicidade, em caso algum, comporta uma interferência na esfera de discricionariedade da Administração, ou determina o conteúdo de qualquer ato administrativo. Acresce que,
10. O Tribunal a quo incorreu num erro de qualificação jurídica ao concluir pela falta de legitimidade dos Recorrentes com base na resolução do contrato invocado, confundindo a legitimidade processual — que se apura pela posição assumida na relação jurídica controvertida, tal como alegada pelo Autor/Requerente — com a legitimidade substantiva ou até com o interesse em agir.
11. Ora, nos termos do artigo 9.º, n.º 1 do CPTA, o que importa é a forma como a relação material é apresentada pelo Autor, sendo a existência do direito alegado uma questão de mérito e não de pressuposto processual.
12. A decisão pela improcedência, e não pela absolvição da instância, demonstra, aliás, o erróneo exercício hermenêutico e operativo-judicativo levado a cabo pelo Tribunal a quo: este confunde legitimidade processual com legitimidade substantiva, ou, quando muito, legitimidade com interesse em agir.
13. Mas mesmo que se discutisse o interesse em agir, concluir-se-ia, sem dificuldades de maior, que este também se verifica: os Recorrentes alegaram um interesse legítimo na obtenção de informação administrativa sobre um procedimento urbanístico suscetível de afetar negativamente a sua posição patrimonial, fundada numa garantia sobre o imóvel em causa, cuja relação contratual está pendente de impugnação judicial.
14. Esse interesse, juridicamente atendível, não foi afastado por nenhuma causa legítima de recusa, sendo suficiente, nos termos dos artigos 85.º do CPA e 104.º e 105.º do CPTA, para sustentar a intimação.
15. Por isso, deve a sentença recorrida ser substituída por outra que julgue procedente a pretensão formulada.”
A entidade recorrida respondeu à alegação da recorrente, apresentando as seguintes conclusões:
“a) Não se verifica omissão administrativa, estando preenchido o requisito da decisão expressa;
b) A ora Recorrente não detém interesse legítimo para efeitos dos artigos 82.º e 85.º do CPA;
c) A sentença recorrida respeita o princípio da separação de poderes;
d) O pedido formulado extravasa o âmbito legal do processo de intimação;
e) A decisão encontra respaldo firme na jurisprudência e na doutrina mais autorizada.”
O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado nos termos e para efeitos do disposto no artigo 146.º, n.º 1, do CPTA, não emitiu pronúncia.
Sem vistos dos juízes-adjuntos, por se tratar de processo urgente (cfr. n.º 2 do artigo 36.º do CPTA), importa apreciar e decidir.


II – QUESTÕES A DECIDIR

Face às conclusões das alegações de recurso – que delimitam o respectivo objecto, nos termos do disposto nos artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.ºs 1 e 2, do CPC -, as questões que ao Tribunal cumpre solucionar são as de saber:
a) Se a sentença padece de erro de julgamento de facto;
b) Se a sentença padece de erro de julgamento de direito;


III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A decisão recorrida fixou os seguintes factos, que considerou provados:
“1. A Autora requereu junto da Entidade Demandada, ao abrigo do disposto no artigo 82.° e seguintes do Código do Procedimento Administrativo, a 9 de Abril de 2025 o seguinte: (cfr. fls 61 e seguintes dos autos em suporte informático) “1. A Requerente celebrou, em 17 de junho de 2013, com o A… Clube, pessoa coletiva n.° 5…, um contrato de associação em participação, cujo objeto abrange a colocação de relva em dois campos de futebol, bem como a construção de um bar de apoio e de um espaço administrativo para a Academia de Futebol, a instalar em parte do prédio urbano sito na Quinta …, descrito na CRP de Amora sob o n.° 3… e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 7…, da freguesia de Amora (cfr. Documento n.° 1, que adiante se junta e que aqui se dá por integralmente reproduzido). 2. O contrato tem duração inicial de quinze anos (posteriormente, alterada para 30 anos), contados a partir do início da colocação da relva, sendo expressamente estipulada a sua irrevogabilidade e não denunciabilidade durante esse período. 3. A Requerente teve recentemente conhecimento da existência de um contrato celebrado entre o A… Clube e uma terceira entidade, visando uma operação urbanística para instalação de uma superfície comercial no referido prédio. 4. Tal operação poderá comprometer o exercício dos direitos emergentes do contrato celebrado com a Requerente, na medida em que incide sobre a área contratualizada. 5. Por esse motivo, a Requerente tem legítimo interesse no acesso à tramitação de quaisquer procedimentos urbanísticos relacionados com o prédio identificado, sendo parte interessada nos termos do artigo 68.°, n.° 1 do CPA. 6. Adicionalmente, considerando que qualquer edificação de natureza comercial carece, em princípio, de alteração ao alvará de loteamento emitido no âmbito do Processo n.° 29/A/79, a Requerente detém igualmente interesse em ser informada sobre qualquer pedido de modificação do mesmo. 7. Nestes termos, reauer-se a V. Ex.a. nos termos dos artigos 82.° e seguintes do CPA. e no prazo legal de 10 (dez) dias úteis, a emissão das seguintes certidões: a) Certidão contendo a identificação (número de processo, entidade requerente, tipo de operação urbanística e estado do procedimento) de qualquer procedimento urbanístico incidente sobre o prédio sito na Quinta …, descrito sob o n.° 3… da CRP de Amora e inscrito na matriz urbana sob o artigo 7…; b) Certidão integral dos requerimentos de operações urbanísticas submetidos relativamente ao prédio referido; c) Certidão das decisões proferidas nos procedimentos mencionados, incluindo, se for o caso, decisões de deferimento de pedidos de licenciamento, informação prévia ou comunicação prévia; d) Na ausência de procedimento urbanístico ativo relativamente ao prédio, certidão negativa comprovativa desse facto; e) Certidão integral de eventuais pedidos e decisões de alteração do alvará de loteamento no âmbito do Processo 29/A/79, ou, em sua ausência, certidão negativa. Mais se requer: 8. Caso exista procedimento administrativo em curso relativo ao prédio identificado, que seja reconhecida a qualidade de interessada da Requerente nos termos do artigo 68.°, n.° 1 do CPA, com todas as consequências legais inerentes.”
2. Após a instauração dos presentes autos foi a Autora notificada do seguinte: (cfr.fls 68 e seguintes dos autos em suporte informático) Exmos. Senhores, Em resposta ao requerimento apresentado em 09/04/2025 notifique-se a requerente de que não se lhe reconhece interesse para se constituir como interessada no procedimento respeitante ao prédio sito na Quinta …, descrito na Conservatória do Registo Predial da Amora, sob o n.° 3…, da freguesia da Amora e inscrito na respectiva matriz predial urbana no prédio que teve origem no artigo 7… da citada freguesia. Com efeito, o Senhor Presidente da Câmara obteve conhecimento directo, quando depôs como testemunha no âmbito de acção judiciai que correu termos peio Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa (proc.0 n.° 6182/23.6T8ALM-A do Juízo Central Civel de Almada, Juiz 3) que o Contrato de Associação em Participação, celebrado em 17 de Junho de 2013 entre o A… CLUBE e a ora requerente, foi denunciado. Acresce que, mesmo desconhecendo a denuncia do aludido Contrato de Associação em Participação, celebrado em 17 de Junho de 2013 entre o A… Clube e a ora requerente, não poderia, todavia, ignorar-se que na Cláusula terceira da segunda Adenda àquele mesmo contrato, outorgada em 27 de Agosto de 2022, se previu o seguinte: BSM/SV Cláusula 3.* Tendo em consideração o investimento realizado peia SEGUNDA OUTORGANTE na colocação da relva sintética no campo de futebol 7 existente, o PRIMEIRO OUTORGANTE não poderá ceder, por qualquer forma, a terceiros a parcela de terreno onde se localiza aquele campo sem assegurar que à SEGUNDA OUTORGANTE será disponibilizado outro campo equivalente para onde possa ser transferida e aplicada a mesma relva, sem prejuízo de outra solução poder vir a ser alcançada para compensação da SEGUNDA OUTORGANTE. Resulta da Cláusula Terceira da Segunda Adenda ao Contrato de Associação e Participação que o A… CLUBE poderá ceder a parcela de terreno nos termos e condições contratuaimente previstas, não assistindo à requerente um direito real sobre a mesma. Por último, constatou-se por consulta à descrição predial actualizada do prédio urbano, sito na Quinta …, descrito na Conservatória do Registo Predial de Amora com o n.° 3…, que não se encontra registado qualquer ónus ou direito a favor da requerente. Nos termos e com os fundamentos supra indicados não se reconhece legitimidade procedimental à requerente e, por consequência, indefere-se a passagem das requeridas certidões.”
3. O contrato outorgado entre a Autora e A… Clube, pessoa coletiva foi resolvido (acordo).”


IV – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

A. Do erro de julgamento de facto

Alega a recorrente que deveria constar do probatório o seguinte facto, que considera estar provado pelo documento junto aos autos em 02.06.2025 e por acordo: “A resolução do contrato de Associação em Participação, celebrado em 17 de junho de 2013 entre o A… Clube e a F… Company, Lda. [ora Recorrente], encontra-se a ser objeto de impugnação judicial, mediante ação que corre os seus termos no Juízo Central Cível de Almada – Juiz 3 – do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, sob o n.º 6182/23.6T8ALM, encontrando-se a mesma pendente.”
Todavia, independentemente da relevância e da possibilidade de relevância de tal facto para a decisão da causa, o certo é que do documento junto aos autos em 02.06.2025, a que se refere a recorrente - correspondente a ofício subscrito pela Vereadora do Pelouro da Educação, Mobilidade, Urbanismo e Recursos Humanos da Câmara Municipal do Seixal, dirigido à recorrente, a comunicar-lhe o indeferimento do seu pedido de passagem de certidão -, nem sequer se extrai a ocorrência da impugnação judicial da resolução do contrato de associação em participação, pois, embora tal ofício faça referência à “acção judicial que correu termos pelo Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa (proc.° n.° 6182/23.6T8ALM-A do Juízo Central Civel de Almada, Juiz 3)”, o documento não indica o objecto de tal acção, além de que tal documento, por se tratar de mera notificação, não tem aptidão para demonstrar a factualidade que o recorrente pretende. Invoca ainda a recorrente o acordo das partes para sustentar tal prova, sem que se retire tal acordo de qualquer posição tomada pelas mesmas no âmbito da tramitação processual dos presentes autos. Por conseguinte, os meios de prova indicados pela recorrente não são aptos a fazer a prova do facto em causa.
Não padecendo a sentença recorrida do erro de julgamento de facto que a recorrente lhe imputa, improcede a impugnação da decisão da matéria de facto.


B. Do erro de julgamento de direito

A sentença recorrida julgou a presente acção de intimação para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões, improcedente por falta de legitimidade da autora para obter as certidões peticionadas porquanto a mesma não fundamentou qualquer interesse legítimo no conhecimento dos elementos que pretende, considerando que decorre do facto 3. que o contrato em que assenta a sua pretensão se encontra resolvido.
Insurge-se a recorrente contra o assim decidido, contrapondo que demonstrou possuir um interesse jurídico atendível e legítimo na obtenção da informação administrativa requerida, tendo alegado que a mesma respeita procedimentos urbanísticos susceptíveis de afectar negativamente a sua posição patrimonial, fundada numa garantia sobre o imóvel, compreendendo-se parte da respectiva área no Contrato de Associação em Participação que a associava com o A… Clube.
Vejamos.

No caso em apreço, a autora recorrente requereu à entidade demandada, ao abrigo dos artigos 82.º e ss. do CPA, a emissão de certidões relativas a procedimentos urbanísticos relativos ao prédio sito na Quinta …, descrito sob o n.º 3… da CRP de Amora e inscrito na matriz urbana sob o artigo 7….
Nos termos do n.º 1 do artigo 82.º do CPA, assistem aos interessados os direitos de ser informados sobre o andamento dos procedimentos que lhes digam directamente respeito, bem como o de conhecer as resoluções definitivas que sobre eles forem tomadas, direitos esses que “são extensivos a quaisquer pessoas que provem ter interesse legítimo no conhecimento dos elementos que pretendam.” (artigo 85.º, n.º 1, do CPA).
Quanto à noção de “interessados”, importa considerar o que dispõe o n.º 2 do artigo 65.º do CPA: “Para efeitos do disposto no presente Código, consideram-se interessados no procedimento os sujeitos da relação jurídica procedimental referidos nas alíneas b), c) e d) do número anterior que como tal nele se constituam, ao abrigo de um dos títulos de legitimação previstos no artigo 68.º.” Tais sujeitos são: “b) Os particulares legitimados nos termos do n.º 1 do artigo 68.º; c) Pessoas singulares e coletivas de direito privado, em defesa de interesses difusos, segundo o disposto nos n.ºs 2 e 3 do artigo 68.º; d) Os órgãos que exerçam funções administrativas, nas condições previstas no n.º 4 do artigo 68.º” Sobre a legitimidade procedimental, dispõe o artigo 68.º do CPA o seguinte: “1 - Têm legitimidade para iniciar o procedimento ou para nele se constituírem como interessados os titulares de direitos, interesses legalmente protegidos, deveres, encargos, ónus ou sujeições no âmbito das decisões que nele forem ou possam ser tomadas, bem como as associações, para defender interesses coletivos ou proceder à defesa coletiva de interesses individuais dos seus associados que caibam no âmbito dos respetivos fins. 2 - Têm, também, legitimidade para a proteção de interesses difusos perante ações ou omissões da Administração passíveis de causar prejuízos relevantes não individualizados em bens fundamentais como a saúde pública, a habitação, a educação, o ambiente, o ordenamento do território, o urbanismo, a qualidade de vida, o consumo de bens e serviços e o património cultural: a) Os cidadãos no gozo dos seus direitos civis e políticos e os demais eleitores recenseados no território português; b) As associações e fundações representativas de tais interesses; c) As autarquias locais, em relação à proteção de tais interesses nas áreas das respetivas circunscrições. 3 - Têm, ainda, legitimidade para assegurar a defesa de bens do Estado, das regiões autónomas e de autarquias locais afetados por ação ou omissão da Administração, os residentes na circunscrição em que se localize ou tenha localizado o bem defendido. 4 - Têm igualmente legitimidade os órgãos que exerçam funções administrativas quando as pessoas coletivas nas quais eles se integram sejam titulares de direitos ou interesses legalmente protegidos, poderes, deveres ou sujeições que possam ser conformados pelas decisões que nesse âmbito forem ou possam ser tomadas, ou quando lhes caiba defender interesses difusos que possam ser beneficiados ou afetados por tais decisões.”
Em suma, e no que interessa para o caso em apreço, são interessados no procedimento (i) os particulares que sejam titulares de direitos, interesses legalmente protegidos, deveres, encargos, ónus ou sujeições no âmbito das decisões que nele forem ou possam ser tomadas, bem como as associações, para defender interesses colectivos ou proceder à defesa colectiva de interesses individuais dos seus associados que caibam no âmbito dos respectivos fins, e (ii) as pessoas singulares e colectivas de direito privado, em defesa de interesses difusos, que se tenham constituído como sujeitos procedimentais no procedimento.
No caso, não há dúvidas de que a autora não é sujeito procedimental no âmbito dos procedimentos urbanísticos a que pretende ter acesso, não sendo parte nos mesmos. Assim, para que lhe assistam os direitos de ser informada sobre o andamento de tais procedimentos e de conhecer as resoluções definitivas que sobre eles forem tomadas, impõe-se que a mesma prove ter interesse legítimo no conhecimento dos elementos que pretenda, nos termos do referido n.º 1 do artigo 85.º do CPA.
Como anotam MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA, PEDRO COSTA GONÇALVES E JOÃO PACHECO DE AMORIM, “Código do Procedimento Administrativo”, 2.ª edição, Almedina, Coimbra, 1997, p. 340, “interesse legítimo na informação pretendida é qualquer interesse atendível (protegido ou não proibido juridicamente) que justifique, razoavelmente, dar-se ao requerente tal informação”.
Para o efeito, a autora alegou no requerimento em que pede à entidade demandada a emissão de certidões relativas a procedimentos urbanísticos relativos ao prédio sito na Quinta …., descrito sob o n.º 3… da CRP de Amora e inscrito na matriz urbana sob o artigo 7…, que tal prédio foi objecto do contrato de associação em participação, que celebrou com o A… Clube em 17.06.2013 – nos termos do qual foi acordada a colocação de relva em dois campos de futebol, bem como a construção de um bar de apoio e de um espaço administrativo para a Academia de Futebol, a instalar em parte do referido prédio, sendo a duração do contrato de 30 anos, contados a partir do início da colocação da relva, e sendo expressamente estipulada a sua irrevogabilidade e não denunciabilidade durante esse período -, e que teve conhecimento de que foi celebrado um contrato entre o A… Clube e uma terceira entidade, que visa uma operação urbanística para instalação de uma superfície comercial no referido prédio, operação essa que poderá comprometer o exercício dos direitos emergentes do contrato celebrado com a requerente, na medida em que incide sobre a área contratualizada, além de que qualquer edificação de natureza comercial implica alteração ao alvará de loteamento emitido no âmbito do Processo n.º 29/A/79.
Em face de tal alegação, é razoável permitir-se à recorrente o acesso à informação pretendida, considerando o impacto que os procedimentos urbanísticos que envolvem o prédio em causa podem ter no contrato em que a mesma é parte. Concluímos, assim, pela demonstração de interesse legítimo por parte da autora recorrente no conhecimento dos elementos que pretende, relativos a procedimentos urbanísticos incidentes sobre o prédio referido, assistindo-lhe o direito à emissão das certidões pela mesma requeridas.
Em sentido oposto, a sentença recorrida considerou que a resolução do contrato no qual assentava a pretensão da recorrente, assente no facto 3 do probatório, afastava qualquer interesse legítimo no conhecimento dos elementos que pretende.
Todavia, assim não é. Por um lado, porque, embora não se tenha provado – como pretendia a recorrente – que tal resolução foi impugnada judicialmente, também não se provou que o não tenha sido, tendo a sentença assumido a definitividade da resolução contratual. Por outro lado, porque, ainda que o contrato tivesse sido resolvido sem que tal resolução tivesse sido impugnada, nem assim estaria afastado o interesse da recorrente, justificando a alegação que faz – com a correspondente ligação contratual ao prédio relativamente ao qual pretende a informação – o acesso à informação em causa.
Ante o exposto, ao concluir pela ilegitimidade substantiva da autora recorrente, a sentença incorreu em erro de julgamento, com o que se impõe a respectiva revogação, e, em substituição, intimar a entidade recorrida a emitir as certidões requeridas.
Nos termos do artigo 82.º, n.º 3, do CPA, as informações procedimentais requeridas são fornecidas no prazo procedimental máximo de 10 dias, sendo a emissão de certidão de documentos e factos uma forma de prestação de informação. Assim, fixa-se um prazo procedimental de 10 (dez) dias para cumprimento do ora determinado.
*
Vencida, é a entidade recorrida responsável pelo pagamento das custas, nos termos dos artigos 527.º do CPC, aplicável ex vi artigo 1.º do CPTA.


V – DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes da Subsecção comum da Secção administrativa do Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso interposto, revogar a sentença recorrida e, em substituição, condenar a entidade requerida a, num prazo procedimental de dez dias, emitir as seguintes certidões que lhe foram requeridas pela recorrente: a) Certidão contendo a identificação (número de processo, entidade requerente, tipo de operação urbanística e estado do procedimento) de qualquer procedimento urbanístico incidente sobre o prédio sito na Quinta …, descrito sob o n.º 3… da CRP de Amora e inscrito na matriz urbana sob o artigo 7…; b) Certidão integral dos requerimentos de operações urbanísticas submetidos relativamente ao prédio referido; c) Certidão das decisões proferidas nos procedimentos mencionados, incluindo, se for o caso, decisões de deferimento de pedidos de licenciamento, informação prévia ou comunicação prévia; d) Na ausência de procedimento urbanístico ativo relativamente ao prédio, certidão negativa comprovativa desse facto; e) Certidão integral de eventuais pedidos e decisões de alteração do alvará de loteamento no âmbito do Processo 29/A/79, ou, em sua ausência, certidão negativa.”


Custas pela entidade recorrida.

Lisboa, 23 de Outubro de 2025

Joana Costa e Nora (Relatora)
Ricardo Ferreira Leite
Ana Lameira