Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 1119/11.8BELRS |
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Secção: | CT |
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Data do Acordão: | 04/03/2025 |
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Relator: | PATRÍCIA MANUEL PIRES |
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Descritores: | IVA ART. 80.º CIVA INSPEÇÃO FÍSICA |
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Sumário: | I – Da letra do artigo 80.º do CIVA, resulta, inequivocamente, a existência de uma presunção, a qual é uma presunção iuris tantum, ou seja, ilidível, pela produção de prova em contrário.
II-Para o acionamento da presunção identificada em I), impõe-se que a AT realize a competente inventariação das existências físicas, por forma a percecionar-se o trajeto dos bens adquiridos ou produzidos pela empresa, e aferir da concreta falta de registo dos bens adquiridos e transmitidos, e em caso afirmativo, qual a sua extensão, por forma a apurar-se o imposto que não foi, parcial ou totalmente, liquidado. III- Os SIT não se encontram legitimados a corrigir, e apurar imposto em falta, com fundamento no disposto no artigo 80.º do CIVA, através da mera análise dos registos contabilísticos referentes ao inventário da Impugnante, por confronto com a base de dados constante no software que então utilizava. IV-Inexistindo, in casu, a aduzida inventariação das existências físicas, não se encontra legitimada a correção realizada, padecendo, por conseguinte, de vício de violação de lei, que comina o ato de anulabilidade. |
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Votação: | UNANIMIDADE |
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Indicações Eventuais: | Subsecção Tributária Comum |
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Aditamento: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | ACÓRDÃO I- RELATÓRIO A DIGNA REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA (doravante DRFP ou Recorrente), veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de lisboa, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por Companhia ………………………., S.A. (doravante Impugnante ou Recorrida), que teve por objeto a liquidação de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), e os respetivos juros compensatórios, referentes ao ano de 2003, consubstanciados nos documentos de cobrança n.ºs …………550 e …………551, respetivamente, tudo perfazendo o valor global de €762.944,41. *** A Recorrente apresentou as suas alegações, formulando as conclusões, que infra se reproduzem: “A. Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença proferida nos autos identificados que julga procedente a impugnação deduzida pela impugnante COMPANHIA ……………… S.A. do acto de liquidação adicional de IVA n.º …………550, referente ao ano de 2003, no montante de € 775.279,97 e da correspondente liquidação de juros compensatórios n.º …………..551 no montante de € 80.884,00. B. Discorda a Fazenda Pública, com o devido respeito, do entendimento sufragado na douta sentença, e com o mesmo não se conforma, porquanto procede a uma errónea apreciação dos factos pertinentes para efeitos de decisão, com consequente inadequado enquadramento jurídico. C. Em causa nos presentes autos está a liquidação de IVA decorrente da aplicação do disposto no artigo 86.º do CIVA (artigo 80.º do CIVA à data dos factos), em face da falta de fundamentação/justificação pela impugnante para as registadas/contabilizadas quebras de existências constatadas e analisadas em sede de procedimento inspectivo decorrida à impugnante ao abrigo da OI200600151 e da qual resultaram a liquidação adicional de IVA em apreciação nos presentes autos. D. A douta sentença centra a sua análise nas quebras desconhecidas, apela ao Parecer do CEF n.º 63/92, e exige quanto a essas um sistema fiável que traduza contabilisticamente tais ocorrências, e quanto às quebras identificadas exige a elaboração de listagens de identificação das mesmas e preparação de documentos internos que suportem os lançamentos contabilísticos – factos que não constam do probatório e com base nos quais não pode desde logo assentar a douta sentença qualquer juízo favorável à ilição da presunção de transmissão de bens para efeitos de IVA constante do artigo 86.º do CIVA (actual artigo 80.º do CIVA). E. Na verdade, as notas de quebra, únicos documentos de suporte apresentados pela impugnante são, de acordo com a alínea O) dos factos provados, registadas no Sistema Informático de Gestão de Stocks Sirius e não no Sistema de Contabilidade, inexistindo documentos de suporte aos lançamentos contabilísticos, bem como listagens informáticas de identificação das quebras conhecidas e desconhecidas. F. Da alínea O) dos factos provados constantes da douta sentença que nos remete para os procedimentos levados a cabo pela impugnante em sede de quebras de existências – note-se, conhecidas e desconhecidas – não resulta provado qualquer procedimento atinente à relação estabelecida entre tal registo de quebras, deveras deficiente, como afirmado na alínea P) do probatório, e o registo contabilístico correspondente, fazendo apenas menção ao sistema Sirius, que é um sistema de gestão de stock e não de contabilidade, não estando, por isso, validada a idoneidade dos procedimentos adoptados pela impugnante no âmbito do tema em análise, pelo que, partindo de tal facto não se pode concluir como faz a douta sentença no sentido de que as quebras foram registadas contabilisticamente. G. Ainda, analisando alguns dos documentos constantes da alínea U) do probatório, podemos verificar que dos mesmos não consta a indicação do motivo da sua obsolescência, daí que, em conjugação com a alínea P) do probatório, decorre ser contrariado o facto constante na alínea O) (que descreve procedimento de registo dado como provado pela douta sentença), o que se configura afinal como mero procedimento abstracto sem concretização efectiva, não nos permitindo concluir que as quebras foram registas contabilisticamente e que se encontram documentalmente comprovadas, pois os documentos a que se refere a douta sentença, não permitem estabelecer relação efectiva entre os registos das quebras e os registos contabilísticos, como decorre do Relatório de Inspecção, e se configuram ademais como documentos não assinados, e dos quais não consta valor dos artigos, ou causa da quebra, como se verifica da análise dos documentos reproduzidos na alínea U) do probatório. H. Ainda, se refere a douta sentença a Parecer do CEF, aludido na alínea M) do probatório – fls. 57 e ss da sentença, quanto às denominadas notas de quebras, de acordo com o qual a aceitação dos valores de quebras de existências está dependente da verificação de quatro requisitos: “i) a existência de sistema de controlo; ii) a elaboração de listagens para quebras identificadas e não identificadas; iii) a preparação de documentos internos que suportam os registos contabilísticos, e iv) e o facto das quebras não se afastarem dos limites razoáveis para o sector da distribuição.”. I. Não consta, porém, do probatório a existência de quaisquer listagens emitidas pelos sistema informático da impugnante e pela mesma facultadas, nem consta do probatório a menção a documentos internos de suporte aos registos contabilísticos, porque as notas de quebra, de acordo com a análise aos factos das alíneas supra mencionadas são deficientes e registadas no sistema Sirius, mostrando-se omisso o probatório quanto ao procedimento de registo subsequente levado a cabo pela impugnante. J. Assim, não poderia, com base nos factos provados, e na prova decorrente dos autos, a douta sentença considerar como verificados os referidos requisitos, operando notória inversão do ónus da prova, e imputando à AT a aquisição e demonstração de factos que à impugnante incumbem; note-se que a douta sentença alude a uma eventual contagem física de bens que deveria ter sido empreendida pelos serviços de inspecção, como se tal procedimento se mostrasse compatível com a demonstração do destino dos bens e à justificação das quebras de existências registadas contabilisticamente. K. À impugnante compete demonstrar os factos constantes da sua contabilidade e apresentar o suporte documental dos registos contabilísticos que faz, faz inventários semestrais e entretanto procede a estimativas, e interpelada pela AT para apresentar documentação não apresenta qualquer documentação; confrontada com o projecto de relatório apresenta mais de 27.000 documentos em suporte físico, correspondentes a 13 caixas, que, de acordo com a análise efectuada e conforme consta do relatório, não cumprem requisitos minimos enquanto suporte documental válido dos registos em questão, considerando ademais o facto de que alimentam sistema informático paralelo e não a contabilidade, e no final das contas os serviços de inspecção têm de fazer um inventário do que não existe para demonstrar que o ónus da prova a cargo da impugnante não se mostra cumprido? Salvo o devido respeito, parece-nos que não, nem encontramos fundamento para tais exigências a que se dedica a douta sentença, apelando aos normativos legais aplicáveis em sede organização da contabilidade, deveres dos sujeitos passivos, direitos do sujeito passivo em sede de procedimento inspectivo e concomitantes deveres de colaboração e de esclarecimento. L. Por outro lado, é facto inverídico que não tenham os serviços de inspecção analisado, em regime de amostragem, as notas de quebra apresentadas em sede de direito de audição, para concluirem precisamente no sentido de que não eram documentos fiáveis, face à ausência de menções como valor, destino dos bens, ausência de assinaturas, sendo ainda constatado que de tais documentos não resulta uma relação efectiva entre as quebras e os registos contabilísticos, conforme exaustivamente versado no Relatório de Inspecção Tributária a que se refere a alínea E) do probatório. M. E apesar de admitir a douta sentença que das notas de quebra não resulta efectivamente o valor dos bens, afirma que sempre seria possivel efectuar um controlo, estabelecer uma relação fiável entre valor das quebras e o valor dos registos mediante listagens do sistema informático; - contudo, pergunta-se qual sistema informático, e reafirma-se que a listagem a que se referirá a douta sentença se reconduz àquela que a impugnante em momento algum facultou, não nos sendo razoável afirmar que ao seu alcance não estava adoptar tal procedimento, se ao seu alcance, enquanto operador ecnonómico experiente que é, e em ordem a afastar a presunção que sobre si impendia. N. Por outro lado, deverão ser aditados os seguintes factos ao probatório: 1. as notas de quebra não eram objecto de tratamento contabilístico, e o fim das mesmas era proceder ao levantamento dos bens reportados a quebras para efeitos de controlo interno dos bens, no sentido de evitar o desvio de tais bens para outros fins, objectivo meramente interno, de controlo e estatístico (cf. alíneas iv), vi) e xi) do artigo 34.º supra); 2. não havia relação directa entre as notas de quebra e os registos contabilísticos, porque deu o sujeito passivo a informação de que àquelas notas de quebra não correspondia um registo contabilístico (cf. alíneas vii) e viii) do artigo 34.º supra); 3. o sujeito passivo apresentou alguns exemplares das notas de quebra em momento enterior ao exercício do direito de audição em sede de procedimento inspectivo, e apresentou na sequência da notificação do projecto de relatório 13 caixas de documentação, notas de quebra, sem qualquer tratamento sistemático, e sem junção de qualquer adicional documento (cf. alíneas ix) do artigo 34.º supra); 4. analisadas as notas de quebra, as mesmas padecem de inúmeras irregularidades, não permitindo a verificação de relação entre cada documento, individualmente ou mediante listagem agrupada, e as quebras registadas contabilisticamente, não se constituindo como documentos de suporte dos lançamentos contabilísticos admissíveis (cf. alíneas x), xiii) e xiv) a xvi) do artigo 34.º supra). O. Deste modo, quanto à questão de saber se a impugnante reuniu, no referente às quebras de existências, prova suficiente para ilidir a presunção estabelecida no então artigo 86.º do CIVA, não podemos concluir senao em sentido negativo, por não ter a impugnante logrado produzir a prova que lhe incumbia. P. A prova documental apresentada pela impugnante com vista à demonstração dos valores registados na contabilidade como quebras de existências resume-se a documentos internos denominados pela impugnante de “notas de quebra”, e documento constante de anexo IV ao Relatório de Inspecção Tributária, sem que durante o procedimento inspectivo e presentes autos tenha procedido à junção de qualquer documento de prova complementar – cf. RIT constante do probatório. Q. E o procedimento descrito na alínea O) do probatório mais não é do que a afirmação da existência de procedimentos internos, relatados de forma geral e abstracta, e da existência de documentação de suporte ao registo das quebras conhecidas disponibilizada em sede de procedimento inspectivo ao inspector tributário e que se reconduzem às denominadas folhas/notas de quebra, as quais fundamentam, de acordo com o alegado pela impugnante, os valores de quebras conhecidas, a partir das quais seria apurada a estimativa relativa às quebras desconhecidas, e essas sim não verificáveis por se sustentarem tão-só na ausência de existências em stock (e devidas maioritariamente a furtos decorridos nos estabelecimentos comerciais). R. Contudo, não obstante os depoimentos das testemunhas – que apresentam as notas/folhas de quebra como documentos de suporte dos registos (não contabilísticos) de quebras conhecidas -, decorre expressamente do relatório de inspecção tributária, de acordo com informação prestada pela impugnante, serem as denominadas notas ou folhas de quebra meros documentos internos que não serviam de base, enquanto suporte documental, ao registo de quaisquer lançamentos contabilísticos, sendo o valor das quebras, conhecidas e desconhecidas, apurado com base em estimativas determinadas a partir do histórico do ano anterior (vide fls. 33, 34 e 35 da douta sentença, tendo por referência o facto constante da alínea E) dos factos provados. S. Assim, o comprometimento da verificação do valor das quebras conhecidas implica a não consideração de justificação válida também para as quebras desconhecidas apuradas com base nos resultados obtidos mediante a ocorrência de inventários e reconduzidas meramente às existências em falta. T. Efectivamente, não é possível mediante as notas de quebra apresentadas, estabelecer a conexão efectiva entre valores de quebras conhecidas e registos contabilísticos, não constando das mesmas os elementos identificativos exigidos pela Informação da DSIRC n.º 12397 de 22/06/2009 (vide doc. 14 da p.i.), nem se cumprindo o exigido na Inf. da DSIVA n.º 1793 de 15/05/2009 a que apela a impungnante no que se refere a quebras desconhecidas. U. Assim, não é suficiente, como pretende fazer crer a Impugnante, e como afirma a douta sentença que se situem os valores das quebras conhecidas [as quais deveriam ser perfeitamente identificáveis, e não o são nos presentes autos] dentro de valores razoáveis para o sector de actividade, sendo esse apenas um elemento auxiliar e que acompanha uma prévia análise casuística e circunstancial levada a cabo em cada empresa; isto porque, mediante tal análise casuística foi verificado não serem, pelos motivos indicados em sede de procedimento inspectivo, confirmados pelo testemunho do inspector tributário, e não contrariados pela produção de prova testemunhal e prova documental constante dos autos, admissíveis os valores contabilisticamente registados, face à ausência de suporte documental de tais registos, e à ausente credibilidade dos documentos apresentados pela impugnante com vista a fazer a prova dos mesmos. V. Resulta do relatório inspectivo na origem das liquidações de IVA impugnadas que os documentos, que de acordo com a impugnante servem de suporte ao lançamento contabilístico dos valores correspondentes a quebras de existências registados com referência ao exercício de 2003, se mostram insuficientes para fundamentar a alegada relação entre tais documentos e valores constantes da contabilidade. W. E, assim, não se encontrando justificado o valor considerado pela impugnante a título de quebras conhecidas de existências, não está consequentemente justificado o valor obtido por seu intermédio e relativo às quebras desconhecidas, não podendo, pois, deixar de ter aplicação no caso em apreço o disposto no à data em vigor artigo 80.º do CIVA (actual artigo 86.º do CIVA), norma vigente e que não constitui letra morta, e que, portanto, exige uma análise, como decorre das informações da DSIVA e DSIRC identificadas, a que apela a impugnante, casuística e circunstancial. X. Não tendo a impugnante demonstrado os factos alegados, conforme lhe incumbia, e demonstrando a AT terem as correcções assentado em análise da prova documental recolhida em sede de procedimento inspectivo, de acordo com as informações prestadas pela impugnante, a quem incumbe para além do ónus da prova decorrente do artigo 86.º do CIVA um especial dever de colaboração em sede de procedimento inspectivo (cf. n.º 1 do artigo 9.º do RCPIT), configura-se a liquidação de IVA, e respectivos juros compensatórios, como legítima. Y. Nos termos expostos, a douta sentença ao julgar procedente a presente impugnação fê-lo incorrendo em erro de julgamento de facto, atenta a errónea apreciação dos factos pertinentes para a decisão, e em erro de julgamento de direito, porquanto procede, sem fundamento, a uma inversão do ónus da prova a cargo da impugnante e decorrente do precrito no artigo86.º do CIVA. Z. Mais se requer, por verificados os requisitos vertidos no n.º 7 do artigo 6.º do RCP – não elevada complexidade do tema em análise, produção de prova testemunhal restrita a 5 testemunhas, conduta correcta das partes, a par da necessária limitação do valor da taxa de justiça por força dos princípios da proporcionalidade e do acesso ao direito e aos tribunais – a dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça correpondente ao valor que excede o montante de € 275.000,00. Termos em que, com o mui douto suprimento de V. Exas., concedendo-se provimento ao recurso, deverá a douta sentença ser revogada, com o julgamento improcedente da impugnação, com as legais consequências. Mais se requer, ao abrigo do disposto no n.º 7 do artigo 6.º do RCP, e nos mais de Direito aplicáveis, a dispensa, nos presentes autos, do pagamento da taxa de justiça correspondente ao valor superior a € 275.000,00. Sendo que V. Exas. decidindo farão a Costumada Justiça.” *** A Impugnante contra-alegou, concluindo como se segue: “1. Em primeira linha, está em causa nos presentes autos a liquidação de IVA decorrente da aplicação do disposto no artigo 80.º do Código do IVA (atual 86.º), dispositivo este que consagra uma presunção. 2. Todavia, conforme resulta do exposto na Parte D.2, a AT não demonstrou estarem preenchidos os pressupostos de aplicação da mencionada presunção. 3. Resulta da prova produzida nos autos que a AT não realizou qualquer inventário físico, limitando-se a aceitar que existia uma variação de inventário com base nos elementos contabilísticos da RECORRIDA. 4. Adicionalmente, a AT não colocou em crise os elementos contabilísticos da RECORRIDA, pelo que não afastou a presunção de veracidade dos mesmos ínsita ao artigo 75.º da LGT, pelo que os mesmos se mantêm como válidos. 5. Pelo exposto supra, resulta inequívoco que a AT teria ao seu dispor mecanismos legais de prorrogativas inspetivas, sendo a sua atuação sujeita à busca da verdade, devendo, in casu, ter realizado diversas diligências que não realizou, tais como aceder, consultar e testar o seu sistema informático Sirius para aferir do seu funcionamento e ligação com a contabilidade; ter pedido esclarecimento quanto ao procedimento das quebras conhecidas ou quanto ao procedimento de inventário, no qual se baseava o apuramento das quebras desconhecidas, bem como, e acima de tudo, deveriam os SIT ter realizado um inventário físico, o qual, como vimos, é condição sine qua non para aplicação da presunção do artigo 80.º do Código do IVA na letra em vigor à data dos factos. 6. Nestes termos e nos demais de Direito, a AT incorre em vício de violação de lei, por erro na aplicação do direito, designadamente do artigo 80.º (atual 86.º) do Código do IVA, ilegalidade esta que inquina irremediavelmente a liquidações sub judice, tornando-as anuláveis nos termos do artigo 163.º do CPA, aplicável ex vi do artigo 2.º, alínea d), do CPPT. 7. Deste modo, deverá ser o Recurso julgado improcedente e que se deverá manter a decisão de procedência da impugnação judicial e consequente anulação das liquidações sub judice. 8. Caso se entenda que a AT logrou demonstrar que se aplicaria a presunção do artigo 80.º (atual 86.º) do Código do IVA, o que se concebe por mera cautela de patrocínio, de todo o modo, deverá considerar-se que a RECORRIDA ilidiu a referida presunção. 9. Todas as informações emitidas pela AT, quer vinculativas quer genéricas, quanto à questão da presunção do artigo 80.º (atual 86.º) do Código do IVA têm valor de mera doutrina, não criando ou impondo requisitos legais a cumprir pela RECORRIDA no que tange ao ilidir dessa presunção, o que invalida a conclusão D. do RECURSO. 10. Sem prejuízo de tal valor de mera doutrina, destas informações retira-se que relativamente a essa presunção, que quebras de existências (conhecidas ou desconhecidas), são inerentes à atividade comercial desenvolvida pela RECORRIDA, o que resulta provado pela prova produzida nos autos. 11. Que apesar de tais quebras de existências serem inerentes à atividade, estas não se podem afastar dos limites razoáveis para o sector de produção, valores estes que, conforme resulta dos autos no caso da RECORRIDA, se situavam bem abaixo da média do sector ao nível europeu ou nacional. 12. Que para a justificação das quebras de existências, quer conhecidas quer desconhecidas, é necessário que estejam implementados diversos mecanismos de segurança, controlo, fiscalização e vigilância para atenuar e mitigar, quer as quebras conhecidas, quer as desconhecidas, mecanismos cuja existência resulta provada pela prova produzida nos autos. 13. Adicionalmente, ainda no âmbito dessas informações, retira-se que devem os sujeitos passivos ter implementado sistema de comprovação documental, isto é, um procedimento fidedigno, confiável e rigoroso de registo de quebras de existências, quer conhecidas, quer desconhecidas. 14. Da prova produzida nos autos resulta que a RECORRIDA tinha implementado um sistema e um procedimento de registo de quebras conhecidas, baseado nas notas de quebras e no sistema informáticos Sirius, que era um sistema de gestão de inventário fiável e detalhado, sendo possível conhecer os bens sujeitos a quebras, quer na sua natureza, quer na sua quantidade e valor; bem como, era a partir desse sistema informático Sirius, que se transportava para o sistema informático de contabilidade o valor de custo das quebras conhecidas, por meio da movimentação da conta #612110000 – CMV – Variação de stocks Sirius Com. 15. Resulta igualmente dos autos que, relativamente às quebras desconhecidas, a RECORRIDA implementou um sistema de apuramento destas com base em variações de inventários, sendo que num primeiro momento partiam do último inventário, ao qual numa ótica de inventário permanente aplicavam uma estimativa de quebras de existências desconhecidas com baseado em dados estatísticos do histórico de quebras desconhecidas anteriores, estimativa esta que era corrigida com os valores reais aquando da realização do inventário seguinte, tudo devidamente evidenciado na contabilidade. 16. Deste modo, resulta da prova produzida nos autos que se deverá dar como ilidida a presunção do artigo 80.º (atual 86.º) do Código do IVA. 17. Assim, resulta da prova produzida nos autos que é falso o alegado pela AT quando afirma que não existe ligação entre as notas de quebras, sistema informático Sirius e sistema informáticos de contabilidade, o que invalida as Conclusões E., F. e G. do RECURSO. 18. Adicionalmente, também não se poderá dar como procedente a Conclusão H., posto que um parecer ou uma informação não podem por força da lei criar 4 requisitos que a AT afirma terem que ser preenchidos para o efeito de ilidir a presunção do artigo 80.º (atual 86.º) do Código do IVA. 19. Mesmo que se conceba que para ilidir a presunção sejam necessários cumprir os mencionados requisitos, resulta da prova produzida nos autos que (i) a RECORRIDA tinha implementado um sistema de controlo rigoroso e completo; (ii) que da documentação apresentada e dos inventários realizados se conseguiriam retirar listagens para quebras identificadas (conhecidas) e não identificadas (desconhecidas); (iii) que as notas de quebra e os documentos de inventários elaborados serviam enquanto como documentos internos que suportam os registos contabilísticos, se bem que intermediados pelo sistema informático Sirius, e (iv) e resulta comprovado que as quebras não se afastam de todos dos limites razoáveis para o sector da distribuição, sendo, inclusivamente, bastante menores que a média do sector; o que invalida a Conclusão H. do RECURSO. 20. Ademais, alega a AT na Conclusão I. que nos autos não existe qualquer listagem emitida pelo sistema informático da RECORRIDA quanto às quebras, alegação que ignora completamente as notas de quebras, bem como, ignora completamente o facto de que tal listagem nunca ter sido exigida no procedimento inspetivo, nem que os SIT tenham sequer requerido acesso ao sistema informático para aferir de tal possibilidade, sem prejuízo de tal ser uma prorrogativa de inspeção, bem como, de a RECORRIDA ter disponibilizado esse acesso à AT. 21. Por seu turno, ainda quanto à Conclusão I., é falso que do probatório não constem documentos internos de suporte aos registos contabilísticos, quando do probatório resulta claro que as notas de quebras e as variações de inventário físico, quando realizado, eram registadas no sistema informático Sirius, o qual iria transpor tais variações para a contabilidade, por movimentação da conta #612110000 – CMV – Variação de stocks Sirius Com. 22. Ademais, ainda quanto à Conclusão I., é absolutamente falso que não seja conhecido o procedimento de interligação do sistema informático Sirius com o sistema informático da contabilidade, via movimentação da conta #612110000 – CMV – Variação de stocks Sirius Com, quando tal explicação foi prestada ainda no decurso da inspeção, conforme anexo IV do RIT, tendo sido repetida e ainda mais detalhada ao longo de todos os procedimentos tributários, isto é, em sede de RECLAMAÇÃO e RH, bem como, muitíssimo detalhado na IMPUGNAÇÃO e em todo o processo judicial. 23. Quanto à Conclusão J., resultado dos autos que não existe qualquer inversão do ónus da prova, antes pelo contrário, resultando dos autos uma absolutamente negligente inspeção, que se escusou a realizar uma série de diligências e uso de prorrogativas legais de inspeção, as quais teria que obrigatoriamente seguir se pretendesse realmente encontrar a verdade material, mas que agora tenta esconder tais deficiências com uma rebuscada fundamentação de que a douta Sentença estaria a inverter o ónus da prova, de facto, deveriam os SIT ter realizado um inventário físico se pretendiam espoletar a presunção do artigo 80.º do (atual 86.º) do Código do IVA, inventário cuja realização é requerida a montante da questão do ónus da prova, conforme resulta das alegações. 24. Adicionalmente, relativamente à Conclusão K., deveria a RECORRIDA demonstrar os factos constantes da sua contabilidade e apresentar o suporte documental dos registos contabilísticos caso a contabilidade desta tivesse sido colocada em causa, o que não ocorreu, pelo que, se manteve em toda a sua plenitude a presunção de veracidade da contabilidade ínsita ao artigo 75.º da LGT, o que invalida a Conclusão K. do RECURSO. 25. Afirma ainda a AT na Conclusão L. que os serviços de inspeção analisaram por amostragem as 27.000 notas de quebra quando resulta claro dos autos e, em especial, do depoimento do INSPETOR (do qual se retira que afinal percebeu bem a dinâmica do procedimento da RECORRIDA), que a tal análise não passou de um preconceito quanto às mesmas e uma petição de princípio quanto ao objetivo de realizar correções às quebras de existências a qualquer custo, não se tendo dignado a AT em admitir a prestação de depoimentos testemunhal quanto a essas notas de quebra, a requerer esclarecimentos quanto às mesma, nem tampouco se dignou a aceder ao sistema informático para confirmar o modo como estas eram registadas no mesmo e como este as transportava para o sistema informático de contabilidade, o que invalida a Conclusão L. e M. do RECURSO. 26. De toda a prova produzida e conforme se demonstrou nestas alegações, os factos que a AT pretende que sejam dados como provados na Conclusão N. são puras falsidades e, como tal, não se concebe como podem ser tais situações dadas como provadas. 27. A Conclusão P. é intelectualmente desonesta posto que afirma que nenhuma prova documental complementar foi realizada no âmbito do processo inspetivo, ou durante todo o restante procedimento, quando os SIT se eximiram em absoluto de realizar as devidas diligências para a descoberta da verdade material, não requereram a prestação de prova adicional e ainda tiveram recusaram a prestação de prova testemunhal em todas as sedes de procedimento inspetivo, de RECLAMAÇÃO e RH, o que invalida a Conclusão P. do RECURSO. 28. Resulta igualmente da prova produzida nos autos que a Conclusão Q., a Conclusão R. e Conclusão S. não procedem. 29. Quanto à Conclusão T., a referidas Informação da DSIRC n.º 12397, de 22/06/2009, e a Informação da DSIVA n.º 1793, de 15/05/2009, para além de não poderem criar requisitos legais que não têm cabimento na letra da lei, são emitidas 6 anos após o exercício em causa e 3 anos após a elaboração do RIT, pelo que, nunca poderiam estas contribuir para fundamentar um RIT que foi elaborado 3 anos antes, o que invalida a Conclusão T. do RECURSO. 30. Por fim, resulta igualmente da prova produzida nos autos que a Conclusão U., a Conclusão V., a Conclusão W., a Conclusão X e a Conclusão Y. não procedem. 31. Subsidiariamente, caso se entenda que a AT logrou demonstrar que se aplicaria a presunção do artigo 80.º (atual 86.º) do Código do IVA, e que a RECORRIDA não logrou ilidir a presunção, o que se concebe por mera cautela de patrocínio, deverá ser em sede de RECURSO, nos termos do artigo 636.º do CPC, analisado o pedido subsidiário da IMPUGNAÇÃO quanto à violação de lei por insuficiência de prova e violação do princípio do inquisitório. 32. Conforme exposto, resulta dos autos que a AT recusou a produção de prova testemunha em sede de direito de direito de audição prévia no âmbito do projeto de RIT, tendo igualmente recusado tal diligência em sede de RECLAMAÇÃO e ainda em sede de RH. 33. Entre todos os meios de prova legalmente previstos que sejam necessários ao correto apuramento dos factos inclui-se a prova testemunhal, que é um meio de prova admitido em direito, pois não existe qualquer norma que direta ou indiretamente afaste a sua utilização (cfr. artigo 392.º do CC). 34. Por isso, não tem suporte legal o entendimento adotado pela AT de que a matéria factual a provar não se compadece com o meio de prova pretendido, e apenas a prova documental permite o esclarecimento da verdadeira situação tributária. 35. Pelo exposto, justifica-se a anulação das liquidações impugnadas, com fundamento em erro sobre os pressupostos de facto e em vício procedimental, nomeadamente, omissão de diligências não consideradas desnecessárias, tornando-as anuláveis nos termos do artigo 163.º do CPA, aplicável ex vi do artigo 2.º, alínea d), do CPPT. 36. Subsidiariamente, caso se entenda que nenhum dos fundamentos expostos supra colhe provimento, o que se concebe por mera cautela de patrocínio, deverá ser em sede de RECURSO, nos termos do artigo 636.º do CPC, analisado o pedido subsidiário da IMPUGNAÇÃO quanto à violação de lei por erro nos pressupostos de aplicação do artigo 18.º do Código do IVA. 37. Resulta da prova produzida nos autos, em especial das notas de quebra juntas ao mesmo, que existem bens sujeitos a quebra cuja taxa de IVA a aplicar seria a intermédia ou a reduzida. 38. Assim, não poderia a AT presumir que todos os bens sujeitos a quebras eram bens a cuja taxa aplicável seria a normal. 39. Nestes termos e nos demais de Direito, a AT incorre em vício de violação de lei, por erro na aplicação do direito, designadamente do artigo 18.º do Código do IVA, ilegalidade esta que inquina irremediavelmente a liquidações sub judice, tornando-as anuláveis nos termos do artigo 163.º do CPA, aplicável ex vi do artigo 2.º, alínea d), do CPPT. POR TUDO QUANTO FICOU EXPOSTO, DEVE O PRESENTE RECURSO DEVE SER JULGADO IMPROCEDENTE, COM A CONSEQUENTE MANUTENÇÃO DA SENTENÇA RECORRIDA, SUBSIDIARIAMENTE, CASO ASSIM NÃO SE ENTENDA, DEVERIAM AS LIQUIDAÇÕES SUB JUDICE SEREM ANULADAS COM FUNDAMENTO EM ERRO SOBRE OS PRESSUPOSTOS DE FACTO E EM VÍCIO PROCEDIMENTAL, NOMEADAMENTE, OMISSÃO DE DILIGÊNCIAS NÃO CONSIDERADAS DESNECESSÁRIAS, OU AINDA, CASO ASSIM NÃO SE ENTENDA, DEVERIAM AS LIQUIDAÇÕES SUB JUDICE SEREM ANULADAS COM FUNDAMENTO EM VÍCIO DE VIOLAÇÃO DE LEI, POR ERRO NA APLICAÇÃO DO DIREITO, DESIGNADAMENTE DO ARTIGO 18.º DO CÓDIGO DO IVA; COM TODAS AS LEGAIS CONSEQUÊNCIAS.” *** O Digno Magistrado do Ministério Público (DMMP) neste Tribunal Central Administrativo Sul emitiu parecer no sentido de ser negado provimento do recurso apresentado pela DRFP. *** Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir. *** II - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos: “A) Companhia Portuguesa de Hipermercados, SA (ou impugnante) é uma sociedade anónima de direito português que integra o universo empresarial do Grupo Auchan (facto aceite por acordo); B) A impugnante tem por objecto social o comércio de géneros alimentícios e não alimentícios e de todo o tipo de artigos compreendidos no ramo de hipermercado e supermercado, incluindo a venda de medicamentos não sujeitos a receita médica, a exploração e gestão de outros centros comerciais, a comercialização de combustíveis e exploração de postos de abastecimento de combustíveis, a compra, venda, compra para revenda, construção, locação, exploração e administração de imóveis destinados à instalação de hipermercados, supermercados, centros comerciais, postos de abastecimento de combustíveis, bem como de imóveis destinados a escritórios e habitação. (facto aceite por confissão e não impugnado); C) Em cumprimento da Ordem de Serviço nº OI200600151, emitida pela DSIT a impugnante foi sujeita a uma inspecção tributária externa referente ao exercício de 2003, vindo a ser notificada do Projecto de Relatório de Inspecção Tributária tendo concluído a AT existir montante de IVA em falta, no montante total de €776.075,06, correspondente a duas situações: (i) falta de liquidação do IVA sobre o valor registado como quebras de origem conhecida e desconhecida, do sector alimentar, por aplicação da presunção de transmissão de bens prevista no artº 81º do CIVA e (ii) correcção de regularização de IVA a favor do sujeito passivo (fls 466, do PA); D) A impugnante exerceu direito de audição prévia sobre o projecto de Relatório de Inspecção (fls do PA); E) Em 19-09-2006 foi elaborado o Relatório de Inspecção Tributária, junto como doc nº 3, da pi que se dá por inteiramente reproduzido para todos os efeitos legais e onde consta, nomeadamente: «Texto no original» (…). «Texto no original» (…). «Texto no original» (…). «Texto no original» (…). F) Fazendo parte integrante do Relatório de Inspecção Tributária dão-se por inteiramente reproduzidos os Anexos constantes do mesmo (doc nº 3, sob a epígrafe Índices de Anexos); G) Sobre o Relatório de Inspecção Tributária recaiu despacho de 22-09-2006 (fls 77, dos autos); H) Pelo ofício de fls 75 dos autos a impugnante foi notificada do Relatório de inspecção; I) A AT emitiu a liquidação adicional nº ………….550, no montante de €775.279,97 e de juros compensatórios nº …………551, no montante de €80.884,00 (docs nºs 1 e 2, da pi); J) Em 13-02-2007 a impugnante apresentou reclamação graciosa, conforme doc nº 4, da pi, a que foi atribuído o nº 3123-07/0400027.7, que se dá por reproduzido para todos os efeitos legais, contra os actos de liquidação do IVA e de juros compensatórios, pretendendo que sejam anuladas, porquanto em seu entender e em síntese, foi ilidida a presunção de transmissão dos bens, constante do artº 86º do CIVA, tendo oferecido prova testemunhal; K) Em 15-05-2009 a AT, emitiu a informação nº 1792, com o seguinte teor (doc nº 9, da pi): «Texto no original»
L) Em 08-07-2010 foi proferido despacho de indeferimento da reclamação graciosa com os fundamentos constantes da informação de 14-06-2010, junta ao doc nº 4, da pi e que na parte relevante se reproduz: (…). «Texto no original» (…). M) Do indeferimento da RG a impugnante interpôs recurso hierárquico o qual mereceu despacho de indeferimento, com os fundamentos constantes da informação nº 1302, de 01-02-2011, que aqui se dá por reproduzida para todos os efeitos legais e onde consta, nomeadamente (doc nº 8, da pi e fls 292 a 313, do RH apenso): (…). «Texto no original» N) Pelo ofício de 02-03-3011 a impugnante foi notificada do indeferimento do recurso hierárquico (doc nº 8, da pi); O) No âmbito da actividade em que opera a impugnante e relativamente às quebras de origem conhecida (com motivo da quebra) e de origem desconhecida (por desconhecer o facto que lhe dá origem) são levados a efeitos os seguintes procedimento (doc nº 15, 16, inquirição das testemunhas e documentos juntos nas 13 pastas): - o chefe de secção, aquando da recolha de bens para a sua destruição elabora uma “nota de quebra”, elaborada de acordo com o doc nº 15, da pi, que se dá por reproduzido, onde tem de ser identificado o bem e o motivo da sua obsolescência; - a nota de quebra deverá ser assinada pelo chefe de secção e pelo encarregado da portaria, que verifica que bens são depositados no local adequado com vista à sua destruição (doc nº 16 da pi); - as notas de quebra são registadas no Sirius (Sistema Informático de Gestão de Stocks, da impugnante); - a impugnante procede, com regularidade à contagem (física – método de pistolagem) dos bens e se forem detectadas diferenças entre o inventário físico e o contabilístico, essa diferença corresponderá a quebras desconhecidas; - a impugnante contabiliza mensalmente uma estimativa do valor das diferenças de inventário (associada a quebra desconhecida) correspondente a uma percentagem, por secção, do valor das vendas operacionais; - o valor correspondente à variação do stock obtido entre o stock final e o inicial, é registado no conta #612110000 – CMV – Variação de stocks Sirius Com; P) Algumas das “notas de quebra” não se encontram assinadas e outras contém apenas uma assinatura ou rubrica (doc das 13 pastas); Q) Dá-se por inteiramente reproduzido o extracto das contas POC #32911 – Variação do stock de mercadorias e #612110000 – CMV – Variação de stocks Sirius Com (doc nº 7, da pi); R) O valor das quebras desconhecidas registado mensalmente é apurado com base em estimativas e posteriormente corrigido aquando da realização dos inventários físicos (inquirição das testemunhas); S) Na contabilidade o custo para as quebras de mercadorias é considerado o custo de mercadoria por referência ao valor registado aquando da última entrada da mercadoria (inquirição das testemunhas); T) No sector de actividade em que opera a impugnante é comum a ocorrências de quebras de existências provenientes de acontecimentos exteriores ao exercício dessa actividade (inquirição das testemunhas e doc nº 20, da pi); U) Consta de algumas notas de quebra, a título de exemplo juntas em 29-06-2019, retirados das caixas que serviram de base à IT e constituem os documentos constantes de 13 pastas: «Texto no original» V) Conforme consta do doc nº 20, da pi a taxa de quebras desconhecidas a nível europeu, no ano de 2006 situa-se em 1,24%.” *** A motivação da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “O tribunal formou-se a sua convicção no teor dos documentos identificados em cada ponto dos factos provados que não foram impugnado e na inquirição das testemunhas, depoimentos que se mostraram elucidativos e credíveis nos procedimentos levados a efeito para evitar as “quebra de existências”. Da inquirição das testemunhas resultou: António ……………………., contabilista certificado, referiu que a empresa trabalha com um sistema de inventário permanente, no que respeita à quebra conhecida (quando está evidenciado que tenha havido quebra) há um registo que é logo efectuado e no que respeita à quebra desconhecida só através da elaboração de inventários é possível ser conhecido. Explicitou que a quebra conhecida tem tratamento informático e no caso da quebra desconhecida só é possível em sede de inventário (por pistolagem) apurar se o que está no sistema é o que existe na realidade, daí que se apure uma percentagem da quebra desconhecida até à realização de novo inventário. Mais referiu que o processo interno de apuramento das quebras conhecida é efectuada através das “notas de quebra”. O inventário de 31-12 é feito ao logo do ano. Mais disse que as contas da empresa são auditas, quer por auditores internos quer por auditores internacionais, não tendo sido levantada qualquer questão sobre o procedimento adoptado, tendo sido, para eles, razoável a margem de quebras apurada, sendo que a sua percentagem estava abaixo da média internacional. Salientou que, no caso das quebras, quer de origem conhecida ou desconhecida o que é relevado é o custo da mercadoria, sem a componente do proveito, havendo da parte da sociedade interesse em diminuir esses custos que são incomportáveis. Referiu que a informação consta do sistema informático. Amélia ……………., responsável de contabilidade, explicitou que quanto á quebra conhecida, aquela em que, em casa dia, se encontrava como violada a embalagem, artigo partido, por exemplo, é feito um registo e no que respeita à quebra desconhecida só pode ser apurada por contagem periódica do stock. Salientar que o objectivo da empresa é comprar para vender e gerar um proveito e a mercadoria que desaparece ou se estraga gera despesa que é espelhado no custo dessa mercadoria; na verdade é uma perda total, compra-se para nada. Referiu que a empresa tem auditorias: interna e externas. Maria ……………….., chefe de contabilidade, referiu que, no que respeita á quebra conhecida tem o mesmo tratamento que a devolução do produto, no que respeita à quebra desconhecida é definida uma percentagem e quando é feito o inventário é registada a quebra real. Alcides …………………, gerente comercial, disse que quando a quebra é conhecida é feito um registo, nesse registo consta um código. Referiu que a responsabilidade de avaliar a quebra é do comercial, o registo é da portaria e o segurança faz a auditoria (ou seja verifica se é aquele artigo que vai para o lixo); no que respeita à quebra desconhecida é apurada segundo o inventário. Referiu ainda que havendo quebras há um prejuízo, daí que a empresa invista em vídeo vigilância, sistema informático, formação, --- Referiu ainda que o mais fiel é um inventário diário, situação que não é possível. Jorge ………………, Inspector Tributário, referiu que entendeu que as “notas de quebra” eram apenas para efeitos internos e não tinham tratamento contabilístico, não havendo qualquer relação entre aquelas e este. Mais disse que eram lançadas numa aplicação informática, que não me foi demonstrada que eram lançadas na contabilidade. Mais disse que as notas de quebra foram juntas no direito de audição e verifique que nem todas se encontravam assinadas, os bens não estavam valorizados e não diz qual o destino. Referiu ainda que, se tivesse sido disponibilizada a informação sobre a que correspondia o código nas “notas de quebra” com vista a apurar o custo, ainda que a titulo de amostragem poderia ter sido testado o procedimento; não foi demonstrado que as “notas de quebra” fossem tratadas e só após o direito de audição é que pretendiam que essas “notas de quebra” fossem consideradas, mas não foi fornecida qualquer informação pelo SP. Reconheceu as “notas de quebra”. Em seu entender quer as quebras conhecidas quer as quebras desconhecidas eram feitas por estimativa e creio que tivessem alguma informação de modo a que essa estimativa se aproximasse da realidade.” *** III-FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
In casu, a Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida contra a liquidação adicional de IVA, e respetivos JC, referentes ao ano de 2003, tudo perfazendo o valor global de €762.944,41. Em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso. Assim, ponderando o teor das conclusões de recurso cumpre aferir: - Se a Recorrente incorreu em erro de julgamento de facto, descurando realidades fácticas suportadas em prova documental e testemunhal, cumprindo os requisitos contemplados no artigo 640.º do CPC; - Se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento de direito por ajuizar que a subsunção normativa no artigo 80.º do CIVA carece de inventariação física; - Decidindo-se no sentido afirmativo, se a prova carreada aos autos é suficiente para efeitos da ilisão da presunção constante no citado normativo; - Ajuizando-se insuficiente essa prova, conhecer das questões julgadas prejudicadas. De relevar, ab initio, que estando a impugnação da matéria de facto toda ela concatenada com a casuística demonstração da ilisão da presunção e sendo, como visto, sindicada a insusceptibilidade de subsunção normativa no artigo 80.º do CIVA e competente acionamento da presunção, questão que, como é consabido, radica a montante, donde preliminar em termos de apreciação da valoração do ónus probatório, iniciaremos a apreciação do presente recurso pelo erro de julgamento de direito atinente à concreta possibilidade de acionamento da aludida presunção. Relegando-se, assim, para momento ulterior a sua apreciação, apenas justificável no caso de, face à decisão proferida sobre a matéria de facto pelo Tribunal a quo, ser perspectivável a procedência da pretensão da Recorrente (1). Feito este introito, há, então, que apreciar se procede o erro de julgamento por errónea apreciação dos pressupostos de facto e de direito. A Recorrente evidencia, desde logo, que não obstante a decisão recorrida advogue a necessidade de contagem física de bens para efeitos de concreta subsunção normativa no artigo 80.º do CIVA, a verdade é que não se aquiesce o alcance de tal entendimento, na medida em que, da letra da lei não resulta essa condição. Densifica, neste âmbito, que não é defensável que os serviços de inspeção tributária tenham de fazer um inventário do que, em rigor, não existe, e para efeitos de demonstração de um ónus da prova que se encontra a cargo da Impugnante, o qual, por seu turno, não se mostra cumprido. Sublinhando, ainda neste âmbito, que inexiste fundamento legal para tais exigências, apelando, ademais, aos normativos legais aplicáveis em sede organização da contabilidade, deveres e direitos do sujeito passivo em sede de procedimento inspetivo e concomitantes deveres de colaboração e de esclarecimento. Sufraga, adicionalmente, que atenta a prova produzida nos autos, a decisão recorrida não poderia julgar procedente a decisão recorrida, tendo inclusive procedido à inversão do ónus da prova, imputando, erradamente, à AT a aquisição e demonstração de factos que à Impugnante incumbia provar. Conclui, ademais, que não é possível concluir que os valores das quebras conhecidas se situam dentro de valores razoáveis para o sector de atividade. Desfecha, assim, que não tendo a Impugnante demonstrado os factos alegados, conforme lhe incumbia, e demonstrando a AT terem as correções assentado em análise da prova documental recolhida em sede de procedimento inspetivo, de acordo com as informações prestadas pela impugnante, a quem incumbe para além do ónus da prova decorrente do artigo 80.º do CIVA um especial dever de colaboração em sede de procedimento inspetivo (cf. n.º 1 do artigo 9.º do RCPIT), configura-se a liquidação de IVA, e respetivos juros compensatórios, como legítima. Dissente a Recorrida, propugnando pela manutenção da sentença, na medida em que a AT não demonstrou o preenchimento dos pressupostos de aplicação da mencionada presunção. Corporiza, para o efeito, que resulta da prova produzida que a AT não realizou qualquer inventário físico, limitando-se a aceitar que existia uma variação de inventário com base nos elementos contabilísticos da Recorrida, o que, por si só, inviabiliza a subsunção no artigo 80.º do CIVA, e o acionamento da presunção constante no citado preceito legal. Densifica, para o efeito, que resulta inequívoco que a AT teria ao seu dispor mecanismos legais de prorrogativas inspetivas, sendo a sua atuação sujeita à busca da verdade, devendo, in casu, ter realizado diversas diligências que não realizou, tais como aceder, consultar e testar o seu sistema informático Sirius para aferir do seu funcionamento e ligação com a contabilidade, ter pedido esclarecimentos quanto ao procedimento das quebras conhecidas ou quanto ao procedimento de inventário, no qual se baseava o apuramento das quebras desconhecidas. Sublinhando, in fine, que acima de tudo, deveriam os SIT ter realizado um inventário físico, o qual sufraga que é condição sine qua non para aplicação da presunção do artigo 80.º do CIVA, em vigor à data dos factos, e que acarreta a existência de vício de violação de lei, por erro na aplicação do direito, concretamente do citado normativo. Adicionalmente, sustenta que mesmo que, in limite, se entenda que a AT logrou demonstrar a aplicação da presunção do artigo 80.º (atual 86.º) do CIVA, sempre a mesma teria sido ilidida atenta a prova produzida. Vejamos, então. O Tribunal a quo, esteou a procedência da impugnação judicial, após enunciar o respetivo quadro legal, relevando, desde logo, que “[n]o caso a AT incorreu, em erro nos pressupostos ao subsumir no art.º 86.º do CIVA a situação em causa, em que não procedeu à contagem física das existências, aceitou o registo de quebras que o contribuinte lhe facultou (…).” Relevando, adicionalmente, que: “[e], daí AT veio, extrapolar para a seguinte conclusão: a) não apresentou os elementos justificativos do destino dado às quebras contabilizadas nas suas existências; b) não procedeu a prévia comunicação ao SF competentes aquando da respectiva contabilização; c) não elaborou qualquer auto de destruição dos bens; d) não suportou documentalmente de uma forma directa as quebras contabilizadas.” Adensando, ademais, “que não há qualquer obrigação legal de efectuar comunicação à AT (ponto b) e refira-se que conforme clarificou a AT, em sede de Pedido de informação Vinculativa no processo nº A509-20090009 que “para as quebras não identificadas deve ser elaborado um documento de inventário com as diferenças de stock, devendo ser assinado pelos analistas de inventário e pelo gerente de loja”. Este documento serve de “suporte aos lançamentos contabilísticos de quebras de existências”, pelo que, “deverá dispensar a elaboração de autos de destruição e de abate”, não sendo de exigir “participações à polícia de furtos contra desconhecidos” ou sequer a contratação de apólices de seguro, por se tratar de furtos “que resultam do exercício normal da actividade, não revestindo uma natureza extraordinária e imprevisível”. Sublinhando, ademais, que “[é] ainda de salientar que a AT não colocou em causa a existência ou ausência de quaisquer outros sistemas e procedimentos de segurança colocados pela impugnante, para, pelo menos, minimizar as quebras conhecidas ou desconhecidas, mas apenas o seu procedimento de controlo interno/registo contabilístico.” Enfatizando, de resto, que “atenta a realidade do negócio da impugnante é de salientar que a taxa de quebra de origem desconhecida ascendeu, em 2003, a 0,29%, quando a nível europeu a taxa de quebra desconhecida ascendeu em 1,24%, pelo que, inferior à média que ocorre a nível europeu. E, portanto não podemos concluir que é uma percentagem excessiva.” Conclui, assim, que “a liquidação adicional de IVA nº 06245550, no montante de €775.279,97, incorreu em erro sobre os pressupostos de aplicação do artº 86º do CIVA e, deve ser anulada por ilegal.” Vistas as posições das partes, e a fundamentação jurídica em que assentou a decisão recorrida, há, desde logo, que convocar a fundamentação contemporânea do ato, e a concreta metodologia subjacente às correções sub judice. Conforme resulta do acervo fático dos autos, a Impugnante, ora Recorrida, foi objeto de uma ação inspetiva de âmbito externo, credenciada pela Ordem de Serviço nº OI200600151, referente ao exercício de 2003, do qual resultaram correções aritméticas, designadamente, em sede de IVA, com o apuramento de imposto em falta, no montante total de €776.075,06, advenientes de duas situações de facto: (i) falta de liquidação do IVA sobre os valores registados como quebra de existências no setor não alimentar, no montante de €4.015.496,92, por aplicação da presunção de transmissão de bens prevista no artigo 80.º do CIVA; (ii) Regularização de IVA a favor do sujeito passivo. Em termos de concreta metodologia, a mesma materializou-se numa análise aos elementos contabilísticos-fiscais da sociedade, concretamente e conforme resulta expresso no respetivo Relatório de Inspeção Tributária, “foi analisada a tipologia e tratamento contabilístico das existências designadamente a temática relativa às quebras de existências”, tendo, ulteriormente, sido requeridos esclarecimentos atinentes ao concreto registo das quebras das existências, apuramentos das variações das existências e sua cadência temporal, procedimentos informáticos, controle e suporte documental, e inerente destrinça entre setor alimentar e não alimentar. Nessa decorrência, e mediante análise do acervo documental e concretos procedimentos contabilísticos e informáticos, a Inspeção Tributária, ajuíza que deve ser acionada a presunção de transmissão de bens, contemplada no artigo 80.º do CIVA, em ordem às premissas e fundamentação que se extrata infra: “Presunção de transmissão de bens. Ficou demonstrado que, relativamente às quebras de existências de bens não alimentares, o sujeito passivo: a) Não apresentou os elementos justificativos do destino dado às quebras contabilizadas nas suas existências no período em análise. b) Não procedeu a qualquer prévia comunicação aos Serviços de Finanças competentes aquando da respectiva contabilização. c) Não elaborou qualquer auto de destruição dos bens. d) Não suportou documentalmente de uma forma directa as quebras contabilizadas. Neste contexto, de acordo com o preconizado no artigo 80° do CIVA, procede-se à liquidação do IVA dos bens objecto de registo como quebra e cujo custo foi corrigido por se considerarem os mesmos transmitidos, resultando deste facto imposto em falta no montante de 762.944,41 6. O imposto em falta resulta da aplicação da taxa de IVA de 19% em vigor à data do registo contabilístico (19%x 4.015.496,92 €).” Ora, do supra expendido, resulta inequívoco que as correções realizadas se fundaram no artigo 80.º do CIVA, razão pela qual cumpre convocar o respetivo quadro normativo e tecer os considerandos de direito que se reputam de relevo para o caso vertente. Atentemos, então, na letra do artigo 80.º do CIVA, o qual sob a epígrafe de “presunções de aquisição e transmissão” preceituava: “Salvo prova em contrário, presumem-se adquiridos os bens que se encontrarem em qualquer dos locais em que o contribuinte exerce a sua atividade e presumem-se transmitidos os bens adquiridos, importados ou produzidos que se não encontrarem em qualquer desses locais” (sublinhado nosso). Da letra do aludido normativo, resulta, inequivocamente, a existência de uma presunção, a qual é uma presunção iuris tantum, ou seja, ilidível, pela produção de prova em contrário [cfr., v.g., os Acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul, de 14.02.2007 (Processo:01484/06) e de 09.02.2017 (Processo: 885/07.0BELSB); v. ainda Patrícia Noiret da Cunha, Código do IVA, Instituto Superior de Gestão, Coimbra, 2004, pp. 478 e 479]. Sendo certo que, tal como sentenciado e, ora, advoga e secunda a Recorrida, para o acionamento da mesma e, inversamente ao propugnado pela Recorrente, é curial que a AT realize a competente inventariação das existências físicas, por forma a percecionar-se o trajeto dos bens adquiridos ou produzidos pela empresa, e aferir se houve falta de registo dos bens adquiridos e transmitidos, e em caso afirmativo, qual a sua extensão, por forma a apurar-se o imposto que não foi, parcial ou totalmente, liquidado. Noutra formulação, e a contrario dir-se-á, portanto, que os SIT não se encontram legitimados a fazer a correção com fundamento no disposto no artigo 80.º do CIVA (atual, artigo 86.º do CIVA), através da mera análise dos registos contabilísticos referentes ao inventário do sujeito passivo visado, por mero confronto com a base de dados constante no software que então utilizava, carecendo, inequivocamente, da aludida inventariação das existências físicas. De relevar, neste âmbito, que a decorrência direta da inventariação de bens era absolutamente clara no artigo 79.º, n.º 1, do CIVA, em vigor à data dos factos, nos termos do qual “Sempre que necessário, poderão os funcionários encarregados da fiscalização proceder à inventariação das existências físicas de qualquer estabelecimento”. Doutrina, neste particular, Patrícia Noiret da Cunha (2), em anotação ao preceito sub judice, que “[d]a realização de inventário pode resultar a existência de bens não documentados nem registados, bem como a ausência de bens que foram escriturados pelos sujeitos passivos. Para fazer face a esta desconformidade entre o conteúdo do inventário e a escrituração do sujeito passivo, o presente artigo prevê a presunção de aquisição, pelo sujeito passivo, dos bens encontrados nalgum dos locais de actividade do sujeito passivo, presumindo-se quanto aos bens que não se encontrem nesse locais, que foram objecto de transmissão pelo sujeito passivo”. Neste concreto particular, vejam-se, designadamente, os Acórdãos deste TCAS, proferidos nos processos nºs 402/17, de 23.01.2025, 776/08, de 24.04.2024, 259/07, de 02.11.2023, 604/06, de 25.02.2021, e 885/07, de 09.02.2017, extratando, na parte que para os autos, ora releva, a fundamentação jurídica constante no primeiro dos Acórdãos citados, na qual a ora Relatora integrou o Coletivo enquanto Segunda Adjunta, e a, ora, Segunda Adjunta, enquanto Relatora: “[é] patente que os SIT não estavam legitimados a fazer a correção com fundamento no disposto no art. 86.º (anteriormente, art. 80.º) do CIVA, através da mera análise dos registos contabilísticos referentes ao inventário da aqui Recorrente, por confronto com a base de dados constante no software que então utilizava, tal como de resto resulta amplamente enunciado pela jurisprudência constante deste Tribunal Central Administrativo Sul. Com efeito, dispunha-se, no referido art. 86.º do CIVA, então como agora, que “Salvo prova em contrário, presumem-se adquiridos os bens que se encontrem em qualquer dos locais em que o sujeito passivo exerce a sua actividade e presumem-se transmitidos os bens adquiridos, importados ou produzidos que se não encontrem em qualquer desses locais.”. Ora, o que clara e inequivocamente resulta do citado preceito, é que a “presunção” a que se alude no mesmo apenas pode ser acionada perante a constatação de que os bens se encontram ou não se encontram fisicamente em qualquer dos locais onde o sujeito passivo exerce a sua atividade, conclusão à qual apenas se pode chegar mediante uma inspeção física dos referidos locais. E tal precaução por parte do legislador não espanta, atentas as consequências que tal consideração – da omissão do registo contabilístico de compras, vendas, importação ou produção – assume em sede de IVA, imposto que, como é sabido, pela forma como se encontra concebido, impacta em toda a cadeia económica percorrida pelos bens passíveis de tributação. (…) “tal disposição apenas pode ser interpretada no sentido de que a assunção que nela se acolhe não aproveita à ATA se assentar unicamente na verificação e confronto dos valores inscritos nos registos contabilísticos e extra-contabilísticos do contribuinte, ou seja, apenas sobre factos registados na contabilidade, sem que efetuada uma “verificação ou contagem física das existências e constatada a falta de correspondência entre o inventário físico e os registos contabilísticos que lhe são apresentados” (…) Donde resulta patente que a correção efetuada pelos SIT em sede de IVA viola o disposto no art. 86.º do CIVA, pelo que deveria ter sido anulada, sendo que tanto bastaria para que o Tribunal a quo devesse ter reconhecido a ilegalidade da correção, anulando as liquidações de IVA impugnadas. “ (destaques e sublinhados nossos). Ora, aderindo, na íntegra, à fundamentação supra expendida, integralmente transponível para o caso dos autos, e dimanando inequívoco que, in casu, a correção fundou-se no citado artigo 80.º do CIVA, mediante acionamento da presunção, era vital, portanto, a existência de inventariação das existências físicas. Logo, inexistindo, no caso vertente, a aduzida inventariação das existências físicas, por parte da entidade fiscalizadora-realidade, de resto, não controvertida, sendo que o dissenso reside, como visto, a montante e na concreta exigência legal dessa condição e da sua extensão- não se encontra legitimada a correção realizada, padecendo, por conseguinte, de vício de violação de lei, que comina o ato de anulabilidade. Como aduzido, no Aresto do TCAS, já citado, proferido no processo nº776/08: “[o] afastamento da presunção da veracidade da contabilidade, no caso, exigiria a demonstração «de qualquer discrepância entre a inventariação física dos bens (que a AT não fez) e os registos contabilísticos que permita à AT concluir que faltam (fisicamente) bens e daí extrapolar para presumir a sua transmissão». O que no caso não ocorreu. Pelo que falta, no caso, a demonstração dos pressupostos de facto na base dos quais foram emitidas as liquidações oficiosas em causa.”(destaques e sublinhados nossos). Destarte, a sentença não padece de erro de julgamento de direito que lhe é assacado, devendo por esse motivo ser mantida, ficando prejudicado o conhecimento do demais alegado pela Recorrente (cfr. n.º 2 do artigo 608.º ex vi n.º 2 do artigo 663.º, ambos do CPC, aplicáveis ex vi art. 2.º, alínea e) do CPPT). Assim sendo, e em face do exposto, o presente recurso deve ser julgado improcedente. *** Aqui chegados, cumpre apenas apreciar do pedido de dispensa de pagamento do remanescente da dispensa de taxa de justiça. Dispõe, neste âmbito, o artigo 6.º, n.º 7, do RCP, que: “[n]as causas de valor superior a (euro) 275 000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento”. No caso sub judice, considera-se que o valor de taxa de justiça devida a final, calculado nos termos do tabela I.B., do RCP, é excessivo. Porquanto, ponderadas as circunstâncias do caso vertente à luz dos critérios escolhidos pelo legislador, em especial, o comportamento processual das partes litigantes, sem qualquer reparo negativo a apontar, a complexidade do processo – atendendo, outrossim, que as questões em apreciação já foram objeto de apreciação por este Tribunal, acarretando, assim, menor complexidade na solução jurídica das questões decidendas, determina-se que haja lugar à dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, prevista no art.º 6.º, n.º 7, do RCP, na parte em que excede os €275.000,00. *** IV. DECISÃO Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO, SUBSECÇÃO COMUM, deste Tribunal Central Administrativo Sul em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO e confirmar a decisão recorrida. Custas pela Recorrente, com dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, na parte em que excede os €275.000,00. Registe. Notifique. Lisboa, 03 de abril de 2025 (Patrícia Manuel Pires) (Isabel Silva) (Margarida Reis) (1) No mesmo sentido, vide, designadamente, Ac. deste TCAS, proferido no processo nº 521/11, de 12.05.2022. (2) In Imposto sobre o Valor Acrescentado, anotações ao Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado e ao regime do IVA nas transacções intracomunitárias, Instituto Superior de Gestão, 2004, anotação ao artigo 80.º. |