Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os juízes desembargadores da Secção Administrativa, Subsecção Comum, do Tribunal Central Administrativo Sul:
1. Relatório
O Ministério Público (Requerente/Recorrente ou A.) instaurou, no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, a presente providência cautelar, contra a EGEAC – Empresa de Gestão de Equipamentos e Animação Cultural, E.M., S.A. (doravante R./Entidade Requerida/Recorrida/ER ou EGEAC), peticionando que a providência seja julgada procedente “intimando-se à Requerida EGEAC a cessar de imediato com a prática discriminatória em função da residência que vem praticando na admissão aos imoveis e móveis classificados de interesse nacional (monumentos e tesouros nacionais) e de interesse público, estendendo a todos os cidadãos residentes em território nacional as isenções de ingresso que aplica aos “residentes em Lisboa”, nomeadamente o ingresso gratuito aos Domingos e Feriados, sem qualquer excepção”.
Por sentença proferida em 15.12.2023, o referido Tribunal julgou a ação improcedente, indeferindo a providência cautelar requerida.
Inconformado, o A./Requerente/Recorrente interpôs recurso jurisdicional para este Tribunal Central Administrativo Sul, cujas alegações contêm as seguintes conclusões:
«10.1. O presente processo cautelar tem origem na constatação que a empresa responsável pela gestão de alguns dos bens culturais de interesse nacional e de interesse público, assim como museus nacionais, localizados na cidade de Lisboa (EGEAC, ora requerida) exerce uma prática discriminatória no acesso aos mesmos, pois isenta de bilhete os residentes em Lisboa (em todos ou em alguns dias da semana), ao mesmo tempo que exige sempre o pagamento de bilhete a todos os demais portugueses;10.2. Reclamou o Ministério Público a imediata cessão de tal prática, evocando em seu favor um conjunto de normas jurídicas que não apenas a proíbem como a revelam inconstitucional, argumentos que, contudo, não foram de molde a convencer o douto Tribunal da 1.ª instância; 10.3. Efectivamente, para o douto Tribunal recorrido e aderindo em parte à tese da entidade requerida, os residentes em Lisboa suportam impostos que, em parte são receita do município e são canalizados para a gestão dos equipamentos culturais a cargo da EGEAC, pelo que a discriminação em causa não se lhe afigura ilegal ou irrazoável, afastando a aparência do bom direito e, em consequência, indeferindo a providência cautelar;10.4. É contra este entendimento que se recorre, convencidos cada vez mais estamos que a discriminação em causa não só não tem qualquer fundamento legal, como contraria mandamentos constitucionais e regimes jurídicos aplicáveis, sendo que nem tampouco assenta em alguma razão de ordem prática ou económica que seja lógica e fundada; 10.5. Não existe nenhuma relação directa e universal com intensidade bastante entre a residência de um cidadão e a contribuição para o respectivo orçamento municipal: O facto de se ser residente num dado concelho não significa que se contribua mais para o orçamento do mesmo do que um outro cidadão de outro concelho do país; 10.6. O facto de se ser residente em Lisboa não significa que se contribua um cêntimo para a cidade: além do domicílio fiscal poder não coincidir com o domicílio pessoal, são inúmeros os casos de residentes fiscais que, seja por desemprego, seja por outro motivo, nada contribuem para o orçamento municipal; 10.7. A ser levado às devidas consequências o critério de discriminação em causa resulta em resultados contraditórios e absurdos, a exigir da EGEAC que obrigasse os seus visitantes lisboetas a exibir à porta dos monumentos e museus uma declaração tributária que atestasse a sua participação financeira no orçamento da cidade, ao mesmo tempo que teria de cobrar bilhete a todos os residentes em Lisboa que estão desempregados ou que não pagam impostos; 10.9. A discriminação praticada pela EGEAC revela-se assim despida de qualquer fundamento racional ou lógico, muito menos resulta de alguma norma que o legislador tenha estabelecido, pelo que deve ser classificada como um privilégio injustificado em favor dos residentes de Lisboa e indevidamente discriminatória para todos os demais cidadãos que, porque reportada a bem culturais de interesse nacional, de interesse público ou museus nacionais, que são em simultâneo bens do domínio público do Estado Português, é inadmissível, inconstitucional e ilegal; 10.10 Tal discriminação entre cidadãos residentes em Lisboa e os demais para efeitos de ingresso em bens culturais classificados de interesse nacional, interesse público e museus nacionais lesa os artigos 6.º, n.º 1 (Estado unitário), 12.º, n.º 1 (Princípio da Universalidade), artigo 13.º, n.º 1 e 2 (Princípios da igualdade e proibição da discriminação injustificada) e 78.º, n.º 1 do texto fundamental (acesso à cultura);10.11. Além dos preceitos constitucionais envolvidos, e por causa deles, a discriminação em causa viola directamente o artigo 7.º, n.º 1 da lei do Património Cultural (lei 107/2001) norma que garante o acesso de todos os cidadãos à fruição cultural, sem distinção; 10.12. A discriminação de acesso a bens culturais de interesse nacional e de interesse público, bem como a museus nacionais, em função da residência em Lisboa, viola os artigos 54.º, n.º 1 e 55.º, n.º 3 e 4 da Lei-quadro dos Museus (Lei 47/2004, de 19 de Agosto), normas que garantem o acesso e visita pública gratuita (ainda que em tempo limitado) aos mesmos, sem distinção e que admitem custos de ingresso mais favoráveis em função de condições especialmente desvantajosas, como sejam jovens, idosos, famílias e estudantes, em linha aliás com os critérios axiológicos estabelecidos na Constituição da República Portuguesa (como por exemplo nos artigos 69.º, 70.º, 71 e 72.º do texto fundamental); 10.13. A discriminação de acesso a bens culturais de interesse nacional e de interesse público, bem como a museus nacionais, em função da residência em Lisboa viola o artigo 25.º, n.º 1 do Regime jurídico do património imobiliário público (DL 280/2007, de 7 de Agosto), uma vez que sendo bens integrados no domínio público indisponível do Estado (artigo 4.º, al. m) do DL 477/80, de 15 de Outubro), não se lhes podem associar condições de acesso e de fruição que sejam discriminatórias; 10.14. Finalmente, a discriminação de acesso a bens culturais de interesse nacional e de interesse público, bem como a museus nacionais, em função da residência viola o artigo 45.º e 46.º, n.º 1, al. a) e b) do Regime jurídico da actividade empresarial local (Lei 50/2012, de 31 de Agosto), que proíbe qualquer discriminação na actividade destas empresas; 10.15. Qualquer interpretação feita às normas legais citadas que admita discriminações nas condições de entrada em monumentos, tesouros ou museus nacionais, entre cidadãos residentes no concelho e os demais, designadamente isentando uns de bilhete e exigindo o pagamento a todos os demais, viola o artigo 13.º, n.º 1 e 2 e artigo 78.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, nomeadamente:
a) A interpretação do artigo 7.º, n.º 1 da Lei 107/2001, de 8 de Setembro, no sentido de que o mesmo admite diferenciação no acesso a bens culturais de interesse nacional e de interesse publico, em função da residência do visitante;
b) A interpretação do artigo 54.º, n.º 1 da Lei 47/2004, de 19 de Agosto, no sentido de que o mesmo admite discriminações no acesso a museus nacionais em função da residência do visitante;
c) A interpretação do artigo 55.º, n.º 4 da Lei 47/2004, de 19 de Agosto, no sentido de que o mesmo admite que as entidades gestoras dos museus estabeleçam ingresso gratuito para algumas pessoas em função da residência;
d) A interpretação do artigo 25.º, n.º 1 do DL 280/2007, de 7 de Agosto, no sentido de que o mesmo admite que o acesso a bens do domínio público como monumentos e museus nacionais possa ser diferenciado em função da residência do visitante.
Nestes termos e nos melhores de Direito, deve a douta sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que, aplicando as normas constitucionais e legais evocadas e no sentido exposto, considere a verificação do “fumus boni iuris”, a par dos demais pressupostos, intimando a EGEAC a cessar de imediato a prática discriminatória em uso nos monumentos, tesouros e museus nacionais que gere na cidade de Lisboa, estendendo a todos os cidadãos residentes em território nacional a isenção de bilhete que neste momento apenas aplica a residentes em Lisboa.».
A EGEAC/ Recorrida apresentou contra-alegações, concluindo nos seguintes termos,
«A. O presente recurso foi interposto pelo Recorrente contra a sentença proferida, em 18.12.2023, pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, no âmbito do processo com o número 2969/23.8BELSB, nos termos do qual se encontrava em apreciação a providência cautelar, interposta pelo MP, de intimação para a adopção de uma conduta, nos termos do artigo 112.º, n.º 2, alínea i) do CPTA e do artigo 9.º, n.º 3 da Lei 107/2001, de 8 de setembro, por alegada violação dos artigos 13.º e 73.º da CRP, dos artigos 7.º, 9.º e 15.º da Lei 107/2001, de 8 de setembro, bem como dos artigos 2.º, 3.º, 54.º e 55.º da Lei 47/2004, de 19 de agosto;
B. Em face da pretensão do Recorrente que, por via do processo cautelar, pretendia que a Recorrida fosse intimada a estender a todos os cidadãos residentes em território nacional, as isenções de ingresso no acesso aos monumentos e museus que se encontram sob a sua gestão, que a mesma aplica aos residentes em Lisboa, os fundamentos aventados pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa para formular a sua decisão consideraram que não se encontrava verificada qualquer violação do princípio da igualdade – máxime, do artigo 13.º da CRP;
C. Contra essa decisão, vem então o Recorrente interpor o presente recurso, por considerar, em suma, que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento de Direito.
D. Para tal, o Recorrente convoca novamente os mesmos argumentos que tem vindo a defender nos presentes autos, os quais, no seu entendimento permitem sustentar que “Não existe nenhuma relação directa e universal com intensidade bastante entre a residência de um cidadão e a contribuição para o respectivo orçamento municipal: O facto de se ser residente num dado concelho não significa que se contribua mais para o orçamento do mesmo do que um outro cidadão de outro concelho do país.”
E. Acrescentando aos argumentos que já haviam sido apresentados em sede do requerimento inicial intentado nos presentes autos, que a discriminação de acesso a bens culturais de interesse nacional e de interesse público, bem como a museus nacionais, em função da residência viola o artigo 45.º e 46.º, n.º 1, al. a) e b) da Lei 50/2012, de 31 de Agosto), que proíbe qualquer discriminação na actividade destas empresas, bem como constitui uma violação 25.º, n.º 1 do Decreto-Lei 280/2007, de 7 de Agosto, uma vez que sendo bens integrados no domínio público indisponível do Estado não se lhes podem associar condições de acesso e de fruição que sejam discriminatórias;
F. Em primeiro lugar, o entendimento da Recorrida, e que foi sufragado pelo Tribunal a quo, a concretização de um benefício aos Munícipes do Concelho de Lisboa nas condições de acesso aos espaços que se encontram sob a gestão da Recorrida, não constitui qualquer descriminação[sic] injustificada sobre os restantes cidadãos nacionais;
G. Nem tal prática configura, concretamente, uma violação do princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º da CRP.
H. Efetivamente, sobre esta matéria já se pronunciou o Tribunal Constitucional, quando considerou que o “(…) princípio da igualdade impõe que situações da mesma categoria essencial sejam tratados da mesma maneira e que situações pertencentes a categorias essencialmente diferentes tenham tratamento também diferente. Admitem-se, por conseguinte, diferenciações de tratamento, desde que fundamentados à luz dos próprios critérios axiológicos constitucionais. A igualdade só proíbe discriminações quando estas se afiguram destituídas de fundamento racional” (sublinhado nosso, cfr. os Acórdãos nºs 39/88, 186/90, 187/90 e 188/90, Acórdãos do Tribunal Constitucional, 11º vol. (1988), p. 233 e ss., e 16º vol. (1990), pp. 383 e ss., 395 e ss. e 411 e ss., respectivamente);
I. Não obstante, o princípio constitucional da igualdade não exige o tratamento igual de todas as situações, ou a aplicação da lei de forma cega, mas, antes, implica que sejam tratados igualmente os que se encontram em situações iguais e tratados desigualmente os que se encontram em situações desiguais, de maneira a não serem criadas discriminações arbitrárias e irrazoáveis, porque desprovidas de justificação objetiva e racional;
J. Assim sendo, só existirá violação do princípio da igualdade e, consequentemente, um comportamento discriminatório por parte da Administração se a diferença de tratamento entre os cidadãos for totalmente injustificada e desprovida de uma justificação objetiva;
K. A constatação deste fato juridicamente relevante, por parte do Tribunal a quo, encontra sustentação, como logrou demonstrar a Recorrida nos presentes autos, na Lei n.º 73/2013, de 03 de setembro, que estabelece o regime financeiro das autarquias locais e das entidades intermunicipais;
L. Nos artigos 25.º e 26.º-A daquele diploma, encontra-se definida a repartição de recursos públicos que é atribuída à administração central o Estado e aos municípios;
M. Nesta senda, como bem entendeu o Tribunal a quo, não é possível afirmar que a conduta da Recorrida, ao isentar do pagamento de bilhete os residentes do Município, seja totalmente irrazoável ou injustificada ao ponto de violar o princípio da igualdade;
N. Devendo, por isso, improceder totalmente as alegações neste segmento, e ser mantida a sentença proferida pelo Tribunal a quo;
O. Seguidamente, como ficou demonstrado nos presentes autos, a Recorrida rege a sua atividade ao abrigo do Regime Jurídico da Atividade Empresarial Local e das Participações Locais, nos termos da Lei n.º 50/2012, de 31 de Agosto, bem como encontra-se igualmente sujeita, por via subsidiária, ao Regime do Setor Empresarial do Estado, previsto no Decreto-Lei com o n.º 133/2013, de 03 de Outubro;
P. Este enquadramento assume particular relevância, na medida em que impõe à Recorrida, nos termos do artigo 266.º, n.º 1 e 2 da CRP, uma atuação subordinada à promoção do interesse público, bem como à Constituição e à lei e devem atuar, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé;
Q. Conforme foi dado como assente pelo Tribunal a quo, a Recorrida tem a seu cargo a gestão, por via de consagração nos seus estatutos, bem como por via de instrumentos legislativos de delegação de competências um conjunto de equipamentos que se encontram sob domínio Municipal;
R. Nesta senda, o artigo 235.º da CRP estabelece que a organização democrática do Estado compreende a existência de autarquias locais, que são pessoas coletivas territoriais dotadas de órgãos representativos, que visam a prossecução de interesses próprios das populações respetivas;
S. Na esteira daquela norma, as autarquias locais têm como objetivo constitucionalmente traçado a prossecução de interesses próprios das populações respetivas;
T. Partindo deste enquadramento, o entendimento do Recorrente não tem qualquer apego à normatividade e à juridicidade vigente, quando advoga que a atuação da Recorrida constitui uma violação ao artigo 7.º da Lei do Património Cultural, aos artigos 54.º e 55.º da Lei Quadro dos Museus, bem como que tal violação, decorra de uma grosseira violação dos artigos 45.º e 46.º, n.º 1, alíneas a) e b) da Lei 50/2012, de 31 de Agosto;
U. Adicionalmente, cumpre esclarecer que a Lei 50/2012, de 31 de Agosto, se destina a regular a atuação das empresas locais, cujo escopo se reconduz a duas grandes áreas de atuação – máxime artigo 20.º, n.º 1 daquela Lei.
V. Partindo deste ponto, encontra-se expressamente previsto na alínea b), do n.º 1 do artigo 46.º daquela Lei que, assiste à Recorrida a possibilidade de “promover o acesso, em condições financeiras equilibradas, da generalidade dos cidadãos a bens e serviços essenciais, procurando adaptar as taxas e as contraprestações devidas às reais situações dos utilizadores, à luz do princípio da igualdade material”.
W. E foi isso que efetivamente a Recorrida fez, de acordo com os termos da lei e com as atribuições que lhe foram conferidas nos seus estatutos constitutivos.
X. Termos em que, também neste ponto, deverão improceder os argumentos invocados pela Recorrente, sendo negado provimento ao recurso e mantida na ordem jurídica a sentença proferida pelo Tribunal a quo.
Y. Por fim, a Recorrente invoca uma alegada violação, por parte da Recorrida, do artigo 25.º do Regime jurídico do património imobiliário público (Decreto-Lei n.º 280/2007, de 7 de Agosto).
Z. No cerne da mobilização deste novo argumento está o fato de a Recorrente considerar que os bens geridos pela Recorrida, por se encontrarem integrados no domínio público indisponível do Estado, não lhes poderão ser associadas condições de acesso e de fruição que sejam discriminatórias.
AA. A mobilização deste argumento não tem como finalidade sindicar a sentença proferida pelo Tribunal a quo, mas antes, o ato administrativo de fixação do preçário de acesso aos museus e monumentos geridos pela Recorrida.
BB. Pelo que, no entender da Recorrida, não poderá o Tribunal Central Administrativo Sul reconhecer e apreciar tais argumentos.
CC. Neste sentido, veja-se o Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo, em 15.03.2007, no âmbito do processo com o número 0209/05, nos termos do qual se considerou que “O objecto do recurso jurisdicional é a sentença recorrida e não o acto administrativo sobre que esta se pronunciou, o que obriga o Recorrente a demonstrar nas alegações e conclusões do recurso o desacerto daquela sentença, indicando as razões que o levam a concluir pela sua anulação ou alteração. Se o não fizer, e se se limitar a repetir os argumentos que o levaram a impugnar o acto recorrido, o recurso terá, fatalmente, de improceder”.
DD. Não obstante, e apenas por mera cautela de patrocínio, sobre tais argumentos entende a Recorrida que os mesmos carecem totalmente de fundamento.
EE. Efetivamente, no que ao artigo 25.º do Decreto-Lei n.º 280/2007, de 7 de Agosto diz respeito, o mesmo estipula que “1) Os bens do domínio público podem ser fruídos por todos mediante condições de acesso e de uso não arbitrárias ou discriminatórias, salvo quando da sua natureza resulte o contrário; 2) O uso comum ordinário dos imóveis do domínio público é gratuito, salvo disposição em contrário nos casos em que o aproveitamento seja divisível e proporcione vantagem especial”.
FF. No entanto, o Recorrente, de forma habilidosa, apenas invoca o número um daquele preceito, procurando induzir uma sobreposição entre o estatuto dominial de um determinado imóvel e a sua respetiva classificação cultural.
GG. Por outras palavras, os equipamentos atualmente geridos pela Recorrida, para além de serem ou propriedade do Município de Lisboa ou do Estado (mas sob gestão municipal), sem prejuízo de alguns se encontrarem classificados com interesse nacional ou interesse público, tal classificação não está relacionada com o estatuto dominial desses imóveis.
HH. Em última análise, o sentido argumentativo que o Recorrente atribui ao artigo 25.º do Decreto-Lei 280/2007, a ser aplicado em toda a linha, levaria a que a Direção Geral do Património Cultural, cujas atribuições e competências encontram-se definidas no Decreto-Lei n.º 115/2012, de 25 de Maio, não pudesse cobrar qualquer montante pelo ingresso devido pelo acesso aos imóveis e bens culturais que se encontram sob a sua gestão, e cujo preçário se encontra taxativamente previsto no Despacho n.º 8030/2023, de 4 de Agosto.
II. Acresce que, um entendimento contrário a esta posição, como aquela que é advogada pelo Recorrente, distancia-se totalmente, no entendimento da Recorrida, da promoção do interesse público constitui um dos princípios enformadores do poder administrativo, erigido em princípio constitucional no artigo 266.º, n.º 1 da CRP.
JJ. Mas se aquele preceito afirma a subordinação da administração a uma atuação conforme o interesse público, não será menos verdade que a mesma se encontra limitada à própria letra da lei, que funciona simultaneamente como ponto de partida e limite de interpretação, sendo-lhe assinalada uma dimensão negativa que é a de eliminar tudo quanto não tenha qualquer apoio ou correspondência ao menos imperfeita no texto. (vide Acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul, no âmbito do processo com o número 02086/04.0BEPRT, de 30.03.2006).
KK. Desta forma, em momento algum a Recorrida, como bem entendeu o Tribunal a quo, agiu ao arrepio de qualquer preceito constitucional e legal.
LL. Assim, não se verificando nos termos n.º 1 do artigo 120.º do CPTA, que existisse fundamento legal para o decretamento da providência cautelar Recorrida pelo Recorrente, na medida em que atenta à ponderação perfunctória, sumária e verosímil da violação do direito/ilegalidade invocadas pelo Recorrente, não verificou o Tribunal a quo qualquer indício probabilístico de que a ação principal apresentada pelo Recorrente pudesse vir a ser julgada procedente.
MM. Concluindo, e tendo por base o acima exposto, constata-se que os argumentos mobilizados pela Recorrente não apresentam qualquer sustentação legal nas normas aplicáveis;
NN. Assim, não pode deixar de improceder o recurso agora interposto pela Fazenda Pública, mantendo-se a sentença recorrida nos termos em que a mesma foi proferida.».
O Tribunal a quo admitiu o recurso, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
Foi proferido despacho por este Tribunal notificando as partes para se pronunciarem, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 120.º do CPTA, quanto a mostrar-se suficiente para o efeito pretendido pelo Requerente adotar apenas a primeira parte da providência requerida.
A Recorrida, reiterando pela improcedência do recurso, expendeu que passar a atribuir visitas gratuitas universalmente a todos poderá culminar com o fim da visitação dos referidos monumentos e equipamentos. O Recorrente veio dizer que nada tem a opor a que seja apenas determinada a ordem de cessação da discriminação em função da residência, que a Requerida aplica no acesso a móveis e imóveis classificados de interesse nacional ou público sob a sua gestão.
Prescindindo-se dos vistos legais, atento o carácter urgente do processo, mas com envio prévio do projeto de acórdão aos juízes desembargadores adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.
2. Delimitação do objeto do recurso
Considerando que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação dos apelantes, cumpre a este Tribunal apreciar se a sentença recorrida padece de erro de julgamento de direito quanto a julgar não verificado o requisito de adoção da providência cautelar correspondente ao fumus boni iuris.
3. Fundamentação de facto
3.1. Na decisão recorrida foi julgada indiciariamente provada a seguinte factualidade:
«Com interesse para a decisão da causa, julgam-se indiciariamente provados os seguintes factos:
A) A Entidade Requerida é uma pessoa coletiva de direito privado sob a forma de sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos, de responsabilidade limitada, com natureza municipal, constituída pelo Município de Lisboa, que goza de personalidade jurídica e é dotada de autonomia administrativa, financeira e patrimonial (cf. documento n.° 1, junto com o requerimento inicial).
B) Em 14.03.2023, o Ministério Público junto do Departamento Central de Contencioso do Estado e Interesses Coletivos e Difusos, emitiu o ofício n.° 85/2023, dirigido ao presidente do Conselho deAdministração da EGEAC, com o assunto «Legalidade da discriminação dos preços de ingressos nos museus e monumentos nacionais em Lisboa», com o seguinte teor:
«(…)
Tenho a honra de notificar V. ExA do despacho por nós proferido (cuja cópia se anexa), solicitando seja o mesmo havido como requerimento para a EGEAC, em 30 dias, tomar acção no sentido de cessar a prática que se reputa de injustificadamente discriminatória dos cidadãos em razão do local da residência, para o acesso aos museus e monumentos nacionais sob sua alçada, designadamente estendendo a isenção em causa a todos os cidadãos residentes em território nacional, aos domingos e feriados até às 14H00, como sucede com os demais museus e monumentos nacionais, nomeadamente os sob a égide da DGPC (artigo 13.°, n.° 1 do Código de Processo Administrativo). Sem prejuízo do que venha a ser a atitude da EGEAC, sempre nos deverá ser facultada informação detalhada sobre a fonte do preçário/descontos/isenções nos museus e monumentos sob sua alçada, nomeadamente as que determinaram as discriminações resultantes da residência em Lisboa, com remessa de documentação/despachos/tabelas/actos administrativos que tal o determinaram.» (cf. documento n.° 4, junto com o requerimento inicial).
C) Em 23.03.2023, em resposta ao solicitado na alínea anterior, o Conselho de Administração da Entidade Requerida, através de ofício dirigido ao Ministério Público junto do Departamento Central de Contencioso do Estado e Interesses Coletivos e Difusos, comunicou o seguinte:
«(…)
1. A EGEAC - Empresa de Gestão de Equipamentos e Animação Cultural, E.M., S.A., (adiante dita apenas EGEAC) é uma empresa de natureza municipal, integralmente constituída pelo Município de Lisboa, que se rege pelo regime jurídico da atividade empresarial local e das participações locais, pela lei comercial, pelos seus estatutos e, subsidiariamente, pelo regime do setor empresarial do Estado, sem prejuízo das normas imperativas neste previstas.
2. A EGEAC é uma empresa local de gestão de serviços de interesse geral que tem por objeto exclusivo assegurar a universalidade, a continuidade dos serviços prestados e a coesão económica e social local na área da cultura, através da gestão de equipamentos culturais e de atividades de promoção de projetos e iniciativas no domínio da cultura.
3. A EGEAC tem por missão, nos termos dos seus estatutos, promover o acesso diversificado e qualificado aos bens e serviços de cultura, estimular a criação artística, valorizar o património cultural, incentivar o acréscimo e formação de públicos, bem como potenciar o diálogo entre a Cidade e os seus diversos públicos, locais, nacionais e internacionais, contribuir para o desenvolvimento do turismo cultural, promover uma cultura de rede entre os equipamentos e espaços que tutela e entre estes e as instituições congéneres de Lisboa.
4. Neste âmbito, a EGEAC assegura a promoção integrada e participada dos equipamentos do Município de Lisboa cuja gestão lhe foi cometida, nos quais se incluem, entre outros, o Castelo de São Jorge e a Casa Fernando Pessoa, equipamentos identificados na notificação em análise.
5. Os museus e monumentos que a Câmara Municipal de Lisboa confiou à EGEAC são monumentos e museus de natureza municipal ou que se encontram sob gestão municipal.
6. Nos termos definidos no artigo 15.° da Lei n.° 107/2001, de 08 de setembro - Lei de Bases do Património Cultural - consideram-se de interesse municipal os bens cuja proteção e valorização, no todo ou em parte, representem um valor cultural de significado predominante para um município.
7. De natureza diferente encontram-se os museus e monumento nacionais, que, nos termos do mesmo artigo 15.° da Lei n.° 107/2001, de 08 de setembro - Lei de Bases do Património Cultural - representam um valor cultural de significado para a Nação.
8. Os bens imóveis de interesse nacional encontram-se sob tutela direta da Direção Geral do Património Cultural, organismo da administração central.
9. Nestes equipamentos culturais, classificados de interesse nacional, os valores de ingresso e as isenções e descontos encontram-se fixados no Despacho n.° 6474/2014, de 19 de maio de 2014, alterado pelo Despacho n.° 5401/2017, de 21 de junho.
10. O Despacho n.° 6474/2014, de 19 de maio de 2014, alterado pelo Despacho n.° 5401/2017, de 21 de junho, não é aplicável aos equipamentos que se encontram sob gestão da EGEAC, o que se pode constatar pelo sua não identificação nominativa neste Despacho, não se encontrando assim vinculada a EGEAC ou a Câmara Municipal de Lisboa ao seu cumprimento.
Por outro lado, cumpre ainda destacar que:
11. Nos termos do Regime Jurídico das Autarquias Locais - RJAL - artigo 2.° do Anexo I, constituem atribuições das autarquias locais a promoção e salvaguarda dos interesses próprios das respetivas populações.
12. E a Constituição da República Portuguesa esclarece, no seu artigo 6.°, que o Estado é unitário e respeita a autonomia insular e os princípios da subsidiariedade, e da autonomia das autarquias locais.
13. O artigo 238.° (Património e finanças locais) da Constituição da República Portuguesa estabelece ainda que as autarquias locais têm património e finanças próprios e que as receitas próprias das autarquias locais incluem obrigatoriamente as provenientes da gestão do seu património e as cobradas pela utilização dos seus serviços.
14. Das normas referidas expressamente em 11., 12. e 13. supra decorre que a adoção de medidas de discriminação positiva pelo setor local em prol dos interesses próprios da população residente na respetiva circunscrição concelhia, não viola forçosamente o princípio da igualdade ou ofende a Constituição da República Portuguesa, na medida em que igualdade não corresponde necessariamente a uniformidade.
15. Ainda no que à EGEAC respeita cumpre salientar que esta celebra anualmente com a Câmara Municipal de Lisboa um contrato programa, precisamente tendo em conta que esta empresa municipal tem a obrigação de prestar um serviço público na sua relação com os munícipes, devendo ser financeiramente compensada por essa obrigação, por forma a não colocar em causa o equilíbrio financeiro da empresa.
16. O referido contrato programa tem um valor variável, de ano para ano, e é este o mecanismo legal de transferência de verba do orçamento municipal para a EGEAC, por forma a compensar a empresa peia prestação de serviço público, necessariamente sem a preocupação de obter lucro na gestão do conjunto dos equipamentos culturais que lhe foram entregues peia Câmara Municipal de Lisboa.
17. O subsídio à exploração da EGEAC, veiculado através do referido contrato-programa celebrado com a Câmara Municipal de Lisboa, é integralmente suportado peio orçamento municipal.
18. O orçamento municipal é financiado por receitas correntes do Município de Lisboa que integram impostos diretos cobrados no concelho de Lisboa e é o valor destes impostos que suporta o financiamento de todas as empresas municipais do Município de Lisboa, entre as quais se inclui a EGEAC.
19. Os encargos com a gestão, funcionamento e manutenção dos museus e monumentos sob administração da EGEAC são assim suportados por recursos financeiros provenientes de impostos municipais cobrados no concelho de Lisboa, motivo pelo qual os residentes na cidade já contribuem de forma direta e considerável para a gestão e conservação daqueles equipamentos culturais, encontrando-se por isso numa situação objetiva particular, diferente da generalidade dos cidadãos que o visitam.
20. Não se afigura, pois, no nosso entender, violadora do princípio da igualdade a discriminação positiva dos residentes em Lisboa no preçário e respetivo acesso aos domingos e feriados até às 14h00 aos museus e monumentos cuja gestão cabe à EGEAC por atribuição da Câmara Municipal de Lisboa, com a qual celebra anualmente contrato-programa de subsídio à exploração.
21. Face ao supra exposto, considera a EGEAC não existir fundamento para que se considere uma prática discriminatória injustificada dos cidadãos em razão do locai da residência a isenção de acesso aos museus e monumentos municipais, aos domingos e feriados até às 14H00, dos munícipes de Lisboa.» (cf. documento n.2 5, junto com o requerimento inicial).
D) Em 27.03.2023, o Ministério Público junto do Departamento Central de Contencioso do Estado e Interesses Coletivos e Difusos, emitiu o ofício n.2 94/2023, dirigido ao presidente do Conselho de Administração da EGEAC, com o seguinte teor:
«(…)
Tenho a honra de acusar o recebimento do V. ofício n.° EXC23-01000023, de 23/03/2023, muito agradecendo o posicionamento assumido - embora com o qual se não possa conceder, desde logo quanto ao argumento orçamental, dado que o município de Lisboa integra transferências do Estado Português, produto dos impostos cobrados a nível nacional, permanecendo por antever a não extensão da discriminação positiva a todos os cidadãos residentes em território nacional.
Sem prejuízo de qual venha ser a melhor solução do caso, venho por esta forma solicitar a resposta ao segundo ponto da nossa solicitação, ou seja, informação detalhado relativa a actos administrativos fonte do preçário/descontos/isenções praticados nos museus e monumentos nacionais sob sua alçada, com remessa da documentação/despachos/tabelas que assim o determinem, sejam da EGEAC, sejam dos concretos museus e monumentos nacionais em causa. (...)» (cf. fls. 12 do PA, de fls. 145 a 172 dos autos).
E) Em 04.04.2023, em resposta ao solicitado na alínea anterior, o Conselho de Administração da Entidade Requerida, através de ofício dirigido ao Ministério Público junto do Departamento Central de Contencioso do Estado e Interesses Coletivos e Difusos, comunicou o seguinte:
«(…)
1. Importa, desde logo, reiterar que:
a) A EGEAC - Empresa de Gestão de Equipamentos e Animação Cultural, E.M., S.A., (adiante dita apenas EGEAC) é uma empresa de natureza municipal, integralmente constituída pelo Município de Lisboa;
b) A EGEAC assegura a promoção integrada e participada dos equipamentos do Município de Lisboa cuja gestão lhe foi cometida por este;
c) Os museus e monumentos que a Câmara Municipal de Lisboa confiou à EGEAC são monumentos e museus de natureza municipal ou que se encontram sob gestão municipal;
d) À EGEAC não é aplicável os valores de ingresso e as isenções e descontos fixados no Despacho n.° 6474/2014, de 19 de maio de 2014, alterado pelo Despacho n.° 5401/2017, de 21 de junho, que se aplica única e exclusivamente aos monumentos nacionais tutelados pela DGPC- Direção Geral do Património Cultural, organismos da administração central;
e) O Despacho n.° 6474/2014, de 19 de maio de 2014, alterado pelo Despacho n.° 5401/2017, de 21 de junho, não se aplica assim aos museus e monumentos municipais ou sob gestão municipal, independentemente do município em que se localizam, que dispõem de autonomia na gestão destes equipamentos.
2. A distinção entre museus e monumentos nacionais e municipais ou sob gestão municipal também se encontra refletida, por exemplo, na Lei n.° 75-B/2020, de 31 de dezembro (Orçamento Estado 2021), no seu artigo 254.° (Alargamento da gratuitidade da entrada nos museus, palácios e monumentos nacionais aos domingos e feriados), que se reproduz:
1 - Em 2021, o Governo adota as medidas necessárias ao alargamento da gratuitidade da entrada em todos os museus, palácios e monumentos nacionais sob tutela da administração central, aos domingos e feriados para todos os cidadãos residentes em território nacional.
3. Quanto ao argumento orçamental apresentado anteriormente pela EGEAC no Ofício EXS23- 01000023, de 23 de março, o qual aqui se considera integralmente por reproduzidos para todos os efeitos legais, cumpre clarificar o seguinte:
a) A lei n.° 73/2013, de 3 de setembro, na sua redação atual, estabelece o regime financeiro das autarquias locais e entidades intermunicipais;
b) Nos termos da al. c) do n.° 2 do artigo 3° da referida Lei, a atividade financeira das autarquias locais desenvolve-se com respeito, entre outros, do princípio da autonomia financeira, de acordo com o qual estas têm património e finanças próprios, cuja gestão compete aos respetivos órgãos (cf. o seu artigo 6.°);
c) As receitas municipais encontram-se elencadas no artigo 14.° da mesma Lei, sendo de destacar a sua al. g), que prevê que o produto da participação nos recursos públicos é determinado nos termos do disposto nos seus artigos 25.° e seguintes;
d) Os artigos 25.° e seguintes da Lei n.° 73/2013, de 3 de setembro, regulam a repartição de recursos públicos entre o Estado e os municípios e estabelece formas de participação;
e) Da leitura dos referidos artigos, constata-se, pois, que do Orçamento Geral do Estado revertem para os municípios, em cada ano, uma participação de 5% no IRS dos sujeitos passivos com domicílio fiscal na respetiva circunscrição territorial e uma participação de 7.5% na receita do IVA cobrado aos setores do alojamento, restauração, comunicações, eletricidade água e gás liquidado na respetiva circunscrição territorial (cf. alíneas c) e d) do n.° 1 do artigo 25.° e artigos 26.° e 26.°-A da Lei n.° 73/2013, de 3 de setembro);
f) Verifica-se, assim, que as transferências anuais dos recursos públicos do Estado para os municípios integram receitas de imposto geradas exclusivamente pelos sujeitos e setores de atividade da circunscrição territorial de cada município.
4. Importa ainda referir a Lei n.° 75/2013, de 12 de setembro, na sua redação atual, que estabelece, entre outros, o regime jurídico das autarquias locais, prevê que constituem atribuições das autarquias locais a promoção e salvaguarda dos interesses próprios das respetivas populações, designadamente nos domínios referidos no n.° 2 do artigo 7.° e no n.° 2 do artigo 23.°, nos quais se inclui os domínios do património e da cultura.
5. Afigura-se, assim, em nosso entender, como legitima a isenção dos residentes do município de Lisboa no acesso aos domingos e feriados até às 14h00 nos museus e monumentos cuja gestão cabe à EGEAC por atribuição da Câmara Municipal de Lisboa e com a qual esta empresa municipal celebra anualmente contrato-programa de subsidio à exploração.
6. Esta é uma prática, aliás, também verificada noutros Municípios do país.
7. Quanto ao preçario/descontos/isenções praticados nos museus e monumentos municipais ou sob gestão municipal sob alçada da EGEAC junto se anexam as respetivas tabelas em prática (Anexo I) e que serviram de base à elaboração anual dos IGP - PAO (Plano de Atividades e Orçamento) da empresa. Face ao supra exposto, considera a EGEAC não existir uma prática discriminatória na isenção de acesso aos museus e monumentos municipais, aos domingos e feriados até às 14H00, dos munícipes de Lisboa» (cf. 13 a 15, do PA, de fls. 145 a 172 dos autos).
F) Em anexo ao ofício referido na alínea anterior, foi remetido o «preçário EGEAC 2023», no qual consta o seguinte:
«(…)
ATELIER-MUSEU JÚLIO POMAR
Bilhete normal: 2€
Reduções:
19 - 25 anos (residentes em Lisboa): 1€
13 - 25 anos (não residentes em Lisboa): 1€
+- 65 anos (não residentes em Lisboa): 1,70€
Pessoas com deficiência: 1,70€
Entrada gratuita:
Até aos 12 anos
13 -18 anos (residentes em Lisboa)
+ 65 anos (residentes em Lisboa)
Residentes em Lisboa aos domingos e feriados, das 10h às 13h
Acompanhantes de pessoa com deficiência Estudantes de História de Arte, Belas Artes, Arquitetura Desempregados (residentes em Lisboa)
EGEAC e CML + 1 acompanhante Profissionais de turismo em exercício de funções Jornalistas em exercício de funções Investigadores, Professores Membros APOM | ICOM | AICA
Fundação Júlio Pomar (M.O.S.), Mecenas Institucionais Protocolos e parcerias público-privadas Visitas guiadas:
Estabelecimentos de ensino (5/28 alunos): 2€ por turma Privados (mais de 5 participantes): 3€ por pessoa
2. MUSEU DO ALJUBE RESISTÊNCIA E LIBERDADE
Bilhete normal: 3€
Reduções:
13 - 25 anos (não residentes no concelho de Lisboa): 1,5€
+ 65 anos: 15% (não residentes no concelho de Lisboa); 2,60€
Pessoas com deficiência
Protocolos e parcerias público-privadas: até 20%
Entrada gratuita:
Até aos 12 anos
13-18 anos (residentes em Lisboa)
+ 65 anos (residentes em Lisboa)
Acompanhantes de pessoa com deficiência Membros APOM | ICOM Membros do Conselho Consultivo do Museu do Aljube Resistência e Liberdade Investigadores, Professores, Jornalistas e Profissionais de Turismo EGEAC e CML +1 acompanhante
Frequentadores do Centro de Documentação e Biblioteca Mecenas Institucionais
Domingos e feriados até às 14h (residentes no concelho de Lisboa)
18 de maio (Dia Internacional dos Museus) e 25 de Abril Visitas orientadas ao museu dirigidas à comunidade em geral Públicos escolares
3. MUSEU BORDALO PINHEIRO
Bilhete normal: 3€
Reduções:
13-25 anos (não residentes no concelho de Lisboa): 1,50€
Igual ou + 65 anos (não residentes no concelho de Lisboa): 2,60€
Pessoas com deficiência: 2,60€
Portadores do Lisboa Card: 2,40€
Entrada gratuita:
Até aos 12 anos
13 -18 anos (residentes no concelho de Lisboa)
+ 65 anos (residentes no concelho de Lisboa)
EGEAC e CML +1 acompanhante Acompanhantes de pessoa com deficiência
Professores, Jornalistas e Profissionais de Turismo no desempenho das suas funções Membros APOMIICOM
Investigadores, Professores Mecenas institucionais Desempregados (residentes no concelho de Lisboa)
18 de maio (Dia Internacional dos Museus)
Domingos e feriados até às 14h (residentes no concelho de Lisboa)
Conversas, tertúlias e outros Públicos escolares: visitas guiadas Atividades educativas (Oficinas)
Os preços variam entre os 2 € e os 5 € por participantes.
O público sénior tem direito ao desconto de 2 €
Visita guiada público em geral: 4€ (podem aplicar-se descontos)
ATL crianças: 2€
4. MUSEU DO FADO
Bilhete normal: 5 €
Reduções:
13-25 anos: 2,5€
+ 65 anos: 4,30€ (não residentes no concelho de Lisboa)
Pessoas com deficiência: 4,30€
Portadores do Lisboa Card: 4€
Crianças portadoras do Lisboa Card: 2€
Portadores de bilhetes Carristoun 3,50€
Entrada gratuita:
Até aos 12 anos
Residentes no concelho de Lisboa: 13-23 anos e + 65 anos
Outros residentes no concelho de Lisboa: domingos e feriados até às 14h
Profissionais de Turismo, Investigadores e Professores
Membros APOM | ICOM
18 de maio (Dia Internacional dos Museus)
Acompanhantes de pessoas com deficiência
Atividades educativas
Visita guiada com atuação musical: 5 €
Visitas com atividades:
Público-alvo: Alunos do 1.°, 2.° e 3.° Ciclos do Ensino Básico (ó -15 anos): 3 €
Público-alvo: Alunos do Io Ciclo do Ensino Básico (6-10 anos): 5 € Público-alvo; Alunos do Io Ciclo do Ensino Básico (6 -10 anos): 3 €
5. MUSEU DA MARIONETA Bilhete normal: 5 €
Reduções:
13 - 25 anos: 2,5€
+ 65 anos, residentes fora do concelho de Lisboa: 4,30€
Protocolos e parcerias; até 20%
Entrada gratuita:
Residentes no concelho de Lisboa, domingos e feriados até às 14h Desempregados residentes no concelho de Lisboa Até aos 12 anos
13-18 anos, residentes em Lisboa
+ 65 anos, residentes em Lisboa
Membros APOM | ICOM
EGEAC e CML + 1 acompanhante
Acompanhantes de pessoa com deficiências
Profissionais de Turismo, Investigadores, Jornalistas e Professores
Espetáculos
Bilhete inteiro: 7,5 €
Crianças, profissionais de espetáculo, estudantes até 25 anos, + 65 anos: 5 € Grupos escolares, durante a semana: 3 €
Nota: O preço dos espetáculos pode variar Atividades educativas
Visitas escolares: 1,50€ por pessoa
Visitas jogo: 2,50€ por pessoa
Oficinas: 3€ a 5 € por pessoa
Manhãs criativas: 6€ (Atividade de família 1 adulto +1 criança)
Formação de professores: 10€ por pessoa
6. CASA FERNANDO PESSOA Bilhete normal: 5 €
Reduções:
13 - 25 anos: 2,50 €
+ 65 anos: 4,30 €
Pessoas com deficiência: 4,30€
Entrada gratuita:
Até aos 12 anos
Acompanhantes de pessoas com deficiência
Profissionais de Turismo, Jornalistas, Investigadores e Professores
Membros APOM / ICOM
Mecenas Institucionais
EGEAC e CML + 1 acompanhante
Residentes no concelho de Lisboa:
Domingos e feriados até às 14h Até aos 18 anos + 65 anos Desempregados Visitantes biblioteca
Atividades educativas Grupos escolares: 2 €
Visitas orientadas (não escolar): 6 €
Percursos no exterior (grupos escolares): 4 €
Percurso no exterior (não escolar): 6 €
Percurso no exterior + visita CFP (grupos esc.): 5€
Percurso no exterior + visita CFP (não escolar): 10 €
Oficinas na CFP: 3€
Oficinas no exterior: 4 €
Oficinas família (criança): 5 €
Oficinas família (adulto): 6 €
Oficinas férias (dia): 14 €
Oficinas férias coletivos (1/2 dia): 4 €
Visitas orientadas Universidades Seniores: 3 €
7. MUSEU DE LISBOA
Palácio Pimenta Santo António / Teatro Romano / Casa dos Bicos / Torreão Poente (encerrado temporariamente)
Bilhete normal:
Palácio Pimenta, Santo António, Teatro Romano: 3 €
Palácio Pimenta + Santo António + Teatro Romano + Casa dos Bicos (bilhete único): 6 €
Reduções:
13 - 25 anos: 1,5€
+ 65 anos não residentes no concelho de Lisboa: 2,60€
Pessoas com deficiência: 2,60 €
Entrada gratuita:
Casa dos Bicos (piso 0, núcleo arqueológico)
Até aos 12 anos
13-18 anos, residentes no concelho de Lisboa
+ 65 anos, residentes no concelho de Lisboa
Domingos e feriados até às 14h (residentes no concelho de Lisboa)
Profissionais do Turismo, Jornalistas, Investigadores e Professores Membros APOM | ICOM Mecenas institucionais
Desempregados (residentes no concelho de Lisboa)
Dias 18 de maio e 13 de junho
AICA (apenas no Palácio Pimenta e Torreão Poente)
Arqueólogos (apenas no Teatro Romano)
EGEAC e CML + 1 acompanhante
Passe Cultura: jovens até 23 anos e + 65 anos, residentes no concelho de Lisboa
Atividades educativas
Visitas guiadas: 3€ (grátis para escolas)
Férias no Museu (6 -14 anos): 75€/5 dias ou 18€/1 dia Oficinas: 3€ (grátis para escolas)
Conversas e tertúlias: grátis
Atividades de animação com convidados externos ao Museu (espetáculos, concertos, peças de teatro, oficinas, cinema, etc.): preço variável
8. GALERIAS MUNICIPAIS
Pavilhão Branco | Galeria Quadrum | Galeria da Boavista | Cordoaria Nascente | Avenida da Índia. Entrada gratuita em todos os espaços
9. CASTELO DE SÃO JORGE Bilhete individual: 15 €
Reduções:
13 - 25 anos: €7,50 + 65 Anos: €12,50 Pessoas com deficiência: €12,50 Entrada gratuita:
Até aos 12 anos
Acompanhantes de pessoas com deficiência EGEAC e CML + 1 acompanhante Até aos 12 anos
Residentes no concelho de Lisboa Profissionais de turismo em exercício de funções Jornalistas em exercício de funções Escolas do concelho de Lisboa
Grupos escolares de fora do concelho de Lisboa com alunos até aos 12 anos Passaporte escolar
Estatuto de antigo combatente, mediante apresentação de cartão de combatente Membros APAC | APOM | ICOM | ICOMOS Bilhete grupo com descontos:
Operadores turísticos: 15 €
Atividades de família: 4€
Grupos escolares com marcação prévia: 3,50 €
Grupos escolares de fora do concelho de Lisboa: 1,50 €
10. PADRÃO DOS DESCOBRIMENTOS
Bilhete completo (exposição, filme e miradouro): 10 €
Reduções para bilhete completo:
13 - 25 anos: 5 €
+ 65 anos: 8,50 €
Pessoas com deficiência: 8,50€
Portadores do cartão Lisboa Card: 8,30€
Bilhete exposição temporária: 5 €
Reduções para visita de exposição:
13-25 anos: 2,50€
+ 65 anos; 4,30€
Pessoas com deficiência: 4,30€
Portadores do Lisboa Card: 4,20€
Reduções:
13 - 25 anos + 65 anos
Pessoas com deficiência
Protocolos e parcerias Entrada gratuita:
Domingos e feriados até às 14h (residentes no concelho de Lisboa)
Passe Cultura (residentes no concelho de Lisboa):
até 23 anos e + 65 anos
Até aos 12 anos (exceto em contexto escolar)
Acompanhantes de pessoa com deficiência
Profissionais de Turismo, Jornalistas, Investigadores e Professores Membros APOM | ICOM | ICOMOS EGEAC e CML + 1 acompanhante Visitas guiadas:
3.° Ciclo, Ensino Secundário, todos os públicos: 2 €
Oficinas
Todos os públicos, famílias, pré-escolar, 1.° Ciclo, 2.° Ciclo, 1.° Ciclo, 2° Ciclo, 3.° Ciclo, Ensino Secundário: preços variáveis: 1,5€ a 2,5€/pessoa» (cf. fls. 16 a 22 do PA, de fls. 145 a 172 dos autos).
G) Em 07.07.2023, o Ministério Público junto do Departamento Central de Contencioso do Estado e Interesses Coletivos e Difusos, emitiu o ofício n.º 166/2023, dirigido ao presidente do Conselho de Administração da EGEAC, com o seguinte teor:
«(…)
Agradecendo os elementos remetidos em Abril último, e relativamente ao PREÇÁRIO EGEAC 2023, venho a solicitar a V. Ex.a nos seja informado da existência de despacho ou decisão que esteve na base da elaboração do mesmo, ou que o haja aprovado, caso em que se solicita cópia do mesmo.» (cf. fls. 23 do PA, de fls. 145 a 172 dos autos).
H) Em 21.07.2023, em resposta ao solicitado na alínea anterior, o Conselho de Administração da Entidade Requerida, através de ofício dirigido ao Ministério Público junto do Departamento Central de Contencioso do Estado e Interesses Coletivos e Difusos, comunicou o seguinte:
«(…)
a) A EGEAC - Empresa de Gestão de Equipamentos e Animação Cultural, E.M., S.A., (adiante dita apenas EGEAC) é uma empresa de natureza municipal, integralmente constituída pelo Município de Lisboa.
b) À EGEAC, para além dos seus estatutos, aplica-se o regime jurídico da atividade empresarial local e das participações locais aprovado pelo Lei n.° 50/2012, de 31 de agosto.
c) De acordo com o referido regime, a prestação de serviços de interesse geral pelas empresas locais e os correspondentes subsídios à exploração dependem da prévia celebração de contratos-programa com
as entidades públicas participantes, os quais são aprovados pelo órgão deliberativo, sob proposta do respetivo órgão executivo.
d) No caso concreto da EGEAC, o contrato-programa anualmente celebrado com o Município de Lisboa fixa o montante do subsídio à exploração a atribuir conforme a demonstração financeira que integra os Instrumentos de Gestão Previsional, que considera, entre outras, as receitas expetáveis provenientes da cobrança de bilhetes de ingresso nos equipamentos culturais sob sua gestão, tendo como base os respetivos preços normais e os descontos aplicáveis.
e) Os Instrumentos de Gestão Previsional de 2023 da EGEAC foram aprovados pelo órgão executivo do Município de Lisboa em 30 de novembro de 2022 e pelo órgão deliberativo em 7de dezembro de 2022.» (cf. fls. 24 e 25 do PA, de fls. 145 a 172 dos autos).
I) Em anexo ao ofício referido na alínea anterior, foi remetido um documento no qual consta, além do mais, o seguinte:
«(…)
No 19 do mês de maio de dois mil e vinte e três, peias 14 horas, na sede da EGEAC - Empresa de Gestão de Equipamentos e Animação Cultural, E.M., S.A. (adiante dita apenas EGEAC), sita na Avenida Engenheiro Duarte Pacheco, 26, 4° piso, 1170-110 Lisboa, com o capital social de quatrocentos e quarenta mil novecentos e dezoito euros e dez cêntimos, registada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa sob o número único de pessoa coletiva e matricula número 503584215, reuniu a Assembleia-Geral da EGEAC, com a presença do Presidente da Mesa, J…, da Secretária, P…, e do único acionista, o Município de Lisboa, representado pelo Senhor Vereador com o Pelouro da Cultura, D…, designado nos termos do previsto no n.° 2 do artigo 26° da Lei n.° 50/2012, de 31 de agosto, e conforme a Deliberação n.° 490/CM/2022, tomada em reunião de Câmara Extraordinária de 27 de julho de 2022.
O representante do único acionista - o Município de Lisboa - manifestou vontade de constituir a presente Assembleia Geral com dispensa das formalidades prévias, nos termos do n° 1 do artigo 54° do Código das Sociedades Comerciais, para deliberar sobre a seguinte Ordem de Trabalhos:
(...)
Ponto Dois: Validação dos preços de bilhética praticados nos equipamentos sob gestão da EGEAC;
(. )
No que respeita ao Ponto Dois da Ordem de Trabalhos, o representante do único acionista votou favoravelmente a validação dos preços dos ingressos em vigor nos equipamentos sob gestão da EGEAC conforme consta do documento que se apensa à presente ata, devidamente rubricado por todos os presentes e que aqui se dá por integralmente por reproduzido para todos os efeitos. Os preçosconstantes deste documento estão refletidos nas demonstrações financeiras para 2023 que integram os IGP's 2023 da empresa e aprovados pela presente assembleia geral em vinte e três de dezembro de 2022.» (cf. fls. 26 do PA, de fls. 145 a 172 dos autos).
3.2. Quanto aos factos não provados consignou-se na sentença recorrida:
“Não existem factos relevantes para a decisão da presente providência cautelar que devam ser considerados como não provados.”
3.3. Foi a seguinte a motivação da decisão quanto à matéria de facto:
“A convicção do Tribunal baseou-se na análise do teor do processo administrativo e da prova documental junta aos autos pelas partes, conforme indicado em cada uma das alíneas do probatório.”
4. Fundamentação de direito
4.1. Do erro de julgamento de direito quanto ao fumus boni iuris
O Recorrente insurge-se contra a decisão tomada pelo Tribunal a quo quanto a julgar não verificado o requisito do fumus boni iuris sustentando, em suma, consubstanciar prática discriminatória a isenção, atribuída (apenas) aos residentes no concelho de Lisboa, de pagamento de bilhete de ingresso nos monumentos, tesouros e museus nacionais (bens culturais de interesse nacional ou interesse público, classificados nos termos do artigo 15.º, n.º 4 e 5 da Lei n.º 107/2001), sob gestão da Recorrida.
Neste sentido, entende o Recorrente que o argumento económico que sustenta a tese do Tribunal a quo – qual seja, que a residência na cidade importará uma maior contribuição para o orçamento da Recorrida e, em consequência, uma maior participação nos gastos de conservação dos equipamentos geridos pela empresa municipal em causa, assim encontrando razão bastante para a diferenciação – não é motivo racional e legítimo para a diferenciação de tratamento. Assim o defende por considerar que não há nenhuma relação direta e universal suficientemente forte e intensa entre a residência num concelho e as contribuições para o orçamento desse mesmo concelho, ou seja, o facto de alguém ser residente em Lisboa não quer necessariamente significar que contribua com um cêntimo para o orçamento municipal ou para as despesas da EGEA, existindo situações que em que contribuintes de outras áreas de Portugal contribuem mais do que os residentes para o orçamento de Lisboa, na medida em que os municípios recebem contribuições do orçamento de Estado e não apenas dos seus residentes. Aceitando a tese do Tribunal teria que ser exigido bilhete aos que comprovadamente em nada contribuem para o orçamento municipal.
Considera que a referida medida viola os princípios da igualdade e proibição de discriminação regulados no artigo 13.º, n.º 1 e 2 da CRP e de acesso universal à educação e cultura, a que se reportam os artigos 73.º e 78.º, n.º 1 da CRP, porquanto a residência concelhia não encontra qualquer valor axiológico que a sustente como critério bastante para legitimar um tratamento discriminatório.
Mais advoga que são violadas as normas da Lei do Património Cultural (Lei n.º 107/2001, de 8 de setembro), porquanto ali se prevê que todos têm direito à fruição dos bens culturais como modo de desenvolvimento da personalidade através da realização cultural (artigos 2.º, n.º 4 e 7.º, n.º 1), cabendo ao Estado incentivar e assegurar a todos a fruição cultural [artigos 12.º, n.º 1, al. a) e 70.º, al. d)]. Aduzindo que não se encontra norma na Lei-Quadro dos Museus Portugueses (Lei n.º 47/2004, de 19 de agosto) que preveja discriminações no acesso aos museus nacionais com base na residência e que, na medida em que os monumentos em causa são considerados bens do domínio público do Estado [artigo 4.º, al. m) do DL 477/80, de 15 de outubro], o artigo 25.º do DL 280/2007 (Regime Jurídico do Património Imobiliário Público) garante que podem ser fruídos por todos mediante condições de acesso e de uso não arbitrárias ou discriminatórias. Entende, ainda, que à luz da Lei n.º 50/2012 de 31 de agosto (Regime Jurídico da Atividade Empresarial Local) constituem princípios que devem nortear a atuação da Recorrida o respeito pela não discriminação (artigo 45.º), a prestação dos serviços de interesse geral na respetiva circunscrição, sem discriminação dos utentes e a promoção do acesso da generalidade dos cidadãos aos bens e serviços essenciais, procurando adaptar as taxas devidas às reais situações dos utilizadores e à luz do princípio da igualdade material [artigo 46.º, n.º 1, al. a) e b)].
Como nota prévia importa considerar que só no âmbito deste recurso veio o Recorrente fundar a probabilidade de procedência da ação principal na violação do artigo 25.º n.º 1 do Regime Jurídico do Património Imobiliário Público, regulado pelo Decreto-Lei nº 280/2007, de 7 de agosto. Sucede que, porque “os recursos são meios para obter o reexame de questões já submetidas à apreciação dos tribunais inferiores, e não para criar decisões sobre matéria nova, não submetida ao exame do tribunal de que se recorre” (Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil», Almedina, 4,ª edição, pág. 147-148), não pode este Tribunal apreciar este novo fundamento, que, não sendo de conhecimento oficioso, não foi analisado pela sentença.
Considere-se que, a respeito do não preenchimento do pressuposto do fumus boni iuris, foi a seguinte a fundamentação do Tribunal a quo,
«[…] Em termos objetivos e no que releva para o caso dos autos, o Requerente pretende, por via do processo cautelar, que a Entidade Requerida seja intimada a estender a todos os cidadãos residentes em território nacional as isenções de ingresso que aplica aos residentes em Lisboa, no acesso a monumentos e museus sob a sua gestão.
E, para o efeito, veio alegar que o facto de a Entidade Requerida beneficiar de transferências monetárias do município de Lisboa, cujo orçamento é financiado pelos impostos diretos cobrados no concelho, não é fundamento para os residentes em Lisboa beneficiarem de uma discriminação positiva relativamente aos demais cidadãos residentes em Portugal, no que se refere ao ingresso nos monumentos, imóveis e móveis classificados de interesse nacional geridos pela EGEAC.
A Entidade Requerida dissentiu daquele entendimento, porque, em seu entender, os residentes em Lisboa contribuem de uma forma mais significativa para o orçamento do município e, consequentemente, para o financiamento da EGEAC.
Para sustentar esta alegação, refere que a estrutura do próprio sistema fiscal português, reflete um contributo mais significativo dos residentes através do pagamento do IMI, IMT, IUC, IRS e IVA, no que concerne ao financiamento do município em que se encontram domiciliados.
Ora, no que se refere às receitas dos municípios, o artigo 254.º da CRP, estabelece o seguinte:
«1. Os municípios participam, por direito próprio e nos termos definidos pela lei, nas receitas provenientes dos impostos directos.
2. Os municípios dispõem de receitas tributárias próprias, nos termos da lei.».
Por seu turno, o artigo 14.º, n.º 1, alíneas a) e b), da Lei n.º 73/2013, de 3 de setembro, determina que o produto da cobrança do IMT e do IMI, relativamente a imóveis situados no território português, constitui receita dos municípios onde os mesmos se localizam.
De igual modo, de acordo com o artigo 14.º, alínea d), da Lei n.º 73/2013, de 3 de setembro, constitui receita dos municípios uma parcela do produto do IUC, nos termos do artigo 3.º da Lei n.º 22-A/2007, de 29 de junho, do qual resulta que «[é] da titularidade do município de residência do sujeito passivo ou equiparado a receita gerada pelo IUC incidente sobre os veículos da categoria A, E, F e G, bem como 70% da componente relativa à cilindrada incidente sobre os veículos da categoria B, salvo se essa receita for incidente sobre veículos objecto de aluguer de longa duração ou de locação operacional, caso em que deve ser afecta ao município de residência do respectivo utilizador.» - sublinhado nosso.
Além do disso, o artigo 25.º, n.º 1, da Lei n.º 73/2013, de 3 de setembro, estabelece que «[a] repartição dos recursos públicos entre o Estado e os municípios, tendo em vista atingir os objetivos de equilíbrio financeiro horizontal e vertical, é obtida através das seguintes formas de participação: (…) c) Uma participação variável de 5 % no IRS, determinada nos termos do artigo 26.º, dos sujeitos passivos com domicílio fiscal na respetiva circunscrição territorial, calculada sobre a respetiva coleta líquida das deduções previstas no n.º 1 do artigo 78.º do Código do IRS; d) Uma participação de 7,5 % na receita do IVA cobrado nos setores do alojamento, restauração, comunicações, eletricidade, água e gás, calculada nos termos do disposto no artigo 26.º-A.» sublinhado nosso.
Sendo que, no que se refere à mencionada participação variável no IRS, o artigo 26.º, n.º 1, da Lei n.º 73/2013, de 3 de setembro, determina que «[o]s municípios têm direito, em cada ano, a uma participação variável até 5 % no IRS dos sujeitos passivos com domicílio fiscal na respetiva circunscrição territorial, relativa aos rendimentos do ano imediatamente anterior, calculada sobre a respetiva coleta líquida das deduções previstas no n.º 1 do artigo 78.º do Código do IRS» - sublinhado nosso.
Por sua vez, quanto à participação na receita do IVA, referida no artigo 25.º, n.º 1, alínea d), da Lei n.º 73/2013, de 3 de setembro, a mesma «[é] distribuída aos municípios proporcionalmente, determinada por referência ao IVA liquidado na respetiva circunscrição territorial relativo às atividades económicas de alojamento, restauração, comunicações, eletricidade, água e gás,» - sublinhado nosso (cf. artigo 26.º-A, n.º 1, da Lei n.º 73/2013, de 3 de setembro).
Decorre, pois, do referido regime jurídico que as receitas dos municípios resultam, em parte, dos impostos que são cobrados aos residentes na respetiva circunscrição territorial, existindo, quanto a esta matéria, uma conjuntura própria para cada município.
Este foi, de resto, o fundamento utilizado pela Entidade Requerida para justificar a existência de uma discriminação positiva relativamente aos residentes em Lisboa, mais concretamente por considerar que «[o] orçamento municipal é financiado por receitas correntes do Município de Lisboa que integram impostos diretos cobrados no concelho de Lisboa e é o valor destes impostos que suporta o financiamento de todas as empresas municipais do Município de Lisboa, entre as quais se inclui a EGEAC. // 19. Os encargos com a gestão, funcionamento e manutenção dos museus e monumentos sob administração da EGEAC são assim suportados por recursos financeiros provenientes de impostos municipais cobrados no concelho de Lisboa, motivo pelo qual os residentes na cidade já contribuem de forma direta e considerável para a gestão e conservação daqueles equipamentos culturais, encontrando-se por isso numa situação objetiva particular, diferente da generalidade dos cidadãos que o visitam. // 20. Não se afigura, pois, no nosso entender, violadora do princípio da igualdade a discriminação positiva dos residentes em Lisboa no preçário e respetivo acesso aos domingos e feriados até às 14h00 aos museus e monumentos cuja gestão cabe à EGEAC por atribuição da Câmara Municipal de Lisboa, com a qual celebra anualmente contrato-programa de subsídio à exploração. (…)» (cf. pontos 18. a 20. do ofício referido na alínea C) do probatório; no mesmo sentido, os pontos 3. a 5. do ofício referido na alínea E) do probatório).
Inconformado com este entendimento da Entidade Requerida, o Requerente considerada que, no caso concreto, não está a ser observado o princípio da igualdade, invocando que estão a ser violados os artigos 13.º, n.º 1, 70.º, 71.º, 72.º e 73.º, n.º 1, da CRP.
Ademais, o Requerente considera que é proibida qualquer discriminação no acesso aos museus, exceto em função da idade, famílias ou estudantes, por força do disposto no artigo 54.º, n.º 1, da Lei n.º 47/2004, de 19 de agosto, no artigo 55.º, n.os 3 e 4, da Lei n.º 47/2004, de 19 de Agosto, e no artigo 45.º da Lei n.º 50/2012, de 31 de agosto.
Vejamos.
O princípio da igualdade encontra consagração constitucional no artigo 13.º da CRP, cuja redação é a seguinte:
«1. Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei.
2. Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual.»
Partindo da análise daquele preceito constitucional, a doutrina considera que «[o] princípio da igualdade reside numa relação triangular, na qua se confrontam as realidades em comparação, sobre o prisma da disciplina jurídica que se quer estabelecer. // Nestes termos, o princípio da igualdade vai assumir duas dimensões distintas, mas absolutamente complementares: - uma dimensão igualizadora: tratar igualmente o que é igual; - uma dimensão diferenciadora: tratar diferenciadamente o que é desigual. // O ponto focal do princípio da igualdade reside na apreciação material da diferença ou da identidade de situações sob o ponto de vista da disciplina jurídica a que ficam sujeitas, devendo surgir justificada numa apreciação valorativa e não meramente naturalística.» (cf. Jorge Bacelar Gouveia, Manual de Direito Constitucional, Vol. II, 6.ª edição, Almedina, 2016 p. 820).
Já no que se refere à jurisprudência sobre esta matéria, o Tribunal Constitucional tem considerado que «[o] princípio da igualdade impõe que situações da mesma categoria essencial sejam tratados da mesma maneira e que situações pertencentes a categorias essencialmente diferentes tenham tratamento também diferente. Admitem-se, por conseguinte, diferenciações de tratamento, desde que fundamentados à luz dos próprios critérios axiológicos constitucionais. A igualdade só proíbe discriminações quando estas se afiguram destituídas de fundamento racional [cf., nomeadamente, os Acórdãos nºs 39/88, 186/90, 187/90 e 188/90, Acórdãos do Tribunal Constitucional, 11º vol. (1988), p. 233 e ss., e 16º vol. (1990), pp. 383 e ss., 395 e ss. e 411 e ss., respectivamente; cf., igualmente, na doutrina, Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, tomo IV, 2ª ed., 1993, p. 213 e ss., Gomes Canotilho, Direito Constitucional, 6ª ed., 1993, pp. 564- 5, e Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa anotada, 1993, p.125 e ss.]» - sublinhado nosso (cf. acórdão do Tribunal Constitucional n.º 180/99, processo n.º 218/98, de 10.03.1999, disponível em www.tribunalconstitucional.pt).
À luz dos entendimentos suprarreferidos, poderá, então, afirmar-se que o princípio da igualdade (cf. artigo 13.º da CRP), impõe um tratamento igual do que é igual, e um tratamento diferente do que é diferente, proibindo, no entanto, a criação de medidas que estabeleçam distinções discriminatórias, geradoras de desigualdades de tratamento sem qualquer fundamentação razoável, objetiva e racional.
Assim, numa análise perfuntória do caso concreto, é possível verificar que a isenção conferida pela Entidade Requerida aos residentes em Lisboa (v.g. isenção de pagamento de ingressos para o acesso a museus e monumentos aos domingos e feriados até às 14h00), encontra justificação na circunstância de os mesmos suportarem impostos que, em parte, constituem receita do município e são canalizados para a gestão e conservação dos equipamentos culturais a cargo da EGEAC.
Esta situação, em particular, evidencia que os residentes em Lisboa estão num contexto diferente daqueles que não residem no município e, com base neste fundamento, que se mostra plausível, a Entidade Requerida promove um tratamento diferenciado (cf. alíneas C) e E) do probatório), traduzido na isenção de pagamento para acesso a monumentos e museus, em determinadas circunstâncias previamente definidas (cf. preçário EGEAC 2023 - alínea F) do probatório).
Esta forma de tratamento diferenciado dos residentes em Lisboa, que não afronta o princípio da igualdade, porque assente num fundamento razoável e racional, existe também para os jovens, cidadãos portadores de deficiência, e idosos, sob a forma de preços reduzidos ou isenções de pagamento para visitar monumentos ou museus (cf. preçário EGEAC 2023 - alínea F) do probatório), não emergindo dos autos qualquer atuação da Entidade Requerida no sentido limitar o direito dos mesmos à educação e à cultura.
Por conseguinte, na situação ora em apreço, considera-se que não se verifica a alegada violação dos artigos 13.º, n.º 1, 70.º, 71.º, 72.º e 73.º, n.º 1, da CRP.
O mesmo poderá afirmar-se em relação ao disposto no artigo 7.º, n.º 1 da Lei n.º 107/2001, de 8 de setembro, que visa garantir a todos o direito à fruição dos valores e bens que integram o património cultural, como modo de desenvolvimento da personalidade através da realização cultural, sem, contudo, regular em concreto o regime de acesso e o custo dos ingressos nos monumentos e museus nacionais.
Isto é, o artigo 7.º, n.º 1 da Lei n.º 107/2001, de 8 de setembro, garante o direito à fruição dos valores e bens que integram o património cultural, mas não tem o alcance de determinar se é admissível, ou não, a diferenciação do custo dos ingressos nos locais sob gestão da Entidade Requerida, não se vislumbrando que na situação sub judice o direito consagrado naquela norma tenha sido violado.
É também esse o caso do artigo 54.º, n.º 1, da Lei n.º 47/2004, de 19 de agosto, de acordo com a qual o museu garante o acesso e a visita pública regular, porém, ainda que tenha sido alegada a violação daquela norma, nada permite inferir que a Entidade Requerida tenha vedado o acesso ou a visita aos equipamentos e espaços culturais que estão sob a sua gestão.
Quanto à alegada violação do artigo 55.º, da Lei n.º 47/2004, de 19 de agosto, o mesmo regula o custo de ingresso nos museus, nos seguintes termos:
«1 — A gratuitidade ou onerosidade do ingresso no museu é estabelecida por este ou pela entidade de que dependa.
2 — O custo de ingresso no museu é fixado anualmente pelo museu ou pela entidade de que dependa.
3 — Devem ser estabelecidos custos de ingresso diferenciados e mais favoráveis em relação, nomeadamente, a jovens, idosos, famílias e estudantes.
4 — Os museus que dependam de pessoas colectivas públicas devem facultar o ingresso gratuito durante tempo a estabelecer pelas respectivas tutelas.».
Decorre, pois, desta disposição legal que a gratuitidade ou onerosidade do ingresso no museu é estabelecida por este ou pela entidade de que dependa, conferindo um amplo poder discricionário nesta matéria.
Assim, o custo do ingresso, a existir, é fixado anualmente pelo museu ou pela entidade de que dependa, devendo ser diferenciado e mais favorável em relação, nomeadamente, a jovens, idosos, famílias e estudantes, sem prejuízo de outras situações que possam merecer igual tratamento.
Deste modo, não se pode sufragar o entendimento do Requerente, quando refere que é proibida qualquer discriminação no acesso aos museus, exceto em função da idade, famílias ou estudantes.
Tal conclusão também não se retira, sem mais, do disposto no artigo 45.º da Lei n.º 50/2012, de 31 de agosto, do qual resulta, em termos genéricos, que as empresas locais de gestão de serviços de interesse geral (v.g. no âmbito da promoção e gestão de equipamentos coletivos e prestação de serviços nas áreas da cultura) asseguram a universalidade, a continuidade dos serviços prestados, a satisfação das necessidades básicas dos cidadãos, a coesão económica e social local ou regional e a proteção dos utentes, sem prejuízo da eficiência económica, no respeito pelos princípios da não discriminação e da transparência.
Sendo assim, o requisito do fumus boni iuris não se poderá considerar verificado, porquanto, não se afigura que a ação principal, na qual foi formulado um pedido idêntico aos dos presentes autos, possa vir a ser considerada procedente, com base na violação do princípio da igualdade e das mesmas normas que, nesta sede, foram invocadas pelo Requerente.»
Vejamos.
É sabido que quanto ao requisito do fumus boni iuris a lei exige que “seja provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente”, isto é, sobre o requerente impende o encargo de fazer prova sumária do bem fundado da pretensão deduzida no processo principal, cabendo ao juiz verificar em sede cautelar o grau de probabilidade de êxito do requerente na ação principal.
De notar que o juízo sobre a aparência do direito deve ser positivo, mas não deixa de ser apenas perfunctório. Isto é, ao julgar a providência o juiz não antecipa o julgamento da ação, não formulando um juízo de certeza da procedência, mas cumpre-lhe adiantar se é plausível e provável o seu êxito.
Ora, nos termos dos artigos 13.º e 266.º, n.º 2 da CRP e 6.º do CPA, pela Administração deve ser observado o princípio da igualdade em toda a sua atividade.
Em conformidade com o art. 13.º da CRP,
1. Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei.
2. Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual.
E impondo à Administração uma atuação vinculada ao respeito pelo princípio da igualdade, o n.º 2 do artigo 266.º da CRP prevê que “Os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à lei e devem actuar, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa fé”.
Estabelecendo-se no artigo 6.º do CPA que “Nas suas relações com os particulares, a Administração Pública deve reger-se pelo princípio da igualdade, não podendo privilegiar, beneficiar, prejudicar, privar de qualquer direito ou isentar de qualquer dever ninguém em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual”.
Ocupando-se sobre as exigências inerentes à consagração constitucional do princípio da igualdade, previsto de forma expressa no artigo 13.º da nossa Constituição, constitui jurisprudência estabilizada do Tribunal Constitucional que a nossa Lei Fundamental só proíbe o tratamento diferenciado de situações quando o mesmo se apresente arbitrário, sem fundamento material.
A este propósito, pode ler-se no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 362/2016,
«[…] Numa perspetiva de igualdade material ou substantiva – aquela que subjaz ao artigo 13.º, n.º 1, da Constituição e que se traduz na igualdade através da lei –, a igualdade jurídica corresponde a um conceito relativo e valorativo assente numa comparação de situações: estas, na medida em que sejam consideradas iguais, devem ser tratadas igualmente; e, na medida em que sejam desiguais, devem ser tratadas desigualmente, segundo a medida da desigualdade. Tal implica a determinação prévia da igualdade ou desigualdade das situações em causa, porquanto no plano da realidade factual não existem situações absolutamente iguais. Para tanto, é necessário comparar situações em função de um certo ponto de vista. Por isso, a comparação indispensável ao juízo de igualdade exige pelo menos três elementos: duas situações ou objetos que se comparam em função de um aspeto que se destaca do todo e que serve de termo de comparação (tertium comparationis). Este termo - o «terceiro (elemento) da comparação» – corresponde à qualidade ou característica que é comum às situações ou objetos a comparar; é o pressuposto da respetiva comparabilidade. Assim, o juízo de igualdade significa fazer sobressair ou destacar elementos comuns a dois ou mais objetos diferentes, de modo a permitir a sua integração num conjunto ou conceito comum (genus proximum).
Porém, a Constituição não proíbe todo e qualquer tratamento diferenciado. Proíbe, isso sim, as discriminações negativas atentatórias da (igual) dignidade da pessoa humana e as diferenças de tratamento sem uma qualquer razão justificativa e, como tal, arbitrárias. Nesse sentido, afirmou-se no Acórdão n.º 39/88:
‘A igualdade não é, porém, igualitarismo. É, antes, igualdade proporcional. Exige que se tratem por igual as situações substancialmente iguais e que, a situações substancialmente desiguais, se dê tratamento desigual, mas proporcionado: a justiça, como princípio objetivo, “reconduz-se, na sua essência, a uma ideia de igualdade, no sentido de proporcionalidade” – acentua Rui de Alarcão (Introdução ao Estudo do Direito, Coimbra, lições policopiadas de 1972, p. 29).
O princípio da igualdade não proíbe, pois, que a lei estabeleça distinções. Proíbe, isso sim, o arbítrio; ou seja: proíbe as diferenciações de tratamento sem fundamento material bastante, que o mesmo é dizer sem qualquer justificação razoável, segundo critérios de valor objetivo, constitucionalmente relevantes. Proíbe também que se tratem por igual situações essencialmente desiguais. E proíbe ainda a discriminação; ou seja: as diferenciações de tratamento fundadas em categorias meramente subjetivas, como são as indicadas, exemplificativamente, no n.º 2 do artigo 13.º.
Respeitados estes limites, o legislador goza de inteira liberdade para estabelecer tratamentos diferenciados.
O princípio da igualdade, enquanto proibição do arbítrio e da discriminação, só é, assim, violado quando as medidas legislativas contendo diferenciações de tratamento se apresentem como arbitrárias, por carecerem de fundamento material bastante.»
A questão nos autos situa-se, pois, em saber se, à luz de uma análise perfunctória, constitui fundamento material bastante para o tratamento diferenciado no acesso aos bens culturais classificados de interesse nacional e interesse público que se encontram sob gestão da Recorrida, e que o Recorrente identifica como correspondendo ao “Castelo de São Jorge” e ao “Espólio móvel de Fernando Pessoa”, o avançado pela Recorrida e secundado pelo Tribunal a quo de os residentes no concelho “suportarem impostos que, em parte, constituem receita do município e são canalizados para a gestão e conservação dos equipamentos culturais a cargo da EGEAC”, encontrando-se, portanto, em situação distinta dos que não residem no município.
Desde logo cumpre considerar que, tratando-se de impedir que se estabeleçam regimes desrazoáveis, isto é, disciplinas jurídicas que diferenciem pessoas e situações que mereçam tratamento igual ou, inversamente, que igualizem pessoas e situações que mereçam tratamento diferente, as medidas que forem adotadas devem passar o “teste do merecimento” (cf. Ac. do Tribunal Constitucional n.º 546/2011), isto é, “só quando se concluir que a diferença, ou a igualização, entre pessoas e situações que o regime legal estabeleceu não é justificada por um qualquer motivo que se afigure compreensível face à ratio que o referido regime, em conformidade com os valores constitucionais, pretendeu prosseguir” é que se poderão censurar, por desrazoabilidade, as escolhas tomadas.
In casu, diversamente da compreensão assentida pelo Tribunal a quo, não se assume como fundamento material bastante o que, na realidade, constitui uma mera dimensão de índole económica cuja prossecução, além de não se encontrar sustentada nos pressupostos que são assumidos pelo Tribunal a quo, não se vislumbra conforme a qualquer valor constitucional.
Em primeiro lugar, porque o pressuposto em que se faz assentar a diferenciação não se encontra, sequer perfunctoriamente, evidenciado. Isto é, na realidade, não se revela uma desigualdade de situações relevante sob o ponto de vista jurídico-constitucional, concretamente a assumida pela sentença de que os residentes de Lisboa suportariam, em maior medida, os encargos com a gestão e conservação dos equipamentos culturais – reitera-se, apenas se referindo aqui os classificados de interesse nacional e interesse público - a cargo da EGEAC.
Embora se possa admitir a existência de ligação entre alguns tributos que constituem receita dos municípios e a residência na circunscrição territorial, o certo é que não se revela a proporção do contributo dessa específica receita para o orçamento municipal, ao ponto de se aceitar que os residentes no concelho de Lisboa, diferentemente da generalidade dos cidadãos residentes no restante território português, suportam de forma direta e em maior medida os encargos com a gestão, funcionamento e manutenção dos bens culturais em causa.
Efetivamente, ainda que se admita que quanto ao IUC (artigo 14.º, alínea d), da Lei n.º 73/2013, de 3 de setembro, e artigo 3.º da Lei n.º 22-A/2007, de 29 de junho) e IRS – face à presunção de coincidência entre o domicílio fiscal e o local da residência habitual (artigo 19.º, n.º 1 da LGT e 16.º do CIRS) - se tratam de tributos cobrados aos residentes na respetiva circunscrição territorial, já o mesmo não sucede quanto ao produto da cobrança do IMT e do IMI, que, embora constitua receita dos municípios onde os imóveis se localizam, daí não deriva que essa receita tenha na sua origem residentes no concelho (os imóveis podem ser adquiridos e ser propriedade de quem nele não é residente), às receitas do IVA que, como é sabido, é um imposto indireto que é suportado pelo consumidor final – o qual pode ou não ter residência no concelho - e não por quem o entrega à Administração Fiscal e, ainda, ao montante da derrama que, embora incida sobre o lucro tributável sujeito e não isento de IRC na proporção do rendimento gerado na sua área geográfica, resulta da cobrança, não a residentes no concelho, mas sim a sujeitos passivos residentes em território português que exerçam, a título principal, uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola e não residentes com estabelecimento estável nesse território (artigo 18.º, n.º 1 da Lei n.º 73/2013).
Acrescente-se que estes dados pouco ou nada revelam quanto ao efetivo orçamento do município de Lisboa e à medida em que o mesmo é constituído por receitas que, direta ou indiretamente, possam ser atribuíveis a residentes no mesmo. Isto é, ainda que numa análise eminentemente perfunctória, impunha-se considerar o orçamento municipal para, no mínimo, aferir a proporção em que cada uma das receitas municipais (a que se refere o artigo 14.º da Lei n.º 73/2013) contribui para o mesmo – com vista a apurar a percentagem daquele que respeita ao IUC e IRS - e, no limite, aferir quanto a cada uma dessas receitas se as mesmas foram, ou não, suportadas por residentes na circunscrição territorial.
O que o exposto revela é que não se pode considerar, sem mais, como entendeu o Tribunal a quo, serem efetivamente em maior medida os residentes no concelho a contribuir, designadamente através do pagamento de tributos, para o orçamento municipal e, por via dos subsídios à exploração objeto dos contratos-programa, para o orçamento da Recorrida e, consequentemente, para as atividades que esta desenvolve na valorização e promoção daqueles bens culturais.
Ademais a proibição de consignação, a que se reporta o artigo 9.º-C da Lei n.º 73/2013, obsta a que se possa considerar que seja a receita efetivamente adveniente de residentes na circunscrição territorial aquela que é afeta ao desenvolvimento das atividades pela Recorrida, concretamente na conservação e manutenção daqueles imóveis.
Isto é, a Recorrida e o Tribunal a quo olvidam a concreta aferição das receitas da primeira e a demonstração da ligação destas aos residentes, assentando o seu entendimento em premissas que não encontram correspondência (legal e) fáctica. É que o orçamento da EGEAC sendo constituído pelos subsídios à exploração objeto dos contratos-programa celebrados com o Município de Lisboa, não é, contudo, limitado a estes, pois que a Recorrida tem outras receitas próprias, designadamente as que lhe são advenientes da cobrança de rendas, ingressos, tarifas, empréstimos e outros apoios ou incentivos financeiros.
Para que se pudesse concluir que “os residentes na cidade já contribuem de forma direta e considerável para a gestão e conservação daqueles equipamentos culturais”, necessário se mostrava que se evidenciasse, ainda que perfunctoriamente, que os recursos financeiros afetos a esses equipamentos fossem efetivamente, e em medida que se assuma suficientemente relevante para os colocar em situação distinta da generalidade dos cidadãos que os visitam, provenientes de encargos suportados pelos residentes.
Mas olhando para o probatório, nada disto é evidenciado. Desconhecem-se os orçamentos municipal e da EGEAC. Não se sabe em que medida os mesmos são constituídos por tributos em que exista a conexão territorial ao sujeito passivo ou por outras receitas suportadas por residentes na circunscrição territorial do município. E tal não se basta com a mera alegação e conclusão, assumida pela Recorrida e pelo Tribunal a quo, mas nunca, sequer perfunctoriamente evidenciada, de que “o orçamento municipal é financiado por receitas correntes do Município de Lisboa que integram impostos diretos cobrados no concelho de Lisboa e é o valor destes impostos que suporta o financiamento de todas as empresas municipais do Município de Lisboa, entre as quais se inclui a EGEAC” e que, consequentemente, “os encargos com a gestão, funcionamento e manutenção dos museus e monumentos sob administração da EGEAC são assim suportados por recursos financeiros provenientes de impostos municipais cobrados no concelho de Lisboa”.
Ou seja, a única diferença que existe entre os que atualmente beneficiam da isenção de pagamento e os demais residentes em território nacional é, pois, apenas a circunscrição territorial em que residem e não uma carga contributiva superior para as despesas que a Recorrida suporta com os bens de interesse público e nacional a seu cargo.
A significar, pois, que não se revela aqui a desigualdade de situações, nem o fundamento material que a Recorrida e o Tribunal a quo alegaram consubstanciar causa bastante para a diferenciação.
Em segundo lugar, ainda que se aceitasse o fundamento em que assenta a diferenciação de tratamento – qual seja, o de os residentes daquela circunscrição municipal participarem, em maior medida, nas receitas do município que são canalizadas para a gestão e conservação dos equipamentos culturais a cargo da EGEAC -, este não consubstancia uma justificação razoável, segundo critérios de valor objetivos e constitucionalmente relevantes, do ponto de vista dos fins do Estado de direito.
Efetivamente, o fundamento é de natureza meramente económica, não prosseguindo uma qualquer finalidade à luz de critérios axiológicos constitucionais.
Impõe-se considerar que estão em causa as isenções de pagamento atribuídas a residentes em Lisboa relativamente a bens integrantes do património cultural classificados como de interesse nacional ou de interesse público, nos termos do artigo 15.º, n.º 2, 4 e 5 da LBPC (Lei de Bases do Património Cultural, Lei n.º 107/2001 de 8 de setembro), ou seja, cuja respetiva proteção e valorização, no todo ou em parte, representa um valor cultural de significado para a Nação ou de importância nacional e não apenas bens que assumem “valor cultural de significado predominante para um determinado município”.
Tratam-se, pois, de bens, cuja relevância e importância cultural ultrapassa os limites concelhios, assumindo-se a sua maior relevância para “a compreensão, permanência e construção da identidade nacional” (artigo 1.º, n.º 1 da LBPC) e, nesse sentido, evidenciando-se em relação a tais bens a importância da efetivação do direito à cultura e do acesso à fruição cultural enquanto direitos constitucionalmente protegidos (artigos 73.º, n.º 1 e 3 e 78.º, n.º 1 e 2 al. a) da CRP, 3.º e 7.º, n.º 1 da LBPC).
No contexto destes bens assume-se como essencial que o direito à fruição dos valores e bens que integram o património cultural seja garantido em moldes igualitários por todos os cidadãos, pelo que o fundamento para a existência de diferenciações no tratamento deverá ancorar-se e prosseguir objetivos que se destinem a assegurar valores constitucionalmente protegidos.
Assim será quando, designadamente, estejam em causa faixas societárias em si mesmas mais desfavorecidas ou desprotegidas e que, por isso, carecem de especial proteção, como é o caso da infância, juventude, portadores de deficiência e terceira idade (artigo 69.º a 72.º da CRP) ou quando as diferenciações se fundem na demonstrada necessidade de promoção no acesso a bens culturais enquanto forma de desenvolvimento e construção da identidade e democratização da cultura (vg. isenções ou reduções atribuídas a estudantes). É que não são equiparáveis, como assume o Tribunal a quo, as situações dos residentes em Lisboa com as dos jovens, portadores de deficiência e idosos, que beneficiam de preços reduzidos ou isenções de pagamento para visitar monumentos ou museus pois que, desde logo, quanto a estes últimos é a própria Constituição que lhes confere especial proteção, fruto do reconhecimento da necessidade de promover o seu desenvolvimento, inserção, integração, respeito e solidariedade. Proteção essa que não é constitucional ou infra constitucionalmente conferida ao elemento residência em determinada circunscrição territorial.
Assim, não se assume como fundamento material bastante nem a mera residência no concelho onde se situam os bens culturais em causa, nem tão pouco uma alegada duplicação nos encargos assumidos por esses residentes quanto aos bens. Em qualquer das dimensões, a diferenciação assumida não assenta num valor constitucionalmente protegido.
Com efeito, reiteramos, estando em causa bens dotados de um valor cultural de significado e importância nacional, a sua relevância não se encontra circunscrita ao território em que se situam, em termos que justifiquem a promoção no acesso aos residentes. Inversamente, quanto a tais bens culturais de interesse nacional a maior proximidade resultante do critério da residência já favorece a fruição dos bens, pelo que se assume como carente de razoabilidade que, a acrescer à natural componente geográfica, se beneficiem os residentes com isenções que não são de forma idêntica garantidas aos demais residentes em território nacional.
No que concerne a tais bens, classificados como de interesse nacional ou público, o critério da residência não corresponde, pois, a um valor que configure fundamento material atendível para a sua diferenciação.
Já quanto à superioridade dos encargos que seriam suportados pelos residentes, o que está em causa é essencialmente a proteção dos interesses económicos dos residentes. Mas esses interesses não são per si tuteláveis, na medida em que não se assumem como direito ou interesse legalmente protegido.
Diferente seria se estivessem salvaguardados pelo âmbito de um qualquer direito constitucionalmente consagrado (vg. o direito de propriedade privada ou a liberdade de iniciativa económica) que ancorasse, de forma bastante, a distinção de tratamento no que ao direito à cultura e ao acesso à fruição cultural concerne. Só que não é esse o caso, em que não se vislumbra uma afetação da esfera económica dos residentes com a aplicação de idêntico tarifário aos não residentes – recorda-se que estão em causa custos que quanto ao bilhete normal ascendem a 15€ no Castelo de São Jorge e a 5€ na Casa Museu Fernando Pessoa [facto provado F)] -, que, porque compreendida no âmbito de proteção de valores constitucionalmente protegidos, se identifique como justificação razoável para a diferenciação de tratamento.
Em face do exposto, há que acompanhar o Recorrente no erro de julgamento que aponta à sentença recorrida pois que, opostamente às conclusões alcançadas pelo Tribunal a quo os residentes em Lisboa não estão, no que respeita a tais bens culturais de interesse nacional ou interesse público, em situação que, porque distinta dos que não residem no município, reclame tratamento diferenciado, nem se encontra nessa diferenciação de tratamento fundamento racional bastante que a justifique.
A isenção, atribuída pela Recorrida (apenas) aos residentes no concelho de Lisboa, de pagamento de bilhete de ingresso nos monumentos, tesouros e museus nacionais (bens culturais de interesse nacional ou interesse público, classificados nos termos do artigo 15.º, n.º 4 e 5 da Lei n.º 107/2001) sob sua gestão, não é justificada por um qualquer motivo que se afigure compreensível face a valores constitucionais. Antes, como advoga o Recorrente, emerge como violadora dos princípios da igualdade e proibição de discriminação nos termos consagrados pelo artigo 13.º, n.º 1 e 2 da CRP.
Consequentemente, na medida em que emerge de disposições constitucionais e infraconstitucionais a consagração e proteção de um direito - fundamental, na categoria de direitos económicos, sociais e culturais - à cultura, assumindo-se como incumbência do Estado, cuja organização compreende as autarquias locais (artigo 235.º da CRP), o incentivo e acesso de todos os cidadãos à fruição cultural, a introdução pela Recorrida de medidas que, por não contemplarem todos os residentes em território nacional, beneficiam e promovem, sem fundamento material razoável, o acesso dos residentes no concelho de Lisboa a bens culturais classificados como de interesse nacional ou interesse público, nos termos do artigo 15.º, n.º 4 e 5 da Lei n.º 107/2001, sob sua gestão, desrespeitam os citados artigos 73.º, n.º 1 e 3 e 78.º, n.º 1 da CRP e 7.º, n.º 1, 12.º, n.º 1 al. a) e 70.º, al. d) da Lei do Património Cultural (Lei n.º 107/2001, de 8 de setembro). Atuando a Recorrida em desrespeito pelos princípios de não discriminação que norteiam a sua atividade nos termos dos artigos 45.º e 46.º, n.º 1, als. a) e b) da Lei 50/2012, de 31 de agosto.
Cumpre, assim, concluir que, à luz de um juízo perfunctório, se revela a probabilidade de a pretensão a formular no processo principal, tendente a impor a título definitivo à Recorrida a cessação da aplicação de isenções na admissão aos imóveis e móveis classificados de interesse nacional e interesse público sob sua gestão apenas aos residentes em Lisboa, venha a ser julgada procedente. Incorrendo, pois, a este respeito a sentença em erro de julgamento.
4.2. Do conhecimento em substituição
Considerando o erro de julgamento em que incorreu a sentença, mostrando-se preenchido o requisito do fumus boni iuris, cumpre, em substituição, nos termos do artigo 149.º, n.º 2 do CPTA, apreciar o preenchimento dos demais requisitos de que depende a adoção das medidas cautelares.
Do periculum in mora
Mostra-se consagrado no artigo 120.º, n.º 1 do CPTA, enquanto critério de cuja verificação depende a adoção de medidas cautelares, quando aí se fala da existência de um “fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação”, o periculum in mora.
Entende-se que o requisito do periculum in mora se encontra preenchido sempre que exista fundado receio que, quando o processo principal termine e sobre ele venha a ser proferida uma decisão, essa decisão já não venha a tempo de dar resposta adequada ou cabal às situações jurídicas e pretensão objeto de litígio, seja porque a evolução das circunstâncias durante a pendência do processo tornou a decisão totalmente inútil, seja porque tal evolução gerou ou conduziu à produção de danos dificilmente reparáveis.
Tem-se considerado que se está perante uma situação de facto consumado sempre que da não adoção da providência cautelar ocorra uma situação de impossibilidade total de reintegração da situação jurídica conforme ao Direito. Assim, haverá uma situação de facto consumado quando, na pendência de qualquer ação principal, a situação de facto se altere de modo a que a decisão que nela venha a ser proferida, sendo favorável ao requerente, perca toda a sua eficácia (Ac. do TCA Norte de 5.4.2024, proferido no processo 00419/23.9BEPRT).
A providência também deve ser concedida quando os factos concretos alegados pelo requerente inspirem o fundado receio da produção de “prejuízos de difícil reparação” no caso de a providência ser recusada, seja porque a reintegração no plano dos factos se perspetiva difícil, seja porque pode haver prejuízos que, em qualquer caso, se produzirão ao longo do tempo e que a reintegração da legalidade não é capaz de reparar ou, pelo menos, de reparar integralmente.
Refira-se que para aferir da verificação do requisito do periculum in mora, o juiz “deve fazer um juízo de prognose colocando-se na situação futura de uma hipotética sentença de provimento, para concluir se há ou não razão para recear que tal sentença venha a ser inútil, por entretanto se ter consumado uma situação de facto incompatível com ela, ou por se terem produzido prejuízos de difícil reparação para quem dela beneficiar, que obstam à reintegração específica da sua esfera jurídica. Neste juízo, o fundado receio há-de corresponder a uma prova, em princípio a cargo do Requerente, de que tais consequências são suficientemente prováveis para que se possa considerar ‘compreensível ou justificada’ a cautela que é solicitada. Como decorre da universalidade das providências admitidas, tanto releva actualmente o periculum in mora de infrutuosidade, que exigirá, em regra, uma providência conservatória, de modo a manter a situação existente, como o periculum in mora de retardamento, que postulará a adopção de uma providência antecipatória, que antecipe parcial ou mesmo totalmente, ainda que sempre em termos provisórios, a solução pretendida ou regule interinamente a situação” [Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa (Lições), 14ª edição, Coimbra, Almedina, 2015, p. 293].
Determina a lei que o receio deve ser fundado, ou seja, “apoiado em factos que permitam afirmar, com objectividade e distanciamento, a seriedade e actualidade da ameaça e a necessidade de serem adoptadas medidas tendentes a evitar o prejuízo”, não bastando “simples dúvidas, conjecturas ou receios meramente subjectivos ou precipitados assentes numa apreciação ligeira da realidade, embora, de acordo com as circunstâncias, nada obste a que a providência seja decretada quando se esteja face a simples ameaças advindas do requerido, ainda não materializadas, mas que permitam razoavelmente supor a sua evolução para efetivas lesões” (Abrantes Geraldes, “Temas da Reforma do Processo Civil”, Volume III, Almedina, 2ª edição, pág. 87).
O periculum in mora “pressupõe, assim, um juízo qualificado ou um temor racional, isto é, deve assentar em factos concretos e consistentes que permitam afirmar, com objetividade e distanciamento, a seriedade e a atualidade da ameaça, bem como a necessidade de serem adotadas medidas urgentes, que permitam evitar o prejuízo. O mesmo é dizer que só a presença de um prejuízo atual, concreto e real, reconhecido como efetivamente grave, iminente e irreparável, resultante da demora da sentença definitiva de mérito, pode justificar o acolhimento do pedido apresentado pela via da urgência. Exige-se, no fundo, um juízo de probabilidade “forte e convincente”, a ser valorado pelo julgador segundo um critério objetivo”, de tal forma que uma providência cautelar “será injustificada se o periculum in mora nela invocado se fundar num juízo hipotético, genérico, abstrato, futuro ou incerto, ou num receio subjetivo, sustentado em meras conjeturas” (Marco Carvalho Gonçalves, Providências Cautelares, 2015, Almedina, pp. 206-213).
A este respeito alegou o Requerente/Recorrente que, mais do que um receio de lesão, verifica-se já a lesão efetiva e atual de todos os cidadãos que são obrigados a pagar bilhete, ao passo que os residentes em Lisboa entram, especialmente aos domingos e feriados, sem pagar naqueles bens culturais. Refere não estar em causa o valor económico do bilhete individualmente considerado, mas sim o valor intangível e supra económico da igualdade dos cidadãos no acesso aos bens culturais em causa.
Cumpre notar que o que a providência se destina a garantir é que, na pendência da ação principal, os não residentes em Lisboa acedam em igualdade de condições, relativamente aos residentes no concelho, aos bens culturais classificados de interesse nacional ou interesse público a cargo da Requerida.
O que significa que, a não ser adotada a medida cautelar, não se vai evitar que os demais residentes em território nacional sejam obrigados a pagar o bilhete de acesso aos bens culturais em causa. E, chegando-se ao final da ação principal, mostrar-se-ia, se não impossível, pelo menos deveras difícil proceder à reconstituição da situação fáctica pois que esta passaria, desde logo, pela devolução a cada um dos demais residentes em território nacional dos montantes despendidos nas visitas. Isto é, não seria apta a obstar a que a lesão – a violação da igualdade no acesso de todos aos bens culturais – se tivesse produzido, dando lugar ao que mais não é que a reparação monetária daquela.
É certo que, terminado o litígio principal, será possível, para o futuro, que não se efetive a lesão, o que significa que a decisão aí proferida não será nessa dimensão inútil. Todavia, ela revelar-se-á, no mínimo, produtora de danos, à esfera jurídica dos não residentes em Lisboa que, na pendência da ação, acederem a tais bens culturais, dificilmente reparáveis.
Entendemos, consequentemente, estar (também) preenchido o requisito do periculum in mora.
Da ponderação de interesses
Resta averiguar o preenchimento do requisito da ponderação de interesses a que se reporta o art. 120.º, n.º 2 do CPTA que dispõe que “Nas situações previstas no número anterior, a adoção da providência ou das providências é recusada quando, devidamente ponderados os interesses públicos e privados em presença, os danos que resultariam da sua concessão se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adoção de outras providências.”
Como resulta deste normativo a adoção da providência cautelar será recusada quando, pese embora o preenchimento, em favor do requerente, dos requisitos previstos no n.º 1, seja de entender que a sua adoção provocaria danos (ao interesse público e/ou de eventuais terceiros) desproporcionados em relação àqueles que se pretenderia evitar que fossem causados (à esfera jurídica do requerente). A atribuição da tutela cautelar fica, pois, dependente da formulação de um juízo de valor relativo, fundado na comparação da situação do requerente com a dos eventuais interesses contrapostos, procurando assegurar que a decisão é aquela que, objetivamente, provoca menos prejuízos.
Note-se que impende sobre o requerido o ónus da alegação e prova da circunstância (impeditiva) da adoção da providência cautelar, pelo que é sobre o requerido que recairão as consequências negativas da eventual falta de prova dos danos (superiores aos que ameaçam o requerente) que resultariam da adoção da providência
Ora, pese embora a parca alegação, no essencial, mostra-se aferível que o Requerente/Recorrente entende que, da recusa de adoção da medida cautelar, resultarão os danos, que reputa irreparáveis, à esfera jurídica dos não residentes em Lisboa que se verão obrigados a pagar bilhete de acesso àqueles bens culturais.
A Recorrida, em sede de contestação, nada alega quanto aos danos que emergem da adoção da medida.
Sem prejuízo, impõe-se considerar que estando em causa a adoção de medida destinada a cessar o tratamento distinto que é concedido aos residentes de Lisboa, face aos não residentes, consubstanciada na isenção do pagamento de preço no acesso aos bens culturais classificados de interesse nacional ou interesse público sob sua gestão, tendo o Recorrente peticionado a extensão dessa isenção aos não residentes, o dano consubstanciar-se-ia (apenas) na perda das quantias monetárias associadas ao pagamento de bilhete pelos demais residentes em território nacional.
Sucede que, além de a Recorrida a este respeito nada ter alegado ou demonstrado que permitisse aferir a dimensão dessa quebra de receita, o certo é que a este Tribunal assiste a possibilidade de adotar outra ou outras providências, em cumulação ou em substituição daquela ou daquelas que tenham sido concretamente requeridas, quando tal se revele adequado a evitar a lesão desses interesses e seja menos gravoso para os demais interesses públicos ou privados, em presença, nos termos do artigo 120.º, n.º 3 do CPTA.
A esse propósito foram, aliás, ouvidas as partes, chamadas a pronunciarem-se quanto à limitação da tutela cautelar à pretensão de cessação da prática discriminatória em função da residência que vem praticando na admissão aos imóveis e móveis classificados de interesse nacional (monumentos e tesouros nacionais) e de interesse público, o que, desde logo, possibilita que a Recorrida, ao invés de isentar de pagamento todos os residentes em território nacional, aplique (também) aos residentes em Lisboa a obrigação de pagamento de bilhete. O que significa que, na realidade, a adoção da tutela cautelar requerida não lhe provoca qualquer dano.
Assim, entendemos que limitar a tutela cautelar à primeira parte da pretensão formulada pelo Recorrente, é o que se revela mais adequado a evitar a lesão e menos gravoso para todos os interesses públicos ou privados, em presença, o que se fará ao abrigo do disposto no artigo 120.º, n.º 3 do CPTA.
Em suma, mostram-se preenchidos todos os requisitos de que depende a adoção da providência cautelar de, na pendência da ação principal, intimar a Requerida/Recorrida, EGEAC, a cessar o tratamento diferenciado entre residentes em Lisboa e demais residentes em território nacional no que respeita à isenção/pagamento de bilhete na admissão aos imóveis e móveis classificados de interesse nacional e de interesse público sob sua gestão.
4.3. Da condenação em custas
Vencida, é a Requerida/Recorrida condenada nas custas da ação e do recurso (art.ºs 527.º n.ºs 1 e 2 do CPC, 7.º, n.ºs 2 e 4, 12.º, n.º 2 e tabela II-A do RCP e 189.º, n.º 2, do CPTA).
V. Decisão
Nestes termos, acordam os juízes desembargadores da Secção Administrativa, subsecção Administrativa Comum, do Tribunal Central Administrativo Sul, em,
a. Conceder provimento ao recurso e, em consequência, revogar a decisão recorrida;
b. Em substituição, julgar a providência cautelar procedente, condenando-se a Recorrida/Requerida, EGEAC, a, na pendência da ação principal, cessar o tratamento diferenciado entre residentes em Lisboa e demais residentes em território nacional no que respeita à isenção/pagamento de bilhete na admissão aos imóveis e móveis classificados de interesse nacional e de interesse público sob sua gestão.
c. Condenar a Requerida/Recorrida nas custas da ação e do recurso.
Mara de Magalhães Silveira (por vencimento)
Lina Costa (vencida, conforme declaração de voto infra)
Marta Cavaleira *
Declaração de voto:
Contrariamente à posição que fez vencimento teria mantido a sentença recorrida por entender que, conforme explicitado na mesma, só há violação do princípio da igualdade quando o que é igual ou o que é diferente, é tratado de forma diferente ou igual, respectivamente, sem justificação razoável, objectiva e racional.
Do disposto nos referidos artigos 6º nº 1 [“Estado unitário”], 12º nº 1 [“Princípio da universalidade”], 73º [“Educação, cultura e ciência”] e 78º [“Fruição e criação cultural”] da CRP, 7º nº 1 [“Directo à fruição do património cultural”] da Lei do Património Cultural, provada pela Lei 107/2001, de 8 de Setembro, retira-se que todos os cidadãos têm direito à cultura, em aceder à fruição cultural, mormente aos bens, espaços que integram o património cultural existente no território nacional.
Já o regime de acesso e o custo do ingresso correspondente, são regulados nos artigos 54º e 55º da Lei-Quadro dos Museus, aprovada pela Lei nº 47/2004, de 19 de Agosto, que atribuem ao “museu”, ou à entidade que o gere, o dever de garantir esse acesso e a visita pública regular, com horário compatível com a sua vocação e localização, bem como as necessidades das várias categorias de visitantes, e o direito a estabelecer a gratuitidade ou onerosidade do ingresso, devendo diferenciar o custo, fixando preçário mais favorável, em “relação, nomeadamente, a jovens, idosos, famílias e estudantes” [sublinhado nosso].
A saber, todos têm direito de acesso à fruição cultural, mormente, aos monumentos e museus nacionais e de interesse público, mas não necessariamente de forma gratuita ou por um custo igual para todos, admitindo o legislador que possa haver várias tipologias de preço/ingresso e isenções, em função quer das categorias de visitantes indicadas no nº 3 do referido artigo 55º, quer de outras que o museu entenda justificar-se.
Donde, não resulta do teor das referidas normas constitucionais e materiais que a entidade a quem cumpre definir o custo ou não, do ingresso não possa estabelecer a gratuitidade das entradas para, por exemplo, as crianças até aos 12 anos, inclusive, ou os desempregados, ou visitantes com incapacidade, ou antigos combatentes, desde que apresente a prova exigida para o efeito.
As isenções do pagamento ou mesmo o desconto no preço do bilhete normal, visam, por regra, proporcionar o acesso ao maior número possível de visitantes, na prossecução do princípio da democratização da cultura e promoção da inclusão social de pessoas a quem a lei reconhece necessitarem de protecção especial.
Mas podem ter outras finalidades como, nomeadamente, permitir o aprofundar dos conhecimentos dos visitantes – por exemplo: investigadores, profissionais de museologia ou património, professores e alunos em visita de estudo –, ou decorrer de especial relação que os visitantes detêm com o bem cultural a que pretendem aceder ou com a entidade que o gere – por exemplo: os respectivos trabalhadores, voluntários e estagiários, os residentes do concelho onde aquele se encontra instalado e ao qual cumpre o seu domínio e gestão, directa ou por intermédio de outra entidade.
É este o caso em apreciação e cuja diferenciação dos demais casos elencados e admissíveis por lei [porque ao contrário do que parece entender o Recorrente, o disposto no nº 3 do artigo 55º da Lei nº 47/2004 não é taxativo quanto aos grupos/categorias de visitantes que podem ser beneficiados com a isenção ou redução do preço normal do ingresso nos bens culturais] começa, precisamente, pela natureza da entidade que gere os monumentos, museus nacionais e de interesse público a que o Recorrente se refere.
Com efeito, a Recorrida é uma pessoa colectiva de direito privado sob a forma de sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos, de responsabilidade limitada, com natureza municipal, constituída pelo Município de Lisboa, que prossegue os fins previstos nos respectivos estatutos e de acordo com o Regime jurídico da actividade empresarial local, aprovado pela Lei nº 50/2012, de 31 de Agosto, é financiada por este município, cujas receitas, por sua vez, provêm, designadamente, dos impostos – IMI, IMT, IUC, IRS e IVA – pagos pelos residentes do respectivo concelho.
Logo, não estão em causa monumentos, museus nacionais, sitos em Lisboa, geridos pela Direcção-Geral do Património Cultural, serviço central da administração directa do Estado [a que sucedeu o Património Cultural, IP, criado pelo Decreto-Lei nº 78/2023, de 4 de Setembro responsável pela gestão de 21 monumentos, onde se incluem mosteiros, conventos, igrejas, capelas, ermidas, arquitectura civil, arquitectura militar, sítios arqueológicos e arte rupestre, aos quais se soma 1 equipamento cultural, in https://www.patrimoniocultural.gov.pt/instituicao/apresentacao/] - entidade com a qual o Recorrente compara a Recorrida - e que concede isenções a todos os residentes no território nacional, pressuponho, por ser esse o seu âmbito de actuação.
Se, por exemplo, o mencionado Castelo de São Jorge fosse gerido pelo Património Cultural, IP, admitiríamos partilhar do entendimento do Recorrente de que a isenção de pagamento de ingresso apenas aos residentes no concelho de Lisboa consubstanciaria uma discriminação injustificada de tratamento em relação aos demais residentes em território nacional, porque essa entidade não tem, como a Recorrida, âmbito local, nem é financiada por uma autarquia e pelos impostos pagos pelos seus residentes [a não ser que fosse avançada outra justificação racional e atendível para o efeito].
São, assim, as circunstâncias relativas à Recorrida, entidade que gere os referidos bens culturais nacionais que permitem justificar, a tornar aceitável, racional a diferenciação efectuada quanto à gratuitidade dos residentes no concelho de Lisboa em relação aos demais residentes no território nacional. Como a mesma alega aqueles já contribuíram para a gestão, conservação do equipamento cultural que pretendem visitar e está a seu cargo, pelo que o pagamento do preço normal de ingresso implicaria pagarem mais pelo acesso do que os que vêm de outros concelhos do país.
O que está em conformidade com o disposto nos referidos artigos 45º e 46º da Lei 50/2012, em particular na alínea b) do nº 1 deste segundo artigo que, como princípio orientador, prevê que as empresas locais devem prosseguir a missão que lhes foi atribuída, tendo em vista “promover o acesso, em condições financeiras equilibradas, da generalidade dos cidadãos a bens e serviços essenciais, procurando adaptar as taxas e as contraprestações devidas às reais situações dos utilizadores, à luz do princípio da igualdade material” [sublinhado nosso].
A alegação de falta relação directa e universal com intensidade bastante entre a residência de um cidadão e a sua contribuição para o orçamento municipal - por não ser possível afirmar que um residente em Lisboa contribui mais para o orçamento municipal de Lisboa do que um residente noutro concelho, ou que sequer contribui para o orçamento do município de Lisboa, ou que a residência fiscal no concelho de Lisboa signifique que tem residência efectiva nesse concelho, essa tese levaria à exigência de exibição à porta do monumento ou museu a visitar de uma declaração tributária, o que poderia conduzir ao resultado absurdo de exigir pagamento de entrada a quem não atestasse a sua participação no orçamento do município por estar desempregado, por exemplo -, pelo que não tem fundamento racional ou lógico, não pode proceder, face às razões aduzidas, mormente porque a gratuitidade é reconhecida à categoria de visitantes correspondente aos residentes no concelho de Lisboa e não a cada um desses residentes, em função da sua concreta situação pessoal, familiar, financeira ou outra.
Sendo que, inexistem dúvidas porque decorre do direito aplicável, de que os residentes do concelho de Lisboa pagam os impostos que constituem receitas do Município de Lisboa que, por sua vez, as transfere para a Recorrida que as utiliza na gestão e conservação dos monumentos e museus nacionais e de interesse público que tem a seu cargo. Ao que a Recorrida acrescenta que pagam e bem.
Assim, por entender que os argumentos expendidos pelo Recorrente são insuficientes para abalar o decidido pelo juiz a quo, manteria o entendimento vertido na sentença recorrida de que não se verifica o requisito do fumus boni iuris e, consequentemente, improcede a providência requerida.
Lina Costa. |