Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1304/19.4BESNT
Secção:CA
Data do Acordão:05/29/2025
Relator:HELENA TELO AFONSO
Descritores:CESSÃO DE CRÉDITOS
JUROS COMERCIAIS
Sumário:I – Estando demonstrado que as dívidas peticionadas têm origem em transações comerciais que existiram entre a recorrente e as cedentes, os juros de mora são os estabelecidos no Código Comercial – cfr. artigo 5.º, n.º 5, do Decreto-Lei n.º 62/2013, de 10 de maio.
II – Provando-se que com a cessão de créditos o credor ou cedente transmitiu ao cessionário, o seu direito de crédito, incluindo todos os direitos acessórios, ocorreu a substituição do credor originário pelo cessionário, mantendo-se inalterados os restantes elementos da relação jurídica - cfr. ponto 4.2. dos contratos de cessão e n.º 1 do artigo 582.º do Código Civil, pelo que os juros devidos ao cessionário são calculados à taxa comercial.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção de Contratos Públicos
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam na Subseção de Contratos Públicos, da 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul:

I – Relatório:
“Unidade Local de Saúde Amadora Sintra, E.P.E.”, anteriormente denominada “Hospital Professor Doutor Fernando Fonseca, E.P.E.”, Entidade Demandada nos autos à margem referenciados, em que é Autora “B… S.P.A. – Sucursal em Portugal”, interpôs o presente recurso da sentença que decidiu:
- condenar a «Entidade Demandada a pagar à Autora a quantia correspondente aos juros de mora, calculados nos termos supra expostos, relativamente às facturas emitidas pelas sociedades cedentes “V… – H…, Unipessoal, Lda.” e “G… – Produtos Farmacêuticos, Lda.”»; e,
- absolver a Entidade Demandada no demais peticionado.

Para tal apresentou as seguintes conclusões:
1) Salvo o devido respeito, o douto Tribunal a quo ingressou em erro na aplicação do Direito, ao ter concluído que os juros moratórios em causa devem ser computados à taxa comercial;
2) O objeto do presente Recurso centra-se, assim, na taxa de juros moratórios a aplicar ao caso sub judice;
3) Entre a B… e a ULSAS não foi estabelecida qualquer relação comercial, nem se assistiu a uma transação comercial, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea b), do artigo 3.º, do DL 62/13;
4) Ou seja, entre estas duas entidades, não ocorreu qualquer fornecimento de bens e/ou prestação de serviços, contra o pagamento da respetiva remuneração;
5) A B… não tem direito a juros moratórios à taxa comercial, uma vez que não está preenchido o disposto no n.º 5, do artigo 5.º, do DL 62/13, nem este diploma é convocável no que à relação jurídica entre a primeira e a ULSAS concerne.
6) Por força do disposto no n.º 2, do artigo 1.º, da Lei 3/10, quando outra disposição legal não determinar a aplicação de taxa diversa, aplica-se a taxa de juro referida no n.º 2, do artigo 806.º, do Código Civil;
7) Nos termos do artigo 1.º, da Portaria n.º 291/2003, de 8 de abril, a taxa anual dos juros legais e dos estipulados sem determinação da taxa ou quantitativo é fixada em 4%;
8) Por conseguinte, a taxa anual aplicável é a cível, de 4%, ao invés da taxa comercial, contrariamente ao entendimento sufragado pelo douto Tribunal a quo”.

Em sede de contra-alegação de recurso a Autora e ora Recorrida, formulou as seguintes conclusões:
a) O presente recurso tem por objeto a decisão proferida pelo Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo nos autos acima identificados, que condenou a Recorrente no pagamento à Recorrida de juros de mora calculados à taxa comercial.
b) Entendendo a Recorrida que o douto Tribunal a quo decidiu de forma correcta e em absoluta conformidade com o regime legal em vigor.
Vejamos,
c) É certo que o douto Tribunal a quo deu como provada a existência dos créditos e a cedência dos mesmos à Recorrida, sendo que a cessão de créditos incluiu todos os direitos acessórios aos créditos.
d) Estando, portanto, incluídos os juros de mora em caso de incumprimento.
Ademais,
e) O Recorrente admitiu expressamente nos seus articulados que celebrou com as referidas cedentes transações comerciais que deram origem aos créditos adquiridos.
f) Pelo que não existem quaisquer dúvidas que os créditos adquiridos pela Recorrida têm origem em transações comerciais.
g) Como tal, a mora no pagamento desses créditos dá origem à cobrança de juros de mora calculados à taxa comercial.
h) Independentemente da relação originária que gerou os créditos não ser entre Recorrente e Recorrida.
Porquanto,
i) A aquisição dos créditos e seus direitos acessórios por parte da Recorrida, não altera a origem, muito menos a natureza desses créditos.
Como tal,
j) Pelo atraso no pagamento dos valores devidos pelos serviços os bens adquiridos pelo Recorrente, titulados em cada fatura, a Recorrida, enquanto titular dos créditos por via da cessão, tem direito a receber do Recorrente o pagamento de juros de mora
k) Dado que os mesmos se destinaram a remunerar o credor (mesmo que não seja o credor originário) pelo atraso no pagamento dos valores que lhe são devidos.
l) Sendo que, no caso destes autos, são devidos juros de mora calculados à taxa supletiva prevista para os juros comerciais de acordo com o previsto no n.º 5. do artigo 102.º do Código Comercial e no Decreto-Lei n.º 62/2013, de 10 de maio.
m) Assim tem sido entendimento unânime dos Tribunais portugueses, e veja-se – a título meramente exemplificativo – o sumário douto Acórdão proferido em 07/03/2019 pelo Tribunal Central Administrativo Sul (relatora SOFIA DAVID), disponível para consulta em www.dgsi.pt “ I - Após a vigência do Decreto-Lei n.º 32/2003, de 17-02, os juros aplicáveis aos atrasos de pagamento das transacções comerciais aí previstas – que abrangem as transacções entre empresas e entidades públicas, qualquer que seja a respectiva natureza, forma ou designação, que dê origem à prestação de serviços contra uma remuneração – são os estabelecidos no Código Comercial, isto é, são juros comerciais (cf. art.º 102.º, § 4.º do Código Comercial);
II – O art.º 1.º da Lei n.º 3/2010, de 27-04, visou o estabelecimento da obrigação do Estado e demais entidades públicas a pagarem juros de mora pelo atraso no cumprimento de quaisquer obrigações pecuniárias, para as situações que não envolvessem “transações comerciais”, ou seja, para as demais situações que ficassem fora do comércio. Basicamente, visou-se abranger as obrigações civis. Daí, que aquela mesma Lei n.º 3/2010, de 27-04, tenha mantido em vigor o preceituado nos art.ºs 1.º, 2.º, 3.º, e 4.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 32/2003, de 17-02, normativos que se aplicam às transacções comerciais;
III – Opera aqui a ressalva do n.º 2 do art.º 1.º da Lei n.º 3/2010, de 27-04, devendo entender-se que os art.ºs 1.º, 2.º, 3.º, e 4.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 32/2003, de 17-02, constituem disposições legais que determinam a aplicação de taxa de juro diversa da referida no art.º 806.º, n.º 2, do Código Civil, designadamente porque estabelecem a obrigação de pagamento de juros comerciais.” (realces nossos).
n) Assim, sendo ponto assente que houve atraso no pagamento e admitindo a própria recorrente que a origem dos créditos são transacções comerciais, às quais é aplicável o Decreto-Lei n.º 62/2013, de 10 de maio – cf. artigo 2.º, n.º 1 do mesmo – são devidos juros de mora no caso de atraso de pagamento, sem necessidade de qualquer interpelação do devedor para o efeito, calculados à taxa comercial – tudo conforme disposto no artigo 4.º, n.ºs 1 e 2 do D.L. 62/2012, de 10 de maio.
o) Pelo que o douto Tribunal a quo decidiu de forma absolutamente acertada e em conformidade com os factos provados e legislação em vigor”.

O Digno Magistrado do Ministério Público, notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 146.º, n.º 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), não se pronunciou.

Sem vistos, com prévio envio do projeto de acórdão aos Juízes Desembargadores Adjuntos, vem o presente processo à conferência para decisão.
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II. Questões a apreciar e decidir
Sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões da alegação, nos termos dos artigos 144.º n.º 2 e 146.º n.º 4 do CPTA e dos artigos 5.º, 608.º n.º 2, 635.º nºs 4 e 5 e 639.º do CPC, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, ex vi dos artigos 1.º e 140.º do CPTA, a questão a decidir é se às dívidas da Entidade Demandada cedidas à Recorrida se aplica a taxa de juros comercial ou a taxa de juros civis.
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III. Fundamentação
3.1. De facto:
Na sentença recorrida consta o seguinte quanto aos factos provados e respectiva fundamentação:

IV – Fundamentação de Facto
IV.I – Factos Provados
Com relevância para a boa decisão da causa, foram considerados provados os seguintes factos:
A) Entre a Autora e a sociedade V… – H…, Unipessoal, Lda. foi celebrado a 25 de Fevereiro de 2015 um contrato de cessão de créditos, o qual incluía, entre outros, os seguintes créditos:



- cfr. documento 008311683, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
B) A 6 de Abril de 2015, o referido contrato foi notificado à Entidade Demandada – cfr. documento 5 da PI, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
C) Entre a Autora e a sociedade C… – P… Farmacêuticos, Lda., foi celebrado a 25 de Fevereiro de 2015 um contrato de cessão de créditos, o qual incluía os seguintes créditos:

- cfr. documento 2 008311678, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
D) A 6 de Abril de 2015, o referido contrato foi notificado à Entidade Demandada – cfr. documento 5 da PI, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
E) Entre a Autora e a sociedade G… – Produtos Farmacêuticos, Lda. foi celebrado a 18 de Junho de 2015 um contrato de cessão de créditos, o qual incluía os seguintes créditos:

- cfr. documento com a 008311680, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
F) A 6 de Abril de 2015 o referido contrato foi notificado à Entidade Demandada – cfr. documento 5 da PI, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
G) As facturas em questão nos autos são as seguintes:



H) Com excepção das facturas n.º 6437005064 e n.º 6431022087, que foram pagas a 29-06-2015 e 17-07-2015 respectivamente, as restantes foram pagas nas datas referidas no documento 1 da petição inicial no campo “Data pgmt” – cfr. documento 1 da PI, documentos 5, 6, 7 e 8 da contestação e ausência de impugnação da Entidade Demandada;
I) O Hospital demandada esteve sob a gestão da sociedade Hospital Amadora Sintra, Sociedade Gestora, S.A. entre 1/01/1996 e 31/12/2008 – cfr. Lei n.º 382/92;
J) Tal gestão cessou a 1 de Janeiro de 2009, por força do DL n.º 203/2008, de 10 de Outubro de 2008, considerando que nessa data a gestão plena do estabelecimento hospitalar correspondente ao Hospital Amadora Sintra, Sociedade Gestora, passou a estar confiada à gestão integral do Hospital Professor Doutor Fernando Fonseca, E.P.E. – cfr. DL n.º 203/2008, de 10 de Outubro de 2008;
K) A sociedade C… – P… Farmacêuticos, Lda. não consta do Anexo VIII do contrato de transmissão do estabelecimento hospitalar celebrado entre a Hospital Amadora Sintra, Sociedade Gestora, S.A. e Hospital Professor Doutor Fernando Fonseca, E.P.E.; - cfr. documentos 1 e 2 da contestação, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
L) Resulta da Cláusula 3.º do referido contrato o seguinte:
(…)” – cfr. documento 1 da contestação, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
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IV.III – Motivação da Matéria de Facto
A decisão da matéria de facto assentou no teor dos documentos constantes dos autos, bem como na posição assumida pelas partes nos seus articulados, atentas as regras de repartição do ónus da prova, tudo conforme discriminado em cada uma das correspondentes alíneas da Matéria de Facto acima elencada”.
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3.2. De Direito.
Da aplicação às dívidas da Entidade Demandada da taxa de juros comercial ou a taxa de juros civis.

A Recorrente somente colocou em causa a taxa de juros moratórios aplicável à dívida cujo pagamento foi peticionado.
A Recorrente afirmou que entre ela e a Recorrida “não foi estabelecida qualquer relação comercial, nem se assistiu a uma transação comercial”, defendendo que por força do disposto no n.º 2, do artigo 1.º, da Lei 3/10, quando outra disposição legal não determinar a aplicação de taxa diversa, aplica-se a taxa de juro referida no n.º 2, do artigo 806.º, do Código Civil.
Por seu lado a Recorrida defendeu que sendo ponto assente que houve atraso no pagamento e admitindo a própria Recorrente que a origem dos créditos são transações comerciais, às quais é aplicável o Decreto-Lei n.º 62/2013, de 10 de maio – cf. artigo 2.º, n.º 1 do mesmo – são devidos juros de mora no caso de atraso de pagamento, sem necessidade de qualquer interpelação do devedor para o efeito, calculados à taxa comercial – tudo conforme disposto no artigo 4.º, n.ºs 1 e 2 do D.L. 62/2013, de 10 de maio.
De acordo com a causa de pedir invocada na petição inicial, a Recorrida é a cessionária de um conjunto de dívidas tituladas pelas faturas que constam na factualidade dada como provada e em que foram cedentes “V… – H… Unipessoal, Lda.”, “C… – P… Farmacêuticos, Lda.” e “G… – Produtos Farmacêuticos, Lda.”.
Transação comercial constitui “uma transação entre empresas ou entre empresas e entidades públicas destinada ao fornecimento de bens ou à prestação de serviços contra remuneração” - cfr., alínea b) do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 62/2013, de 10/05.
Por outro lado, é correta a afirmação da Recorrida no sentido de que “a cessão de créditos incluiu todos os direitos acessórios aos créditos”.
Com efeito, "[n]a falta de convenção em contrário, a cessão do crédito importa a transmissão, para o cessionário, das garantias e outros acessórios do direito transmitido, que não sejam inseparáveis da pessoa do cedente", cfr., n.º 1 do artigo 582.º do Código Civil.
Dispõe o artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 62/2013, de 10/05, sob a epígrafe “transações entre empresas e entidades públicas” que:
1 – Nas transações comerciais entre empresas e uma entidade pública, sendo esta devedora da obrigação de pagamento:
a) O prazo de pagamento não pode exceder os prazos previstos no n.º 3 do artigo anterior, exceto nos termos dos n.ºs 2 e 3;
b) A determinação da data em que é recebida a fatura não pode ficar sujeita a acordo entre devedor e credor;
c) O prazo máximo de duração do processo de aceitação ou verificação para determinar a conformidade dos bens ou dos serviços não pode exceder 30 dias a contar da data de receção dos bens ou dos serviços, salvo disposição expressa em contrário no contrato e no respetivo caderno de encargos, e desde que tal não constitua um abuso manifesto face ao credor na aceção do artigo 8.º.
2 – Os prazos definidos na alínea a) do número anterior não podem exceder 60 dias para as entidades públicas que prestem cuidados de saúde e estejam devidamente reconhecidas como tal.
3 – Sem prejuízo do disposto no número anterior, o prazo de pagamento pode exceder os prazos previstos na alínea a) do n.º 1, quando tal for previsto expressamente no contrato e desde que seja objetivamente justificado pela natureza particular ou pelas características do contrato, não podendo exceder, em caso algum, 60 dias.
4 – Em caso de atraso de pagamento da entidade pública, o credor tem direito aos juros de mora legais pelo período correspondente à mora, após o termo do prazo fixado nos n.ºs 1 a 3, sem necessidade de interpelação.
5 – Os juros de mora legais aplicáveis aos atrasos de pagamentos das transações comerciais entre empresas e entidades públicas são os estabelecidos no Código Comercial”.
É certo que da factualidade dada como provada – a qual, aliás, não foi impugnada por via recursória – não resulta que entre a Recorrente e a Recorrida tenha sido realizada alguma transação comercial. Todavia, encontram-se demonstradas as transações comerciais que existiram entre a Recorrente e as cedentes “V… – H…, Unipessoal, Lda.”, “C… – P… Farmacêuticos, Lda.” e “G… – Produtos Farmacêuticos, Lda.”.
Sendo que o Réu e ora Recorrente só“não aceita o valor dos juros peticionados relativamente às sociedades V… e G…” – cfr. artigo 8.º da contestação.
Deste modo, de acordo com as regras de repartição do ónus probatório, cabe à Recorrida (como autora da ação que intentou) a demonstração da existência das transações comerciais. Tendo logrado cumprir esse ónus de prova, não se pode considerar que as dívidas peticionadas não tiveram origem em transações comerciais.
Ora, provou-se que entre a Autora e as sociedades V… – H…, Unipessoal, Lda. e G… – Produtos Farmacêuticos, Lda. foram celebrados contratos de cessão dos créditos identificados, respetivamente, nas alíneas A) e E) dos factos provados (FP), os quais foram notificados à Recorrente (cfr. alíneas A), B), E) e F) dos FP, sendo que nos presentes autos apenas estão em causa juros relativos às faturas discriminadas em G) dos FP.
Está provado que a cessão de créditos incluiu todos os direitos acessórios aos créditos - cfr. ponto 4.2. dos contratos de cessão e n.º 1 do artigo 582.º do Código Civil.
Com a cessão de créditos o credor ou Cedente transmitiu ao Cessionário, no caso dos autos, à ora Autora e Recorrida o seu direito, ocorrendo, assim, a substituição do credor originário pelo Cessionário, mantendo-se, no entanto, inalterados os restantes elementos da relação jurídica.
Nos termos do artigo 583.º, n.º 1 do Código Civil “[a] cessão produz efeitos em relação ao devedor desde que lhe seja notificada, ainda que extrajudicialmente, ou desde que ele a aceite.”, o que sucedeu no caso dos autos, como resulta dos factos provados.
“Ora, ao contrato de cessão financeira/contrato de factoring, na ausência de cláusulas contratuais e no silêncio do DL n.º 171/95, são aplicáveis as regras da cessão de créditos (arts. 577.º e segs. do CC), e nomeadamente a sucessão do «Factor/Cessionário» na titularidade dos créditos cedidos (art. 582.º do CC), ocorrendo a oponibilidade ao «Factor/Cessionário» das exceções fundadas na relação subjacente, por exemplo, as exceções que obstem ao nascimento do crédito, nomeadamente a inexistência, a nulidade, a anulabilidade do negócio jurídico celebrado com o «Aderente/Cedente» (art. 585.º do CC), mas, apenas, quando os meios de defesa não provenham de facto posterior ao conhecimento da cessão.
E, do n.º 1 do art. 582.º do CC resulta que a cessão de crédito operada no quadro de contrato de cessão financeira ou de factoring importa, salvo convenção em contrário, a transmissão para o «Factor/Cessionário» das garantias e outros acessórios do direito transmitido, incluindo-se nestes acessórios claramente os juros de mora vincendos que, assim, passam para a esfera jurídica da titularidade do «Factor/Cessionário».
Neste sentido ver, entre outros, Luís M. Teles de Menezes Leitão in: “Cessão de Créditos”, págs. 335/336; Luís M. Pestana de Vasconcelos em “Dos contratos ….” em “O Contrato de Cessão Financeira …” in: “Estudos Homenagem ao Prof. Dr. Jorge Ribeiro Faria”, Coimbra 2003, pág. 436; C.A. e Mota Pinto em “Cessão da posição contratual”, Coimbra 1970,
Só não será assim se houver estipulação ou convenção em contrário, quanto aos juros moratórios já vencidos, já que quanto a estes o art. 561.º do CC determina a sua autonomia relativamente ao crédito principal, designadamente, para estes efeitos de cessão.
Na verdade, como resulta deste preceito, a propósito da autonomia do crédito de juros refere que, desde que se constitui, não fica necessariamente dependente do crédito principal, podendo qualquer deles ser cedido ou extinguir-se sem o outro. (…) (1-Cfr. acórdão do STA, de 19/01/2017, proferido no proc.º n.º 0484/16, consultável em www.dgsi.pt.).”.
É, assim, destituída de relevância a invocada inexistência de qualquer relação comercial” ou “transação comercial”, entre Recorrente e Recorrida. E, como tal, é de aplicar a taxa de juros moratórios fixada na sentença recorrida.
Assim, são devidos juros comerciais nos termos decididos na sentença recorrida:
Relativamente às facturas emitidas pelas sociedades V… – H…, Unipessoal, Lda. e G… – Produtos Farmacêuticos, Lda., e que se encontram elencadas no Item G) do probatório, a Entidade Demandada na sua contestação não coloca em causa a sua obrigação de pagamento de juros, apenas coloca em causa a data efectiva do pagamento de duas facturas; isto é, as facturas n.º 6437005064 e n.º 6431022087.
Ora, considerando os elementos juntos aos autos e a posição da Entidade Demandada, constata-se que, com excepção das facturas n.º 6437005064 e n.º 6431022087, que foram pagas a 29-06-2015 e 17-07-2015 respectivamente, as restantes foram pagas nas datas referidas no documento 1 da petição inicial no campo “Data pgmt”.
Estando em causa apenas juros de mora, afigura-se que se aplica no caso, o regime especial relativo a atrasos de pagamento em transacções comerciais estabelecido pelo Decreto-Lei n.º 62/2013, de 10 de maio, face ao disposto no n.º 2, do artigo 4.º, deste Diploma. De notar que, não podem ser computados juros relativos a data anterior à data de comunicação da cessão de créditos à Entidade Demandada, considerando que apenas nesta data é que o contrato produz efeitos quanto a si.
Assim sendo, relativamente às facturas emitidas pelas sociedades V… – H…, Unipessoal, Lda. e G… – Produtos Farmacêuticos, Lda., deverá a Entidade Demandada pagar os juros de mora, calculados á taxa legal aplicável às transacções comerciais, contados desde a data da notificação do contrato de crédito – 6 de Abril de 2015 –“ ou a “contar do dia subsequente à data de vencimento” (cfr. artigo 4.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 62/2013, “quando estas sejam posteriores a 6 de Abril de 2015; sendo que, devem ser observadas as datas constantes no documento 1 da petição inicial no campo “Data pgmt”., com excepção das facturas facturas n.º 6437005064 e n.º 6431022087, que foram pagas a 29-06-2015 e 17-07-2015 respectivamente”.
Em suma, em face de todo o exposto, a sentença recorrida deve ser confirmada.

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As custas serão suportadas pelo Recorrente – cfr. artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC e artigos 6.º, n.º 2, 7.º, n.º 2 e 12.º, n.º 2, todos do Regulamento das Custas Processuais.

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IV. Decisão

Pelo exposto, acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da Subsecção de Contratos Públicos, da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Custas pelo Recorrente.
Lisboa, 29 de maio de 2025.
(Helena Telo Afonso – relatora)

(Jorge Martins Pelicano – 1.º adjunto)

(Ana Carla Teles Duarte Palma – 2.ª adjunta)