| Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
| Processo: | 426/23.1BEALM | 
|  |  | 
| Secção: | CT | 
|  |  | 
|  |  | 
| Data do Acordão: | 10/16/2025 | 
|  |  | 
| Relator: | TIAGO BRANDÃO DE PINHO | 
|  |  | 
| Descritores: | INTERPRETAÇÃO DA PETIÇÃO INICIAL LIQUIDAÇÃO CORRETIVA CADUCIDADE DO DIREITO À LIQUIDAÇÃO ERRO NA FORMA DO PROCESSO | 
|  |  | 
| Sumário: | 1 – No confronto entre o princípio da tutela jurisdicional efetiva e o princípio do dispositivo, aquele é o subordinante por ter consagração constitucional. 2 – Na interpretação das peças processuais, o Tribunal deve extrair do pedido que lhe é feito o sentido mais favorável aos interesses do apresentante, atentas as causas de pedir invocadas e o efeito útil que pretende obter com o papel, indagando a real pretensão que tenha sido manifestada de forma inequívoca, ainda que implícita, pelo seu autor. 3 – Quando uma garantia impugnatória do contribuinte anula parcialmente um ato de liquidação por parte da matéria coletável ter sido calculada de forma ilegal, não é obrigatória a emissão de um novo ato de liquidação se a decisão de anulação parcial apurar o montante devido; se não o fizer, a ilegalidade detetada terá, ainda assim, de ser sanada através de um ato reformador (liquidação corretiva). 4 – A prática da liquidação corretiva na sequência da anulação parcial da liquidação é um dever, que não um direito, da Administração Tributária. 5 – A liquidação corretiva, atenta a sua natureza reformadora, tem efeitos retroativos. 6 – A caducidade do direito à liquidação é uma garantia não impugnatória do contribuinte cujo instituto se aplica apenas às liquidações que sejam lesivas para o contribuinte. | 
|  |  | 
|  |  | 
| Votação: | Unanimidade | 
|  |  | 
|  |  | 
| Indicações Eventuais: | Subsecção Tributária Comum | 
|  |  | 
|  |  | 
| Aditamento: |  | 
| 1 |  | 
| Decisão Texto Integral: | Acordam na Subsecção Tributária Comum do Tribunal Central Administrativo Sul: Na Impugnação Judicial n.º 426/23.1BEALM, deduzida por .... contra Autoridade Tributária e Aduaneira no Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, foi proferida sentença em 20 de janeiro de 2025 que, julgando procedente a exceção dilatória do erro na forma do processo, declarou a nulidade de todo o processo e absolveu a Fazenda Pública da instância. A sentença ora posta em xeque considerou, na sua fundamentação, que o ato impugnado foi praticado “pelo órgão da execução fiscal, no contexto de um processo de execução fiscal”, pelo que a Impugnação Judicial “não é o meio processual adequado para apreciar o pedido formulado pelo Impugnante”, mas, antes, a “reclamação das decisões do órgão da execução fiscal”. Equacionada a convolação do processo, verificou que tendo a notificação do ato sido efetuada “em 24.03.2023”, “a reclamação podia ser apresentada até ao dia 17.04.2023 (o terceiro dia útil após o término do prazo), ainda que sujeita ao pagamento de multa”, só tendo, todavia, a Petição Inicial sido apresentada “em 20.06.2023”. Concluiu, então, “pela impossibilidade de convolação do presente meio processual em reclamação de ato do órgão da execução fiscal, face à intempestividade da petição inicial para ser convolada neste meio”. Inconformado, o Sujeito Passivo formulou as seguintes conclusões: 1. O Tribunal a quo pronunciou-se por a Impugnação não ser o meio processual apropriado, antes remetendo em decisão liminar para o meio processual de Reclamação. 2. Salvo o devido respeito sem qualquer fundamentação que permita, no caso concreto, ancorar essa decisão. 3. É manifesto que o Tribunal a quo não teve presente os factores circunstanciais relacionados com o caso concreto, apenas tomando por base alguma prova documental, ancorando em especial no invocado na douta Contestação pela Fazenda Pública. 4. Respeita-se plenamente o princípio da livre apreciação da prova por parte do Tribunal a quo, mas não se vislumbra como livre de erro a douta decisão de que se recorre. 5. O art.º 276º do CPPT, também citado pelo Tribunal a quo, com objectivo distorcido, mas ali se estabelece de que o meio processual de Reclamação será de aplicar quando a administração tributária afecte os direitos e interesses legítimos do executado, o que não foi o caso concreto, pois não estávamos perante qualquer penhora ou venda de bens propriedade do Recorrente (ver também art.º 278º, n.º 1 do CPPT). 6. A propósito, o CPTA estabelece no art.º 191º, n.º 2 de que «não é possível reclamar-se de acto que decida de anterior reclamação ou de recurso administrativo». 7. Verdade que é no âmbito Administrativo, mas ajuda a entender de que já existiam sentença e Acórdão sobre a matéria, o que faz com que se entenda a virtualidade do meio processual utilizado, a Impugnação, e a desproporcionalidade do seu afastamento como o Tribunal a que assim decidiu. 8. O Recorrente comprovadamente foi notificado de uma liquidação, a saber de pagar um valor no prazo de quinze dias (€ 11.658,00), sem ser em sede de penhora ou venda de bens, pelo que não como coarctar o direito do Recorrente utilizar o meio processual de Impugnação, como fez, e que o Tribunal a quo afastou indevidamente. 9. O artigo 99º do CPPT nas suas alíneas a) e c) preenchem claramente os pressupostos necessários à utilização do meio processual de impugnação, sendo que na sua definição estatui o citado artigo que constitui fundamento da impugnação qualquer ilegalidade e não só as definidas nas alíneas já mencionadas. 10. Pelo que andou mal o Tribunal a quo na sua douta decisão, e se conclui que em termos de lei adjectiva, a Impugnação é o meio apropriado para o Recorrente ter agido nos presentes autos. 11. A sábia Jurisprudência, citada nestas Alegações, comprova que assiste razão ao Recorrente por invocar os seus direitos na Impugnação utilizada para o efeito nos presentes autos. 12. Se conclui que erra o Tribunal a quo quando afasta o meio processual a que o Recorrente recorreu e bem, vindo o mesmo Tribunal a quo, erradamente, a coarctar a possibilidade daquele se defender da exigência de um valor tributário notificado para pagar (não está em sede de penhora ou venda de bens) através de apresentar a devida Impugnação como meio processual adequado. 13. Conhecendo e recorrendo também do mérito por o Tribunal a quo não o ter conhecido, a questão em concreto prende-se com os rendimentos referentes a IRS no exercício de 2005, bem como sobre os rendimentos do ano de 2006. 14. O Recorrente foi notificado na data de 11/10/2016 da parte da Direcção de Finanças de Setúbal – Divisão de Tributação e Cobranças, no que se refere a nova liquidação de IRS 2005 em face de doutas decisões judiciais que não davam razão à AT, e dava conhecimento de que o processo então existente havia sido dado como caducado quanto ao direito à liquidação por parte da AT no que se referia ao IRS do ano de 2005. 15. Mais tarde, por decisão datada de 15/03/2023, veio o Recorrente a receber outra notificação agora no que dizia respeito ao IRS de 2006, que também aqui informava de que havia caducado o direito à liquidação de acordo com o disposto no art.º 45º da LGT. 16. Assim (ver documentos 4 e 5 com a p.i.) é manifesto o reconhecimento pelos Serviços Distritais de Setúbal da AT de que, quer quanto ao IRS de 2005, quer quanto ao IRS de 2006, ambos viram caducar o direito a emitir qualquer liquidação, logo só podia a AT arquivar anulando os valores indicados, o que não fez e continuou a enviar ao Recorrente, mesmo contrário à decisão da Direcção Distrital (ver documento 1 com a p.i.) 17. Logo não pode a AT ter decisões confiáveis que notificam o Recorrente de que caducaram os direitos de emitir qualquer liquidação referente ao IRS dos anos de 2005 e 2006, e depois envia ao Recorrente documento de liquidação (Serviço de Finanças Almada- 3 – Costa da Caparica) para que este pague em quinze dias o valor de € 11.638,00, à revelia dos seus superiores, mas sempre em nome da AT, e muito menos pode o Recorrente aceitar que venham cobrar taxas de justiça, quando as decisões (Doc. 2 e 3 com a p.i.) indica que todas as taxas de justiça seriam da responsabilidade da AT. 18. Perante os factos descritos só pode o Recorrente utilizar, bem e apropriado, o meio processual de Impugnação que deu origem aos presentes autos, e também ter-se por caducado o direito de emitir quaisquer liquidações para que o Recorrente proceda ao pagamento notificado, como fez mal a AT. 19. Não se pode aceitar a douta conclusão do Tribunal a quo quando faz improceder a impugnação, bem como a AT recorrer a trâmites tributários que determinou e notificou caducados, como se extrai do mérito que o Tribunal a quo nem tomou em devida nota. *Não foram apresentadas contra-alegações. *O Exmo. Magistrado do Ministério Público emitiu parecer no sentido “de que o recurso não merece provimento”, uma vez que os seus fundamentos “não permitem abalar os fundamentos de facto e de direito que sustentam a douta sentença recorrida”. *A questão a decidir é, então, a de saber se a sentença errou ao considerar que se verifica erro na forma do processo. *Colhidos os vistos legais, nada obsta à decisão. Em sede factual, vem apurado pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada que: [LIQUIDAÇÃO DE IRS 2005] 1. Foi emitida a liquidação de IRS, em nome do Impugnante, referente ao ano de 2005, na qual foi apurado um valor a pagar de €3.658,89, dos quais €3.411,40 relativos a imposto e €247,49 referentes a juros compensatórios, cujo prazo de pagamento voluntário terminou em 05.05.2008 – “Liquidação de IRS 2005”. [facto admitido por acordo e cf. facto 3 do probatório da sentença proferida no processo n.º 52/10.5BEALM, constante do documento n.º 2 junto com a p.i., a fls. 3-50 do SITAF] 2. Em 27.05.2008 foi emitida a certidão de dívida n.º 2008/365019 e instaurado o processo de execução fiscal n.º 3409200801064835, contra o Impugnante, com vista à cobrança da Liquidação de IRS 2005, que se refere em 1. [cf. fls. 4 do Processo de Execução Fiscal (“PEF”) junto aos autos, a fls. 470-720 do SITAF] 3. Em 16.12.2008 foi emitido, pela AT, o documento intitulado “NOTIFICAÇÃO DE PENHORA / CITAÇÃO PESSOAL”, dirigido ao Impugnante, através do qual lhe era comunicada a realização da penhora de um imóvel para garantia da quantia exequenda em cobrança no processo de execução fiscal n.º 3409200801064835. [cf. fls. 19 do PEF junto aos autos, a fls. 470-720 do SITAF] 4. O documento referido em 3 foi remetido, para o Impugnante, por carta registada com aviso de receção, o qual foi por si assinado em 21.01.2009. [cf. fls. 19 do PEF junto aos autos, a fls. 470-720 do SITAF] 5. Em 18.01.2010 o Impugnante apresentou impugnação judicial, junto deste Tribunal, contra a Liquidação de IRS 2005, que se refere em 1, a qual correu termos sob o n.º 52/10.5BEALM. [cf. fls. 83-91 do PEF junto aos autos, a fls. 470-720 do SITAF] 6. Em 05.05.2014 foi proferida sentença, por este Tribunal, no âmbito do processo de impugnação judicial n.º 52/10.5BEALM, a qual foi julgada procedente, tendo sido reconhecida a obrigação da AT proceder à correção da Liquidação de IRS 2005, que havia sido emitida em nome do Impugnante, constando, designadamente o seguinte dessa decisão: “[…] impende agora sob a AF a obrigação de em conformidade com o decidido na reclamação graciosa proceder à liquidação correctiva do IRS referente ao exercício de 2005 com base na reclamação e decisão que sobre a mesma impendeu. Assim sendo, e sem necessidade de mais considerações julgaremos procedente a presente impugnação.” [cf. documento n.º 2 junto com a p.i., a fls. 3-50 do SITAF] 7. Em 11.10.2016 foi emitido, pela Direção de Finanças de Setúbal, o ofício n.º 18685, com a epígrafe “PROCESSO DE IMPUGNAÇÃO JUDICIAL N.º 52/10.5BEALM”, dirigido ao Impugnante, em que lhe era comunicado que, em concretização da sentença referida em 6, seria solicitada, à Direção de Serviços de Cobrança, a “anulação parcial da certidão de dívida 365019/2008 no valor de €2.118,99 (1.975,66 de Imposto + 143,33 de JC)”. [cf. documento n.º 4 junto com a p.i., a fls. 3-50 do SITAF] [LIQUIDAÇÃO DE IRS 2006] 8. Em 24.03.2008 foi emitida a liquidação de IRS n.º 2008.4000036490, em nome do Impugnante, referente ao ano de 2006, na qual foi apurado um valor a pagar de €9.050,74, dos quais €8.775,69 relativos a imposto e €275,05 referentes a juros compensatórios – “Liquidação de IRS 2006”. [cf. fls. 10 e 146 do procedimento de reclamação graciosa 3409 2008 04 002059, a fls. 130-234 e 237-341 do SITAF] 9. Em 27.05.2008 foi emitida a certidão de dívida n.º 2008/364917 e instaurado o processo de execução fiscal n.º 3409200801064835, contra o Impugnante, com vista à cobrança da Liquidação de IRS 2006, que se refere em 8. [cf. fls. 2 do PEF junto aos autos, a fls. 470-720 do SITAF] 10. Em 02.10.2008, o Impugnante apresentou reclamação graciosa contra a Liquidação de IRS 2006. [cf. fls. 2-3 do procedimento de reclamação graciosa 3409 2008 04 002059, a fls. 130-234 do SITAF] 11. Em 11.11.2008, foi indeferida liminarmente, pelo Chefe de Divisão de Justiça Tributária da Direção de Finanças de Setúbal, a reclamação graciosa referida em 10 com fundamento na sua extemporaneidade. [cf. fls. 125-130 do procedimento de reclamação graciosa 3409 2008 04 002059, a fls. 237-341 do SITAF] 12. Em 31.12.2008, o Impugnante apresentou recurso hierárquico contra a decisão de indeferimento referida em 11. [cf. fls. 141-143 do procedimento de reclamação graciosa 3409 2008 04 002059, a fls. 237-341 do SITAF] 13. Em 15.09.2009, foi indeferido, pela Direção de Serviços do IRS, o recurso hierárquico referido em 12. [cf. fls. 149-153 do procedimento de reclamação graciosa 3409 2008 04 002059, a fls. 237-341 do SITAF] 14. Em 18.01.2010 o Impugnante apresentou impugnação judicial, junto deste Tribunal, contra a decisão de indeferimento do recurso hierárquico mencionada em 13 e contra a Liquidação de IRS 2006, que se refere em 8, a qual correu termos sob o n.º 53/10.3BEALM. [cf. fls. 92-100 do PEF junto aos autos, a fls. 470-720 do SITAF] 15. Em 27.05.2021 foi proferido acórdão, pelo Tribunal Central Administrativo Sul, no âmbito do processo de impugnação judicial n.º 53/10.3BEALM, o qual julgou procedente o recurso apresentado pelo Impugnante contra a sentença proferida por este Tribunal, a qual foi revogada e, em consequência, foi anulada a decisão de indeferimento do recurso hierárquico, que se refere em 13, constando, designadamente, o seguinte deste aresto: “Como tal, assiste razão ao Recorrente, padecendo o ato impugnado de vício, conducente à sua anulação. Veja-se, no entanto, que estamos perante uma reação a um indeferimento de recurso hierárquico que confirmou uma decisão de reclamação graciosa na qual se concluiu pela extemporaneidade da mesma, ou seja, que nunca se pronunciou sobre o mérito da pretensão. Assim, sendo certo que assiste razão ao Recorrente, tal circunstância redunda na anulação do ato imediato (indeferimento do recurso hierárquico relativo a rejeição limitar de reclamação graciosa por extemporaneidade) e na do ato mediato (rejeição limitar de reclamação graciosa por extemporaneidade), implicando, pois, que a AT se deva pronunciar sobre o mérito da pretensão formulada [cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 17.01.2018 (Processo: 01.377/14)].” [cf. documento n.º 3 junto com a p.i., a fls. 3-50 do SITAF] 16. Em 15.03.2022 foi decidido, pelo Chefe de Divisão de Justiça Tributária da Direção de Finanças de Setúbal, o deferimento parcial da reclamação graciosa referida em 10. [cf. documento n.º 2 da contestação, a fls. 58-114 do SITAF] 17. Em 09.03.2023 foi anulada parcialmente a certidão de dívida n.º 2008/364917, numa importância correspondente a €5.496,11, dos quais €5.329,08 relativos a imposto e €167,03 referentes a juros compensatórios. [cf. documento n.º 4 da contestação, a fls. 58-114 do SITAF] 18. Em 15.03.2023 foi emitido, pela Direção de Finanças de Setúbal, o ofício n.º 3656, com a epígrafe “PROCESSO DE RECLAMAÇÃO N° 3409200804002069 - IRS/2006”, dirigido ao Impugnante, em que lhe era comunicado que, em execução do deferimento parcial da reclamação graciosa apresentada contra a Liquidação de IRS 2006, seria concretizada a “anulação do montante de € 5 496,11, que resulta da diferença entre o valor inicialmente liquidado € 9050,74 e o efetivamente devido € 3 554,63”. [cf. documento n.º 5 junto com a p.i., a fls. 3-50 do SITAF] 19. Em 22.03.2023 foi emitido o ofício n.º 1061, pelo Chefe do Serviço de Finanças de Almada3, com a epígrafe “Processo 53/10.3BEALM”, o qual era dirigido ao Impugnante e informava de que dispunha de quinze dias para efetuar o pagamento do valor em dívida no processo de execução fiscal n.º 3409200801064835, que ascendida a €11.658,00, e do qual consta, designadamente, o seguinte: “[…] 1. Por despacho proferido no processo de reclamação graciosa n.º 3409200804002059 (a qual foi julgada tempestiva por força do acórdão proferido no recurso jurisdicional da sentença proferida no processo de impugnação judicial n.º 53/10.3BEAL) foi determinada a anulação do montante de 5496.11€ relativo a IRS do ano de 2006. 2. O Processo de Execução Fiscal 3409200801064835, adiante PEF, instaurado pelo montante de 17.248,78€ foi suspenso até decisão do pleito de harmonia com o disposto nos artigos 169° do Código de Procedimento e do Processo Tributário e 52° da Lei Geral Tributária, uma vez que foi prestada a garantia por uma das formas previstas no n° 1 do Artº 199º do Código de Procedimento e de Processo Tributário — penhora de bem imóvel 3. Assim, fica por este meio notificado para no prazo de 15 (quinze) dias contados da assinatura do aviso de receção, efetuar o pagamento do valor em dívida no referido PEF, o qual ascende à presente data ao montante de 11658,00€ (7213.52€ a título de imposto, 461.89€ de taxa de justiça e de 3982.59€ a título de juros de mora), ou dar conhecimento da existência de processo que justifique a suspensão da execução. 4. Até à marcação da venda do(s) bem(ns) penhorado(s) poderá, ainda, requerer o pagamento em prestações, nos termos do artigo 196.° do CPPT.” [cf. documento n.º 1 junto com a p.i., a fls. 3-50 do SITAF] 20. O ofício referido em 19 foi remetido, em 23.03.2023, para o Impugnante, por carta registada com aviso de receção associado ao registo postal n.º RH233133699PT. [cf. fls. 161-163 do PEF junto aos autos, a fls. 470-720 do SITAF] 21. O aviso de receção associado ao registo postal n.º RH233133699PT foi assinado, pelo Impugnante, em 24.03.2023. [cf. fls. 161-163 do PEF junto aos autos, a fls. 470-720 do SITAF] 22. Em 24.04.2023 o Impugnante apresentou, junto do Serviço de Finanças de Almada-3, recurso hierárquico contra o ofício referido em 19 através do qual requereu a revogação da decisão nele contida. [cf. recurso hierárquico a fls. 237-341 e 344-455 do SITAF] 23. A petição inicial, na origem dos presentes autos, deu entrada neste Tribunal em 20.06.2023 e consta da mesma, designadamente, o seguinte: “[…] Tendo sido notificado pelo Ofício 1061 de 22/03/2023 para Liquidação no prazo de quinze dias a contar da data de recepção da mencionada notificação que foi efectuada no dia 23/03/2023, da quantia de € 11.658,00 (onze mil seiscentos e cinquenta e oito euros), com data-limite de pagamento em 07 de Abril de 2023, (Doc.1), E estando em tempo, Vem a propósito apresentar IMPUGNAÇÃO JUDICIALContra o conteúdo do identificado Ofício n.º 1061 para pagamento de quantia, o que faz com os seguintes fundamentos: […] Termos em que, nos melhores de direito, e com o mui suprimento de V. Exa.: i. Deve a presente impugnação judicial ser recebida, e aceite por procedente e provada a matéria nela contida, vindo a ser anulada a liquidação objecto do Ofício 1061 datado de 22/03/2023, efectuada ao aqui Impugnante, respeitante ao IRS dos anos de 2005 e 2006, tendo em conta a douta decisão da Direcção de Finanças de Setúbal — Divisão de Tributação e Cobranças onde menciona ter caducado o direito à liquidação pretendida pelo Serviço de Finanças de Almada 3 — Costa da Caparica (ver Doc. 4 e 5). ii. Tudo com as devidas consequências legais.” […]” [cf. comprovativo de entrega da petição inicial e petição inicial, a fls. 1-2 e 3-50 do SITAF] * *Vejamos, pois: QUANTO À MATÉRIA DE FACTO: Nos termos do artigo 662.º, n.º 2, alínea c), parte final, do Código de Processo Civil, a segunda instância deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto quando repute de deficiente a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta. Ao abrigo desta norma: a) Altera-se a redação do ponto 7 da matéria de facto dado como provada que passa a ter a seguinte redação: 7. Em 11 de outubro de 2016 foi emitido, pela Direção de Finanças de Setúbal, o ofício n.º 18.685, com o assunto “PROCESSO DE IMPUGNAÇÃO JUDICIAL N.º 52/10.5BEALM”, dirigido ao Impugnante e a .... , com o seguinte teor: “Para cumprimento do determinado no ponto 8 alínea b), ficam por este meio notificados do teor da Informação n.º 528/16, que mereceu o despacho favorável da Sra. Diretora da Direção de Serviços de IRS, em 2016/03/16, da qual se anexa cópia.” [cf. documento n.º 4 junto com a p.i., a fls. 3-50 do SITAF] b) Adita-se ao probatório a seguinte matéria de facto: 7-A. Dá-se por reproduzida a informação referida no Ofício citado no ponto anterior, a qual, no que ora interessa, tem o seguinte teor: “(…) 1. Em 2008, tendo sido detetada a falta de entrega da declaração do contribuinte .... (…), foi recolhida pelos Serviços uma declaração oficiosa de fixação, 12-D0029, com o rendimento global de € 55.773,00 de cuja liquidação resultou uma nota de cobrança no valor de € 3.658,89 (…) que por não ter sido paga deu origem ao processo executivo 3409200801064853. 2. O contribuinte apresenta Reclamação Graciosa (…). 3. Pelo SF de Almada 3 é dado despacho de indeferimento. 4. Não se conformando com o despacho de indeferimento, apresenta recurso hierárquico, no qual é dado despacho de indeferimento parcial (é aceite o estado civil de casado). 5. O despacho de deferimento parcial não foi concretizado, pelo que o contribuinte supra citado apresentou impugnação judicial 52/10.5BEALM contra a liquidação oficiosa (…). 6. Pela Merítissima Juíza é julgada procedente a impugnação e mandado a Administração Fiscal concretizar o despacho de deferimento parcial dado no recurso hierárquico. 7. Para concretização da sentença e face ao despacho proferido no recurso hierárquico, procedeu-se à simulação da declaração com o agregado correcto, da qual resultou uma nota de cobrança no valor de € 1.539,90 (…). 8. Assim, para regularização da situação tributária dos sujeitos passivos e considerando que já caducou o direito à liquidação, proponho que sejam remetidas cópias da informação para: a) À Direção de Serviços de Cobrança para anulação parcial da certidão de dívida 365019/2008 no valor de € 2.118,99 (…); b) DF Setúbal para conhecimento do mesmo e dos sujeitos passivos. (…)” 7-B. Na informação referida no ponto anterior, a Diretora de Serviços do IRS exarou o seguinte despacho: “Confirmo. Proceda-se como proposto.” c) Altera-se a redação do ponto 18 da matéria de facto dado como provada que passa a ter a seguinte redação: 18. Em 15 de março de 2023 foi emitido, pela Direção de Finanças de Setúbal, o ofício n.º 3.656, com o assunto “PROCESSO DE RECLAMAÇÃO N° 3409200804002069 - IRS/2006”, dirigido ao Impugnante, com o seguinte teor: “Fica por este meio notificado da informação e despacho em anexo, que recaíram sobre o processo atípico criado para produção de efeitos da decisão proferida no processo de reclamação graciosa acima identificado. Mais se informa que em cumprimento daquele despacho irão os Serviços competentes proceder à anulação do montante de € 5 496,11, que resulta da diferença entre o valor inicialmente liquidado € 9050,74 e o efetivamente devido € 3 554,63.” [cf. documento n.º 5 junto com a p.i., a fls. 3-50 do SITAF] d) Adita-se ao probatório a seguinte matéria de facto: 18-A. Dá-se por reproduzida a informação referida no Ofício citado no ponto anterior, a qual, no que ora interessa, tem o seguinte teor: “(…) 7. Se não tivesse ocorrido a caducidade do direito à liquidação deveria processar-se uma declaração oficiosa de substituição, para anulação da declaração emitida em nome de .... – NIF .... e, após a sua validação, deveria ser recolhida uma declaração com o agregado e valores corretos. 8. A não recolha da declaração oficiosa de eliminação e do DC com o agregado e valores corretos por parte dos Serviços está de acordo com as instruções constantes do «Manual de Instruções – Declarações Oficiosas de Eliminação Modelo 3 do IRS» e do ponto 5 do ofício n.º 33653, de 1996-06-27, que refere: “Relativamente às declarações oficiosas de eliminação a processar após o prazo de caducidade da liquidação do imposto, deverá previamente analisar-se se essas declarações bem como as que, em consequência, tenham de ser recolhidas, envolvam situações que deem origem a notas de cobrança que já não possam ser emitidas por força do disposto no art. 92.º do CIRS, pois nesse caso e antes da elaboração da declaração oficiosa, deverá o assunto ser posto à consideração desta Direção de Serviços que indicará, então, o procedimento a adotar”. 9. Não sendo possível proceder-se à emissão da nota de cobrança que resultaria da liquidação do DC com o agregado e valores corretos, por já ter caducado o direito à liquidação de acordo com o disposto no art. 45.º da Lei Geral Tributária, procedeu-se à respetiva simulação em conformidade com a informação sancionada e o DC remetido, apurando-se ser devido imposto a favor do Estado no valor de € 3.446,61 que, acrescido dos juros compensatórios no montante de € 108,92, perfaz o total de € 3.554,63. 10. Assim, para concretização do despacho proferido, regularização da situação tributária do sujeito passivo em questão e considerando que estamos perante um ano que já se encontra caduco, proponho que seja remetida cópia da informação para: 10.1 A Direção de Serviços de Cobrança para que diligencie a anulação da certidão de dívida n.º 2008 364917 pela quantia de € 5.496,11 (€ 5.329,08 referente a imposto e € 167,03 a juros compensatórios), que resulta da diferença entre o imposto inicialmente liquidado conforme mencionado no ponto 1.1 (€ 9.050,74) e o efetivamente devido identificado no ponto 9 (£ 3.554,63) da presente informação. (…)” 18-B. Na informação referida no ponto anterior, a Chefe de Divisão exarou o seguinte despacho: “Concordo. Proceda-se em conformidade.” Os pontos 7, 7-A e 7-B foram dados como provados face ao teor literal dos documentos juntos como n.º 4 com a Petição Inicial, não impugnados pela Fazenda, que são compostos por cópias do Ofício, da Informação e do Despacho cuja existência foi dada como provada. Os pontos 18, 18-A e 18-B foram dados como provados face ao teor literal dos documentos juntos como n.º 5 com a Petição Inicial e n.º 3 junto com a Contestação, que são compostos por cópias do Ofício, da Informação e do Despacho cuja existência foi dada como provada. *QUANTO AO ERRO NA FORMA DO PROCESSO: Alega o Recorrente que o Tribunal a quo se pronunciou pela impropriedade da Impugnação Judicial, antes remetendo para o meio processual de Reclamação “sem qualquer fundamentação que permita, no caso concreto, ancorar essa decisão” (conclusões 1 e 2), nem tendo “presente os factores circunstanciais relacionados com o caso concreto, apenas tomando por base alguma prova documental, ancorando em especial no invocado na douta Contestação pela Fazenda Pública” (conclusão 3). Advoga que a Reclamação não pode ser o meio processual adequado porque o ato impugnado não é um ato de penhora ou de venda (conclusão 5), além de o artigo 191.º, n.º 2, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos não admitir a reclamação de ato que decida anterior reclamação ou recurso administrativo (conclusão 6), sustentando ser admissível a Impugnação Judicial porque é fundamento desta qualquer ilegalidade (conclusão 9). Conclui defendendo que os Serviços Distritais de Setúbal da AT reconhecem “que quer quanto ao IRS de 2005, quer quanto ao IRS de 2006, ambos viram caducar o direito a emitir qualquer liquidação, logo só podia a AT arquivar anulando os valores indicados, o que não fez e continuou a enviar ao Recorrente, mesmo contrário à decisão da Direcção Distrital” (conclusão 16), e que “não pode a AT ter decisões confiáveis que notificam o Recorrente de que caducaram os direitos de emitir qualquer liquidação referente ao IRS dos anos de 2005 e 2006, e depois envia ao Recorrente documento de liquidação (Serviço de Finanças de Almada 3 – Costa da Caparica) para que este pague em quinze dias o valor de € 11.638,00, à revelia dos seus superiores, mas sempre em nome do AT, e muito menos pode o Recorrente aceitar que venham cobrar taxas de justiça quando as decisões (Doc. 2 e 3 da p.i.) indica que todas as taxas de justiça seriam da responsabilidade da AT” (conclusão 17). *No confronto entre o princípio da tutela jurisdicional efetiva (que impõe que a lei não só crie todos os meios processuais que permitam ao cidadão defender-se, junto de um Tribunal, de qualquer conduta lesiva da Administração, como assegure que tal tutela não seja meramente hipotética ou formal) e o princípio do dispositivo (que coloca na esfera de liberdade de decisão do contribuinte a opção de, querendo, solicitar a tutela jurisdicional através do desencadear de um processo judicial), aquele primeiro princípio, que é o subordinante por ter consagração constitucional, impõe que a lógica processual seja organizada em torno da tutela jurisdicional efetiva, e não a partir do resultado da escolha do meio processual efetuada pela Autor – cfr. André Festas da Silva, Princípios Estruturantes do Contencioso Tributário, Dislivro, p. 73. É esta a teleologia da norma do n.º 2 do artigo 97.º da LGT que estatui que “A todo o direito de impugnar corresponde o meio processual mais adequado de o fazer valer em juízo”, ou seja, é o direito (à tutela jurisdicional) que faz emergir o meio processual mais adequado, e não o meio processual escolhido que determina o direito que pode ser feito valer em juízo. Um exemplo da intenção de assegurar a tutela jurisdicional efetiva através do favorecimento da instância e da procura da economia processual encontra-se no regime dos artigos 97.º, n.º 3, da Lei Geral Tributária e 98.º, n.º 4, do Código de Procedimento e de Processo Tributário que determinam que o Juiz deve ordenar a correção do processo quando o meio processual escolhido pelo Autor não for o adequado, segundo a lei, para obter a pretensão que solicita ao Tribunal Tributário. *Quanto à pretensão do Autor, esta deve ser identificada a partir do efeito jurídico que pretende obter, isto é, do pedido formulado na Petição Inicial, interpretado de forma flexível (ou seja, atendendo também às causas de pedir formuladas e ao efeito prático que aquele deseja obter com a ação). Como se sistematizou no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 8 de janeiro de 2014 – processo n.º 32/13, “na interpretação da peças processuais são aplicáveis, por força do disposto no artigo 295.º do Código Civil [Aos actos jurídicos que não sejam negócios jurídicos são aplicáveis, na medida em que a analogia das situações o justifique, as disposições do capítulo precedente], os princípios da interpretação das declarações negociais (comuns à interpretação das leis), valendo, por isso, aquele sentido que, segundo o disposto no artigo 236.º, n.º 1, do CC, o declaratário normal ou razoável deva retirar das alegações escritas constantes do articulado [desde que tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso – artigo 238.º, n.º 1, do CC], para além de que não podemos olvidar que os rigores formalistas na interpretação das peças processuais estão hoje vedados pelos princípios do moderno processo civil e bem assim pelo princípio constitucional da tutela jurisdicional efectiva (cfr. artigos 20.º e 268.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa), motivo por que o tribunal deve extrair do pedido que lhe é feito o sentido mais favorável aos interesses do peticionante, indagando da sua real pretensão”. Deste modo, o sentido mais favorável aos interesses do Autor - que deve ser considerado como a sua real pretensão -, resultará, então, do concreto conteúdo e finalidade da Petição Inicial, revelado pela conferência dos motivos aduzidos, pela forma como foram apresentados e pela pretensão formulada, o que implica e envolve a sua interpretação segundo o método hermenêutico que decorre dos princípios jurídicos comuns à interpretação das declarações negociais e à interpretação das leis, condensados nos artigos 236.º e 9.º do Código Civil. “E sempre que haja dúvidas sobre qual seja a providência que é demandada, por não ter sido expressamente indicada, deve ela ser apurada perante o texto do requerimento, as circunstâncias que o justificam, as razões de facto e de direito aduzidas em seu fundamento e as consequências lógico-jurídicas que provocam e que o requerente pretendeu nitidamente alcançar com o pedido formulado (elementos literais, históricos, teleológicos e sistemáticos, quer de ordem interna do requerimento, quer do sistema jurídico atingido pelos fundamentos invocados)” – cfr., mutatis mutandis, o acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte n.º 00244/04, de 28 de setembro de 2006. *Olhemos, então, para o articulado inicial do Autor, de modo a apurar a sua real pretensão. Logo no introito sua Petição, o Impugnante, ora Recorrente, dirige-se ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada mencionando o “Processo de execução fiscal: 3409200801064835 Serviço de Finanças Almada – 3 (Costa da Caparica)” e pedindo a anulação da “liquidação objecto do Ofício 1061 datado de 22/03/2023, efectuada ao aqui Impugnante, respeitante ao IRS dos anos de 2005 e 2006, tendo em conta a douta decisão da Direcção de Finanças de Setúbal – Divisão de Tributação e Cobranças onde menciona ter caducado o direito à liquidação pretendida pelo Serviço de Finanças de Almada 3 – Costa da Caparica (ver Doc. 4 e 5)”. Para o efeito, quanto à liquidação de IRS do ano de 2005, alega que foi notificado do ato da Diretora de Serviços do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, de 16 de março de 2016, que confirmou o teor da Informação 528/16 e determinou que se procedesse como proposto, isto é, que havia caducado o direito à liquidação do IRS de 2005. E quanto à liquidação de IRS do ano de 2006, alega que foi notificado do ato da Chefe de Divisão da Direção de Serviços do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, de 7 de março de 2023, que concordou com a Informação em que foi exarado e determinou que se procedesse como proposto, ou seja, que “9. Não sendo possível proceder-se à emissão da nota de cobrança que resultaria da liquidação do DC com o agregado e valores corretos, por já ter caducado o direito à liquidação de acordo com o art. 45.º da Lei Geral Tributária, procedeu-se à respetiva simulação em conformidade com a informação sancionada e o DC remetido, apurando-se ser devido imposto a favor do Estado no valor de € 3.446,61 que, acrescido dos juros compensatórios no montante de € 108,02 perfaz o total de € 3.554,63. 10. Assim, para concretização do despacho proferido, regularização da situação tributária do sujeito passivo em questão e considerando que estamos perante um ano que já se encontra caduco, proponho que seja remetida cópia da informação para: 10.1 – A Direcção de Serviços e Cobrança para que diligencie a anulação da certidão de dívida n.º 2008 364917 pela quantia de € 5.496,11 (€ 5.329,08 referente a imposto e € 167,03 a juros compensatórios), que resulta da diferença entre o imposto inicialmente liquidado conforme mencionado no ponto 1.1 (€ 9.050,74) e o efetivamente devido identificado no ponto 9 (€ 3.554,63) da presente informação. 10.2 – A Direcção de Finanças de Setúbal – Divisão de Justiça Tributária para conhecimento dos serviços e do sujeito passivo não devendo ser recolhida qualquer declaração para o agregado e o ano em análise”. Conclui, então, no artigo XII) da Petição Inicial que a Divisão Justiça Tributária – DF Setúbal reconhece “que caducou o direito da AT emitir quaisquer liquidações no que diz respeito às declarações de IRS de 2005 e 2006, pelo que nada pode ser pedido ao SP sob pena de violação do seu direito à segurança, quer quanto ao consagrado na LGT, quer quanto ao princípio máximo estabelecido na Constituição da República Portuguesa (art. 13.º)”. *Nos termos do artigo 108.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário “A impugnação será formulada em petição articulada, dirigida ao juiz do tribunal competente, em que se identifiquem o ato impugnado e a entidade que o praticou e se exponham os factos e as razões de direito que fundamentam o pedido”. Por sua vez, a alínea a) do n.º 3 do artigo 79.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, subsidiariamente aplicável, determina que quando seja deduzida pretensão impugnatória, a petição inicial deve ser instruída com documento comprovativo da emissão do ato impugnado. Com o requisito da identificação do ato impugnado e com a junção do documento comprovativo da sua emissão pretendeu o legislador evitar pedidos impugnatórios ininteligíveis quanto ao seu objeto, bem como garantir a clareza e a eficácia da exposição dos factos e das razões de direito. Ora, a Petição Inicial apresentada pelo Impugnante não é modelar, uma vez que não é totalmente clara quanto à identificação do ato impugnado: pede a anulação das liquidações de IRS dos anos de 2005 e de 2006, mas em vez de identificar os dois procedimentos de liquidação menciona o “Processo de execução fiscal: 3409200801064835 Serviço de Finanças Almada – 3 (Costa da Caparica)”, e em vez de identificar os dois atos de liquidação refere o “Ofício 1061 datado de 22/03/2023”. *Atendendo, então, a que o Tribunal deve extrair do pedido que lhe é feito o sentido mais favorável aos interesses do peticionante, assim indagando a sua real pretensão que resultará do concreto conteúdo e finalidade da Petição Inicial, revelado pela conferência dos motivos aduzidos, pela forma como foram apresentados e pela pretensão formulada, prefigurou-se que aquilo que o Impugnante pretende, logo literalmente, é que as liquidações de IRS dos anos de 2005 e de 2006, constantes do Ofício n.º 1.061 de 22 de março de 2023, sejam eliminadas da ordem jurídica (“… vindo a ser anulada a liquidação objecto do Ofício 1061 datado de 22/03/2023…”), por ter caducado o direito à sua liquidação (“… tendo em conta a douta decisão da Direcção de Finanças de Setúbal – Divisão de Tributação e Cobranças onde menciona ter caducado o direito à liquidação pretendida pelo Serviço de Finanças de Almada 3 – Costa da Caparica (ver Doc. 4 e 5)”. E, implicitamente, na eventualidade de se considerar que aquele Ofício n.º 1.061 não comunica qualquer ato tributário, mas apenas simulações, que o Impugnante pretende obter, em alternativa, a respetiva declaração de inexistência. Consequentemente, para evitar a prolação de uma decisão-surpresa, o Relator ordenou a notificação das partes para se pronunciarem, quer sobre a eventual interpretação do pedido formulado na Petição Inicial no sentido de o Impugnante, ora Recorrente, pretender a anulação das liquidações de IRS dos anos de 2005 e de 2006, que não a impugnação do ato constante do Ofício 1.061, referindo-se a este ofício apenas por considerar que aquelas notificações lhe foram notificadas através dele, uma vez que nenhuma outra comunicação recebeu sobre o assunto, quer sobre a existência de um pedido alternativo implícito que visa a declaração de inexistência dos atos tributários que deram origem à cobrança notificada. Apenas a Recorrida optou por responder a este despacho, sustentando que no Recurso o Recorrente não põe em causa nenhuma da factualidade estabelecida na sentença, pelo que tendo a Reclamação Graciosa sido objeto, em 15.03.2022, de uma decisão de «deferimento parcial» do pedido contra a qual o Recorrente se absteve de reagir, tal “permitiu que a decisão de provimento parcial da reclamação graciosa se consolidasse definitivamente na ordem jurídica, não podendo, portanto, ser alterada”. Defendeu, ainda, que tendo o ato de liquidação de imposto a natureza de ato divisível, “se a ilegalidade afectar apenas uma parte, como foi aqui o caso, deve ser anulado parcialmente, mantendo-se o restante na ordem jurídica” com natural produção de efeitos, ao abrigo do artigo 100.º da LGT, “no processo de execução fiscal já anteriormente instaurado uma vez que os montantes em cobrança coerciva foram, entretanto, reduzidos”. E esclareceu que “Para cumprir com o legalmente estabelecido, a AT, através do órgão competente para o efeito, o Chefe de Finanças do Serviço de Finanças onde o processo de execução fiscal estava a correr, desencadeou o procedimento de reflectir o provimento parcial da reclamação graciosa no processo, efectuando os cálculos para o efeito, para que a dívida em cobrança coerciva, obrigatoriamente um montante certo e líquido, fosse actualizada e notificada ao devedor, dando-lhe nova oportunidade de pagamento, integral ou em prestações”, procedimento que se encontra refletido nos “Factos Provados (pontos 16 e seguintes)”. Sublinhou, por fim, que “se tratam de dois actos jurídicos distintos, a decisão da reclamação graciosa, parcialmente favorável ao Impugnante, por parte da Direcção de Finanças de Setúbal e a produção dos efeitos dessa decisão na execução fiscal, por parte do Chefe de Finanças de Almada-3”, sendo que este último “acto, no caso concreto as operações que, no quadro já definido, materializaram em montantes concretos a decisão anterior, são naturalmente sindicáveis, mas, o que estaria em causa, seria apenas a sua desconformidade com o anteriormente decidido. E como se trata de um acto do Chefe de Finanças no âmbito de um processo de execução fiscal, o meio processual adequado seria a reclamação prevista nos artigos 276.º e seguintes do CPPT. Nunca poderia ser uma Impugnação Judicial”. *A posição da Administração é, então, a de considerar que a decisão de procedência parcial da garantia impugnatória produz diretamente efeitos no Processo de Execução Fiscal que se encontrava pendente, através de meras operações materiais de cálculo para apuramento do montante em dívida que são realizadas pelo órgão da execução fiscal. Tese que, adiante-se desde já, não se consegue acompanhar. A operação que se traduz na determinação da coleta (o montante a pagar se não houver deduções), resultado da aplicação da taxa à matéria coletável, é a operação de liquidação em sentido estrito. Esta operação insere-se no procedimento de liquidação, previsto nos artigos 59.º e seguintes do Código de Procedimento e de Processo Tributário, que é composto por quatro operações de aplicação da norma tributária: - A operação do lançamento subjetivo, destinada a determinar o sujeito passivo da relação jurídica tributária; - A operação do lançamento objetivo, através da qual se determina a matéria coletável do imposto e, no caso de uma pluralidade de taxas potencialmente aplicáveis, como é o caso do IRS, a taxa a aplicar; - A predita operação de liquidação em sentido estrito; e - A eventual operação de dedução à coleta. Nos termos do n.º 1 do artigo 59.º do CPPT, “O procedimento de liquidação instaura-se com as declarações dos contribuintes, ou, na falta ou vício destas, com base em todos os elementos de que disponha ou venha a obter a entidade competente”. É à Autoridade Tributária e Aduaneira que cabe liquidar os tributos através dos seus serviços (artigos 75.º do Código do IRS e 10.º, n.º 1, alínea a), da LGT), sendo que à Direção de Serviços do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, uma unidade orgânica dos serviços centrais daquela (artigo 2.º, n.º 1, alínea a), da Portaria n.º 320-A/2011, de 30 de dezembro), compete liquidar ou efetuar o controlo da liquidação (artigo 3.º, n.º 2, alínea e), da mesma Portaria). Já aos serviços da Autoridade Tributária e Aduaneira que atuem como órgão da execução fiscal cabe, nos termos da alínea f) do n.º 1 do artigo 10.º do CPPT, instaurar os processos de execução fiscal e realizar os atos a estes respeitantes, salvo os previstos no n.º 1 do artigo 151.º do mesmo compêndio legal. Deste modo, quando uma Reclamação Graciosa é deferida parcialmente é necessário que a Administração proceda “à plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade” – artigo 100.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária. No caso de anulação parcial da liquidação, por parte da matéria coletável ter sido calculada ou avaliada de forma ilegal, não é obrigatória a emissão de um novo ato de liquidação se a decisão de deferimento parcial da Reclamação conseguir apurar o montante devido, o que passa por determinar a matéria coletável, a taxa, aplicar esta àquela e calcular eventuais deduções à coleta. Neste cenário, deve ser emitida uma nota de crédito ao contribuinte, com os respetivos juros, se a liquidação ilegal já tiver sido paga; ou deve ser anulada parcialmente a dívida exequenda se estiver pendente processo de execução fiscal. Se, todavia, a decisão de deferimento parcial da Reclamação Graciosa não apurar o montante devido na sequência da anulação parcial, a ilegalidade detetada terá, ainda assim, de ser sanada, através da prática de um ato reformador – cfr. o artigo 79.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária – que mantenha todo o conteúdo válido, mas elimine e/ou substitua o conteúdo inválido do ato reformado. Este ato, habitualmente designado por liquidação corretiva, é praticado no procedimento de reforma da liquidação – cfr. o artigo 44.º, n.º 1, alíneas d) e i) do Código de Procedimento e de Processo Tributário – e tem efeito retroativo, “pelo que mesmo que seja efectuada uma nova notificação os seus efeitos devem reportar-se à data em que foi efectuada a primeira, pois, de resto, a retroactividade será meramente aparente, uma vez que, na parte não anulada, o acto anterior produz efeitos desde a respectiva notificação, sendo apenas confirmado pelo acto reformador” – cfr. Jorge de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário comentado e anotado, Vol. II, 6.ª edição, nota 20 ao artigo 124.º, Áreas Editora. Emitida a liquidação corretiva, também aqui deve ser emitida uma nota de crédito ao contribuinte, com os respetivos juros, se a liquidação ilegal já tiver sido paga; ou deve ser anulada parcialmente a dívida exequenda se estiver pendente processo de execução fiscal. *Ora, no caso dos autos resulta provado – cfr. ponto 19 do probatório - que o Oficio n.º 1.061, identificado na Petição Inicial como contendo as liquidações impugnadas, foi emitido em 22 de março de 2023 “pelo Chefe do Serviço de Finanças de Almada3, com a epígrafe “Processo 53/10.3BEALM”, o qual era dirigido ao Impugnante e informava de que dispunha de quinze dias para efetuar o pagamento do valor em dívida no processo de execução fiscal n.º 3409200801064835, que ascendida a € 11.658,00, e do qual consta, designadamente, o seguinte: “[…] 1. Por despacho proferido no processo de reclamação graciosa n.º 3409200804002059 (a qual foi julgada tempestiva por força do acórdão proferido no recurso jurisdicional da sentença proferida no processo de impugnação judicial n.º 53/10.3BEAL) foi determinada a anulação do montante de 5496.11€ relativo a IRS do ano de 2006. 2. O Processo de Execução Fiscal 3409200801064835, adiante PEF, instaurado pelo montante de 17.248,78€ foi suspenso até decisão do pleito de harmonia com o disposto nos artigos 169° do Código de Procedimento e do Processo Tributário e 52° da Lei Geral Tributária, uma vez que foi prestada a garantia por uma das formas previstas no n° 1 do Artº 199º do Código de Procedimento e de Processo Tributário — penhora de bem imóvel 3. Assim, fica por este meio notificado para no prazo de 15 (quinze) dias contados da assinatura do aviso de receção, efetuar o pagamento do valor em dívida no referido PEF, o qual ascende à presente data ao montante de 11658,00€ (7213.52€ a título de imposto, 461.89€ de taxa de justiça e de 3982.59€ a título de juros de mora), ou dar conhecimento da existência de processo que justifique a suspensão da execução. 4. Até à marcação da venda do(s) bem(ns) penhorado(s) poderá, ainda, requerer o pagamento em prestações, nos termos do artigo 196.° do CPPT.” Este ofício comunica, assim, um ato do Chefe do Serviço de Finanças de Almada 3 (Costa da Caparica) que, no âmbito do processo judicial que correu termos sob o n.º 53/10.3BEALM e na sequência do deferimento da Reclamação Graciosa n.º 3409-2008/04002059 relativa ao IRS do ano de 2006, diminuiu a quantia em cobrança no Processo de Execução Fiscal n.º 3409-2008/01064835 de € 17.248,78 para € 11.658,00. Ou seja, o Chefe do Serviço de Finanças de Almada 3 (Costa da Caparica), atuando como órgão da execução fiscal, anulou parcialmente a quantia exequenda do Processo de Execução Fiscal n.º 3409-2008/01064835 em € 5.496,11, na sequência do ato da Chefe de Divisão da Direção de Serviços do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, de 7 de março de 2023 (Documento 5 junto com a PI, referido no pedido) que, concordando com a Informação na qual foi exarado, validou a “simulação” que apurou “ser devido imposto a favor do Estado no valor de € 3.446,61, que, acrescido dos juros compensatórios no montante de € 108,02 perfaz o total de € 3.554,63”, em vez dos iniciais € 9.050,74, tendo tal simulação sido efetuada por não ser “possível proceder-se à emissão da nota de cobrança que resultaria da liquidação do DC com o agregado e valores corretos, por já ter caducado o direito à liquidação de acordo com o disposto no art. 45.º da Lei Geral Tributária”. Verifica-se, assim, por um lado, que ao contrário do alegado este ato do Chefe do Serviço de Finanças de Almada 3 se refere, apenas, ao IRS do ano de 2006, que não também ao ano de 2005. Por outro, verifica-se igualmente, também ao contrário do alegado, que o Ofício n.º 1.061, de 22 de março de 2023 não notifica um ato de liquidação, isto é, o ato final do procedimento de liquidação (após as operações de lançamento subjetivo e objetivo, a aplicação de uma taxa à matéria coletável e eventuais deduções à coleta), mas, antes, um ato praticado no Processo de Execução Fiscal n.º 3409-2008/01064835 a que, aliás, o Impugnante se refere no introito da sua Petição Inicial e que executa o despacho proferido na Reclamação Graciosa n.º 3409-2008/04002059 relativa ao IRS do ano de 2006. Assim, sendo certo que o Impugnante pretende a anulação das liquidações de IRS dos anos de 2005 e 2006 por entender ter caducado o direito à sua liquidação, instruiu a sua Petição Inicial não com os atos de liquidação, mas com a notificação de um ato praticado pelo órgão da execução fiscal. Houve, assim, um erro na instrução da Petição Inicial que se traduz numa desconformidade entre a identificação dos atos impugnados (as liquidações de IRS relativas aos anos de 2005 e de 2006) e o teor do documento comprovativo da sua emissão. * Compulsados os autos, é possível compreender a dificuldade do Impugnante na identificação dos atos impugnados. Com efeito, é manifesto que o Impugnante pretendeu impugnar os atos que alteram a matéria coletável relativa ao IRS de 2005 e de 2006. Resulta evidente que o motivo pelo qual lançou mão do processo de Impugnação Judicial foi não querer efetuar o pagamento que foi notificado para fazer, através do dito Ofício n.º 1.061, de 22 de março de 2023, no âmbito do processo de execução fiscal n.º 3409-2008/01064835, por entender que a própria Direção de Serviços do IRS reconheceu que havia caducado o direito à liquidação daqueles tributos. Vejamos com maior detalhe o que aconteceu em cada um dos casos. *Relativamente à Liquidação do IRS de 2005: A liquidação n.º 2008.5000035798 (IRS de 2005) foi objeto de Reclamação Graciosa, convolada de declaração de substituição, “inicialmente indeferida por intempestividade”, decisão que foi removida da ordem jurídica “por despacho de 30/04/2009 [que deferiu] o recurso hierárquico [e determinou] a apreciação [daquela] reclamação graciosa”. É, pois, “certo que a declaração de substituição foi apresentada em tempo, e foi convolada em reclamação graciosa, tendo a mesma sido parcialmente deferida [na sequência da decisão do recurso hierárquico], pelo que impende agora sob a AF a obrigação de em conformidade com o decidido na reclamação graciosa proceder à liquidação correctiva do IRS referente ao exercício de 2005 com base na reclamação e decisão que sob a mesma impendeu” – cfr. a sentença proferida na Impugnação Judicial n.º 52/10.5BEALM. Ora, na sequência desta sentença que concluiu impender sobre a Administração a obrigação de emitir uma liquidação corretiva referente ao exercício de 2005, “7. Para concretização da sentença e face ao despacho proferido [de deferimento parcial], procedeu-se à simulação da declaração com o agregado correcto, da qual resultou uma nota de cobrança no valor de € 1.539,90 (1.435,74 de imposto e 194,16 de JC). 8. Assim, para regularização da situação tributária dos sujeitos passivos e considerando que já caducou o direito à liquidação”, foi solicitado à Direção de Serviços de Cobrança a “anulação parcial da certidão de dívida 365019/2008 no valor de € 2.118,99” – cfr. o ponto 7-A do probatório. Verifica-se, então, que a liquidação n.º 2008.5000035798 (IRS de 2005) foi objeto de anulação parcial, em consequência do predito deferimento parcial da Reclamação Graciosa, sendo a legalidade desta reforma que o Impugnante pretende sindicar, por considerar que, quando foi efetuada, já havia caducado o direito à liquidação do IRS de 2005. Impõe-se, então, nos preditos termos, interpretar o pedido formulado, a partir do texto da Petição, das circunstâncias que o justificam, bem como das razões de facto e de direito aduzidos, procurando-se o sentido mais favorável aos interesses do peticionante. Como se viu, o motivo pelo qual o Recorrente lançou mão do processo de Impugnação Judicial foi não querer efetuar o pagamento que foi notificado para fazer, através do dito Ofício n.º 1.061, de 22 de março de 2023, no âmbito do processo de execução fiscal n.º 3409-2008/01064835, por entender que a própria Direção de Serviços do IRS reconheceu que havia caducado o direito à liquidação dos tributos em cobrança nessa execução. Consequentemente, pediu, expressamente, a anulação dos atos de liquidação que justificam tal cobrança. Mas impõe-se concluir que não é esta a única pretensão formulada na Petição Inicial. Atendendo ao efeito prático que pretende alcançar (não efetuar o pagamento que lhe é solicitado), há que aceitar que o Impugnante pretende a anulação dos atos de liquidação (que expressamente pediu) caso estes tenham sido praticados, mas também, ainda que de forma implícita, que pediu a declaração da sua inexistência caso se considere que tais atos nunca foram emitidos. Pelo que pretendendo o Impugnante a anulação ou a declaração de inexistência da liquidação de IRS relativa ao ano de 2005, o meio processual adequado para obter tal pretensão é, efetivamente, a Impugnação Judicial. Não se verificando, então, aqui, erro na forma do processo. *Relativamente à Liquidação do IRS de 2006: Também a liquidação n.º 2008.4000036490 (IRS de 2006) foi objeto de Reclamação Graciosa – cfr. ponto 10 do probatório -, e indeferida com fundamento na sua extemporaneidade – cfr. ponto 11. Foi igualmente indeferido o Recurso Hierárquico interposto contra esta decisão – cfr. pontos 12 e 13 do probatório -, tendo o Recorrente reagido contenciosamente através de ação que correu termos sob o n.º 53/10.3BEALM – cfr. ponto 14 – e que, por acórdão deste Tribunal Central Administrativo Sul de 27 de maio de 2021, foi julgada procedente, tendo sido anulado o ato que indeferiu o Recurso Hierárquico (objeto imediato) e o que indeferiu a Reclamação Graciosa (objeto mediato), “implicando, pois, que a AT se deva pronunciar sobre o mérito da pretensão formulada” – cfr. o ponto 15 do probatório. Ora, no cumprimento desta decisão, foi apreciada a Reclamação Graciosa que foi deferida parcialmente – cfr. ponto 16 do probatório -, o que, também aqui, originou a anulação parcial da certidão de dívida, a n.º 2008/364917, no montante de € 5.496,11 – cfr. ponto 17 – resultado “da diferença entre o valor inicialmente liquidado € 9.050,74 e o efetivamente devido € 3.554,63” – cfr. ponto 18 -, sendo que, também aqui, ainda de acordo com o documento 5 que foi junto com a PI e que foi o meio de prova que fundamenta este ponto 18, se procedeu “à respectiva simulação [da liquidação corretiva] em conformidade com a informação sancionada e o DC remetido” – cfr. ponto 9 da informação «Processo Atípico – IRS/2006 – Declaração de Eliminação» transcrito no ponto 18-A do probatório. Verifica-se, então, que também a liquidação n.º 2008.4000036490 (IRS de 2006) foi objeto de anulação parcial, em consequência do deferimento parcial da Reclamação Graciosa contra ela deduzida, sendo a legalidade da sua reforma que o Impugnante pretende sindicar, por considerar que, quando foi efetuada, já havia caducado o direito à liquidação. Impõe-se, então, também aqui, interpretar o pedido formulado, a partir do texto da Petição, das circunstâncias que o justificam, bem como das razões de facto e de direito aduzidos, procurando-se o sentido mais favorável aos interesses do peticionante. E, mutatis mutandis, tal como se disse quanto à reforma da liquidação de IRS do ano de 2005, concluir que o Impugnante pretende ou a anulação da liquidação do ano de 2006 (por ter caducado o direito à liquidação) ou a declaração da sua inexistência jurídica (por nunca ter sido praticado um ato de alteração da matéria coletável), uma vez que estes são os efeitos jurídicos que garantem a sua pretensão de não pagar a quantia que lhe foi comunicada através do Ofício n.º 1.061, de 22 de março de 2023, no âmbito do processo de execução fiscal n.º 3409-2008/01064835. Concluindo-se, então, também aqui, que sendo estes os pedidos formulados pelo Impugnante, o meio processual adequado para os obter é, efetivamente, a Impugnação Judicial. Não se verificando, também aqui, erro na forma do processo. *E, aqui chegados, estamos em condições de decidir que deve ser revogada a sentença ora sob recurso por ter considerado que o objeto do processo “é um mero ato praticado, pelo órgão da execução fiscal, no contexto de um processo de execução fiscal” e, consequentemente, decidido que se verificava erro na forma do processo. No dispositivo das suas alegações de recurso, além da procedência do Recurso e da revogação da douta sentença, o Recorrente pede, ainda, a substituição desta decisão “por outra que determine ser apropriado o meio processual de impugnação, e que tomando conhecimento do mérito, anule a liquidação apresentada indevidamente pelo Serviço de Finanças local (Almada – 3 / Costa da Caparica) para que o Recorrente viesse pagar em quinze dias a quantia de € 11.658,00, face ao IRS dos anos de 2005 e 2006 de que foi notificado que se encontrava caducado” e “mande proceder à liquidação correctiva do IRS referente ao exercício de 2006, com todas as inerentes consequências legais”. Ora, de acordo com o artigo 665.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, se o Tribunal recorrido tiver deixado de conhecer certas questões, designadamente por as considerar prejudicadas pela solução dada ao litígio, o Tribunal de 2.ª instância, se entender que a apelação procede e nada obsta à apreciação daquelas, delas conhece no mesmo acórdão em que revogar a decisão recorrida, sempre que disponha dos elementos necessários, sendo que – n.º 3 – “O relator, antes de proferida decisão, ouve cada uma das partes, pelo prazo de 10 dias”. *Notificadas as partes para o efeito, nada vieram, no ponto, dizer, pelo que, não sendo manifesta a caducidade do direito de ação (o ponto 7 do probatório dá como provada a data de elaboração do ofício, nada se sabendo sobre se ele chegou efetivamente ao conhecimento do destinatário), se entende que nada obsta ao conhecimento das questões que o Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada considerou prejudicadas pela decisão de absolvição da instância que tomou depois de considerar estar perante a exceção dilatória de nulidade de todo o processo, causada pelo erro na forma do processo. *QUANTO À EXISTÊNCIA DOS ATOS IMPUGNADOS: Como se viu já, quando, em sede de Reclamação Graciosa ou de Recurso Hierárquico, se verifique que um segmento do cálculo da matéria coletável é desconforme à lei e, consequentemente, que a liquidação reclamada é parcialmente inválida, a decisão daquelas garantias impugnatórias do contribuinte deve ser de deferimento parcial, procedendo ao apuramento do montante devido. Se, no entanto, não for ali apurado o montante devido na sequência da anulação parcial, a ilegalidade detetada terá, ainda assim, de ser sanada, através da prática de um ato reformador (a liquidação corretiva) que mantenha todo o conteúdo válido da liquidação reclamada, mas elimine e/ou substitua o seu conteúdo inválido. E emitida a liquidação corretiva, será lançada uma nota de crédito ao contribuinte, com os respetivos juros, se o montante ilegalmente liquidado já tiver sido pago; ou será anulada parcialmente a dívida exequenda se estiver pendente processo de execução fiscal. No caso dos autos, obtido o deferimento parcial do Recurso Hierárquico (IRS 2006) e da Reclamação Graciosa (IRS 2005), o cálculo da matéria coletável foi efetuado através de uma operação que a Administração Tributária qualifica como «simulação» - cfr. os parágrafos 7 e 9 das informações transcritas, respetivamente nos pontos 7-A e 18-A do probatório. Pelo que se impõe apreciar se estas simulações são, ou não, atos tributários reformadores dos atos de liquidação parcialmente ilegais. *São atos tributários as decisões que, no exercício de poderes jurídico-tributários, visem produzir efeitos jurídicos externos numa situação individual e concreta – cfr., mutatis mutandis, o artigo 148.º do Código de Procedimento Administrativo, subsidiariamente aplicável ao procedimento tributário por força dos artigos 2.º, alínea c), da Lei Geral Tributária e 2.º, alínea d), do Código de Procedimento e de Processo Tributário. Deste modo, para se poder afirmar que estamos perante um ato secundário reformador de um ato primário de liquidação parcialmente ilegal, é necessário que, além do mais, tal decisão vise produzir alterações na esfera jurídica do contribuinte destinatário do ato reformado, através do exercício do poder de liquidar. É certo que a Administração, quanto ao IRS de 2005, refere que “face ao despacho proferido no recurso hierárquico, procedeu-se à simulação da declaração com o agregado correcto” “considerando que já caducou o direito à liquidação” – cfr. os parágrafos 7 e 8 da informação transcrita no ponto 7-A do probatório. E que quanto ao IRS de 2006 considera igualmente que “Não sendo possível proceder-se à emissão de nota de cobrança que resultaria da liquidação do DC com o agregado e valores corretos, por já ter caducado o direito à liquidação de acordo com o disposto no art. 45.º da Lei Geral Tributária, procedeu-se à respetiva simulação em conformidade com a informação sancionada e o DC remetido, apurando-se ser devido imposto a favor do Estado no valor de € 3.446,61” – cfr. o parágrafo 9 da informação transcrita no ponto 18-A do probatório. No entanto, é evidente que com estas “simulações” a Administração quis liquidar o IRS de 2005 e de 2006 legalmente devidos, na sequência dos preditos deferimentos parciais, de modo a diminuir as quantias inicialmente liquidados e, deste modo, concretizar os efeitos das decisões favoráveis ao sujeito passivo que, por força do artigo 100.º da LGT, impõe a “imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade”. Com efeito, a Administração entendeu que não ser possível a recolha de declaração oficiosa de eliminação nem a recolha do documento de correção com o agregado e valores corretos, por o momento do seu processamento ser após o prazo de caducidade da liquidação do imposto – cfr. o parágrafo 8 da informação relativa ao IRS de 2006 reproduzido no ponto 18-A do probatório. E, consequentemente, não iniciou um procedimento de reforma de liquidação que culminaria na emissão de uma liquidação corretiva, mas um procedimento atípico que deu origem a uma simulação – cfr. o ofício relativo ao IRS de 2006 reproduzido no ponto 18 do probatório. Todavia, materialmente, estas simulações têm a mesma natureza das liquidações corretivas, por visaram corrigir a matéria coletável na sequência do deferimento parcial das garantias impugnatórias de que o contribuinte lançou mão. Em suma, o termo “simulação” foi utilizado pela Administração não para representar um ato meramente interno ou de aplicação hipotética, mas um ato de correção da matéria coletável com vista a produzir efeitos (favoráveis) na esfera jurídica do contribuinte, diminuindo a quantia liquidada, no que respeita quer ao IRS de 2005, quer ao de 2006. Pelo que a dúvida sobre a existência dos atos impugnados deve ser superada, já que as simulações têm natureza de atos tributários por consubstanciarem decisões que, no exercício de poderes jurídico-tributários de correção de liquidações, visaram produzir efeitos jurídicos na esfera do contribuinte, quanto ao IRS de 2005 e de 2006. *QUANTO À ANULAÇÃO DOS ATOS IMPUGNADOS: Assegurada a existência dos atos impugnados, pré-condição lógica da sua (in)validade, vejamos, então, se estes devem ser anulados por ter caducado o direito à liquidação do IRS de 2005 e de 2006. Na conclusão 16 do Recurso, o Recorrente sustenta que “é manifesto o reconhecimento pelos Serviços Distritais de Setúbal da AT e que, quer quanto ao IRS de 2005, quer quanto ao IRS de 2006, ambos viram caducar o direito a emitir qualquer liquidação, logo só poderia a AT arquivar anulando os valores indicados”. No ponto, alega na alínea x) da sua Petição Inicial que não sabe, “nem tem de saber, os trâmites internos que as decisões e os processos seguem dentro da AT, mas não pode é ter decisões confiáveis como SP, e depois o Serviço de Finanças local (Costa da Caparica) emite o documento de liquidação para que (…) pague em 15 dias a quantia de € 11.658,00”. Mas não é assim. Embora a Administração tenha referido nas suas informações que já caducou o direito à liquidação de acordo com o disposto no art. 45.º da Lei Geral Tributária, não se estava a referir à extinção do poder de liquidar o tributo, pelo seu não uso nos prazos previstos neste artigo 45.º, mas, antes, ao facto de não era possível a recolha de declaração oficiosa de eliminação nem a recolha do documento de correção com o agregado e valores corretos (por o momento do seu processamento ser após o prazo de caducidade da liquidação do imposto) – cfr. os parágrafos 5 a 8 da informação relativa ao IRS de 2005, e 7 a 10 da informação relativa ao IRS de 2006, transcritas, respetivamente nos pontos 7-A e 18-A do probatório. *Por outro lado, a caducidade do direito à liquidação é uma garantia não impugnatória do contribuinte na medida em que extingue o poder da Administração Tributária produzir efeitos na esfera jurídica do sujeito passivo através da prática do ato final do procedimento de liquidação que expressa o montante, aí apurado, que é devido a título de tributo. Com efeito, nos termos do artigo 45.º, n.º 1, da LGT, “O direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro”. Pretendeu, assim, o legislador que a Administração Tributária não possa, a todo o tempo, exigir o pagamento de um tributo a um sujeito passivo. Deste modo, quando a Administração pretenda impor ao contribuinte uma obrigação tributária de pagamento através de uma liquidação de primeiro grau (a primeira liquidação relativa àquele sujeito passivo, àquele tributo e àquele momento temporal) ou de uma liquidação adicional (ou de segundo grau, que acresce à primeira relativa ao mesmo sujeito passivo, tributo e momento temporal), deve fazê-lo num determinado prazo, por regra de quatro anos, findo o qual o direito à liquidação se extingue. Nestas circunstâncias, a caducidade do direito, rectius poder atento o princípio da legalidade, à liquidação emerge como verdadeira garantia do contribuinte, por ser facto impeditivo da tributação. Tal não é, todavia, a situação do caso dos autos. Aqui estamos perante liquidações corretivas, emitidas no seguimento do deferimento parcial de garantias impugnatórias, que vêm diminuir o montante que a Administração inicialmente considerou ser o devido a título de IRS de 2005 e de 2006. Ou seja, não estamos perante uma situação em que a Administração vem agravar a situação tributária de um contribuinte, impondo-lhe o pagamento de um tributo em montante superior àquele ao que existia antes da liquidação, mas perante uma situação em que a prática da liquidação vem beneficiar o contribuinte, ao reformar um ato tributário anterior no sentido de o montante devido a título de imposto ser em montante inferior àquele que existia antes da liquidação corretiva. Ora, neste circunstancialismo a caducidade do direito à liquidação não funciona como uma garantia do contribuinte, bem pelo contrário: se se admitisse a extinção do poder-dever da Administração proceder à liquidação corretiva pelo não uso, tal caducidade deixaria o contribuinte na situação anterior à do deferimento parcial da garantia impugnatória, em sede de Reclamação Graciosa ou Recurso Hierárquico. Ou seja, continuaria a ser-lhe exigido um montante, a título de tributo, superior ao legalmente devido e administrativamente já reconhecido. Deste modo, a liquidação corretiva, ao contrário da liquidação inicial e da liquidação adicional, não é um ato lesivo para o contribuinte, motivo pelo qual não lhe é aplicável o instituto da caducidade do direito da Administração à liquidação. *No caso dos autos, o Impugnante não se limita pôr em xeque as liquidações corretivas. Ao sustentar, na predita conclusão de Recurso, que só poderia a AT arquivar anulando os valores indicados, insurge-se também contra as liquidações reformadas, pois só a anulação destas permitiria a anulação integral dos valores em cobrança no processo de execução fiscal. Todavia, não é possível concluir pela caducidade do direito à liquidação do IRS de 2005 e de 2006 por as liquidações corretivas terem sido notificadas depois do predito prazo de 4 anos. Com efeito, os atos de correção que concretizaram a revogação parcial da liquidação inicial têm, como se viu já, efeito retroativo, “pelo que mesmo que seja efectuada uma nova notificação os seus efeitos devem reportar-se à data em que foi efectuada a primeira, pois, de resto, a retroactividade será meramente aparente, uma vez que, na parte não anulada, o acto anterior produz efeitos desde a respectiva notificação, sendo apenas confirmado pelo acto reformador” – cfr. Jorge de Sousa, ob. cit., nota 20 ao artigo 124.º, Áreas Editora. Isto é, o direito à liquidação do IRS de 2005 e de 2006 concretizou-se aquando da emissão das respetivas liquidações iniciais, pois foram estes atos que agravaram a situação tributária do contribuinte e é contra este agravamento que a caducidade do direito à liquidação funciona como garantia não impugnatória do contribuinte. As liquidações corretivas limitam-se a expurgar destes atos, praticados antes de se extinguir o direito à sua prática, das suas ilegalidades parciais, produzindo efeitos, atento o dito efeito retroativo, à data da notificação válida da liquidação reformada. Não estando, pois, aqui, a razão com o contribuinte. *Termos em que se acorda conceder provimento ao presente recurso, revogar a sentença recorrida, e, em substituição, julgar improcedente a Impugnação Judicial. São devidas custas, na instância, pelo Impugnante, não sendo devidas no Recurso por a Administração, à míngua de contra-alegações, não ter demandado na qualidade de recorrido. Lisboa, 16 de outubro de 2016. Tiago Brandão de Pinho (relator) – Maria da Luz Cardoso – Cristina Coelho da Silva |