Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 683/07.0BELRS |
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Secção: | CT |
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Data do Acordão: | 04/03/2025 |
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Relator: | TIAGO BRANDÃO DE PINHO |
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Descritores: | PODERES DE INSTRUÇÃO DO JUIZ PRINCÍPIO DO INQUISITÓRIO ÓNUS DE IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO |
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Sumário: | 1 – O processo tributário é um sistema misto, influenciado quer pelo princípio do dispositivo, quer pelo princípio do inquisitório, em que o Tribunal e as partes, e estas entre si, colaboram para que o processo alcance a sua finalidade: a composição definitiva do litígio, em prazo razoável, mediante processo equitativo. 2 – Quer as partes, quer o Juiz podem contribuir para a instrução do processo, embora o direito à prova das partes e o poder de instrução do Juiz tenham diferente natureza e alcance, sendo a atividade do Juiz complementar da atividade das partes. 3 – Se a atividade probatória das partes não for suficiente para o Juiz formar a sua convicção sobre a verificação, ou não verificação, do facto, e se o Juiz entender que há uma diligência que poderá eliminar a incerteza com que se confronta, então, por se mostrar útil para o apuramento da verdade material, o Juiz deve realizá-la ou ordená-la. 4 – Tem-se por cumprido o ónus previsto no artigo 640.º do Código de Processo Civil se é perfeitamente percetível qual o objeto da impugnação da matéria de facto e qual a alteração à decisão da matéria de facto pretendida. |
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Votação: | Unanimidade |
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Indicações Eventuais: | Subsecção Tributária Comum |
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Aditamento: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | Acordam na Subsecção Tributária Comum do Tribunal Central Administrativo Sul: Na Impugnação Judicial n.º 683/07.0, deduzida por C... , CRL contra Autoridade Tributária e Aduaneira no Tribunal Tributário de Lisboa, foi inicialmente proferida sentença que julgou verificada a caducidade do direito de ação. Interposto recurso, foi anulada por acórdão deste Tribunal Central Administrativo Sul de 16 de setembro de 2021. Foi então proferida nova sentença em 20 de julho de 2022 que, julgando a Impugnação Judicial parcialmente procedente anulou, além do mais, a “correção efetuada ao IRC de 1995 da Impugnante no valor de 235.836.878$00 (1.176.349,39€), bem como os juros compensatórios no montante de 846,79€”. A sentença ora posta em xeque considerou, na sua fundamentação e no que ora interessa, que, na sequência da fusão da C... (C... ) de Viana do Alentejo na C... de Alcáçovas, nada leva “a crer que a Impugnante tenha considerado no resultado consolidado o valor declarado pela nova C... de Alcáçovas e de Viana do Alentejo (que continha já o prejuízo da fundida C... de Viana do Alentejo) e o da C... de Viana do Alentejo até tudo levando a acreditar no contrário do que, por mero juízo conclusivo, é alcançado pela AT”. Inconformada, a Recorrente Autoridade Tributária e Aduaneira formulou as seguintes conclusões: I. O thema decidendum no âmbito dos presentes autos de recurso consiste em aferir da legalidade da correção efetuada em sede de procedimento inspetivo referente à não aceitação do montante de 235.836.878$00, tendo a AT considerado que o prejuízo fiscal incorrido pela extinta (por fusão com a C... de Alcáçovas) C... de Viana do Alentejo havia sido contabilizado em duplicado pela Impugnante na consolidação de contas. Vejamos, II. Na douta sentença recorrida explana-se no ponto 6) dos Factos Não Provados que: “Não foi provado que a Impugnante tenha contabilizado em duplicado o prejuízo fiscal declarado pela C... de Viana do Alentejo na sua Declaração Modelo 22 de cessação, no montante 235.836.878$00, apresentada em 1997, por o mesmo já constar na Modelo 22 apresentada pela C... de Alcáçovas e Viana do Alentejo” tendo por base o fundamento de que “a AT se limitar produzir no Relatório Inspetivo da Impugnante e no Relatório de Inspeção Tributária levada a cabo à C... de Viana do Alentejo, a conclusão de que houve consideração em duplicado do prejuízo declarado por esta, sem que nenhuma evidência exista quanto a essa duplicação”. III. Conforme resulta do ponto C) do probatório: “Em 08.06.1999 foi elaborado o Relatório de Inspeção Tributária levado a cabo à C... de Viana do Alentejo, cujo DC22 contém no Campo referente à “Fundamentação das Correções Efectuadas” o seguinte: 5 – A análise efectuada às referidas declarações Mod. 22 entregues pelas duas C... e os esclarecimentos prestados pelo SP evidenciou que o “prejuízo consolidado “inclui incorretamente Esc: 235.836.878$00.” (sublinhado nosso) IV. Explana-se no ponto J) do probatório que no ponto 1.1.29 do RIT se refere que: “C... de Viana do Castelo, CRL, NIPC 500...., correções no montante de 235.836.878$00, dado que a mesma verba foi considerada incorrectamente pela junção da Caixa de Alcáçovas e Viana do Castelo ou seja o mesmo movimento das duas caixas agrícolas no exercício de 1995 foi declarado conjuntamente, devendo por este motivo anular-se o prejuízo fiscal no montante de 235.836.878$00.” (sublinhado nosso) V. Ou seja foi através da análise de toda a documentação efetuada em sede de procedimento inspetivo que a AT logrou detetar que o prejuízo fiscal [no montante de 235.836.878$00] incorrido pela extinta (por fusão com a C... de Alcáçovas) C... de Viana do Alentejo havia sido contabilizado em duplicado pela Impugnante na consolidação de contas. VI. Face ao exposto, entende a Fazenda Pública que o Tribunal a quo incorre, ab inicio, numa errada consideração, porquanto a AT não teve uma atuação de mera “inércia” nem se limitou a fundamentar a correção ora em análise com uma “afirmação meramente conclusiva sem qualquer suporte factual”. VII. Prossegue o Mmo. Juiz a quo explanando na douta sentença recorrida que: “se impunha que a AT tivesse logrado demonstrar de forma cabal a contabilização em duplicado do prejuízo fiscal declarado pela C... de Viana do Alentejo na sua Declaração Modelo 22 de cessação (…)” concluindo que “nada leva a crer que a Impugnante tenha considerado no resultado consolidado o valor declarado pela nova C... de Alcáçovas e de Viana do Alentejo (que continha já o prejuízo da fundida C... de Viana do Alentejo) e o da C... de Viana do Alentejo, até tudo levando a crer no contrário do que, por mero juízo conclusivo, é alcançado pela AT”. VIII. Com o devido respeito não pode a AT aceitar que o Tribunal acusando de inerte a atuação da AT logre aceitar como verdadeiras e suficientes os elementos apresentados pela Impugnante. IX. Pelo contrário, não olvidando as prerrogativas da AT, importa atentar que em sede judicial, vigoram os poderes inquisitórios do Tribunal, para oficiosamente diligenciar o que achar necessário para descobrir a verdade material, designadamente sobre o que as partes tragam ao processo e que se verifique uma necessidade de mais diligências. X. Tal como se verifica nos presentes autos, desde logo espelhadas nas incongruências e insuficiência de elementos da contabilidade da impugnante apontadas pela AT e que conduziram à correção referente à não aceitação do montante de 235.836.878$00, uma vez que a AT apurou que o prejuízo fiscal incorrido pela extinta (por fusão com a C... de Alcáçovas) C... de Viana do Alentejo havia sido contabilizado em duplicado pela Impugnante na consolidação de contas. XI. Realce-se, que do ora aduzido, não está em causa que o prejuízo fiscal incorrido pela extinta (por fusão com a C... de Alcáçovas) C... de Viana do Alentejo tenha sido, ou não, contabilizado em duplicado pela Impugnante na consolidação de contas, mas antes a questão dos elementos dos autos não permitirem espelhar que a Impugnante não tenha contabilizado em duplicado o prejuízo fiscal declarado pela C... de Viana do Alentejo na sua Declaração Modelo 22 de cessação, no montante 235.836.878$00, apresentada em 1997. XII. Ora, aqui chegados, importa gizar que a apreciação jurisdicional tem de considerar os sintomas de verdade numa determinada situação, em respeito pela tutela jurisdicional e verdade material, recorrendo ao princípio da inquisitório sempre que necessário, independentemente dos cânones do ónus da prova. XIII. Assim, em qualquer situação de facto, por vezes a prova recolhida não é plena e inabalável, o que obriga a uma apreciação global e conjugação de todos os elementos disponíveis, e sempre novas diligências, designadamente indiciária. XIV. De facto, diz a experiência e a tradição jurisdicional, que é habitual que apenas em sede de “tribunal”, derivado do cruzamento dos vários articulados, muitos dos elementos identificados pelas partes, como indiciários de uma determinada situação, ganham corpo como plena prova ou que se reúnem as condições para apurá-los plenamente, sendo fundamental a prerrogativa do poder inquisitório do tribunal. XV. “Como a realidade tem estrutura nomológica (regida por leis), então a hipótese factual que corresponde à realidade há de apresentar características que refletem esse «modo de ser nomológico», características essas que uma hipótese fictícia não pode refletir porque não é um produto com raízes na realidade, mas sim um produto construído pela mente de quem a engendrou.” in Prova e Formação da Convicção do Juiz, Alberto Augusto Vicente Ruço, 2ª edição, Almedina, 2019, pág.160. XVI. Assim, os sintomas da verdade em qualquer situação são a coerência da hipótese, a simplicidade da hipótese, a probabilidade da hipótese, a testabilidade empírica da hipótese, a corroboração da hipótese explicativa e resistência à refutação, quantidade e diversidades das provas. XVII. Estes sintomas da verdade, verificam-se preenchidos em todas as situações que correspondem à verdade material, ou por outras palavras, os preenchimentos destes pressupostos conduzem-nos a uma real hipótese de estarmos perante a verdade, assentando todos em regras de experiência e de normalidade. XVIII. Portanto, “A importância dos sintomas da verdade reside na circunstância de indicarem ao juiz qual das hipóteses factuais em confronto corresponde à realidade, o que se mostra decisivo na reconstituição da realidade pretérita e na formação da convicção. (…) “in Prova e Formação da Convicção do Juiz, Alberto Augusto Vicente Ruço, 2ª edição, Almedina, 2019, pág.202 XIX. Mas, “Tais sintomas da verdade, embora presentes em qualquer hipótese que corresponda à realidade, nem sempre serão discerníveis, pelo menos todos eles. Tal pode ocorrer por deficiência da investigação criminal, por insuficiência de factos alegados pelas partes ou devido ao facto de algumas das circunstâncias do caso concreto se mostrarem opacas.” in Prova e Formação da Convicção do Juiz, Alberto Augusto Vicente Ruço, 2ª edição, Almedina, 2019, pág.204. XX. No caso dos autos, a decisão jurisdicional não pode ficar refém dos elementos dos autos, designadamente, quando assim existem indícios que ofuscam a verdade material, como por exemplo o facto de a AT ter apurado no RIT que “a mesma verba [235.836.878$00] foi considerada incorrectamente pela junção da Caixa de Alcáçovas e Viana do Castelo ou seja o mesmo movimento das duas caixas agrícolas no exercício de 1995 foi declarado conjuntamente”, deve lançar mão das suas ferramentas, designadamente, do seu poder oficioso de encetar todas as diligências que considere pertinentes, ao abrigo do princípio do inquisitório. XXI. Por exemplo, pedir novos esclarecimentos concretizadores sobre a situação de facto à contabilidade da sociedade, e no limite a intervenção oficiosa de peritos. XXII. De ressalvar, que esta ímpeto inquisitório do tribunal, não se trata de substituir às partes e ao seu dever do ónus da prova, mas antes diligenciar, por todos meios, a descoberta material. XXIII. Ora, no caso dos autos, o Tribunal a quo entende que, a AT não logrou “demonstrar de forma cabal a contabilização em duplicado do prejuízo fiscal declarado pela C... de Viana do Alentejo na sua Declaração Modelo 22 de cessação” considerando que “nada leva a crer que a Impugnante tenha considerado no resultado consolidado o valor declarado pela nova C... de Alcáçovas e de Viana do Alentejo (que continha já o prejuízo da fundida C... de Viana do Alentejo) e o da C... de Viana do Alentejo”. XXIV. Com o devido respeito não pode a AT aceitar que o Tribunal aceite como verdadeiras e suficientes os elementos apresentados pela Impugnante nos presentes autos uma vez que os mesmos não permitem espelhar que a Impugnante não tenha contabilizado em duplicado o prejuízo fiscal declarado pela C... de Viana do Alentejo na sua Declaração Modelo 22 de cessação, no montante 235.836.878$00, apresentada em 1997. XXV. Ora entende a Fazenda Pública que o Tribunal a quo deveria, oficiosamente e ao abrigo do princípio do inquisitório, ter diligenciado o apuramento dos factos, à luz do que considerava ser necessário, e não apenas invalidar o entendimento da AT, escudando-se na indicação de falhas à atuação da AT. XXVI. Assim, pensamos que melhor teria andado, em respeito por no contencioso tributário vigorar o princípio do inquisitório (e da investigação), segundo o qual o tribunal deve realizar ou ordenar oficiosamente todas as diligências que se lhe afigurem úteis para conhecer a verdade relativamente aos factos alegados ou de que oficiosamente pode conhecer, nos termos do artigo 99º da LGT e artigo 13º do CPPT. XXVII. Então, este princípio do inquisitório podia ser conjugado com o princípio do pedido e com o ónus de alegação dos factos, condições de eficácia do processo. XXVIII. Ou seja, a descoberta da verdade material estaria a ser conjugada com os princípios da eficiência e da racionalidade do presente processo tributário. XXIX. Neste sentido, “I – O princípio do inquisitório adquire plena eficácia na fase da instrução do processo, constituindo um poder-dever que se impõe ao juiz com vista ao apuramento da verdade material e à justa composição do litígio. II – Este poder-dever cabe com particular acuidade ao juiz de 1ª instância, mas estendese igualmente às Relações, tribunais que, como os de 1ª instância, conhecem da matéria de facto em recurso que para eles seja interposto contra a decisão proferida neste campo. III – Tendo o objeto do seu conhecimento delimitado pelos concretos pontos de facto que o recorrente, ao abrigo do princípio do dispositivo, tenha indicado como incorretamente julgados, já no tocante à averiguação desses mesmos factos o Tribunal da Relação não tem de limitar a sua análise aos meios de prova indicados pelo recorrente, dispondo, aqui, de amplo poder inquisitório no âmbito do qual pode recorrer à renovação da prova ou à produção de novos meios de prova.(…)” Acórdão do STA de 18-10-2018, Proc. 1295/11.0TBMCN.P1.S2 XXX. Aqui chegados, em sintonia com o tudo o referido, e já supra aclarado, entendemos que o Tribunal a quo não valorou corretamente os factos apontados pela AT, sendo relevante que o Tribunal a quo olvidou os seus poderes inquisitórios para oficiosamente diligenciar o que achava necessário para descobrir a verdade material, designadamente suprir as falhas de apuramento da verdade que apontou à AT. XXXI. Concluindo-se deste modo, que a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao ter determinado a “anulação da correção efetuada ao IRC de 1995 da Impugnante no valor de 235.836.878$00 (1.176.349,39€), bem como dos juros compensatórios no montante de 846,79€, constantes da liquidação impugnada nos autos” razão pela qual se impõe a sua revogação e substituição por acórdão que declarando improcedente, por não provada, a Impugnação Judicial, mantenha vigente, por legal, no ordenamento jurídico tributário, a liquidação de IRC impugnada nos termos das conclusões que seguem e que V. Exas melhor suprirão. E contra-alegando conclui, por sua vez, a C... , CRL: A) O recurso deduzido não se mostra admissível ao abrigo da legislação aplicável, mas mesmo que outro pudesse ser o entendimento, sempre se dirá que, não ocorre qualquer fundamento atendível, aos (parcos) argumentos aduzidos pela Recorrente, pelo que deverá manter-se a Sentença nos exactos termos em que foi proferida pelo Tribunal a quo. B) Em sede do seu recurso, a AT/Recorrente limitou-se a "atacar" um ponto da matéria de facto dada como não provada, sem para tanto, indicar que meios de prova deveriam ter determinado o Tribunal a quo a decidir em sentido diferente e, tanto assim, sem indicar que factos concretos deveriam passar a elencar a matéria de facto provada. C) Ora, nos termos do preceituado nas disposições conjugadas do artigo 280.º, do CPPT e artigo 640.º, n.º 1, do CPC, destinando-se o recurso a impugnar matéria de facto, não cumpre, no caso, o ónus de alegação conforme previsto no artigo 640.º, do CPC, aplicável ex vi artigo 2.º, do CPPT, o que sempre teria que determinar o seu indeferimento liminar. Ad cautelam, D) A AT deduziu recurso por não se conformar com o facto de o Tribunal a quo ter dado como não provada uma alegada duplicação de prejuízos fiscais, mas sem que para tanto tenha mencionado um único meio de prova que haja sido produzido e que permitisse ao Tribunal a quo decidir em termos diametralmente opostos ao decidido. E) Bastou-se a AT, por um lado, com a alegação de "sintomas da verdade" e, por outro lado, com aquele que se tem por um apelo ao poder inquisitório do Tribunal, ainda que, para tanto (ou tão pouco) tenha indicado uma única diligência a que o Tribunal se tenha "furtado" e que não coubesse, em primeira linha à própria AT. F) A entender necessária a intervenção de peritos ou a junção de mais elementos da contabilidade da Recorrida, sempre tais diligências deveriam ter sido, oportuna e fundadamente, requeridas pela Recorrente (vide ponto XXI das suas conclusões de recurso). G) É que, pese embora, a afirmação da Recorrente no ponto XXII das suas conclusões de recurso, o certo é que de todo o alegado em sede recursiva resulta evidente que a Recorrente pretende assacar ao Tribunal a quo a responsabilidade de não se ter substituído à própria parte AT, suprindo assim as suas deficiências probatórias em juízo (vide pontos XX e XXX das conclusões de recurso da Recorrente) H) Conforme decidido no acórdão do Tribunal Central Administrativo, proferido em 28 de Janeiro de 2021, no âmbito do processo de recurso n.º 499/11.0BELLE "No processo judicial tributário vigora o princípio do inquisitório (cfr. artigos 99º da LGT e 13º do CPPT), o que significa que o juiz não só pode, como também deve, ordenar ou realizar todas as diligências que considere úteis ao apuramento da verdade. Este princípio e dever que o Juiz deve observar não serve, porém, para colmatar a inércia ou falta de diligência das partes, sob pena de o juiz se substituir às partes no cumprimento daquilo que a lei lhes impõe.” l) Sabe-se, nos termos do princípio do inquisitório, o Tribunal deve realizar elou ordenar oficiosamente as diligências que tenha por necessárias à descoberta da verdade material relativamente à factualidade alegada, no entanto não pode o Tribunal substituir-se às Partes, promovendo a prova que se lhes impunha. (Nesse sentido, vide o acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, proferido no âmbito do processo n 0 00039/17.7BEVlS, em 13 de Julho de 2017) J) In casu, resulta evidente, tal como melhor o salientou o Tribunal a quo na Sentença recorrida, a fls. 35, que “(…) a AT se limitou a produzir no Relatório Inspetivo da Impugnante e no Relatório de Inspeção Tributária levada a cabo à C... de Viana do Alentejo, uma afirmação conclusiva de que houve consideração em duplicado do prejuízo declarado por esta, sem que nenhuma evidência exista quanto a essa duplicação." K) "Pelo contrário, o que se verifica é que a Impugnante apresentou a sua Modelo 22 em 1996, da mesma forma que o fez a C... de Alcáçovas e Viana do Alentejo em resultado da fusão ocorrida em 1995, tendo esta já apresentado o resultado fiscal resultante dessa fusão. Posteriormente, e em cumprimento de notificação da AT para o efeito, apenas em 1997 a já inexistente C... de Viana do Alentejo apresentou a sua Modelo 22 de cessação, nada levando a crer que a Impugnante tenha considerado no resultado consolidado o valor declarado pela nova C... de Alcáçovas e de Viana do Alentejo (que continha já o prejuízo da fundida C... de Viana do Alentejo) e o da C... de Viana do Alentejo, até tudo levando a acreditar no contrário do que, por mero juízo conclusivo, é alcançado pela AT.” - Sentença recorrida, a fls. 35. L) É fora de dúvida que o ónus da prova da matéria em questão era da competência da Recorrente (cfr. artigo 74.º da LGT). Ónus esse que não foi cumprido (e, menos ainda, de forma eficaz). M) Por esta ordem de razões e como devidamente fundamentado em sede da Sentença sob recurso, bem andou o Tribunal a quo ao decidir nos termos em que o fez, já que "6 — Não foi provado que a Impugnante tenha contabilizado em duplicado o prejuízo fiscal declarado pela C... de Viana do Alentejo na sua Declaração Modelo 22 de cessação, no montante 235.836.878$00, apresentada em 1997, por o mesmo já constar na Modelo 22 apresentada pela C... de Alcáçovas e Viana do Alentejo.” N) Por todo o exposto, deve o recurso deduzido pela Recorrente ser julgado improcedente, com todas as consequências legais que daí se devam extrair.” A Exma. Magistrada do Ministério Público emitiu parecer no sentido de que seja negado provimento ao Recurso, por um lado, por não apresentar uma única prova do que alega e, por outro, por o poder inquisitório do Tribunal não poder ser entendido como substitutivo de falhas de prova da responsabilidade das partes. As questões a decidir são, então, as de saber se o Recurso deve ser rejeitado por não ter sido cumprido o ónus previsto no artigo 640.º do Código de Processo Civil. Em caso de resposta negativa, deve ser conhecida a questão de saber de a sentença errou ao dar como não provado o facto n.º 6. Se a tal nada obstar, haverá ainda que apreciar se o Juiz deveria ter exercido os seus poderes instrutórios. Colhidos os vistos legais, nada obsta à decisão. Em sede factual, vem apurado que: A) Pelo ofício nº 29908, de 04.06.1996, foi a Impugnante notificada de que, por despacho do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais proferido em 27.05.1996, foi deferido o pedido formulado pela Impugnante em 12.04.1995 ao abrigo do Decreto-Lei nº 24/91, de 11.01, sendo a autorização válida para os exercícios de 1995 a 1997, aí constando ainda a advertência de que todas as alterações que ocorressem nos referidos exercícios teriam as consequências do regime geral previstas no artigo 59º do CIRC (cfr. fls. 251 do PAT, cujo teor se dá por integralmente reproduzido). B) Em 31.06.1996 foi apresentada a Declaração Modelo 22 do exercício de 1995, referente à C... de Alcaçovas e Viana do Alentejo, da qual resultava um prejuízo individual no valor de 232.219.152$00 (cfr. fls. 255 a 262 do PAT). C) Em 08.06.1999 foi elaborado o Relatório de Inspeção Tributária levada a cabo à C... de Viana do Alentejo, cujo DC 22 contém no Campo referente à “Fundamentação das Correcções Efectuadas” o seguinte: “Em conformidade com o ofício 1379 de Julho de 1998 da Direcção de Serviços de Estudos, Planeamento e Coordenação da Prevenção e Inspecção Tributária, procedeu-se à análise interna da declaração Mod. 22 do exercício de 1995 da C... de Viana do Alentejo. 1 – Por escritura pública de 17 de Outubro de 1995, com efeitos contabilísticos a 31 de Dezembro do referido ano, a C... de Alcaçovas, absorveu a C... – Viana do Alentejo, fusão esta autorizada quer pelo Ministro das Finanças quer pelo Banco de Portugal. 2 – A C... – Alcaçovas e Viana, NIPC: 500 ..., conforme refere fotocópia do fax, em anexo, declarou em Abril de 1996, o movimento anual das duas caixas, referente a 1995, não tendo sido respeitado o artigo 7º nº 4 e 5 do CIRC. 3 – Em Outubro de 1997 a C... – Viana do Alentejo foi notificada pelos Serviços de fiscalização desta Direcção de Finanças para apresentar a declaração Mod. 22 que se encontrava em falta. 4 – A declaração em falta, comunicando a cessação de Actividade foi entregue em Novembro de 1997, englobando o movimento contabilístico do período de Janeiro a Novembro de 1995. 5 – A análise efectuada às referidas declarações Mod. 22 entregues pelas duas C... e os esclarecimentos prestados pelo SP evidenciou que o “prejuízo consolidado” inclui incorrectamente Esc: 235.836.878$00. Pelo exposto e em virtude de: - A C... – Viana do Alentejo já ter sido penalizada pela falta de entrega da declaração referente ao período de Janeiro a Outubro de 1995; - O movimento das duas Caixas Agrícolas, do referido exercício terem sido declaradas conjuntamente na C... – Alcaçovas. Afigura-se-nos que o prejuízo fiscal declarado por esta C... no valor de Esc: 235.836.878$00, seja anulado.” (cfr. fls. 169 a 171 do PAT, cujo teor se dá por integralmente reproduzido e fls. 77 a 81 do processo de reclamação graciosa apenso ao PAT). D) Em cumprimento da Ordem de Serviço nº 54500, de 20.10.2000, foi levada a cabo ação inspetiva interna à Impugnante, ao exercício de 1995 (cfr. fls. 69 a 72 do PAT). E) Através do ofício nº 010099 de 07.11.2000 os Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Lisboa notificaram a Impugnante para exercer o seu direito de audição prévia no prazo de 8 dias (cfr. fls. 272 e 273 do PAT). F) Em 17.11.2000 deu entrada na Direção de Finanças de Lisboa o direito de audição da Impugnante, com o seguinte teor: “ “(texto integral no original; imagem)” “(texto integral no original; imagem)” “(texto integral no original; imagem)” “(texto integral no original; imagem)” (cfr. fls. 276 a 279 do PAT). D’) Conjuntamente com o documento mencionado na alínea antecedente, a Impugnante juntou como anexo I, os documentos comprovativos da aquisição de 177 384 ações da Companhia de Seguros “….”, nos dias 12.08.1991 (176.184 ações), 06.01.1992 (1000 ações), 23.03.1993 (100 ações) e em 24.03.1993 (100 ações), e de venda de 500 ações entre os dias 04.03.1993 e 10.03.1993 (cfr. fls. 197 a 209 do PAT). E’) Conjuntamente com o documento mencionado em C), a Impugnante juntou documentos emitidos pela “C... , S.A.”, comprovativos da alienação de 147.438 ações da Companhia de Seguros o “T... ”, entre os dias 06.06.1995 e 28.12.1995, pelo valor de 9.506.684$00 (cfr. fls. 213 a 238 do PAT). F’) Conjuntamente com o documento mencionado em C), a Impugnante juntou um documento manuscrito, com data aposta de dezembro de 1995, no qual é dito o seguinte: “Rectificação do valor da participação na “Companhia de Seguros O T... ” em função das vendas ocorridas ao longo de 1995 e ajustada do valor da provisão existente mantendo o nível de cobertura em 85%” (cfr. fls. 240 do PAT). G) Conjuntamente com o documento mencionado em C), a Impugnante juntou um “Mapa das Mais-Valias e Menos-Valias Fiscais” do exercício de 1995, referente ao imobilizado financeiro (cfr. fls. 242 do PAT, cujo teor se dá por integralmente reproduzido). H) Conjuntamente com o documento mencionado em C), a Impugnante juntou o documento denominado “Cessão de Créditos” datado de 31.10.1994, tendo como outorgantes a Impugnante e a “C... de Alenquer, CRL”, mediante o qual a Impugnante declarou ceder à C... de Alenquer o crédito detido sobre a “Adega Cooperativa de Olhalvo, CRL” no montante de 66.593.075$00, cessão realizada pelo preço de 50.000.000$00, juntando igualmente documentos internos discriminando um crédito feito em 31.12.1992 no valor de 50.000.000$00 (processo nº 92.0682.00) e duas notas de lançamento a débito no processo nº 92.0682.00, em 30.04.1995 e 31.10.1995, nos valores totais de 39.327.465$00 (cfr. fls. 244 a 249 do PAT, cujo teor se dá por integralmente reproduzido). I) Conjuntamente com o documento mencionado em C), a Impugnante juntou como anexo VI um mapa por si elaborado que menciona respeitar a créditos cujo pagamento foi exigido ao mutuário e de clientes com processos em tribunal, calculando a final um valor de 57.052.413$00 (cfr. fls. 250 do PAT, cujo teor se dá por integralmente reproduzido). J) Em 22.11.2000 foi elaborada a seguinte análise ao direito de audição da Impugnante e o Relatório Final da Ação de Inspeção: “(…) “(texto integral no original; imagem)” “(texto integral no original; imagem)” “(texto integral no original; imagem)” (…) “(texto integral no original; imagem)” “ (cfr. fls. 74 a 92 do PAT, cujo teor se dá por integralmente reproduzido). K) Também em 22.11.2000 foi elaborado o competente DC 22, para concretização das correções resultantes da ação inspetiva, sendo aposto no mesmo o acréscimo de 543.417.331$00 ao lucro tributável declarado de 850.385.577$00, resultando num lucro tributável de 1.393.802.908$00, e sendo considerado o valor de 283.881$00 como despesas confidenciais (cfr. fls. 71 a 73 do PAT). L) Em 02.11.2000 foi proferido despacho pelo Diretor de Finanças de Lisboa, com relação ao Relatório referido em J), com o seguinte teor: “Concordo com os pareceres e com o relatório da acção inspectiva, em anexo. Dos fundamentos deles constante resulta que se encontram verificados os pressupostos legais e de facto para, mantendo-se a avaliação directa da matéria colectável, proceder às correcções técnicas propostas, nos termos da parte final dos artigos 16º, n.º 1 e 17º n.º 1 do Código do IRC, bem como dos artigos 81º a 84º da LGT. Desta forma, com os fundamentos referenciados, determino que se proceda à alteração do lucro tributável e/ou matéria colectável da declaração de consolidação nos termos propostos, cf. Sistema de tributação de lucro consolidado, estatuído no art.º 59º do CIRC. (…)” (cfr. fls. 67 do PAT). M) Em 04.12.2000 foi a Impugnante notificada do Relatório Inspetivo (cfr. fls. 280 do PAT). N) Em 15.12.2000, e em concretização das correções efetuadas no Relatórios referido em J), foi emitida em nome da Impugnante a liquidação adicional nº 8310015622, no montante a pagar de 2.256,42€, resultante da correção efetuada ao nível das tributações autónomas (acresceu 1.415,99€), e que inclui o montante de 846,79€ de juros compensatórios (cfr. fls. 479 do PAT). O) Em 01.03.2001 a Impugnante apresentou reclamação graciosa contra a liquidação identificada na alínea antecedente, a qual foi instaurada no Serviço de Finanças de Lisboa 10 sob o nº 3255200104000331, e na qual de entre o mais pede uma redução da correção não aceite de provisões para créditos vencidos considerada pela C... de Benavente de 71.535.742$00 para 27.695.541$00 (cfr. fls. 1 a 10 do processo de reclamação apenso aos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido). P) Por despacho proferido em 27.09.2007 pelo Diretor de Finanças Adjunto de Lisboa, foi a reclamação graciosa indeferida com os fundamentos constantes de fls. 151 a 157 do processo de reclamação graciosa apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais). Q) Notificada em 03.10.2007 da decisão referida na alínea antecedente, a Impugnante apresentou a presente impugnação em 08.04.2008 (cfr. fls. finais do processo de reclamação graciosa apenso e fls. 2 dos autos). **** Factos Não Provados: 1 – Não foi provada a data de aquisição e o valor de aquisição das ações da Companhia de Seguros “O T... ” constantes dos documentos internos de fls. 202 a 204 do PAT, com datas de 11.05.1992 e 04.09.1992, que respeitam a uma contabilização da “Transferência para imobilizações financeiras de acções da Companhia de Seguros “O T... ” que se encontravam na carteira de títulos”, pelo valor de 7.326.600$00. 2 – Não foi provado que as ações da Companhia de Seguros o T... alienadas em 1995 correspondam exatamente às ações referidas na alínea D) dos factos provados. 3 – Não foi provado que com referência à operação referida em H), a C... de Alenquer tenha apenas pago o valor de 39.327.465$00. 4 - Não foi provado que a Impugnante tenha efetivamente procedido à entrega do documento de fls. 252 a 254 do PAT. 5 – Não foi provado que relativamente aos créditos constantes do quadro de fls. 93 do PAT, que constitui o valor de 71.535.742$00 de provisões para créditos vencidos consideradas em excesso pela AT relativamente à C... de Benavente, tenha sido formalmente apresentada ao devedor a exigência de liquidação do valor global de cada empréstimo. 6 – Não foi provado que a Impugnante tenha contabilizado em duplicado o prejuízo fiscal declarado pela C... de Viana do Alentejo na sua Declaração Modelo 22 de cessação, no montante 235.836.878$00, apresentada em 1997, por o mesmo já constar na Modelo 22 apresentada pela C... de Alcáçovas e Viana do Alentejo. 7 – Não foi provado que na liquidação impugnada, relativamente ao valor de 846,79€ de juros compensatórios, tenha sido feito constar a importância sobre que incidiram os juros, a taxa aplicada e o prazo de cálculo dos mesmos. **** Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afetar a decisão de mérito, em face das possíveis soluções de direito, e que, por conseguinte, importe registar como não provados. **** Quanto aos factos provados a convicção do Tribunal fundou-se na posição factual expressa pelas partes na p.i. e contestação, na prova documental junta aos autos e no processo administrativo em apenso, designadamente no processo de reclamação graciosa apenso. Quanto aos factos não provados, o nº 1 resulta da circunstância de que o mero documento de transferência interna de ações constantes de carteira de títulos não ser apto a demonstrar qual a data e o valor de aquisição das ações transferidas. Quanto ao facto nº 2 resulta da circunstância de não terem sido juntos pela Impugnante os mapas de inventário das ações detidas desde a primeira invocada aquisição das ações da Companhia de Seguros “O T... ” (1991) até ao dia 31.12.1995), não permite concluir pela referida correspondência. O facto dado por não provado sob o nº 3 é resultado da circunstância da Impugnante não ter junto qualquer documento contabilístico que evidencie a movimentação contabilística referente à cessão de crédito e bem assim dos efetivos fluxos financeiros comprovativos dos alegados pagamentos efetuados pela C... Alenquer, já que os documentos juntos são meras Notas de Lançamento sem associação de comprovativo de pagamento ou recebimento (designadamente de transferência ou de cheque). Quanto ao facto nº 4 o mesmo resulta de do referido documento não constar qualquer indicação de ter o mesmo sido enviado, entregue, recebido e entregue em qualquer serviço da AT. O facto nº 5 resulta de quanto ao mesmo nenhuma prova ter sido produzida pela Impugnante. O facto não provado sob o nº 6 resulta de a AT se limitar produzir no Relatório Inspetivo da Impugnante e no Relatório de Inspeção Tributária levada a cabo à C... de Viana do Alentejo, a conclusão de que houve consideração em duplicado do prejuízo declarado por esta, sem que nenhuma evidência exista quanto a essa duplicação. Pelo contrário, o que se verifica é que a Impugnante apresentou a sua Modelo 22 em 1996, da mesma forma que o fez a C... de Alcáçovas e Viana do Alentejo em resultado da fusão ocorrida em 1995, tendo esta já apresentado o resultado fiscal resultante dessa fusão. Posteriormente, e em cumprimento de notificação da AT para o efeito, apenas em 1997 a já inexistente C... de Viana do Alentejo apresentou a sua Modelo 22 de cessação. Ora, nada leva a crer que a Impugnante tenha considerado no resultado consolidado o valor declarado pela nova C... de Alcáçovas e de Viana do Alentejo (que continha já o prejuízo da fundida C... de Viana do Alentejo) e o da C... de Viana do Alentejo, até tudo levando a crer no contrário do que, por mero juízo conclusivo, é alcançado pela AT. Finalmente, o facto dado como não provado sob o nº 7 resulta de nenhuma prova ter sido produzida quanto ao mesmo. * Vejamos, pois:QUANTO À ADMISSIBILIDADE DO RECURSO RELATIVO À MATÉRIA DE FACTO: Nos termos do artigo 640.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, “Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.” Como logo resulta da sua epígrafe (Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto), foi intenção do legislador impor o cumprimento de uma faculdade ao Recorrente para conseguir colocar em crise a decisão da matéria de facto fixada na sentença como provada ou não provada. Tal ónus consiste em especificar obrigatoriamente 1) os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, 2) os concretos meios de prova produzidos que impunham uma decisão da matéria de facto diferente, e 3) a decisão que deve ser proferida sobre a questão de facto impugnada. Se o Recorrente cumprir este triplo ónus, pode impugnar a matéria de facto fixada na sentença; se não cumprir, o Recurso sobre a questão de facto deve ser rejeitado. A opção do legislador por esta rejeição do Recurso compreende-se na medida em que foi sua intenção que o objeto do recurso ficasse bem identificado, assim como a alteração à matéria de facto pretendida, exigindo, então, que a impugnação da matéria de facto fosse concretamente impugnada e complementada pela defesa da decisão que o Tribunal ad quem deve sobre ela proferir. Daí que caso seja perfeitamente percetível qual o objeto do recurso e qual a alteração à matéria de facto pretendida pelo Recorrente, se deva dar por cumprido o ónus previsto no artigo 640.º do CPC. * A Recorrida sustenta que a Recorrente se limitou a atacar um ponto da matéria de facto dada como não provada sem, para tanto, indicar que meios de prova deveriam ter determinado o Tribunal a quo a decidir em sentido diferente e, tanto assim, sem indicar que factos concretos deveriam passar a elencar a matéria de facto provada, o que não cumpre o ónus de alegação previsto no artigo 640.º do CPC – cfr. as alíneas B) e C) das suas Contra-Alegações.Ora, embora as Conclusões do Recurso não sejam modelares, é possível delas retirar que aquilo que a Recorrente pretende é colocar em xeque o facto dado como não provado sob o n.º 6 (cfr. a conclusão II), por considerar: - por um lado, que a tal obsta a “análise de toda a documentação efetuada em sede de procedimento inspetivo que a AT logrou detetar que o prejuízo fiscal [no montante de 235.836.878$00] incorrido pela extinta (por fusão com a C... de Alcáçovas) C... de Viana do Alentejo havia sido contabilizado em duplicado pela Impugnante na consolidação de contas” (cfr. a conclusão V do Recurso); - por outro, que tal juízo probatório não é compatível com os factos dados como provados nas alíneas C) e J) do probatório (cfr. as conclusões III e IV). * Relativamente à eliminação do facto dado como não provado sob o n.º 6 por a tal obstar toda a documentação analisada em sede de procedimento inspetivo:Ao referir-se a toda a documentação constante do procedimento inspetivo, é manifesto que a Recorrente não especifica os concretos meios probatórios, constantes dos presentes autos ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre o ponto da matéria de facto impugnado diversa da recorrida. E, assim sendo, é manifesto que não se mostra cumprido o ónus impugnatório previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 460.º do CPC devendo, no ponto (Conclusões VI a VIII, XXIII e XXIV), o Recurso ser rejeitado. * Relativamente à incompatibilidade do facto dado como não provado sob o n.º 6 com os factos dados como provados nas alíneas C) e J) do probatório:Por considerar que foi dado como provado na alínea C) do probatório que “A análise efectuada às referidas declarações Mod. 22 entregues pelas duas C... e os esclarecimentos prestados pelo SP evidenciou que o prejuízo consolidado inclui incorretamente Esc. 235.836.878$00”, e na alínea J) que “a mesma verba foi considerada incorrectamente pela junção da Caixa de Alcáçovas e Viana do Castelo, ou seja, o mesmo movimento das duas Caixas Agrícolas no exercício de 1995 foi declarado conjuntamente”, a Recorrente discorda do julgamento da sentença na parte em que esta considera que “Não foi provado que a Impugnante tenha contabilizado em duplicado o prejuízo fiscal declarado pela C... de Viana do Alentejo na sua Declaração Modelo 22 de cessação, no montante de 235.836.878$00, apresentada em 1997, por o mesmo já constar na Modelo 22 apresentada pela C... de Alcáçovas e Viana do Alentejo”. Sustenta, assim, que um facto julgado como não provado (não provado que o prejuízo fiscal foi contabilizado em duplicado quer na declaração modelo 22 de cessação da C... de Viana do Alentejo, quer na declaração modelo 22 da C... de Alcáçovas e Viana do Alentejo) está em contradição com outros dois dados como provados, devendo ser eliminado do probatório. Pelo que se tem por cumprido, neste segmento, o triplo ónus previsto no artigo 640.º do CPC. * QUANTO À IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO:Como se acaba de ver, a Recorrente sustenta que os factos provados nas alíneas C) e J) do probatório não admitem que se dê como provado o seu contrário. A alínea C) do probatório tem o seguinte teor: “Em 08.06.1999 foi elaborado o Relatório de Inspeção Tributária levada a cabo à C... de Viana do Alentejo, cujo DC 22 contém no Campo referente à “Fundamentação das Correcções Efectuadas” o seguinte: (…) “A análise efectuada às referidas declarações Mod. 22 entregues pelas duas C... e os esclarecimentos prestados pelo SP evidenciou que o prejuízo consolidado inclui incorretamente Esc. 235.836.878$00” (…)”. Deste modo, o que resulta provado é que no dia 8 de junho de 1999 foi elaborado o Relatório de Inspeção Tributária relativo à ação inspetiva efetuada à C... de Viana do Alentejo; e que desse Relatório, no capítulo relativo à fundamentação das correções efetuadas, ficou consignado que “5 - A análise efectuada às referidas declarações Mod. 22 entregues pelas duas C... e os esclarecimentos prestados pelo SP evidenciou que o prejuízo consolidado inclui incorretamente Esc. 235.836.878$00” (…)”.Mas, assim sendo, o Tribunal Tributário de Lisboa não deu como provado que o prejuízo consolidado inclui incorretamente Esc. 235.836.878$00, mas que a Inspeção Tributária efetuou uma correção com esse fundamento. Fundamento, este, que pode, ou não, estar correto. * Já a alínea J) do probatório dispõe que “Em 22.11.2000 foi elaborada a seguinte análise ao direito de audição da Impugnante e o Relatório Final da Ação de Inspeção: (…) ANÁLISE DOS ELEMENTOS RELATIVOS À AUDIÇÃO PRÉVIA O sujeito passivo exerceu dentro do prazo o direito de audição prévia previsto no art. 60.º da LGT, defendendo os seus pontos de vista relativamente às correções previstas, enviando exposição e documentos contestando parte das correções previstas, sendo por nós analisadas todas as situações conforme descrição: (…) INFORMAÇÃO Em cumprimento da ordem de serviço n.º 54500, emitida em 20/10/00 para o exercício de 1995, procedemos nos termos do art. 59.º do CIRC à consolidação das correcções ao lucro tributável ou prejuízo fiscal da Caixa Central – C... , CRL e respectivas associadas dependentes conforme descrição: (…) 1.1.29) C... de Viana do Alentejo, CRL, NIPC 500...., correcções no montante de 235.836.878$00, conforme descrição: Da análise efectuada à Declaração Mod. 22, verificou-se que havia duplicação do prejuízo fiscal no montante de 235.836.878$00, dado que a mesma verba foi considerada incorrectamente pela junção da Caixa de Alcáçovas e Viana do Castelo, ou seja, o mesmo movimento das duas Caixas Agrícolas no exercício de 1995 foi declarado conjuntamente, devendo por este motivo anular-se o prejuízo fiscal no montante de 235.836.878$00. (…)”. O que assim ficou provado foi, então, que no dia 22 de novembro de 2000 foi elaborada a análise do direito de audição prévia exercido pela C... , CRL, a qual continha uma «Informação», proferida ao abrigo da ordem de serviço n.º 54.500, que esclarece que foi efetuada a consolidação das correções ao rendimento da Impugnante e respetivas associadas, entre as quais a correção relativa à C... de Viana do Alentejo, no montante de 235.836.878$00, por os serviços da Recorrente terem verificado que houve uma duplicação deste prejuízo fiscal. Ou seja, também aqui o Tribunal Tributário de Lisboa não deu como provado que o prejuízo consolidado inclui incorretamente Esc. 235.836.878$00, mas que os serviços da Recorrente efetuaram uma correção com esse fundamento, por terem verificado ter havido uma duplicação. Duplicação, esta, que pode, ou não, ter ocorrido. * Ora, no ponto, o Tribunal Tributário de Lisboa deu como não provado que “a Impugnante tenha contabilizado em duplicado o prejuízo fiscal declarado pela C... de Viana do Alentejo na sua Declaração Modelo 22 de cessação, no montante 235.836.878$00, apresentada em 1997, por o mesmo já constar na Modelo 22 apresentada pela C... de Alcáçovas e Viana do Alentejo” – cfr. ponto 6 dos factos discriminados como não provados.Isto é, depois de ter dado como provado que a Inspeção Tributária considerou que houve uma inclusão errada no prejuízo consolidado no montante de Esc. 235.836.878$00, quer na ação inspetiva realizada à C... de Viana do Alentejo, quer na realizada à Impugnante, tendo procedido à sua correção - cfr. os pontos C) e J) do probatório -, o Tribunal Tributário de Lisboa deu como não provado que o prejuízo tenha sido contabilizado em duplicado – cfr. o ponto 6 dos factos não provados. Deste modo, o Tribunal Tributário de Lisboa deu como não provado o pressuposto da correção efetuada pela Inspeção, pelo que não existe, entre a matéria de facto dada por provada e a matéria de facto dada por não provada, a alegada contradição. Pelo que a sentença não merece, no ponto, a censura que lhe é dirigida. * QUANTO À INÉRCIA DO JUIZ NO USO DOS SEUS PODERES DE INSTRUÇÃO:Defende ainda a Recorrente que não olvidando as prerrogativas da Autoridade Tributária, importa atentar que em sede judicial vigoram os poderes inquisitórios do Tribunal para oficiosamente diligenciar o que achar necessário para descobrir a verdade material, designadamente sobre o que as partes tragam ao processo e que se verifique uma necessidade de mais diligências (conclusão IX). Realçando que em causa está a questão dos elementos dos autos não permitirem espelhar que a Impugnante não tenha contabilizado em duplicado o prejuízo fiscal declarado pela C... de Viana do Alentejo (conclusões X e XI), sustenta que a “apreciação jurisdicional tem de considerar os sintomas da verdade numa determinada situação, em respeito pela tutela jurisdicional e verdade material, recorrendo ao princípio do inquisitório sempre que necessário, independentemente dos cânones do ónus da prova” (conclusões XII a XIX e XXVI a XXX). Conclui, então, que a decisão jurisdicional não pode ficar refém dos elementos dos autos, designadamente quando existem indícios que ofuscam a verdade material, devendo lançar mão do seu poder oficioso de encetar todas as diligências que considere pertinentes (conclusão XX), como por exemplo pedir novos esclarecimentos concretizadores sobre a situação de facto à contabilidade da sociedade e, no limite, a intervenção oficiosa de peritos (conclusões XXI e XXV), sem que tal signifique uma substituição das partes e do seu dever do ónus da prova (conclusão XXII). Já a Recorrida sustenta que se a Recorrente entendia necessária a intervenção de peritos ou a junção de mais elementos da contabilidade, deveria tê-las requerido oportuna e fundadamente, pois aquilo que pretende é assacar ao Tribunal a quo a responsabilidade de não se ter substituído à própria parte, suprindo assim as suas deficiências probatórias em juízo – cfr. conclusões F) e G). Advoga que o Tribunal não pode substituir-se às partes, promovendo a prova que se lhes impunha – conclusões I) a K) -, sendo manifesto que era da Recorrente o ónus da prova, que não foi cumprido – conclusão L). Vejamos, pois. Determina o artigo 99.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária, epigrafado «Princípio do inquisitório e direitos e deveres de colaboração processual», que “O Tribunal deve realizar ou ordenar oficiosamente todas as diligências que se lhe afigurem úteis para conhecer a verdade relativamente aos factos alegados ou de que oficiosamente pode conhecer”. Por sua vez, dispõe o artigo 13.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário, epigrafado «Poderes dos Juízes», que “Aos Juízes dos Tribunais Tributários incumbe a direcção e julgamento dos processos da sua jurisdição, devendo realizar ou ordenar todas as diligências que considerem úteis ao apuramento da verdade relativamente aos factos que lhes seja lícito conhecer”. Desta forma, o legislador atribuiu ao Juiz não só a tramitação e a decisão do processo (ao incumbir-lhe a sua direção e julgamento), como lhe conferiu o dever de realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências de prova que considere úteis, tendo em vista uma finalidade concreta: o apuramento da verdade relativamente aos factos de que seja lícito conhecer no processo, por terem sido alegados pelas partes ou por tal ser imposto pela lei. Pretendeu, assim, o legislador criar um sistema processual misto, influenciado quer pelo princípio do dispositivo, quer pelo princípio do inquisitório, em que o Tribunal e as partes, e estas entre si, colaboram para que o processo alcance a sua finalidade: a composição definitiva do litígio, em prazo razoável, mediante processo equitativo – cfr. o artigo 96.º do CPPT. Ao abrigo do princípio do dispositivo, as partes, que têm total disponibilidade sobre a iniciativa processual [é o Autor quem, através da apresentação da Petição Inicial dirigida ao Juiz, solicita a intervenção do Tribunal – cfr. o artigo 108.º, n.º 1, alínea a), do CPPT], têm uma função essencial na delimitação do objeto do processo, desde logo através da exposição, no seu articulado inicial, dos factos e das razões de direito que fundamentam o pedido. Assim, “Às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções invocadas” – artigo 6.º, n.º 1, do CPC –, sendo estes, em primeira linha, aqueles factos de que é lícito conhecer no processo. Quanto a eles, e ainda por influência do princípio do dispositivo, o Impugnante deve, na sua Petição Inicial, oferecer os documentos de que dispuser, arrolar testemunhas e/ou requerer as demais provas – cfr. o artigo 108.º, n.º 3, do CPPT -, assim como deve de igual modo proceder, na Contestação, a entidade demandada, além de remeter o processo administrativo – artigo 110.º do mesmo diploma. Sucede que se a busca pela verdade fosse condicionada, exclusivamente, pelo princípio do dispositivo, o resultado da atividade probatória seria meramente formal, pois resultaria, apenas, da iniciativa e a atuação das partes. Ora, o legislador afastou-se deste modelo e optou por um modelo misto, em que, ao abrigo do princípio do inquisitório, dotou o Juiz de poderes instrutórios, atribuindo-lhe o predito dever de realizar ou ordenar todas as diligências de prova que considere úteis para a descoberta dos factos de que pode conhecer no processo (desde logo, os factos essenciais alegados pelas partes), procurando, assim, a verdade material. O que bem se compreende: o que interessa à administração da Justiça em nome do povo é que as normas legais sejam aplicadas aos factos que ocorreram na vida das partes, e não apenas aos factos que cada parte consegue demonstrar no processo. Tal é, aliás, o fundamento do princípio da aquisição processual, segundo o qual as provas produzidas por iniciativa de uma das partes devem ser aproveitadas ainda que beneficiem a parte contrária. E, neste modelo misto, em que as partes colaboram entre si e com o Tribunal, e o Tribunal com estas, também as provas produzidas por iniciativa do Juiz ficam a pertencer ao processo. No âmbito da sua atividade probatória, ao Juiz compete fixar os meios de prova (definir o meio de prova adequado para demonstrar a realidade do facto), ordenar a produção da prova (a recolha dos elementos probatórios) e valorar a prova produzida (fixar a matéria de facto, discriminando os factos provados dos não provados com a devida fundamentação – cfr. o artigo 123.º, n.º 2, do CPPT), sempre sujeito ao controlo das partes. Com efeito, a Constituição da República, ao reconhecer direitos processuais às partes como o predito direito à fundamentação - mas também ao contraditório (para influenciar a decisão do Juiz e não ser surpreendido por esta), à igualdade (de armas) ou quanto à imparcialidade do Juiz (que não pode beneficiar ou prejudicar qualquer uma das partes) -, não admite um modelo processual puramente inquisitório, isto é, exclusivamente centrado na atividade do Juiz. Daí que o uso dos poderes instrutórios do Juiz possa, e deva, ser controlado, à semelhança, aliás, de toda a sua atividade que não seja discricionária – cfr. o artigo 630.º, n.º 1, do CPC. E o mesmo se diga em relação ao não uso dos mesmos poderes instrutórios do Juiz. Este controlo, além de atender aos direitos processuais das partes, deve também considerar a diferente natureza entre o direito à prova das partes e o dever de instrução do Juiz. Desde logo, o direito à prova de que as partes são titulares preclude se não for exercido nos momentos processuais próprios, sendo que no caso de se manter uma incerteza sobre a verificação ou não verificação de determinado facto, ao abrigo das regras do ónus da prova, o Juiz decidirá contra a parte onerada, nos termos do artigo 74.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária. Já o dever do Juiz realizar ou ordenar todas as diligências que considere úteis ao apuramento da verdade relativamente aos factos que lhe seja lícito conhecer é especialmente relevante no processo tributário pois, neste, a relação jurídica material subjacente à lide tem por objeto, muitas vezes, direitos indisponíveis, o que, por natureza, limita a autonomia das partes. Com efeito, um dos corolários do princípio do dispositivo no processo civil traduz-se na faculdade das partes colocarem termo ao processo por acordo, o que no processo tributário, atenta a indisponibilidade do crédito tributário – cfr. o artigo 30.º, n.º 2, da LGT -, não é possível. Daí que o princípio do inquisitório se encontre, no processo tributário, especialmente subordinado ao interesse da descoberta da verdade material, assumindo-se, aqui, como um princípio geral estruturante, que não um mero princípio da instância ou um mero princípio de boa gestão processual como é muitas vezes visto noutros ramos processuais. O que significa que, em circunstâncias que devem ser ponderadas caso a caso, pode ser admissível que os poderes instrutórios que a lei atribui ao Juiz no processo tributário sejam utilizados para afastar, por exemplo, as regras de preclusão do direito à prova, oficiosamente ou a requerimento de uma das partes, assim se extravasando o número de testemunhas admissível ao abrigo do artigo 118.º do CPPT, ou os limites temporais para a apresentação de documentos (cfr. os artigos 423.º do CPC e 99.º, n.os 2 e 3, da LGT). Basta, para o efeito, que o Juiz considere tais diligências úteis para criar a sua convicção sobre o apuramento da verdade material relativamente a factos que deva conhecer. Assim, se o Juiz, face à prova já produzida, tiver formado a sua convicção sobre se determinado facto se verificou ou não se verificou, uma nova diligência será inútil e, como tal, não deve ser realizada ou ordenada. Todavia, se a prova produzida foi insuficiente para o Juiz criar a sua convicção sobre a verificação do facto (por exemplo, por a prova pericial se mostrar, no caso, mais adequada que a testemunhal, ou por haver indícios de que uma pessoa não arrolada poderá esclarecer o que as testemunhas arroladas não conseguiram) e se o Juiz entender que determinada diligência probatória o pode ajudar a ultrapassar a situação de incerteza e contribuir para criar tal convicção, seja no sentido de dar o facto como provado, seja no sentido inverso, então tal nova diligência será útil e deverá ser realizada ou ordenada. Quanto ao momento em que tais diligências podem ser ordenadas, a lei admite-as expressamente como complemento da prova produzida pelas partes, ao estabelecer que concluso o processo para sentença, se o Juiz não se julgar suficientemente esclarecido, pode ordenar a reabertura da diligência de inquirição de testemunhas, ouvindo as pessoas que entender e ordenando as demais diligências probatórias necessárias – cfr., mutatis mutandis, o artigo 607.º, n.º 1, do CPC. Com efeito, se as partes, depois de alegarem os factos, produzirem prova que se mostre adequada e eficaz para o Juiz formar a sua convicção sobre a realidade dos factos, ao Juiz bastará tramitar o processo e julgá-lo – artigo 13.º, n.º 1, primeira parte, do CPPT. No entanto, se a atividade probatória das partes não for suficiente para o Juiz formar aquela convicção e entender que há uma diligência que poderá eliminar a incerteza com que se confronta, então, por se mostrar útil para o apuramento da verdade material, o Juiz deve realizá-la ou ordená-la - artigo 13.º, n.º 1, segunda parte, do CPPT. Também aqui a atividade do Juiz é sindicável, o que deve ser feito caso a caso: se for manifesto que face aos elementos constantes dos autos uma diligência, não ordenada, seria útil para o apuramento da verdade material, e o Juiz não a tiver ordenado, estaremos perante um erro de julgamento quanto à aplicação dos artigos 99.º, n.º 1, da LGT e 13.º, n.º 1, do CPPT se houve um despacho de indeferimento, ou uma nulidade processual secundária se houve apenas uma conduta omissiva do Juiz. Finalmente, se todas as diligências úteis foram efetuadas, oficiosamente ou a requerimento das partes, mas com resultados infrutíferos que não permitiram ao Juiz ultrapassar a incerteza sobre a realidade do facto, a decisão penalizará quem tem o ónus da prova, nos termos do artigo 74.º da LGT. * Nos termos do artigo 76.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária, as informações prestadas pela inspeção tributária fazem fé, quando fundamentadas e se basearem em critérios objetivos, nos termos da lei. Esta norma está em sintonia com a do artigo 371.º, n.º 1, do Código Civil, de acordo com a qual “Os documentos autênticos fazem prova plena dos factos que referem como praticados pela autoridade ou oficial público respectivo, assim como dos factos que neles são atestados com base nas percepções da entidade documentadora; os meros juízos pessoais do documentador só valem como elementos sujeitos à livre apreciação do julgador”.Deste modo, os factos que forem atestados no Relatório de Inspeção com base nas perceções do Inspetor Tributário ficam plenamente provados, desde que tais perceções se encontrem fundamentadas e se baseiem em critérios objetivos. Se tal não acontecer, o Relatório de Inspeção não é um meio de prova tarifado, e deve ser livremente apreciado pelo Juiz, como mero documento particular. * No caso dos autos, está em xeque a decisão do Tribunal Tributário de Lisboa que anulou a “correção efetuada ao IRC de 1995 da Impugnante no valor de 235.836.878$00 (1.176.349,39€), bem como os juros Processo n.º 683/07.0BELRS # Página 1 de 1 compensatórios no montante de 846,79€”, por ter sido dado como não provado que “a Impugnante tenha contabilizado em duplicado o prejuízo fiscal declarado pela C... de Viana do Alentejo na sua Declaração Modelo 22 de cessação, no montante 235.836.878$00, apresentada em 1997, por o mesmo já constar na Modelo 22 apresentada pela C... de Alcáçovas e Viana do Alentejo”, com fundamento em os Relatórios inspetivos, apresentados como meio de prova, se terem limitado a “uma afirmação conclusiva de que houve consideração em duplicado do prejuízo declarado por esta, sem que nenhuma evidência exista quanto a essa duplicação”, quando “o que se verifica é que a Impugnante apresentou a sua Modelo 22 em 1996, da mesma forma que o fez a C... de Alcáçovas e Viana do Alentejo em resultado da fusão ocorrida em 1995, tendo esta já apresentado o resultado fiscal resultante dessa fusão. Posteriormente, e em cumprimento de notificação da AT para o efeito, apenas em 1997 a já inexistente C... de Viana do Alentejo apresentou a sua Modelo 22 de cessação, nada levando a crer que a Impugnante tenha considerado no resultado consolidado o valor declarado pela nova C... de Alcáçovas e de Viana do Alentejo (que continha já o prejuízo da fundida C... de Viana do Alentejo) e o da C... de Viana do Alentejo, até tudo levando a acreditar no contrário do que, por mero juízo conclusivo, é alcançado pela AT. E nesta parte, não há dúvidas de que se impunha que a AT tivesse logrado demonstrar de forma cabal a contabilização em duplicado do prejuízo fiscal declarado pela C... de Viana do Alentejo na sua Declaração Modelo 22 de cessação, não se bastando a sua inércia quanto a tal atuação e a posterior alegação de uma afirmação meramente conclusiva em qualquer suporte factual”. Ou seja, a Autoridade Tributária e Aduaneira pretendeu provar os factos fundamento da correção (contabilização em duplicado do prejuízo fiscal declarado pela C... de Viana do Alentejo) com os Relatórios de Inspeção. Todavia, o Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa não os considerou idóneos para o efeito, uma vez que os Inspetores se limitaram a apresentar “uma afirmação conclusiva de que houve consideração em duplicado do prejuízo declarado por esta, sem que nenhuma evidência exista quanto a essa duplicação”. E, sem lançar mão dos seus poderes de instrução, deu como não provado que os factos constitutivos do direito da Recorrente à correção se tenham verificado e, consequentemente, decidiu a Impugnação Judicial de acordo com as regras do ónus da prova. Verifica-se que, no caso, a Autoridade Tributária e Aduaneira exerceu o seu direito à prova, juntando aos autos os Relatórios de Inspeção que, nos apontados termos, constituem meios de prova documental, no ponto, documentos particulares à míngua da predita fundamentação. Sendo que face à existência de apenas “uma afirmação conclusiva de que houve consideração em duplicado do prejuízo declarado por esta, sem que nenhuma evidência exista quanto a essa duplicação”, o Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa deu como não provado que “a Impugnante tenha contabilizado em duplicado o prejuízo fiscal declarado pela C... de Viana do Alentejo na sua Declaração Modelo 22 de cessação, no montante 235.836.878$00, apresentada em 1997, por o mesmo já constar na Modelo 22 apresentada pela C... de Alcáçovas e Viana do Alentejo”. Tal significa que a atividade probatória da Recorrida não foi suficiente para o Juiz formar a convicção de que a Impugnante contabilizou o prejuízo fiscal em duplicado, o que o levou a concluir que a liquidação efetuada padecia de erro sobre os pressupostos quanto a esta correção. Mas também não foi suficiente para o Juiz formar a convicção de que a Impugnante não contabilizou o prejuízo fiscal em duplicado, pois que não deu como provado tal facto. Neste cenário de incerteza, o Juiz deve, então, como se viu, realizar ou ordenar oficiosamente uma diligência probatória, mas apenas se considerar que ela pode ser útil para o apuramento da verdade material. No caso, tal diligência seria repetir a da Inspeção, para verificar se o Tribunal chegava à mesma conclusão. No entanto, desconhece-se, em concreto, o que foi valorado pelos Inspetores, uma vez que: - O Relatório de Inspeção Tributária relativo à ação inspetiva efetuada à C... de Viana do Alentejo se limita a referir que “A análise efectuada às referidas declarações Mod. 22 entregues pelas duas C... e os esclarecimentos prestados pelo SP evidenciou que o prejuízo consolidado inclui incorretamente Esc. 235.836.878$00” – cfr. Conclusão III do Recurso; - Na inspeção realizada à Recorrida, é apenas referido que “Da análise efectuada à Declaração Mod. 22, verificou-se que havia duplicação do prejuízo fiscal no montante de 235.836.878$00, dado que a mesma verba foi considerada incorrectamente pela junção da Caixa de Alcáçovas e Viana do Castelo, ou seja, o mesmo movimento das duas Caixas Agrícolas no exercício de 1995 foi declarado conjuntamente, devendo por este motivo anular-se o prejuízo fiscal no montante de 235.836.878$00. (…)” – cfr. Conclusão IV do Recurso; e - Na Conclusão V do Recurso, a Recorrente conclui que “Ou seja foi através da análise de toda a documentação efetuada em sede de procedimento inspetivo que a AT logrou detetar que o prejuízo fiscal [no montante de 235.836.878$00] incorrido pela extinta (por fusão com a C... de Alcáçovas) C... de Viana do Alentejo havia sido contabilizado em duplicado pela Impugnante na consolidação de contas”. Ora, na posse destes elementos, o Tribunal desconhece qual é “toda a documentação” que, analisada em sede de procedimento inspetivo, permitiu “detetar que o prejuízo fiscal [no montante de 235.836.878$00] incorrido pela extinta (por fusão com a C... de Alcáçovas) C... de Viana do Alentejo havia sido contabilizado em duplicado pela Impugnante na consolidação de contas”, nem, em concreto, sabe qual foi a “análise efectuada às referidas declarações Mod. 22”, nem tão pouco qual o teor dos “esclarecimentos prestados pelo SP”. Daí que não se afigure que os pretendidos pedidos de “novos esclarecimentos concretizadores sobre a situação de facto à contabilidade” ou “a intervenção oficiosa de peritos” – cfr. Conclusão XXI do Recurso – possam, à míngua de elementos que possam concretizar o pedido de esclarecimento ou integrar os quesitos da perícia, eliminar a incerteza factual que se verifica quanto à existência, ou não, contabilização duplicada dos prejuízos. Nem se vislumbra qualquer outra diligência probatória que a pudesse suprir, face à atuação da Inspeção e ao teor dos seus Relatórios, o que, aliás, também não vem sugerida no Recurso. E, assim sendo, impõe-se concluir que o Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa não se encontrava obrigado a lançar mão dos seus poderes de instrução para afastar a situação de incerteza com que se deparou, não merecendo a sua atuação nem a sua decisão a censura que lhes vem dirigida. * Ou seja, em síntese, face aos temas tratados na presente decisão (Poderes de Instrução do Juiz – Princípio do Inquisitório – Ónus de Impugnação da Matéria de Facto), conclui-se que:1 – O processo tributário é um sistema misto, influenciado quer pelo princípio do dispositivo, quer pelo princípio do inquisitório, em que o Tribunal e as partes, e estas entre si, colaboram para que o processo alcance a sua finalidade: a composição definitiva do litígio, em prazo razoável, mediante processo equitativo. 2 – Quer as partes, quer o Juiz podem contribuir para a instrução do processo, embora o direito à prova das partes e o poder de instrução do Juiz tenham diferente natureza e alcance, sendo a atividade do Juiz complementar da atividade das partes. 3 – Se a atividade probatória das partes não for suficiente para o Juiz formar a sua convicção sobre a verificação, ou não verificação, do facto, e se o Juiz entender que há uma diligência que poderá eliminar a incerteza com que se confronta, então, por se mostrar útil para o apuramento da verdade material, o Juiz deve realizá-la ou ordená-la. 4 – Tem-se por cumprido o ónus previsto no artigo 640.º do Código de Processo Civil se é perfeitamente percetível qual o objeto da impugnação da matéria de facto e qual a alteração à decisão da matéria de facto pretendida. Termos em que se acorda: - Rejeitar o Recurso quanto à impugnação da matéria de facto, na parte relativa à eliminação do facto dado como não provado sob o n.º 6 por a tal obstar toda a documentação analisada em sede de procedimento inspetivo; e, no mais, - Negar provimento ao Recurso, mantendo-se a sentença recorrida. São devidas custas, neste TCA Sul, pela Recorrente. Lisboa, 3 de abril de 2025. Tiago Brandão de Pinho (relator) – Isabel Silva – Margarida Reis |