| Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
| Processo: | 154/09.0BECTB | 
|  |  | 
| Secção: | CA | 
|  |  | 
|  |  | 
| Data do Acordão: | 10/09/2025 | 
|  |  | 
| Relator: | HELENA TELO AFONSO | 
|  |  | 
| Descritores: | NULIDADE PROCESSUAL - AUDIÊNCIA PRÉVIA - DISPENSA DE REALIZAÇÃO DE PERÍCIA VIOLAÇÃO DO DIREITO AO CONTRADITÓRIO – EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA POR INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE EXTINÇÃO DA OBRIGAÇÃO PELO PAGAMENTO – CFR. ARTIGO 762.º, N.º 1 DO CÓDIGO CIVIL | 
|  |  | 
| Sumário: | I - Estando demonstrado que o réu procedeu ao pagamento das faturas relativas à prestação de serviços de fornecimento de água não pode o réu ser condenado a pagar, novamente, as referidas faturas, improcedendo, assim, o pedido de condenação do réu a pagar as quantias peticionadas relativamente aos fornecimentos de água. | 
|  |  | 
|  |  | 
| Votação: | Unanimidade | 
|  |  | 
|  |  | 
| Indicações Eventuais: | Subsecção de Contratos Públicos | 
|  |  | 
|  |  | 
| Aditamento: |  | 
| 1 |  | 
| Decisão Texto Integral: | I – Relatório: Águas do Vale do Tejo, S.A., que sucedeu ope legis, a Águas do Zêzere e Coa, S.A., instaurou a presente ação administrativa contra o Município do Fundão, na qual peticionou a condenação do Município no pagamento de € 591.711,19, relativos à prestação de serviços de fornecimento de água e saneamento (serviços de recolha e tratamento de efluentes) e aos respetivos juros de mora. Por saneador-sentença proferido a 28 de fevereiro de 2023, foi julgada: a)	Extinta a instância, por inutilidade superveniente da lide, no que se refere ao pedido de pagamento das faturas relativas ao serviço de abastecimento de água; O saneador-sentença proferido foi precedido de despacho que considerou “desnecessária a produção de prova testemunhal requerida, bem como a perícia requerida”, porquanto, entendeu o tribunal que os factos que as partes pretendem provar encontram-se “suportados pelos documentos juntos aos autos” e “a perícia perdeu a sua utilidade visto que a mesma iria incidir sobre uma medição que deixou se estar em causa nos presentes autos, uma vez que o respectivo valor foi integralmente pago”, concluindo o Tribunal a quo que o processo reúne todos os elementos necessários ao conhecimento do mérito da causa. Inconformados, autora e réu interpuseram recursos. Na sua alegação de recurso, o Município do Fundão formulou as seguintes conclusões: *II. Questões a apreciar e decidir: As questões suscitadas pelo Município delimitadas pela alegação de recurso e respetivas conclusões, são as de decidir se: a) O saneador-sentença incorreu em nulidade processual por violação do princípio do contraditório ao ter conhecido o mérito da causa sem a realização de audiência prévia, nos termos do disposto no artigo 87.º-A, n.º 1, al. a) do CPTA e no artigo 3.º, n.º 3, do CPC configurando, no entender do Recorrente, uma decisão surpresa. b) O saneador-sentença incorreu em nulidade processual ao não se pronunciar quanto à decisão do Tribunal Arbitral proferida a 23/01/2023, junta aos autos. c) O despacho prévio incorreu em nulidade ao dispensar a realização da perícia requerida pelo Município, sem previamente ouvir as partes. As questões suscitadas pela Autora delimitadas pela alegação de recurso e respetivas conclusões, são decidir se: a) O despacho prévio ao saneador-sentença incorreu em nulidade processual por violação, designadamente, do princípio do contraditório, ao ter conhecido o mérito da causa sem a realização de audiência prévia, nos termos do disposto no artigo 87.º-A, n.º 1, al. a) do CPTA, configurando, uma decisão surpresa. b) O saneador-sentença incorreu em nulidade processual, por violação do direito ao contraditório, ao julgar extinta a instância por inutilidade da lide quanto ao pedido de pagamento das faturas relativas ao serviço de abastecimento de água. a) Erro de julgamento na apreciação da matéria de facto provada nas alíneas O) e N). III – Fundamentação: 3.1. De facto: Em Na sentença recorrida foi julgada a matéria de facto com interesse para a decisão, nos seguintes termos: “A) Em 15 de Setembro de 2000 o Estado Português e a Águas do Zêzere e Côa, S.A. celebraram contrato de concessão, pelo prazo de trinta anos, através do qual foi concedido, em regime de exclusividade, a concessão da exploração e gestão do sistema multimunicipal de abastecimento de água e de saneamento do Alto Zêzere Côa para captação, tratamento e distribuição de água para consumo público e para recolha, tratamento e rejeição de efluentes dos municípios de Almeida, Belmonte, Covilhã, Figueira de Castelo Rodrigo, Fundão, Guarda, Manteigas, Meda, Penamacor, Pinhel e Sabugal, do mesmo constando no que se refere a juros o seguinte: “(…) Cláusula 33.ª (Medição e facturação) (…) (Cfr. documento a fls. 24 a 45 dos autos) B) Em 15 de Setembro de 2000 o Município do Fundão e a Águas do Zêzere e Côa, S.A. celebraram contrato de fornecimento de água e saneamento, no âmbito do qual ficou a sociedade obrigada a fornecer água ao Município, destinada ao abastecimento público, nos termos e de acordo com as condições previstas no contrato de concessão, constante na alínea anterior. (Cfr. documento a fls. 46 a 52 dos autos) C) Em 15 de Setembro de 2000 o Município do Fundão e a Águas do Zêzere e Côa, S.A. celebraram contrato de recolha de efluentes, no âmbito do qual ficou a sociedade obrigada recolher efluentes provenientes do sistema próprio do Município, nos termos e de acordo com as condições previstas no contrato de concessão, constante na alínea A) supra, constando do mesmo, quanto a juros de mora, que os mesmos serão calculados nos termos da legislação aplicável às dívidas ao Estado. (Cfr. documento a fls. 56 a 64 dos autos) D) Em 30 de Setembro de 2008 a Autora emitiu ao Município do Fundão factura n.º 3040383439, referente ao fornecimento de água e taxa de recursos hídricos no valor total de € 105.483,54. (Cfr. documento a fls. 65 dos autos) E) Em 30 de Setembro de 2008 a Autora emitiu ao Município do Fundão factura n.º 3040383449, referente ao saneamento - recolha e tratamento de efluentes no valor total de € 44.953,23. (Cfr. documento a fls. 67 dos autos) F) Em 31 de Outubro de 2008 a Autora emitiu ao Município do Fundão factura n.º 3040383489, referente ao fornecimento de água e taxa de recursos hídricos, no valor total de € 90.611,40. (Cfr. documento a fls. 69 dos autos) G) Em 31 de Outubro de 2008 a Autora emitiu ao Município do Fundão factura n.º 3040383542, referente ao saneamento - recolha e tratamento de efluentes no valor total de € 43.450,34. (Cfr. documento a fls. 71 dos autos) H) Em 31 de Novembro de 2008 a Autora emitiu ao Município do Fundão factura n.º 3040383621, referente ao fornecimento de água e taxa de recursos hídricos, no valor total de € 92.417,08 (Cfr. documento a fls. 75 dos autos) I) Em 31 de Novembro de 2008 a Autora emitiu ao Município do Fundão factura n.º 3040383666, referente ao saneamento - recolha e tratamento de efluentes no valor total de € 58.205,13. (Cfr. documento a fls. 77 dos autos) J) Em 31 de Dezembro de 2008 a Autora emitiu ao Município do Fundão factura n.º 3040383700, referente ao fornecimento de água e taxa de recursos hídricos, no valor total de € 73.342,33 (Cfr. documento a fls. 79 dos autos) K) Em 31 de Dezembro de 2008 a Autora emitiu ao Município do Fundão factura n.º 3040383686, referente ao saneamento - recolha e tratamento de efluentes no valor total de € 44.158,67. (Cfr. documento a fls. 81 dos autos) L) Em 31 de Agosto de 2008 a Autora emitiu ao Município do Fundão factura n.º 3040383362, referente ao fornecimento de água e taxa de recursos hídricos, no valor total de € 20.397,93. (Cfr. documento a fls. 83 dos autos) M) Em 31 de Agosto de 2008 a Autora emitiu ao Município do Fundão factura n.º 3040383378, referente ao saneamento - recolha e tratamento de efluentes – rectificação – no valor total de € 10.745,62. (Cfr. documento a fls. 87 dos autos) N) As facturas identificadas nas alíneas supra foram recebidas e não pagas pelo Município do Fundão. (Cfr. Acordo) O) O Município do Fundão realizou o pagamento da totalidade das facturas relativas ao serviço de fornecimento de água peticionadas nos autos, concretamente as facturas n.ºs 3040383439, 3040383489, 3040383621, 3040383700 e 3040383362. (Cfr. recibo de fls. 2215 e 2216 dos autos) *Não existem factos não provados com relevância para a decisão da presente causa. *Motivação: A convicção que permitiu dar como provados os factos acima descritos assentou na análise crítica do teor dos documentos constantes nos autos, conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório.” *3.2. De Direito. Em despacho que, imediatamente, antecedeu o saneador-sentença proferido em 28 de fevereiro de 2023, a fls. 3101-3117 do SITAF decidiu o Tribunal a quo que “o processo reúne todos os elementos necessários ao conhecimento do mérito da causa em sede de despacho saneador, nos termos estabelecidos no artigo 88º, nº 1, al. a) e b), do C.P.T.A., pelo que se revela desnecessária a produção de prova testemunhal requerida, bem como a perícia requerida, pelo que se passa de imediato a proferir: SANEADOR – SENTENÇA”.Por saneador-sentença proferido a 28 de fevereiro de 2023, foi julgada: c) Extinta a instância, por inutilidade superveniente da lide, no que se refere ao pedido de pagamento das faturas relativas ao serviço de abastecimento de água; e, d) Procedente o restante peticionado e, em consequência, condenado o Município do Fundão ao pagamento do valor de € 201.512,99, acrescido dos respetivos juros de mora. Com efeito, no saneador-sentença o Tribunal a quo decidiu que “não existe qualquer violação de convenção de arbitragem, sendo por isso este tribunal competente para apreciar o presente litígio”, julgando improcedente a suscitada exceção de preterição do Tribunal arbitral. Tal como julgou improcedente o pedido de suspensão da presente instância com fundamento na inexistência de causa prejudicial. No referido saneador-sentença considerou-se que “vieram a partes demonstrar que os valores referentes ao fornecimento de água foram integralmente pagos pelo Município do Fundão à Autora, pelo que, quando a esta parte do pedido, verifica-se a inutilidade superveniente da lide.”, tendo sido julgada extinta a instância, por inutilidade superveniente da lide, no que se refere ao pedido de pagamento das faturas relativas ao serviço de abastecimento de água; e procedente o restante peticionado e, em consequência, condenado o Município do Fundão ao pagamento do valor de € 201.512,99, acrescido dos respetivos juros de mora. É contra o despacho interlocutório e contra o saneador sentença que autora e réu se insurgem. Por razões de precedência lógica, começaremos por apreciar os recursos interpostos pelo réu e pela autora relativamente ao despacho que precedeu o saneador-sentença. *3.2.1. Da nulidade processual incorrida no saneador-sentença, por violação do princípio do contraditório, por ter conhecido o mérito da causa sem a realização de audiência prévia, nos termos do disposto no artigo 87.º-A, n.º 1, al. a) do CPTA e no artigo 3.º, n.º 3, do CPC; por omissão de pronúncia quanto à decisão do Tribunal Arbitral proferida a 23/01/2023, junta aos autos.; e, por dispensar a realização da perícia requerida pelo Município. Insurgiu-se o réu contra a decisão que considerou que “o processo reúne todos os elementos necessários ao conhecimento do mérito da causa em sede de despacho saneador, nos termos estabelecidos no artigo 88º, nº 1, al. a) e b), do C.P.T.A., pelo que se revela desnecessária a produção de prova testemunhal requerida, bem como a perícia requerida”, proferindo de imediato saneador-sentença. Defendeu que “a douta sentença” ora em apreço viola o disposto na alínea b), do n.º 1, do artigo 87.º-A, do CPTA, no n.º 3, do artigo 3.º do CPC, atentando ainda contra o princípio do processo justo e equitativo, garantido no n.º 4 do artigo 20.º da CRP. Mais defendeu que a “douta sentença” viola o disposto na al. d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC e que o conhecimento do pedido, em fase de saneamento dos autos, obriga de forma imperativa, o juiz, à designação de audiência prévia, a realizar nos termos da al b) do n.º 1 do artigo 87.º- A do CPTA, facultando às partes a possibilidade de alegarem de facto e de direito sobre a matéria de que irá conhecer. A prolação de decisão final de mérito em saneador-sentença, assente tão só na asserção de que o estado dos autos permite, sem necessidade de mais provas, a apreciação do mérito da causa, constitui uma decisão surpresa, incorrendo numa nulidade processual, dado não se ter pronunciado sobre a junção de um documento que o próprio Tribunal requer às partes. Referiu, assim, que a decisão do Tribunal arbitral é essencial para a descoberta da verdade material, pelo que deve ser aceite e valorada por este Tribunal. Por seu lado a autora e recorrida, em sede de contra-alegação defendeu que “previamente ao saneador sentença, foi proferido despacho que concluiu que o processo reúne todos os elementos necessários ao conhecimento do mérito da causa em sede de despacho saneador, nos termos estabelecidos no artigo 88º, nº 1, al. a) e b), do C.P.T.A., pelo que se revela desnecessária a produção de prova testemunhal requerida, bem como a perícia requerida.”. Os despachos interlocutórios são todos os proferidos no processo antes da decisão final e que visam a preparação da mesma, os quais, uma vez proferidos e não atacados através de recurso, formam caso julgado formal nos termos do disposto no artigo 620.º, nº 1, do C.P.C, tendo força obrigatória dentro do processo (Cfr. Ac. do S.T.A-2ª.Secção, de 29/10/2008, rec.511/08; Ac. do T.C.A.Sul-2ª.Secção, de 14/3/2006, proc.1313/03). É pacífico o entendimento de que constitui um despacho interlocutório, passível de ser impugnado no recurso que vier a ser interposto da decisão final, nos termos do artigo 142º, nº 5, do CPTA, o despacho em que se afirma que o processo contém já os elementos necessários, sem necessidade de maiores indagações ou de realização de diligências de prova adicionais, para conhecer do mérito da ação – Cfr., entre outros, Ac. do TCA Sul, de 09.02.2012, processo nº 08169/11, Ac. do TCA Sul, de 19.12.2017, processo nº 236/14.7BELSBA, Ac. do TCA Norte, de 13.06.2014, processo n.º 03552/11.6 PRT e Ac. do TCA Norte, de 07.04.2017, processo 02587/15.4 BRG-A -. Decorre, pois, limpidamente das conclusões do recurso, que o Recorrente não imputa qualquer erro de julgamento ao saneador-sentença, insurgindo-se antes quanto ao despacho que dispensou a produção de prova, despacho que não foi objeto de impugnação por parte do Recorrente, razão pela qual o recurso deve ser julgado improcedente. Analisando as conclusões recursórias apresentadas pelo réu, ora recorrente, apesar de se referir nas mesmas a “sentença” e “saneador sentença”, sem que nunca se tenha referido ao “despacho interlocutório”, ou seja ao despacho proferido imediatamente antes do saneador-sentença, atentando nos fundamentos do recurso, não subsistem quaisquer dúvidas que o único objeto do recurso é o despacho interlocutório que concluiu que o processo reúne todos os elementos necessários ao conhecimento do mérito da causa em sede de despacho saneador, sendo que para efeitos de impugnação desse despacho interlocutório (ainda que não o tenha expressamente identificado) não estava o réu obrigado a interpor recurso da decisão final materializada no saneador-sentença – cfr. artigo 142.º, n.º 5 do CPTA e 637.º, n.º 2 do CPC. Termos em que não podem proceder as conclusões da contra-alegação da autora e recorrida de que o recurso do réu deve ser julgado improcedente em virtude de o despacho que dispensou a prova não ter sido objeto de impugnação por parte do réu e ora recorrente, não se verificando, assim, o invocado caso julgado formal, nos termos do disposto no artigo 620.º, n° 1, do C.P.C, pelo que procederemos de seguida à análise do recurso interposto pelo réu. Vejamos. Prevê-se no artigo 15.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 2 de outubro, que “[a]s alterações efetuadas pelo presente decreto-lei ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, aprovado pela Lei n.º 15/2002, de 22 de fevereiro, alterada pelas Leis n.ºs 4-A/2003, de 19 de fevereiro, 59/2008, de 11 de setembro, e 63/2011, de 14 de dezembro, só se aplicam aos processos administrativos que se iniciem após a sua entrada em vigor.”, pelo que aos presentes autos não é aplicável o regime jurídico decorrente, designadamente, do artigo 87.º-A, do CPTA. Com efeito, aos presentes autos de ação administrativa comum é aplicável o regime previsto para o processo de declaração regulado no Código de Processo Civil, na forma ordinária – cfr. artigo 35.º, n.º 1, do CPTA, na redação anterior à introduzida pelo Decreto-Lei n.º 214-G/2015. No artigo 595.º do CPC com a epígrafe: “Despacho saneador” prevê-se o seguinte: “1 - O despacho saneador destina-se a: a) Conhecer das exceções dilatórias e nulidades processuais que hajam sido suscitadas pelas partes, ou que, face aos elementos constantes dos autos, deva apreciar oficiosamente; b) Conhecer imediatamente do mérito da causa, sempre que o estado do processo permitir, sem necessidade de mais provas, a apreciação, total ou parcial, do ou dos pedidos deduzidos ou de alguma exceção perentória.”. E o artigo 3.º, n.º 3, do CPC estabelece que “[o] juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.”. Como se decidiu no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 08/02/2018, proferido no proc. n.º 3054/17.7T8LSB-A.L1-6. (1-Consultável em www.dgsi.pt., como todos os acórdãos sem indicação de outra fonte.) “I – No NCPC (Lei 41/2013), passou a dispor-se como regra a obrigatoriedade da realização de audiência prévia, agora previsto no artº 591 do C.P.C., nomeadamente quando “tencione conhecer imediatamente, no todo ou em parte, do mérito da causa.” (nº1 b) II.– A lei processual apenas autoriza o juiz a dispensar a audiência prévia nas acções que hajam de prosseguir e, a realizar-se, a audiência prévia só tivesse por objecto as finalidades indicadas nas alíneas d), e) e f) no n.º 1 do artigo 591.º III.– A dispensa da audiência prévia fora destes casos, só é possível por via do mecanismo da adequação formal prevista no artº 547 e 6 do C.P.C. sem prejuízo de a dispensa ser precedida de consulta das partes, por exigência do princípio do contraditório, como decorre do artº 3º, nº 3, do NCPC. IV.– Sendo esta uma formalidade obrigatória e essencial, a sua não observância é fundamento de nulidade, que inquinou a sentença proferida por ter decidido de questão de que não podia conhecer e apenas impugnável por via do competente recurso.”. Assim, por despacho de 6/02/2014, foi designada data para a realização de audiência prévia destinada “aos fins previstos no artigo 591.º, n.º 1, alíneas a) a g), do Novo CPC”, a qual veio a realizar-se em 24/06/2014 (cfr. fls. 1125 e 1145-148 do SITAF), tendo sido promovida a “conciliação das partes”, bem como “de comum acordo com os mandatários e ao abrigo do princípio da adequação formal” foi efetuada a programação dos subsequentes atos a praticar (cfr. fls. 1145-1148 do SITAF), comprometeram-se as partes até 15/9/2014 a informar os autos sobre o estado do processo negocial, designadamente, se o acordo já foi celebrado ou, no caso do mesmo não ter sido celebrado, qual a data expectável da celebração do mesmo e que caso o acordo não fosse celebrado até 20/10/2014 seria proferido o despacho saneador e os despachos previstos no artigo 596.º do novo CPC, por escrito, e notificadas as partes para os efeitos previstos no n.º 2 do artigo 596.º do novo CPC, designando-se data para a realização da audiência final. Ora, no caso dos autos, como se verifica, foi designada data para a realização da audiência prévia (1.ª), a qual veio a ser realizada, tendo-se previsto, por acordo das partes, a possibilidade de o Tribunal proferir despacho saneador sem necessidade de realização de nova audiência prévia, estando as partes de acordo com a possibilidade de o Tribunal vir a conhecer imediatamente do mérito da causa, caso o estado do processo permitisse, sem necessidade de mais provas, a apreciação, total ou parcial, do ou dos pedidos deduzidos ou de alguma exceção perentória. Posteriormente veio a ser prestada informação ao processo de que o acordo mencionado na ata de audiência prévia não foi celebrado e que não existe uma data expectável para a celebração do mesmo, tendo as partes junto aos autos requerimentos que motivaram a prolação do seguinte despacho em 10 de novembro de 2014: “Desde o dia 15/09/2014 deram entrada sucessivos requerimentos nos presentes autos, em relação aos quais foi necessário aguardar o prazo de contraditório, nos termos do artigo 3.º, n.º 3, do novo CPC, o que implicou que só em 6/11/2014 foram os autos conclusos para a prolação do despacho saneador, comprometendo a calendarização fixada no despacho proferido na audiência prévia, designadamente quanto à realização do julgamento. (…) Assim, dá-se sem efeito a diligência agendada para os dias 12/11/2014 e 13/11/2014.” – cfr. fls. 2170 do SITAF. Em 5 de abril de 2019 foi proferido o seguinte despacho: “Para a realização de Audiência Prévia, designo o dia 11 de junho de 2019, pelas 11h15, atenta a disponibilidade de agenda deste Tribunal e em conformidade com o disposto no artigo 151º, nº 2 do Código do Processo Civil, a qual terá os seguintes fins: a) Proceder à realização da tentativa de conciliação, nos termos previstos no art.º 591º nº 1 al. a) do Código do Processo Civil, aplicável ex vi dos artigos 1º e 42º do CPTA; b) Em caso de frustração da conciliação, a audiência prévia terá ainda como objeto as finalidades constantes das alíneas c), d), f) e g) do nº1 do art.º 591º do CPC.”, a qual veio a ser realizada nos termos constantes da respetiva ata, da qual se extrai o seguinte: “Tecidas algumas considerações acerca do objecto do processo, foi proferido o seguinte: DespachoFica a Águas de Lisboa e Vale do Tejo notificada para em 30 (trinta) dias, juntar e informar os autos o seguinte: Por referência aos processos 154/09.0BECTB e 660/09.7BECTB, informar das facturas pagas pelo Município do Fundão; Juntar a verificação e aferição periódica efectuada aos caudalimetros de fornecimento de água; (…)” - cfr. fls. 2192 e 2208-2209 do SITAF. Tendo posteriormente a autora, em 8 de julho de 2019, vindo dar conhecimento aos autos de que “o Município Réu, no dia 30 de Junho de 2009, liquidou à Autora a totalidade das facturas relativas ao serviço de fornecimento de água peticionadas nos presentes autos [Factura nº 3040383439 (DOC. 5), Factura nº 3040383489 (DOC. 7), Factura nº 3040383621 (DOC. 10), Factura nº 3040383700 (DOC. 12) e Factura nº 3040383362 (DOC. 14)], conforme resulta do recibo nº 2600000171 e cheque nº 9574266982, no valor de 658 945,40 €, que serviu para pagamento, entre outras, das referidas facturas, razão pela qual se encontra prejudicada a junção dos documentos referentes à verificação e aferição periódica efectuada aos caudalímetros de fornecimento de água, os quais, ainda assim, foram juntos aos autos no requerimento probatório apresentado pela Autora com o nº de documento 006298361, pág. 284 SITAF, 006298804, pág. 295 SITAF, 006298811, pág. 405 SITAF e 006298813, pág. 510, cuja tradução se encontra de igual modo junta ao processo.” – cfr. fls. 2214-2216 do SITAF. Na sequência de despacho de 26 de setembro de 2019 o réu, através do Presidente da Câmara Municipal do Fundão, em 22 de outubro de 2019, prestou diversas informações, assim como informou no n.º 27 desse requerimento que “As faturas nºs 3040383439; 3040383489; 3040383621 e 3040383700 emitidas pela ADZ referentes ao alegado fornecimento de água em alta nos meses de Setembro, outubro, novembro e dezembro, com o valor de 105.483,54; 90.611,40; 92.417,08 e 73.342,33 respetivamente, foram liquidadas em 1 de julho de 2009, conforme se pode ver do documento que se junta e se dá aqui como integralmente reproduzido para todos os devidos e legais efeitos (DOCs 3).”, juntando, assim, documento comprovativo do pagamento efetuado – cfr. fls. 2247-2321 do SITAF. Ambas as partes exerceram, respetivamente, o direito ao contraditório relativamente aos requerimentos que a outra apresentou em conformidade com o previsto no artigo 3.º, n.º 3 do CPC. Assim, como vimos, foi designada e realizada a audiência prévia, em dois momentos processuais, num dos quais e ao abrigo do princípio da adequação processual e com o acordo de ambas as partes definiu-se, além do mais, que o Tribunal, no caso de não se alcançar o acordo que as partes estavam a negociar, proferiria despacho saneador. Sendo que a 2.ª data para a realização da audiência prévia, esta não foi convocada para os fins previstos na alínea b), do n.º 1, do artigo 591.º do CPC, ou seja para “Facultar às partes a discussão de facto e de direito, nos casos em que ao juiz cumpra apreciar exceções dilatórias ou quando tencione conhecer imediatamente, no todo ou em parte, do mérito da causa;”. Em face de todo o exposto, contrariamente ao defendido pelo Réu, não pode concluir-se que ocorreu violação do dever de realização da audiência prévia, nem que o Tribunal proferiu uma decisão surpresa, ao ter conhecido o mérito da causa, em virtude de ter considerado que o processo reúne todos os elementos necessários ao conhecimento do mérito da causa. Sendo que não emerge dos autos qualquer factualidade que permita concluir que foi violado o direito das partes a um processo justo e equitativo, constitucionalmente consagrado no artigo 20.º, n.º 4 da CRP. Com efeito, ao longo do processo foi amplamente facultado às partes o exercício do direito ao contraditório, tendo o Tribunal a quo feito adequado uso do dever de gestão processual, designadamente do princípio da adequação formal, assim como do princípio da cooperação (cfr. artigos 6.º e 7.º do CPC). Improcedendo, assim, este fundamento de recurso, pelo que se indefere a invocada nulidade processual. Defendeu, ainda, o réu e recorrente que o “tribunal a quo não dispunha, como não dispõe de todos os elementos necessários ao conhecimento do mérito da causa, não sem antes se pronunciar sobre a junção de um documento que o próprio Tribunal requer às partes”; o Tribunal a quo, na posse da decisão do tribunal arbitral não se pronuncia sobre a junção da mesma, ignorando-a, proferindo de seguida saneador-sentença – sem qualquer menção à questão do Tribunal arbitral – questão essa que o próprio tribunal tinha querido saber se já havia ou não decisão da mesma; a decisão do Tribunal arbitral é essencial para a descoberta da verdade material, pelo que deve ser aceite e valorada por este Tribunal. Ainda que sem fazer qualquer referência à decisão arbitral junta pelo réu aos autos, em 26/01/2023 (cfr. fls. 2974-3085 do SITAF), no saneador-sentença recorrido o Tribunal a quo para efeitos de decisão do pedido de suspensão da instância até ser proferida decisão da ação que corre termos no Tribunal arbitral, e citando acórdão do STA, pronuncia-se sobre a mesma no sentido de que “é irrelevante o desfecho da referida acção, face à aplicação do direito que deve ser efectuada, não havendo motivo legal que justifique a suspensão da instância, uma vez que não se baseia em qualquer questão prejudicial, na medida em que a decisão da acção não tem qualquer influência no pedido de pagamento das facturas que constitui o objecto da presente acção.”. Em face do que não assiste razão ao réu e ora recorrente, quanto a esta questão, improcedendo o invocado nas conclusões 10 a 13 da sua alegação recursória. O Réu, ora recorrente, referiu, ainda, que “o Tribunal a quo decide da não realização da perícia requerida, sem ouvir as partes quanto à desnecessidade de realização da mesma.”, o que constitui uma omissão de pronúncia, pois o Tribunal a quo não se pronunciou sobre questões com relevância para a decisão de mérito da causa, omissão essa geradora de nulidade de sentença, nos termos do disposto na al. d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC aplicável ex vi o artigo 1.º do CPTA. Mas não lhe assiste razão, pois, em 1 de março de 2019 foi proferido o seguinte despacho: “(i) Considerando que, nos presentes autos se discute o volume de água faturado pela Autora ao Réu e que este último, coloca em causa as medições efetuadas pelos contadores existentes, afigura-se que a diligência perícia requerida pelo Réu não é impertinente nem dilatória, pelo que admito liminarmente a realização da mesma. (ii) Notifique a Autora, para que, no prazo de 10 dias, se pronuncie quanto ao objeto da perícia proposto pelo Réu, assistindo-lhe a faculdade de aderir ou propor a ampliação ou restrição do objeto da perícia, nos termos expressamente previstos no art.º 476º, nº 1 do CPC, aplicável ex vi do art.º 1º do CPTA e indicar perito.” – cfr. fls. 2183 do SITAF. A autora pronunciou-se sobre o objeto da perícia requerida pelo réu. Posteriormente foi proferido novo despacho a determinar a notificação da “Autora e Réu para, em dez dias, se pronunciarem quanto à desnecessidade de peritagem dos respetivos contadores, bem assim, se as partes estariam na disponibilidade de alcançarem acordo partindo dos quantitativos indicados pelo Réu.”, tendo o réu, em resposta, em 2 de dezembro de 2019, vindo dizer o seguinte: “No que diz respeito aos contadores e à perícia requerida, o Município R. encontra-se na disponibilidade de abdicar da mesma, desde que a A. conceda que os contadores não se encontram aferidos e calibrados por nenhuma entidade independente” – cfr. fls. 2336 e 2341 do SITAF. Nesta sequência, o Tribunal a quo considerando que “foi dito e assumido pelas partes, que a perícia apenas teria como objecto a questão dos valores facturados quanto ao abastecimento de água e não quanto aos valores facturados a título de saneamento. Na mesma ocasião foi ainda assumido pelas partes, que a Demandada havia pago os valores reportados às facturas de abastecimento de água, cujo pagamento é peticionado nos presentes autos, o que se confirmou com a junção aos autos do respectivo recibo. Assim, verifica-se que a perícia perdeu a sua utilidade visto que a mesma iria incidir sobre uma medição que deixou se estar em causa nos presentes autos, uma vez que o respectivo valor foi integralmente pago.”, concluindo pela desnecessidade de realização da perícia requerida. Nos termos do artigo 615.º do Código de Processo Civil (CPC): “1 - É nula a sentença quando: (…) d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento; (…).”. E o artigo 3.º, n.º 1 do CPC estabelece que “O tribunal não pode resolver o conflito de interesses que a ação pressupõe sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes e a outra seja devidamente chamada para deduzir oposição.”. Prevendo-se no n.º 3, do artigo 3.º do CPC que “[o] juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.”. Só ocorre a nulidade da sentença por omissão de pronúncia, nos termos do art.º 615.º, n.º 1, al. d), do CPC, quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devia apreciar, que são todas as que lhe forem submetidas e que não se encontrem prejudicadas pela solução dada a outras (cfr. art.º 608.º, nº 2, do CPC). Com efeito, o Tribunal a quo ouviu as partes sobre a necessidade de realização da perícia, tendo num primeiro momento admitido liminarmente a sua realização, por se lhe afigurar que a perícia requerida pelo réu não é impertinente nem dilatória. Sucede que, em face dos ulteriores desenvolvimentos do processo, nomeadamente, da informação e prova constante dos autos que os valores relativos ao fornecimento de água já tinham sido pagos, o Tribunal concluiu que a perícia perdeu a sua utilidade. Acontece que, como vimos, o Tribunal a quo pronunciou-se em sede de despacho prévio ao saneador-sentença sobre a requerida perícia, o que fez após ouvir as partes, tendo sido facultada às partes a possibilidade de se pronunciarem sobre a perícia, pelo que não ocorre violação do princípio do contraditório – cfr. artigo 3.º, n.º 3 do CPC. Acresce que não sendo o saneador sentença o lugar próprio para a apreciação do pedido de realização de perícia, a omissão de decisão sobre esse pedido, não configuraria uma causa de nulidade da sentença, por omissão de pronúncia, não incorrendo o saneador-sentença na causa de nulidade prevista na alínea d), do n.º 1 do artigo 615.º do CPC. Termos em que improcede in totum o recurso apresentado pelo réu e ora recorrente. *3.2.2 Da nulidade processual por violação, designadamente, do princípio do contraditório, ao ter conhecido o mérito da causa sem a realização de audiência prévia das partes, nos termos do disposto no artigo 87.º-A, n.º 1, al. a) do CPTA, configurando uma decisão surpresa Recorreu a autora, ora recorrente, do despacho interlocutório proferido imediatamente antes da prolação do saneador-sentença defendendo que a Meritíssima Juíza a quo, prolatou despacho prévio ao saneador-sentença em que concluiu que o processo reunia todos os elementos necessários ao conhecimento do mérito da causa em sede de despacho saneador, nos termos estabelecidos no artigo 88.º, n.º 1, al. a) e b), do CPTA, sem que tenha proferido despacho a dispensar a audiência a que alude o artigo 87º-A, n.º 1, al. b), de tal diploma legal, na sequência do que emanou o despacho saneador sentença recorrido nos autos. Não tendo sido proferido despacho dessa dispensa, incorreu o Tribunal recorrido na omissão de um ato, verificando-se, por isso, uma nulidade, já que tal despacho e posterior notificação visava assegurar o respeito pelo princípio do contraditório, e, assim, evitar decisão-surpresa em obediência ao preceituado no artigo 3º, nº 3, do CPC. E perante a matéria dada como provada na alínea N) ou o Tribunal recorrido proferia despacho nos termos do disposto no artigo 87º - B, nº 2, do CPTA ou, face à existência de matéria de facto controvertida quanto à questão da faturação relacionada com abastecimento de água face ao requerimento apresentado pela Autora em 20.09.2022, procedia à especificação da matéria de facto assente, definição do objeto do litígio, enunciação dos temas de prova e à realização das diligências instrutórias requeridas pelas partes e/ou tidas por pertinentes, nos termos do artigo 87.º-A, n.º 1, als. d), f) e g) do CPTA, o que, por não ter sucedido, gera, de igual modo, a omissão de um ato, verificando-se, por isso, uma nulidade, pelo que deve ser anulado o despacho prévio ao saneador – sentença. O Município do Fundão, notificado da interposição de recurso pela autora e respetiva alegação, não apresentou contra-alegação. Como já acima se decidiu a propósito do recurso apresentado pelo réu quanto a este despacho interlocutório, que considerou que o processo reúne todos os elementos necessários ao conhecimento do mérito da causa, atento o previsto no artigo 15.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 2 de outubro, aos presentes autos não é aplicável o regime jurídico decorrente dos artigos 87.º-A e 87.º-B, do CPTA. Com efeito, aos presentes autos de ação administrativa comum é aplicável o regime previsto para o processo de declaração regulado no Código de Processo Civil, na forma ordinária – cfr. artigo 35.º, n.º 1, do CPTA, na redação anterior à introduzida pelo Decreto-Lei n.º 214-G/2015. Quanto à divergência da autora, ora recorrente, no que respeita ao pagamento reportado às faturas de abastecimento de água, designadamente quanto à matéria de facto dada como provada na alínea N) dos factos provados e à alegação de que “ou o Tribunal recorrido proferia despacho nos termos do disposto no artigo 87º - B, nº 2, do CPTA”, isto é, o juiz dispensava “a realização de audiência prévia quando esta se destine apenas ao fim previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo anterior” (quando a audiência prévia se destinasse a facultar às partes a discussão de facto e de direito, quando o juiz tencione conhecer imediatamente, no todo ou em parte, do mérito da causa), ou “face à existência de matéria de facto controvertida quanto à questão da faturação relacionada com abastecimento de água face ao requerimento apresentado pela Autora em 20.09.2022, procedia à especificação da matéria de facto assente, definição do objeto do litígio, enunciação dos temas de prova e à realização das diligências instrutórias requeridas pelas partes e/ou tidas por pertinentes, nos termos do artigo 87.º-A, n.º 1, als. d), f) e g) do CPTA, o que, por não ter sucedido, gera, de igual modo, a omissão de um ato, verificando-se, por isso, uma nulidade”, pelo que deve ser anulado o despacho prévio ao saneador – sentença, ainda que no despacho prévio ao saneador-sentença o Tribunal a quo não tenha expressamente referido que dispensava a audiência prévia, considera que o processo reúne já todos os elementos necessários ao conhecimento do mérito da causa em sede de despacho saneador. Sendo que, como já se referiu a audiência prévia foi marcada em dois momentos processuais anteriores, tendo-se realizado, nos termos já supra referidos aquando do conhecimento do objeto do recurso interposto pelo réu, e como resulta das respetivas atas. Com efeito e como se decidiu supra o despacho interlocutório que decidiu que o processo reunia todos os elementos necessários ao conhecimento do mérito da causa em sede de despacho saneador, não dispensou expressamente a realização da audiência prévia, dado que, em rigor, a mesma já tinha ocorrido em dois anteriores momentos processuais, para os fins acima descritos, tendo inclusive por aplicação do princípio da adequação processual e por comum acordo das partes sido programada a realização dos subsequentes atos processuais, prevendo-se a possibilidade de ser proferido o despacho saneador e os despachos previstos no artigo 596.º do novo CPC, por escrito. Esta possibilidade de prolação do saneador por escrito incluía, nomeadamente, a possibilidade de o juiz conhecer imediatamente, no todo ou em parte, do mérito da causa. Sucede que em face de ulteriores desenvolvimentos processuais, nomeadamente do pagamento efetuado pelo réu, foi considerado pelo Tribunal a quo que o processo reunia todos os elementos para necessários ao conhecimento do mérito da causa. Às partes não foi vedado o direito ao contraditório, à prova, nem a um processo equitativo, foi convocada e realizada a audiência prévia, em dois momentos processuais distintos, tendo por acordo das partes e ao abrigo do princípio da adequação formal sido calendarizados os atos processuais subsequentes, designadamente a possibilidade de prolação do despacho saneador por escrito. Assim e reeditando aqui toda a fundamentação de facto e de direito supra explanada a propósito da decisão da nulidade, por falta de realização da audiência prévia, suscitada no recurso do réu, não pode concluir-se que ocorreu violação do dever de realização da audiência prévia, nem que o Tribunal proferiu uma decisão surpresa, ao ter conhecido o mérito da causa, em virtude de ter considerado que o processo reúne todos os elementos necessários ao conhecimento do mérito da causa, não tendo, igualmente, ocorrido violação do princípio do contraditório previsto no artigo 3.º, n.º 3, do CPC ou violação do previsto no artigo 591.º, n.º 1, alíneas a) e b) do CPC (com redação análoga ao artigo 88.º, n.º 1, alíneas a) e b) do CPTA invocado pela autora e recorrente), por ser o aplicável aos presentes autos. Tal como não incorreu em violação do previsto no artigo 20.º, n.º 1 da CRP, que consagra o direito de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva, dado que às partes foi possibilitado o exercício dos seus direitos de ação e de defesa, designadamente, em observância de princípios estruturantes do processo, tais como os princípios da igualdade, do contraditório e do dispositivo, assim como do direito à prova, como evidenciam os autos. Em face do exposto, com estes fundamentos também não pode proceder o recurso, interposto pela autora, do despacho interlocutório proferido previamente à prolação do saneador-sentença recorrido. * 3.2.3. Da nulidade processual do saneador-sentença por violação do direito ao contraditório ao julgar extinta a instância por inutilidade da lide quanto ao pedido de pagamento das faturas relativas ao serviço de abastecimento de água Defendeu a autora, ora recorrente, que o Tribunal recorrido violou o princípio do contraditório por não ter sido dada à autora a oportunidade de se pronunciar sobre a questão relativa à extinção da instância por inutilidade superveniente da lide decidida no saneador-sentença, o que constitui nulidade - art. 195.º do CPC - que influiu na apreciação e decisão, na medida em que não permitiu que aquela expusesse os seus motivos, designadamente em torno de infirmar a alegada questão dos pagamentos, o que implica a anulação do saneador-sentença nessa parte. Vejamos. Como já acima se referiu a autora, em 8 de julho de 2019, apresentou requerimento através do qual deu conhecimento aos autos que “o Município Réu, no dia 30 de Junho de 2009, liquidou à Autora a totalidade das facturas relativas ao serviço de fornecimento de água peticionadas nos presentes autos [Factura nº 3040383439 (DOC. 5), Factura nº 3040383489 (DOC. 7), Factura nº 3040383621 (DOC. 10), Factura nº 3040383700 (DOC. 12) e Factura nº 3040383362 (DOC. 14)], conforme resulta do recibo nº 2600000171 e cheque nº 9574266982, no valor de 658 945,40 €, que serviu para pagamento, entre outras, das referidas facturas, razão pela qual se encontra prejudicada a junção dos documentos referentes à verificação e aferição periódica efectuada aos caudalímetros de fornecimento de água, os quais, ainda assim, foram juntos aos autos no requerimento probatório apresentado pela Autora com o nº de documento 006298361, pág. 284 SITAF, 006298804, pág. 295 SITAF, 006298811, pág. 405 SITAF e 006298813, pág. 510, cuja tradução se encontra de igual modo junta ao processo.” – cfr. fls. 2214-2216 do SITAF. Posteriormente, o Presidente da Câmara Municipal do Fundão no requerimento que juntou aos autos em 22 de outubro de 2019 alegou, além do mais, o seguinte: “27. As faturas nºs 3040383439; 3040383489; 3040383621 e 3040383700 emitidas pela ADZ referentes ao alegado fornecimento de água em alta nos meses de Setembro, outubro, novembro e dezembro, com o valor de 105.483,54; 90.611,40; 92.417,08 e 73.342,33 respetivamente, foram liquidadas em 1 de julho de 2009, conforme se pode ver do documento que se junta e se dá aqui como integralmente reproduzido para todos os devidos e legais efeitos (DOCs 3).” – cfr. fls. 2247-2321 do SITAF. Na sequência de pronúncia da autora e do réu sobre o referido requerimento apresentado pelo Presidente da Câmara Municipal do Fundão, na qual a mandatária do réu “mantém tudo o alegado nos esclarecimentos prestados na pessoa do Presidente da Câmara Municipal do fundão”, por despacho de 14/11/2019, foi admitido o referido requerimento do Município, e determinada a notificação da “Autora e Réu para, em dez dias, se pronunciarem quanto à desnecessidade de peritagem dos respetivos contadores, bem assim, se as partes estariam na disponibilidade de alcançarem acordo partindo dos quantitativos indicados pelo Réu.”. O Réu, em 2 de dezembro de 2019, pronunciou-se dizendo que no que “diz respeito aos contadores e à perícia requerida, o Município R. encontra-se na disponibilidade de abdicar da mesma, desde que a A. conceda que os contadores não se encontram aferidos e calibrados por nenhuma entidade independente” – cfr. fls. 2341 do SITAF. A Autora, por sua vez, em 2 de dezembro de 2019, referiu que “Através de requerimento com a Ref. SITAF nº 138518, de 08.07.2019, a Autora deu conhecimento aos autos de que o Município Réu, no dia 30 de Junho de 2009, liquidou à Autora a totalidade das facturas relativas ao serviço de fornecimento de água peticionadas nos presente lide [Factura nº 3040383439 (DOC. 5), Factura nº 3040383489 (DOC. 7), Factura nº 3040383621 (DOC. 10), Factura nº 3040383700 (DOC. 12) e Factura nº 3040383362 (DOC. 14)], conforme resultava do recibo nº 2600000171 e cheque nº 9574266982 juntos a tal requerimento, no valor de 658 945,40 €, que serviu para pagamento, entre outras, das referidas facturas.” e que “Na presente lide estão apenas em causa as facturas relativas à actividade de saneamento, cujos contadores – como, aliás, já foi referido em sede de audiência prévia e com inteira concordância do Município do Fundão – não foram colocados em crise na contestação deduzida pelo Réu, pelo que nunca poderiam ser objecto de produção de prova pericial.”. Mais referindo que “relativamente à actividade de abastecimento, a prova pericial requerida pelo Réu encontra-se prejudicada face ao pagamento por este efectuado da totalidade das facturas peticionadas nos presentes autos, não existindo, por conseguinte, qualquer litígio quanto às mesmas.” – cfr. fls. 2344-2350 do SITAF. Posteriormente a autora, na sequência de despacho que determinou a sua notificação para se pronunciar sobre requerimento apresentado pelo Réu, veio dizer, por requerimento de 19/03/2020, designadamente o seguinte: “importa referir que, através de requerimento com a Ref. SITAF nº 138518, de 08.07.2019, a Autora deu conhecimento aos autos de que o Município Réu, no dia 30 de Junho de 2009, liquidou à Autora a totalidade das facturas relativas ao serviço de fornecimento de água peticionadas nos presente lide, o que é bem demonstrativo do reconhecimento dos serviços que lhe são prestados e da conduta processual por si assumida quer nestes autos quer noutros processos pendentes neste TAF…razão pela qual não se venha agora dizer, depois do pagamento ter sido efectuado, que, desde o início do processo, trata-se de saber quais as quantias de água consumidas e saber se as quantidades de água facturadas são as quantidades realmente consumidas, o que apenas vem reforçar o intuito dilatório do RÉU.” – cfr. fls. 2458-2460 do SITAF. É certo que, posteriormente, por requerimento junto aos autos em 20 de setembro de 2022 veio a autora requerer “a retirada de tudo quanto se deixou alegado no requerimento SITAF nº 138518, de 08.07.2019, apresentado pela Autora na presente lide, com o consequente prosseguimento dos autos.”. No entanto, tal não significa que o saneador-sentença recorrido tenha incorrido em nulidade por violação do princípio do contraditório, por não ter sido dada à autora, ora recorrente, a oportunidade de se pronunciar sobre a questão relativa à extinção da instância por inutilidade superveniente da lide. Na verdade, quer à autora, quer ao réu, foi facultado o exercício do direito ao contraditório relativamente a todas as posições manifestadas pela contraparte no processo, designadamente, foi-lhes permitido pronunciarem-se sobre todos os requerimentos e documentos juntos aos autos. Prevê-se no artigo 195.º, n.º 1 do CPC, que “[f]ora dos casos previstos nos artigos anteriores, a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.”. O saneador-sentença julgou parcialmente extinta a instância, por inutilidade superveniente da lide, com o seguinte fundamento: “no decorrer da presente acção, vieram a partes demonstrar que os valores referentes ao fornecimento de água foram integralmente pagos pelo Município do Fundão à Autora, pelo que, quando a esta parte do pedido, verifica-se a inutilidade superveniente da lide.”. Como acabámos de ver, a autora, ora recorrente, veio alegar e demonstrar que o réu efetuou o pagamento da totalidade das faturas relativas ao fornecimento de água, cujos valores foram peticionados nos presentes autos, prova que o réu também fez. Não obstante a autora ora recorrente tenha posteriormente vindo apresentar requerimento no qual requereu “a retirada de tudo quanto se deixou alegado no requerimento SITAF nº 138518, de 08.07.2019, apresentado pela Autora na presente lide, com o consequente prosseguimento dos autos”, mas tal não significa que o saneador-sentença tenha incorrido em nulidade, por violação do princípio do contraditório. Na verdade, esta alegação da recorrente é suscetível de ser configurada como erro de julgamento, o que de resto a autora, também fez e constitui outro fundamento do seu recurso, que de seguida apreciaremos. Termos em que não pode proceder este fundamento do recurso, indeferindo-se a arguida nulidade do saneador-sentença. *3.2.4 Do erro de julgamento na apreciação da matéria de facto provada nas alíneas O) e N). Nas conclusões F) a K) da alegação de recurso a autora e ora recorrente defendeu que o Tribunal a quo ao julgar o facto como provado na alínea O), que não foi alegado pelas partes nos respetivos articulados, incorreu em violação do princípio do dispositivo e do disposto no artigo 607.º, n.°s 3 e 4 do CPC, o que determina que se imponha ao Tribunal ad quem, eliminar oficiosamente essa matéria do elenco dos factos provados. A idêntica conclusão se chega quer porque no ponto N) da matéria de facto foi dado como provado que as faturas relativas ao serviço de fornecimento de água "(...) foram recebidas e não pagas pelo Município do Fundão", facto dado como provado por Acordo, quer pelo que deixou invocado no requerimento da Autora de 20.09.2022. No entanto ainda que assim não fosse, sempre se dirá que uma resposta é contraditória com outra. O facto dado como provado na alínea O) da matéria de facto está em clara contradição com a factualidade dada por assente na alínea N) da decisão impugnada. Defendeu, assim, que não é possível o Tribunal a quo dar como provado, na mesma decisão, que "[as] facturas identificadas nas alíneas supra foram recebidas e não pagas pelo Município do Fundão”, alíneas supra onde se encontram as faturas de fornecimento de água elencadas nos pontos D), F), H) e J) da matéria assente, e, simultaneamente, dar como assente que o Município do Fundão realizou o pagamento da totalidade das faturas relativas a tal serviço, como decorre da dita alínea N). Concluiu a recorrente dizendo que “K) Face a tal contradição impõe-se dar como não provado a matéria da referida alínea N), uma vez que a factualidade dada como provada na alínea O) resulta de admissão por acordo.”. E que “L) Assim, o Réu não procedeu voluntariamente ao pagamento das faturas elencadas nas alíneas D), F), H) e J) da matéria de facto assente, não tendo cumprido a obrigação contratual e legal a que estava vinculado, o que significa que incumpriu o contrato em causa.”. O artigo 662.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (CPC) (2-Aplicável ex vi artigo 140.º, n.º 3, do CPTA, tal como os demais artigos do CPC invocados relativamente aos recursos.), dispõe que “1 - A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.”. “Com a nova redacção do art.º 662.º pretendeu-se que ficasse claro que (…) quando esteja em causa a impugnação de determinados factos cuja prova tenha sido sustentada em meios de prova submetidos a livre apreciação, a Relação deve alterar a decisão da matéria de facto sempre que, no seu juízo autónomo, os elementos de prova que se mostrem acessíveis determinem uma solução diversa, designadamente, em resultado da reponderação dos documentos, depoimentos e relatórios periciais, complementados ou não pelas regras de experiência. (…) a Relação deve assumir-se como verdadeiro tribunal de instância e, por isso, desde que, dentro dos seus poderes de livre apreciação dos meios de prova, encontre motivo para tal, deve introduzir as modificações que se justificarem. (3-Cfr. António Santos Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2014, 2.ª Edição, Almedina, págs. 232-233.)”. O artigo 640.º, n.º 1, do CPC, prevê os ónus que estão a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, nos seguintes termos: “1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas (…)”. No acórdão deste TCA Sul, de 22 de agosto de 2019, proc. n.º 580/18.4BEBJA, consultável em www.dgsi.pt, considerou-se que “a impugnação da matéria de facto e a modificabilidade da mesma pelo tribunal superior não visa alterar a decisão de facto fundada na prova documental ou testemunhal, apenas porque a mesma é susceptível de produzir convicções diferentes, podendo ser diversa a tomada no tribunal superior daquela que teve o tribunal da 1.ª instância. Diferentemente, este tribunal superior só pode alterar a matéria de facto porque as provas produzidas na 1.ª instância impunham, decisiva e forçosamente, outra decisão diversa da aí tomada (cf. art.º 662.º do CPC). Portanto, para a modificação da matéria de facto é necessário que haja uma dada matéria de facto que foi identificada e apreciada pelo tribunal de 1.ª instância e que este tenha exteriorizado a sua convicção na fixação da matéria provada e não provada. Só depois, se face às provas produzidas e para as quais o Recorrente remete, se impuser forçosamente decisão diversa da tomada pela 1.ª instância, há que alterar aquela. Mas terá que se tratar de uma prova firme, indiscutível ou irrefutável, que necessariamente abala a convicção que o tribunal de 1.ª instância retirou da prova produzida. Igualmente, a matéria de facto que se exige fixada e que pode justificar a alteração em sede de recurso é apenas a que releve para a decisão da causa e não qualquer outra que haja sido alegada pelo A. e R. Ou seja, ainda que seja alegada determinada matéria de facto e ainda que a mesma resulte provada nos autos, se a mesma for irrelevante para a decisão a proferir, não há-de ser tomada em consideração pelo juiz em sede de 1.ª instância e tal omissão também não conduz a um erro decisório.”. Insurge-se a ora recorrente quanto à decisão constante das alíneas N) e O) da matéria de facto, pretendendo que seja alterada a decisão proferida pelo Tribunal a quo, defendendo, em síntese, que se impõe a este Tribunal de recurso eliminar o facto provado na alínea N), do elenco dos factos provados (Conclusão F); face à contradição da matéria de facto provada constante da alínea O), com a matéria de facto dada por assente na alínea N), impõe-se dar como não provada a matéria de facto referida na alínea N), uma vez que a factualidade dada como provada na alínea O), resulta da admissão por acordo. Vejamos, então. Os factos dados como provados em questão são os seguintes: “N) As facturas identificadas nas alíneas supra foram recebidas e não pagas pelo Município do Fundão. (Cfr. Acordo) O) O Município do Fundão realizou o pagamento da totalidade das facturas relativas ao serviço de fornecimento de água peticionadas nos autos, concretamente as facturas n.ºs 3040383439, 3040383489, 3040383621, 3040383700 e 3040383362. (Cfr. recibo de fls. 2215 e 2216 dos autos)”. As faturas identificadas nas alíneas supra a que se refere a alínea N) dos Factos provados são as faturas identificadas nas alíneas D) a M), dos factos provados, a saber, as faturas n.º 3040383439, referente ao fornecimento de água e taxa de recursos hídricos no valor total de € 105.483,54 (Cfr. documento a fls. 65 dos autos) – (alínea D); n.º 3040383489, referente ao fornecimento de água e taxa de recursos hídricos, no valor total de € 90.611,40 (Cfr. documento a fls. 69 dos autos) – (alínea F); n.º 3040383621, referente ao fornecimento de água e taxa de recursos hídricos, no valor total de € 92.417,08 (Cfr. documento a fls. 75 dos autos) – (alínea H); n.º 3040383700, referente ao fornecimento de água e taxa de recursos hídricos, no valor total de € 73.342,33 (Cfr. documento a fls. 79 dos autos) – (alínea J); e a fatura n.º 3040383362, referente ao fornecimento de água e taxa de recursos hídricos, no valor total de € 20.397,93 (Cfr. documento a fls. 83 dos autos) – (alínea L), assim como as faturas n.º 3040383449, referente ao saneamento - recolha e tratamento de efluentes no valor total de € 44.953,23 (Cfr. documento a fls. 67 dos autos) – (alínea E); n.º 3040383542, referente ao saneamento - recolha e tratamento de efluentes no valor total de € 43.450,34 (Cfr. documento a fls. 71 dos autos) – (alínea G); n.º 3040383666, referente ao saneamento - recolha e tratamento de efluentes no valor total de € 58.205,13 (Cfr. documento a fls. 77 dos autos) – (alínea I); n.º 3040383686, referente ao saneamento - recolha e tratamento de efluentes no valor total de € 44.158,67 (Cfr. documento a fls. 81 dos autos) – (alínea K); e fatura n.º 3040383378, referente ao saneamento - recolha e tratamento de efluentes – retificação – no valor total de € 10.745,62 (Cfr. documento a fls. 87 dos autos) – (alínea M). A motivação subjacente à formação da convicção que permitiu dar como provados o facto constante da alínea N) foi o acordo das partes e quanto à alínea O) foi o recibo e cheque constantes de fls. 2215-2216 dos autos. Analisada a factualidade provada constante das alíneas N) e O) do elenco dos factos provados é evidente que existe contradição (parcial) entre essas alíneas, na medida em que na alínea N) refere-se que as faturas identificadas nas alíneas supra foram recebidas e não pagas pelo Município do Fundão e na alínea O) refere-se que o Município do Fundão realizou o pagamento da totalidade das faturas relativas ao serviço de fornecimento de água peticionadas nos autos, concretamente as faturas n.ºs 3040383439, 3040383489, 3040383621, 3040383700 e 3040383362. Com efeito, está documentalmente demonstrado que, na pendência da ação, o réu procedeu ao pagamento da totalidade das faturas relativas ao fornecimento de água e taxa de recursos hídricos, não tendo o réu feito prova do pagamento das faturas relativas ao saneamento. Assim, a redação da alínea N) dos factos provados não pode manter-se, devendo a decisão de facto da sentença recorrida ser alterada passando a alínea N) a ter a seguinte redação: “N) As facturas identificadas nas alíneas supra foram recebidas pelo Município do Fundão e não foram pagas pelo réu, com ressalva das mencionadas na alínea O) infra.”. A convicção que permite julgar provada a factualidade constante desta alínea resulta das posições manifestadas pelas partes nos articulados, em concreto na petição inicial e na contestação, bem como nos sucessivos requerimentos apresentados no processo, por ambas as partes. Ou seja, as partes estão de acordo não divergem quanto ao facto de o réu não ter procedido ao pagamento das faturas relativas ao saneamento. Já a decisão da matéria de facto constante da alínea O), não padece de qualquer erro, pois, se é certo que até à data da apresentação inicial e da contestação o réu não havia procedido ao pagamento das faturas aí referidas (cfr. artigos 15.º, 16.º e 19.º a 53.º da petição inicial e documentos 5 a 14 juntos com a petição inicial e artigo 25.º e seguintes da contestação do réu), tal pagamento veio a ocorrer na pendência da ação conforme resulta da confissão da autora expressa nos requerimentos de fls. 2214-2216 do SITAF, de fls. 2344-2350 do SITAF e de fls. 2458-2460 do SITAF. Tais pagamentos efetuados pelo réu estão comprovados pelo recibo n.º 2600000171, emitido pela autora em 1 de julho de 2019 e por cheque, datado de 30 de junho de 2009, juntos a fls. 2215-2216 do SITAF. Pagamento esse que o réu, também, invocou pelo requerimento que juntou aos autos e que consta de fls. 2247-2321 do SITAF, e comprovou com o documento 3, junto a este requerimento. Fazendo, assim, o réu prova do facto extintivo do direito invocado pela autora - cfr. artigo 342.º do CC. Não assiste razão à recorrente quando defende que o Tribunal a quo incorreu em violação do princípio do dispositivo e do disposto no artigo 607.º, n.ºs 3 e 4 do CPC, pois o facto constante da alínea O), dos factos provados foi alegado quer pela autora, quer pelo réu e feita prova documental do mesmo, por ambas as partes, em termos que são admissíveis, designadamente pelos artigos 5.º e 607.º, n.ºs 3 a 5 do CPC. É certo que a autora e ora recorrente requereu, em 20 de setembro de 2020 a “retirada de tudo quanto se deixou alegado no requerimento SITAF n.º 138518, de 08.07.2019, apresentado pela Autora na presente lide, com o consequente prosseguimento dos autos”. Acontece que, como se viu, estamos perante uma situação em que o pagamento da totalidade das faturas ocorrido em 1 de julho de 2019, foi comprovado documentalmente nos autos, quer pela autora, quer pelo réu. E tal pagamento extinguiu a obrigação quando ocorreu, deixando de existir essa obrigação com a realização da prestação pelo devedor – cfr. artigo 762.º, n.º 1, do CC. Por outro lado, consagra o artigo 465.º do CPC sob a epígrafe “Irretratabilidade da confissão”, o seguinte: “1 - A confissão é irretratável. 2 - Porém, as confissões expressas de factos, feitas nos articulados, podem ser retiradas, enquanto a parte contrária as não tiver aceitado especificadamente.”. Ora, a factualidade que a autora alegou no referido requerimento de 20 de setembro de 2020, não é suscetível de se enquadrar na previsão do n.º 2 do artigo 465.º, do CPC, uma vez que a obrigação do réu já se havia extinguido com o pagamento ocorrido em 1 de julho de 2019, facto esse expressamente invocado quer pela autora, quer pelo réu, pelo que não pode deixar de considerar-se que tem, também, o valor de aceitação especificada no sentido a que se refere o artigo 465.º, n.º 2, do CPC. Assim, o requerimento que a autora apresentou em 20 de setembro de 2020 não pode ter por efeito a pretendida “retirada de tudo quanto se deixou alegado no requerimento SITAF n.º 138518, de 08.07.2019, apresentado pela Autora na presente lide, com o consequente prosseguimento dos autos.”. Por um lado, porque o pagamento extinguiu a obrigação e ainda que assim não fosse sempre estaríamos perante uma confissão irretratável. Deste modo, e em suma, a decisão de facto da sentença recorrida deve ser alterada passando a alínea N) a ter a seguinte redação: “N) As faturas identificadas nas alíneas supra foram recebidas pelo Município do Fundão e não foram pagas pelo réu, com ressalva das mencionadas na alínea O) infra.”. Mantendo-se inalterada a redação da alínea O), da matéria de facto assente, da qual consta o seguinte: “O) O Município do Fundão realizou o pagamento da totalidade das facturas relativas ao serviço de fornecimento de água peticionadas nos autos, concretamente as facturas n.ºs 3040383439, 3040383489, 3040383621, 3040383700 e 3040383362. (Cfr. recibo de fls. 2215 e 2216 dos autos)”. Assim, estando demonstrado que o réu procedeu ao pagamento das faturas elencadas nas alíneas D), F), H), J) e L) da matéria de facto assente dos factos provados não pode proceder este fundamento do recurso. A autora insurgiu-se apenas quanto à decisão relativa aos serviços de fornecimento de água, defendendo que prestou esses serviços, como se provou (alíneas A), B), D), F), H) e J) da matéria de facto assente) e que o réu não procedeu ao pagamento dos mesmos, incumprindo o contrato em causa, competindo-lhe pagar as respetivas tarifas – artigo 406.º, n.º 1 do CC – pelo que se impõe condenar o réu a pagar o valor peticionado a título de tais serviços. Assim, estando demonstrado que o réu procedeu ao pagamento das faturas elencadas nas alíneas D), F), H), J) e L) da matéria de facto assente – cfr. alínea O) dos factos provados -, ou seja, que pagou a totalidade das faturas relativas à prestação de serviços de fornecimento de água não pode o réu ser condenado a pagar, novamente, as referidas faturas, improcedendo, assim, o pedido de condenação do réu a pagar as quantias peticionadas relativamente aos fornecimentos de água. Termos em que não pode proceder este fundamento do recurso. * Conclui-se, assim, que deve ser negado provimento ao recurso jurisdicional interposto pelo réu, assim como ao recurso jurisdicional interposto pela autora e, consequentemente deve manter-se o saneador-sentença recorrido. * As custas do recurso serão suportadas pela autora e pelo réu, na proporção de 50% para cada um dos recorrentes - cfr. artigo 527.º n.º 1 e n.º 2, do Código Processo Civil e artigos 6.º n.º 2, 7.º n.º 2 e 12.º n.º 2, todos do Regulamento das Custas Processuais. *IV. Decisão: Pelo exposto, acordam, em conferência, as Juízas Desembargadoras da Subsecção de Contratos Públicos, da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul, em: - Negar provimento aos recursos interpostos pela autora e pelo réu e manter a sentença recorrida. Custas do recurso pela autora e pelo réu, na proporção de 50%, para cada um dos recorrentes. Registe e notifique. Lisboa, 9 de outubro de 2025. _________________________________ (Helena Telo Afonso – relatora) _________________________________ (Paula Cristina Oliveira Lopes de Ferreirinha Loureiro – 1.ª adjunta) _________________________________ (Ana Carla Teles Duarte Palma – 2.ª adjunta) |