Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:346/13.8BECTB
Secção:CT
Data do Acordão:07/15/2025
Relator:FILIPE CARVALHO DAS NEVES
Descritores:NOTIFICAÇÃO DA LIQUIDAÇÃO
CADUCIDADE DO DIREITO À LIQUIDAÇÃO
EXECUÇÃO FISCAL
Sumário:I - O executado pode apresentar oposição à execução fiscal ao abrigo da alínea i), do n.º 1, do art.º 204.º do CPPT nos casos em que sustenta a falta de notificação tout court do ato tributário de liquidação que está a ser cobrado coercivamente.
II - Tendo sido determinada pela Autoridade Tributária e Aduaneira («AT») a notificação do projeto de relatório de inspeção tributária à Recorrente para efeitos de, querendo, exercer o seu direito de audição, é patente que o procedimento de inspeção tributária regressou a essa fase procedimental, pelo que teria a AT, necessariamente, de praticar os restantes atos subsequentes inerentes à conclusão desse procedimento, e, após, sendo o caso, comunicar à visada o ato tributário de liquidação que materializa as correções realizadas em sede de IRS, nos termos prescritos nas leis tributárias.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Subsecção de Execução Fiscal e Recursos Contraordenacionais do Tribunal Central Administrativo Sul

I – RELATÓRIO

M…, melhor identificada nos autos, veio apresentar recurso da sentença proferida a 22/10/2018 pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco que julgou improcedente a oposição judicial deduzida no processo de execução fiscal («PEF») n.º 0604201201041258, instaurado para cobrança de dívida de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares («IRS»), do exercício de 2008, no valor de 8.537,70 Euros.


A Recorrente apresentou alegações, rematadas com as seguintes conclusões:

«1ª
A douta sentença recorrida considerou a oposição improcedente e, em consequência, absolveu a Fazenda Pública do pedido.
Para tal, considerou o tribunal "a quo" que a ora recorrente foi validamente notificada das liquidações dos valores em dívida, pela via CTT apesar de não ter acedido à caixa de correio, pelo que a dívida exequenda é-lhe exigível, pelo que improcede o fundamento alegado pela Oponente.
Veio a meritíssima juiz "a quo" a considerar que a citação efectuada por via CTT em 14.09.2012 relativa à liquidação dos factos provados n°04 a 06 da sentença se efectivou no 25° dia posterior ao seu envio. Uma vez que a recorrente nada invocou para ilidir a presunção tudo nos termos dos arts,39° e 191° do CPPT.

Contudo, o que sucede é que a recorrente nunca colocou em causa a questão da citação por via CTT.
O que invoca é a caducidade da liquidação cujo relatório final da inspecção é posterior a esse notificação via CTT.

A executada nunca foi notificada de qualquer liquidação adicional ao imposto do IRS de 2008 na sequência de uma inspecção parcial ao IRS no exercício de 2008 com a ordem de serviço n°O1 201000267.

O projecto de conclusões do relatório da inspecção com a ordem de serviço n°Ol 201000267 só foi comunicado à executada através do seu mandatário por carta datada de 26/11/2012.
Tendo sido dado sem efeito, por anuladas, as anteriores notificações à executada do relatório final da inspecção,

A 10 de Dezembro de 2012 a executada exerceu a audição prévia não aceitado lucro tributável apurado pela inspecção, a qual não obteve provimento conforme decisão comunicada por oficio datado de 26/12/2012.

Assim, só a partir da data referida deveria ter sido remetida para administração central a liquidação a matéria colectável apurada no relatório de inspecção. O que equivale a dizer que a notificação da liquidação a que alude o tribunal "a quo" não corresponde à conclusão a que chegou o relatório, desconhecendo-se a sua origem.

Após o termino da inspecção e a presente data a executada não foi notificada da liquidação.
A referida acção inspectiva teve o seu início em 02/03/2012 e terminou com a decisão datada de 26/12/2012.
Nos termos do art.46° n°01 da L.G.T., o direito a liquidar os tributos caducam no prazo de quatro anos, se a liquidação não for validamente notificada contribuinte.
Como estamos face a um imposto de obrigação periódica, o termo inicial prazo extintivo do direito à Fazenda Nacional liquidar o IRS, afere-se com referência ao fim do ano da sua ocorrência.

No caso dos autos, o IRS de 2008, o facto tributário surgiu em 31/12/2008. Face ao supra exposto, caducou o direito da Fazenda Nacional liquidar o tributo relativo IRS do ano 2008, pois até à data não houve notiſicação da liquidação IRS, tendo já decorrido mais de quatro anos ao surgimento do facto tributário.
Nestes termos, requer a V.Ex.s se dignem considerar procedente e provado o presente recurso, revogando-se a douta sentença recorrida, dando provimento à oposição à execução».
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Não há registo de apresentação de contra-alegações.
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O Exmo. Magistrado do Ministério Público («EMMP») pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso.

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Colhidos os vistos legais, vem o processo submetido à conferência da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais do Tribunal Central Administrativo Sul para decisão.

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II – DO OBJECTO DO RECURSO

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações (cf. art.º 635.º, n.º 4 e art.º 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil - «CPC» - ex vi art.º 281.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário - «CPPT»), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente.

Assim, delimitado o objeto do recurso pelas conclusões das alegações da Recorrente, importa decidir se deve ser revogada a sentença proferida pelo Tribunal a quo com fundamento em erro de julgamento, atendendo a que não foi notificada da liquidação de IRS relativa ao exercício de 2008 que deu origem à instauração do PEF aqui em causa.
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III – FUNDAMENTAÇÃO

III.A - De facto

A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:
«1. Em 02.08.2012 foi enviado, em correio postal registado, o ofício destinado a notificar a Oponente para se pronunciar em sede de audiência prévia relativamente ao projecto de relatório de inspecção tributária, tendo o respectivo expediente postal sido devolvido com a indicação “Objecto não reclamado” – cfr. ofício, registo e projecto de relatório de fls. 85 a 95 e comprovativo da devolução de fls. 97 do processo físico.
2. Em 24.08.2012 foi enviado, em correio registado, o ofício elaborado pelo Director de Finanças da Guarda, em regime de substituição, destinado a notificar a Oponente das correcções resultantes da acção de inspecção, expediente postal que foi devolvido em 05.09.2012, com a indicação “Objecto não reclamado” – cfr. ofício, relatório final e registo de fls. 177 a 187 e devolução de fls. 178 a 198 do processo físico.
3. Em 27.08.2012 a Oponente apresentou um requerimento dirigido ao Director de Finanças de Castelo Branco pelo qual requer que seja novamente enviada a carta, de preferência durante o mês de Setembro, cujo talão de levantamento datado do dia 02.08.2012 não lhe foi possível levantar – cfr. requerimento de fls. 75 do processo físico.
4. Em 31.08.2012 foi elaborada, em nome da Oponente, a liquidação de IRS com o n.º 20125004956939, no valor de 9.258,64 EUR – cfr. liquidação de fls. 34 do processo físico.
5. Em 08.09.2012 foi elaborada, em nome da Oponente, a demonstração de liquidação de juros referente à liquidação melhor identificada no ponto anterior do probatório, no valor de 943,00 EUR – cfr. demonstração de fls. 35 e detalhe do documento de fls. 36 do processo físico.
6. Em 08.09.2012 o Director-Geral da Área de Cobrança da Autoridade Tributária e Aduaneira elaborou o documento com a “Demonstração de Acerto de Contas” referente às liquidações de IRS do ano de 2008, pela qual foi apurado imposto a pagar, até 17.10.2012, no valor de 8.216,80 EUR – cfr. demonstração de acerto de contas de fls. 31 e detalhe do documento de fls. 32 do processo físico.
7. Em 14.09.2012 os documentos identificados nos três pontos anteriores do probatório foram enviados e integrados no via CTT e entregues na caixa postal electrónica do Via CTT da Oponente – cfr. documentos de fls. 31 a 36 do processo físico.
8. Em 20.09.2012 o Chefe de Divisão da Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Castelo Branco, por delegação de competências, exarou despacho de concordância com a informação e o parecer pelos quais se considerou que o sujeito passivo fora regularmente notificado do relatório de inspecção – cfr. despacho, parecer e informação de fls. 77 e 78 do processo físico.
9. Em 23.10.2012 a Oponente apresentou recurso hierárquico do despacho identificado no ponto anterior do probatório – cfr. fls. 217 e 218 do processo físico.
10. Em 26.11.2012 o Chefe da Divisão da Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Castelo Branco exarou despacho pelo qual revogou o despacho de 20.09.2012, melhor identificado no ponto 8 do probatório, determinou a anulação de todos os actos subsequentes daí resultantes e a notificação do projecto de relatório ao sujeito passivo para efeito de exercício do direito de audição – cfr. despacho de fls. 154 do processo físico.
11. Em 26.11.2012 foi enviado, em correio postal registado, o ofício destinado a notificar o mandatário da Oponente do projecto de conclusões do relatório de inspecção – cfr. ofício, projecto de relatório e registo postal de fls. 221 a 232 do processo físico.
12. Em 27.11.2012 foi autuado o processo de execução fiscal n.º 0604201201041258 (doravante PEF), que corre termos no Serviço de Finanças de Castelo Branco 1, no qual é executada a Oponente, com vista à cobrança coerciva da quantia exequenda no montante de 8.216,80 EUR, proveniente da falta de pagamento de IRS referente ao ano de 2008 – cfr. autuação e certidão de dívida de fls. 15 a 17 do processo físico.
13. Em 07.12.2012 a Oponente apresentou um requerimento na Direcção de Finanças de Castelo Branco, pelo qual exerceu o seu direito de audição relativamente ao projecto de relatório de inspecção – requerimento de fls. 69 do processo físico.
14. Em 27.12.2012 foi enviado, em correio postal registado, o ofício destinado a notificar a Oponente das correcções resultantes da acção de inspecção – cfr. ofício, registo e relatório de fls. 235 a 246 do processo físico.
15. Em 23.04.2013 a Oponente foi citada para o PEF para o pagamento da quantia exequenda, no valor de 8.216,80 EUR, e acrescido, no valor de 320,00 EUR – cfr. certidão de citação de fls. 12 do processo físico.
16. Em 22.05.2013 foi apresentada no Serviço de Finanças de Castelo Branco 1, via correio electrónico, a petição inicial dos presentes autos – cfr. fls. mensagem de correio electrónico de fls. 22 do processo físico.
17. A Oponente não acedeu à sua caixa postal electrónica Via CTT para ler os documentos a que se referem os pontos 4, 5, 6 e 7 do probatório – cfr. documentos de fls. 31 a 36 do processo físico».

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A decisão recorrida consignou como factualidade não provada o seguinte:
«Não existem quaisquer outros factos com relevo que importe fixar como não provados.».

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Mais resulta consignado em termos de motivação da matéria de facto o seguinte:
«A convicção do tribunal quanto à matéria de facto provada assentou na análise do processo do processo administrativo e do processo de execução fiscal integrado nos autos conforme discriminado supra no probatório.
No que respeita aos pontos 4, 5 e 6 do probatório a convicção do Tribunal resulta da informação constante da aplicação informática da Administração Tributária que contém o histórico de operações e de ficheiros desde a criação do documento até à sua entrega na caixa postal electrónica do Via CTT da Oponente. Uma vez que estão em causa notificações electrónicas, a referida informação é suficiente para dar como provado o envio e entrega das notificações de liquidações na caixa postal electrónica da Oponente.».

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III.B De Direito

Insurge-se a Recorrente contra a sentença recorrida por, alegadamente, padecer de erro de julgamento, concretamente em relação à demonstração da notificação da liquidação adicional de IRS referente ao exercício de 2008, cujo não pagamento está na génese da execução fiscal em causa. Vem, assim, a Recorrente peticionar a revogação da sentença que recaiu sobre a oposição à execução fiscal apresentada no PEF n.º 0604201201041258, defendendo, em suma, que in casu se pode concluir que não foi notificada da sobredita liquidação.

Apreciemos.

Adiantando, desde já, a nossa posição, entendemos que a sentença em dissídio padece efetivamente do desacerto que lhe vem assacado nas alegações recursivas.

Vejamos porquê.

É indisputado nos presentes autos que a falta de notificação da liquidação de IRS do exercício de 2008 constitui fundamento legalmente admissível de oposição à execução fiscal nos termos da alínea i) do n.º1 do art.º 204.º do CPPT.

Importa, então, determinar se in casu, tal como se entendeu na sentença recorrida, o ato tributário de liquidação em causa chegou a ser notificado à Recorrente, fundamentando, assim, a conclusão a que chegou o Tribunal a quo quanto à exigibilidade da dívida exequenda.

Perscrutando a factualidade assente nos presentes autos, ressalta o seguinte, com relevo para o caso que agora nos ocupa:

(i) em 31/08/2012 foi elaborada, em nome da Recorrente a liquidação adicional de IRS com o n.º 20125004956939, no valor de 9.258,64 EUR, sendo que em foi enviada e integrada no via CTT e entregue na sua caixa postal eletrónica (cf. pontos 4. e 7. dos factos provados);
(ii) em 20/09/2012 o Chefe de Divisão da Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Castelo Branco, por delegação de competências, exarou despacho de concordância com a informação e o parecer pelos quais se considerou que a Recorrente fora regularmente notificada do relatório de inspeção tributária subjacente à sobredita liquidação adicional de IRS (cf. ponto 8. do probatório);
(iii) em 26/11/2012 o Chefe da Divisão da Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Castelo Branco exarou despacho pelo qual revogou o despacho de 20/09/2012, acima referido, e determinou a anulação de «todos os atos subsequentes daí resultantes» e a notificação do projeto de relatório à Recorrente para efeitos de exercício do direito de audição (cf. ponto 10. da factualidade assente);
(iv) não há evidência de que a Administração Tributária («AT») tenha, posteriormente àquela data (26/11/2012) notificado a Recorrente de qualquer liquidação adicional de IRS relativa ao ano de 2008.

Assim sendo, perante a factualidade estabilizada nos presentes autos, é evidente a razão da Recorrente quando afirma que a AT não procedeu à notificação, conforme deveria, da liquidação que se encontra a ser coercivamente cobrada na presente execução fiscal. É que tendo sido determinada, além do mais, a notificação do projeto de relatório de inspeção tributária à Recorrente para efeitos de, querendo, exercer o seu direito de audição, é patente que o procedimento de inspeção tributária regressou a essa fase procedimental, pelo que teria a AT, necessariamente, de praticar os restantes atos subsequentes inerentes à conclusão desse procedimento, e, após, sendo o caso, comunicar ao visado o ato tributário que materializa as correções realizadas em sede de IRS, nos termos prescritos nas leis tributárias, o que, tendo em conta a factualidade assente, não sucedeu.

É, aliás, este o sentido útil que, da nossa perspetiva, se pode retirar do teor do despacho de 26/11/2012 do Chefe da Divisão da Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Castelo Branco, na parte em que determina a anulação de «todos os atos subsequentes daí resultantes» e a notificação do projeto de relatório de inspeção tributária (cf. ponto 10. dos factos assentes).

É por esta razão que não podemos acompanhar o Tribunal a quo na conclusão de que «não há dúvida de que a Oponente foi validamente notificada das liquidações dos valores em dívida, pelo que a dívida exequenda é-lhe exigível, pelo que improcede o fundamento alegado pela Oponente», porquanto, como visto, era imperioso que a AT tivesse procedido a nova notificação do ato tributário de liquidação adicional de IRS referente ao exercício de 2008, o que não fez.

E assim sendo, como se afirma nas alegações recursivas, a dívida exequenda não é exigível à Recorrente, pelas razões acima melhor expostas, pelo que, sem necessidade de maior elaboração, concluímos que procedem as conclusões formuladas nesta sede no âmbito do ataque à sentença recorrida.

Em face do exposto, o recurso merece provimento, devendo a sentença recorrida ser revogada, o que de seguida se decidirá.
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IV- DECISÃO

Termos em que acordam, em conferência, os Juízes da Subsecção de Execução Fiscal e Recursos Contraordenacionais do Tribunal Central Administrativo Sul, em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar a oposição procedente e, em consequência, determinar a extinção da execução fiscal.

Custas pela Recorrente (com dispensa da taxa de justiça na presente instância por não ter contra-alegado).

Registe e notifique.

Lisboa, 15 de julho de 2025

(Filipe Carvalho das Neves)

(Isabel Vaz Fernandes)

(Luísa Soares)