| Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
| Processo: | 6970/24.6BELSB | 
|  |  | 
| Secção: | CA | 
|  |  | 
|  |  | 
| Data do Acordão: | 10/09/2025 | 
|  |  | 
| Relator: | RUI PEREIRA | 
|  |  | 
| Descritores: | CAUTELAR DESPEDIMENTO "PERICULUM IN MORA" | 
|  |  | 
| Sumário: |  | 
|  |  | 
|  |  | 
| Votação: | UNANIMIDADE | 
|  |  | 
|  |  | 
| Indicações Eventuais: | Subsecção Administrativa Social | 
|  |  | 
|  |  | 
| Aditamento: |  | 
| 1 |  | 
| Decisão Texto Integral: | ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL – SUBSECÇÃO SOCIAL RELATÓRIO 2. O TAC de Lisboa, por sentença datada de 27-10-2024, indeferiu a providência cautelar e absolveu o Ministério da Defesa Nacional do pedido. 3.	Inconformado, o requerente interpôs recurso de apelação para este TCA Sul, tendo para o efeito formulado as seguintes conclusões: “A. O objecto do presente recurso é, por um lado, a impugnação dos factos provados 6, 19 e 20, alínea a); por outro lado, a demonstração da verificação do requisito do periculum in mora, bem como dos demais requisitos necessários à procedência da providência. IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO B. Os factos impugnados são do seguinte teor: 6. O requerente aceitou uma estadia no hotel ZZZ, no Porto, oferecida por uma empresa de desmatação contratada pela DGRDN – cfr. declarações de parte do requerente. 19. A mãe do requerente tem uma pensão confortável e oferece ajuda financeira regular, inclusive ajudando com despesas básicas e tendo contribuído com uma herança resultante da venda de um imóvel do pai do requerente em 2022, sendo que, parte desse valor (cerca de 50.000 euros) foi utilizado para amortizar um empréstimo familiar – declarações de parte e testemunho de BB. 20.	O agregado do requerente tem as seguintes despesas fixas: a) Pagam aproximadamente 725 euros mensais de renda – cfr. documento 12 junto com a PI. C. O requerente entende que devem passar a ficar provados nos seguintes termos: 6. O requerente aceitou uma estadia no hotel ZZZ, no Porto, por ocasião do aniversário da sua mulher, oferecida por uma empresa de desmatação contratada pela DGRDN, oferta que entendeu como um gesto de cortesia – cfr. declarações de parte do requerente e testemunho de BB. 19. A mãe do requerente tem uma pensão confortável e oferece ajuda financeira regular, inclusive ajudando com despesas básicas e tendo contribuído com uma herança resultante de parte da venda de um imóvel do pai do requerente em 2022 (cerca de 50.000 euros), sendo que a totalidade desse valor foi utilizado para amortizar um empréstimo familiar – declarações de parte e testemunho de BB. 20.	O agregado do requerente tem as seguintes despesas fixas: a) Pagam aproximadamente 725 euros mensais de empréstimo bancário contraído para aquisição da sua habitação – cfr. documento 12 junto com a PI, declarações de parte do requerente e testemunho de BB. D. Quanto ao facto 6, as provas que impõem a alteração acima referida consistem nas declarações de parte do requerente e o depoimento da testemunha BB, cujos excertos se transcreveram nos nºs 8 e 9. E. Quanto ao facto 19, as provas que impõem a alteração acima referida consistem nas declarações de parte do requerente e o depoimento da testemunha BB, cujos excertos se transcreveram nos nºs 20 e 21. F.	Quanto ao facto 20, alínea a), as provas que impõem a alteração acima referida consistem no doc. 12 junto com o RI, conjugado com as declarações de parte do requerente e com o depoimento da testemunha BB, cujos excertos se transcreveram nos nºs 20 e 21. DO PERICULUM IN MORA E DOS DEMAIS REQUISITOS ESTABELECIDOS NO ARTIGO 120º DO CPTA G. No RI, o requerente alegou a verificação dos três requisitos de que dependia o decretamento da providência. H.	No que respeita à verificação do requisito do periculum in mora, a matéria de facto a ter em conta é a que consta dos factos provados 10 (1ª parte) e 13 a 20 do probatório, com as correcções acima requeridas quanto aos factos 19 e 20, alínea a), que se reproduz, já com tais correcções introduzidas: 10. O requerente deixou de auferir vencimento a partir de Janeiro de 2023. 13. Em 6-5-2024, o Ministro da Defesa proferiu um despacho, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, e nos termos do qual aplicou a sanção de despedimento disciplinar ao requerente – cfr. documento 1 junto com a PI; 14. No presente, o requerente é consultor imobiliário, a esposa trabalha como socióloga numa empresa de energia e comunicação, sendo que o casal tem dois filhos, um em idade escolar superior e o outro com rendimentos reduzidos provenientes de um estágio – declarações de parte do autor e testemunho de BB; 15. O requerente, como consultor imobiliário, tem rendimentos irregulares, sendo que no presente ano recebeu cerca de 1.500 euros em comissões acumuladas, e no ano anterior (2023) somou 6.566,00 euros, incluindo uma comissão resultante da venda de uma propriedade da mãe – cfr. documentos 6 a 9 juntos com a PI; 16. A esposa do autor tem um rendimento fixo líquido mensal de aproximadamente 1.700 euros – testemunho de BB; 17. Um dos filhos do requerente recebe 120 euros mensais de um estágio – declarações de parte do autor e testemunho de BB; 18. A filha, universitária, não possui rendimentos e depende financeiramente dos pais – declarações de parte e testemunho de BB; 19. A mãe do requerente tem uma pensão confortável e oferece ajuda financeira regular, inclusive ajudando com despesas básicas e tendo contribuído com uma herança resultante de parte da venda de um imóvel do pai do requerente em 2022 (cerca de 50.000 euros), sendo que a totalidade desse valor foi utilizado para amortizar um empréstimo familiar – declarações de parte e testemunho de BB; 20. O agregado do requerente tem as seguintes despesas fixas: a. Pagam aproximadamente 725 euros mensais de empréstimo bancário contraído para aquisição da sua habitação – cfr. documento 12 junto com a PI, declarações de parte do requerente e testemunho de BB; b. A filha paga mensalidades na RRR (RRR), com um custo de cerca de 175 euros por mês – cfr. documento 4 junto com a PI; c.	Gastos com água, luz e supermercado descritos como normais para uma família de quatro pessoas, incluindo alimentação – declarações de parte do requerente e testemunho de BB. I. Na apreciação deste requisito do fundado receio, o Tribunal considerou o seguinte: No caso do requerente, parece existir uma fonte de rendimentos estável (da esposa), além de um apoio familiar contínuo e sólido (da mãe), sendo que a herança recebida também foi relevante e utilizada para amortizar dívidas. Esses factores indicam que, embora possa haver um impacto financeiro negativo decorrente do despedimento, a situação não atinge um grau de necessidade ou dano irreparável, especialmente considerando que o requerente também mantém uma actividade profissional, ainda que irregular. Dito por outras palavras, o alegado e provado pelo requerente não permite ao tribunal concluir que a não adopção da providência cautelar pode levar à constituição de uma situação de facto consumado ou à produção de prejuízos de difícil reparação. Incumbiria ao requerente o ónus de alegar e demonstrar matéria de facto integradora dos requisitos legais de que depende a concessão da providência requerida. Ou seja, a pena de demissão, por si só, não é capaz de causar um prejuízo irreparável. Mas, ainda que assim não se entendesse, para que o tribunal pudesse formular um juízo de probabilidade quanto a esse prejuízo, seria necessário que o requerente tivesse demonstrado em que medida tal prejuízo seria irreparável ou de difícil reparação. No caso dos autos, nada evidencia a existência de qualquer situação de facto consumado ou a produção de prejuízos de difícil reparação, tendo em conta o supra-referido. Dada a situação apresentada, é difícil sustentar que o requisito de periculum in mora esteja verificado. Embora o despedimento disciplinar possa resultar em perda de rendimentos para o requerente, as fontes de apoio familiar e o rendimento da esposa indicam que aquele não enfrenta uma situação de urgência financeira absoluta. Assim, a concessão de uma providência cautelar nesses termos deve ser indeferida, pois não há um risco de prejuízo irreparável que não possa ser remediado em eventual decisão favorável no processo principal. Termos em que, não se tem por verificado o requisito do “periculum in mora”, necessário para o decretamento da providência requerida (cfr. artigo 120º, nº 1, 1ª parte, do CPTA). J. Ou seja, o tribunal considera que os rendimentos auferidos pela mulher do requerente (aproximadamente 1.700 líquidos/mês) e o apoio que a mãe presta ao filho – a acrescer à sua actividade profissional, ainda que mal paga e irregular – são suficientes para que a sua situação não atinja um grau de necessidade ou dano irreparável. K.	Mas não tem razão, como resulta da seguinte jurisprudência pacífica do STA: A privação do vencimento de um funcionário ou agente do Estado e, designadamente de um magistrado, em consequência da imediata execução do acto punitivo que o afaste de funções, causa prejuízos irreparáveis ou, pelo menos, de difícil reparação ao visado com esse acto, se tal privação diminuir drasticamente o seu nível de vida ou do seu agregado familiar, pondo em risco a satisfação das necessidades normais, correspondentes ao padrão de vida médio das famílias de idêntica condição social – acórdãos de 24-5-2018, proferido no proc. nº ..., rel. JOSÉ VELOSO, e de 28-1-2009, proferido no proc. n.º ..., rel. FERNANDA XAVIER, ambos disponíveis para consulta em www.dgsi.pt. L. Aplicando essa jurisprudência à situação dos autos, entendemos que se deve estabelecer o seguinte: i. os gastos do agregado familiar do requerente, considerando apenas o empréstimo à habitação e as propinas da filha CC, somam cerca de € 900/mês; ii. acrescerão ainda as despesas normais de um agregado familiar, tais como água, luz, telefone, internet, alimentação, vestuário, saúde, transporte, limpeza e lazer; iii. aquilo que o requerente, como consultar imobiliário, aufere é cerca de € 500/mês em 2023 e menos de € 200/mês até Setembro deste ano, não sendo expectável uma modificação relevante, tendo em conta a concorrência existente no sector e a pouca inserção que nele tem o requerente; já a sua mulher aufere um rendimento líquido de aproximadamente € 1.700/mês; iv. assim sendo, pagas as despesas referidas em i), o casal fica com uma quantia de cerca de € 1.000/mês (com a oscilação da remuneração do requerente), para custear as despesas referidas em ii), o que mesmo para um padrão de vida modesto é insuficiente, sendo certo que deve ser tido em conta o padrão de vida médio de famílias de idêntica condição social, as quais obviamente disporão de um rendimento disponível bastante superior, como decorre do salário da mulher do requerente e do vencimento que o requerente auferia, como Director de Serviços da função pública (cerca de € 2.000 líquidos/mês, como é verificável na tabela de remunerações da função pública), o que lhes proporcionava cerca de € 3700 líquidos/mês; v. é certo que a mãe do requerente o tem ajudado financeiramente, mas isso não releva para o efeito em pauta, uma vez que não pode ser contabilizado aquilo que terceiros dão aos que se viram privados da sua remuneração (a não ser que integrassem o agregado familiar, o que não é o caso); vi) a tese de que, para o efeito do preenchimento do requisito periculum in mora, se deve contar com as liberalidades de terceiros (seja da mãe, seja de um amigo, seja a esmola de um desconhecido) é inaceitável e afronta princípios de dignidade e justiça, uma vez que, nas circunstâncias do caso, é irrazoável que o Estado seja dispensado daquilo a que está obrigado. M. Assim, é manifesto que o vencimento do requerente faz significativa falta à subsistência do requerente e à economia do seu agregado familiar, tendo-se por verificado o requisito do periculum in mora, devendo, nesse segmento, ser revogada a decisão proferida. N. Uma vez que os requisitos estabelecidos pelo artigo 120º do CPTA são cumulativos, e tendo o tribunal concluído pela não verificação do justo receio, dispensou-se de analisar os restantes, porque a sua análise estaria prejudicada. O.	Temos, pois, que proceder à análise dos outros dois requisitos exigidos para o decretamento da providência: fumus boni iuris e ponderação de interesses. Nos termos do artigo 149º, nº 3 do CPTA, pode o tribunal conhecer da verificação desses requisitos, que, como melhor resulta do RI, também têm de se ter por verificados. P.	Para o efeito deve ser considerada a seguinte factualidade dada como provada: 5. O requerente apresentou diversas falhas no rigor da tramitação dos contratos administrativos – depoimento das testemunhas DD, GG e HH; 6. O requerente aceitou uma estadia no hotel ZZZ, no Porto, oferecida por uma empresa de desmatação contratada pela DGRDN – cfr. declarações de parte do requerente; 7.	Em Dezembro de 2022, a partir de uma investigação do MP, o requerente foi incluído como suspeito de crimes de corrupção passiva, branqueamento de capitais e falsificação de documentos – cfr. documento 1 junto com a PI; 12. Em 22-4-2024, o instrutor do processo disciplinar elaborou o relatório final, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, e nos termos do qual concluiu que o requerente violou princípios de transparência e imparcialidade, dado o recebimento de benefícios e a recomendação de empresas com relações pessoais, e que a conduta do autor configurou uma quebra de confiança com a entidade empregadora, motivando a sanção de despedimento disciplinar – cfr. documento 1 junto com a PI; Q. No que diz respeito ao preenchimento do requisito fumus boni iuris, mostra-se necessário que, atendendo aos factos alegados e aos fundamentos subjacentes ao pedido formulado, seja provável que a pretensão formulada na acção principal venha a ser julgada procedente. R. Formulando um juízo necessariamente provisório, é manifesto que a factualidade dada como provada – relevando para o efeito os factos 5 e 6 do probatório – não integra ilícito disciplinar merecedor da sanção de despedimento, uma vez que, por si, não é susceptível de inviabilizar a manutenção do vínculo de emprego público, como previsto no artigo 187º da LGTFP; como é evidente, as suspeitas referidas nos nºs 7 e 8 do probatório não passam disso mesmo, de suspeitas, não podendo nelas o tribunal sustentar-se para dar como não preenchido o requisito do fumus bonnus iuris. S. Deste modo, existe fumus bonnus iuris quanto à pretensão do requerente de pôr em causa a sanção de despedimento que lhe foi aplicada, a qual assenta num processo disciplinar que se baseia em juízos preliminares efectuados num processo-crime onde o requerente ainda não foi julgado; de resto, a decisão disciplinar padece dos vícios melhor referidos no RI e, em matéria factual, o tribunal a quo só levou ao probatório os factos acima enunciados, os quais são insuficientes para julgar não preenchido tal requisito. T. No que concerne ao preenchimento do requisito da ponderação de interesses, o mesmo está manifestamente demonstrado em face da factualidade dada como assente pelo tribunal a quo. U. O STA entendia que a suspensão das penas disciplinares expulsivas causava automaticamente lesão grave do interesse público; contudo, registou-se uma inversão da orientação jurisprudencial junto deste tribunal, que agora considera “a necessidade de valoração das causas em que as penas foram concretamente aplicadas, inspirada no princípio contrário de quem nem todas as causas que motivam a aplicação de penas disciplinares envolvem um juízo de grave lesão do interesse público se não forem executadas imediatamente” – cfr. acórdão de 15-11-2018, proferido no proc. nº 229/17.2BELSB, disponível para consulta em www.dgsi.pt. V. Esta orientação jurisprudencial pressupõe assim uma análise casuística das circunstâncias que motivaram a aplicação da pena expulsiva e só quando as circunstâncias do caso concreto revelarem a existência de grave lesão do interesse público, e se considere que essa qualificação deve prevalecer sobre os prováveis prejuízos causados ao requerente da providência, é que haverá lugar à execução imediata do acto que aplicou tal pena. W. Ora, a factualidade dada como provada não permite que se conclua que exista uma grave lesão do interesse púbico se a decisão impugnada não for imediatamente executada; com efeito, os factos provados – relativamente ao requerente, que possam ser objecto de censura – não envolvem um juízo de grave lesão do interesse público se a providência for decretada. X. Sopesados os interesses em causa, os danos resultantes do decretamento da providência não são superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adopção de outras providências, razão pela qual se tem assim por verificado o terceiro e último requisito, previsto no artigo 120º, nº 2 do CPTA. Y.	Deve assim ser revogada a decisão recorrida, devendo a presente providência cautelar ser julgada procedente”. 4. O Ministério da Defesa Nacional, devidamente notificado para o efeito, veio apresentar contra-alegação, na qual formulou as seguintes conclusões: “A. Como contra-alegação, o MDN mantém tudo quanto se disse em sede de oposição. B. Não se conformando com a mencionada sentença, e entendendo que nela se decidiu mal, vem o requerente, ora recorrente interpor o presente recurso jurisdicional, que tem como objecto, por um lado, a impugnação dos factos provados 6, 19 e 20, alínea a) e, por outro lado, a demonstração da verificação do requisito do periculum in mora, bem como dos demais requisitos necessários à procedência da providência. C. No entanto, como seguidamente se demonstrará não lhe assiste razão. D. Relativamente ao pedido de alteração de fatos dados como provados pela sentença, o mesmo mostra-se absolutamente irrelevante para o sentido da decisão. E. No que se refere ao facto nº 6 a alteração pretendida nem sequer consubstancia qualquer factualidade, antes se reportando a uma apreciação subjectiva por facto efectivamente provado, que consistiu na oferta e aceitação de estadia em hotel, por parte de um fornecedor. F. Quanto ao facto do nº 19 refira-se que a circunstância de ter utilizado a totalidade ou não do valor da herança na amortização do empréstimo também não tem consequência no sentido da decisão, porque foi uma decisão de gestão pessoal. Podendo até referir-se que se existisse uma efectiva situação de insuficiência financeira para o dia-a-dia poderia ser utilizado parte desse montante para fazer face a essa situação. G. Relativamente ao facto nº 20, alínea a) a alteração pretendida mostra-se igualmente irrelevante porquanto o montante pago mensalmente para habitação que ficou provado é exactamente o mesmo, independentemente de se tratar de arrendamento ou de empréstimo bancário. H. No que concerne à alegada da verificação dos requisitos legalmente exigidos para o deferimento da providência cautelar, também não lhe assiste razão. I. O primeiro requisito é o periculum in mora, ou seja, o fundado receio de que se constitua uma situação de facto consumado ou se produzam prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente pretende ver reconhecidos no processo principal. J. A existência de fundado receio depende ou da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal. K. O recorrente limitou-se a lançar para a sua petição elementos genéricos relativamente à sua situação financeira e familiar, que no limite, sempre seriam compensáveis em caso de procedência da pretensão que irá ser peticionada na acção principal, mas que não poderá ser sequer considerada face aos valores que estão em causa e à gravidade das infracções por si cometidas. L. Deste modo, os eventuais prejuízos que o recorrente genericamente alega, sempre seriam compensáveis, com recurso aos meios legais ao seu dispor. M. Não se verifica preenchido o primeiro dos requisitos – “periculum in mora” – exigidos por lei para o decretamento da presente providência cautelar, tal como entendeu o Tribunal a quo ao decidir pelo não decretamento da mesma. N. Efectivamente, o periculum in mora verifica-se quando a demora normal do processo principal possa causar ao requerente prejuízo grave e de difícil reparação, ou, ainda, prejuízo irreversível ou praticamente irreversível – situações em que a eficácia de uma futura sentença de mérito ficaria esvaziada. O. No presente caso, apesar dos compromissos financeiros fixos e inadiáveis, não existe dependência total do vencimento para subsistência, pois o requerente, ora recorrente possui outras fontes de rendimento e auxílio familiar, porquanto o vencimento não é a única forma de sustento próprio e do agregado familiar. P. Face aos factos provados, constata-se que não existe real risco de incumprimento contratual com perda de habitação e a alegada deterioração da vida familiar e social que poderá ser reparada com indemnização futura, em caso de procedência da acção principal. Q. Assim como não existe um comprometimento efectivo da dignidade pessoal e familiar por impossibilidade de satisfazer necessidades básicas. R. Tal como bem entendeu o Tribunal a quo não se encontra verificado o requisito do periculum in mora porquanto a mera perda de vencimento não é suficiente para preencher o conceito legal deste requisito, não obstante, iremos demonstrar que os demais requisitos não estão, igualmente, preenchidos. S. O segundo requisito, é o do fumus boni juris que significa a probabilidade de existência de um direito, sendo que, igualmente não assiste qualquer razão ao recorrente. T. Na origem da instauração do processo disciplinar em apreciação está em causa a comunicação datada de 10.12.2022, dos serviços do Ministério Público (MP), concretamente do DIAP Regional de Lisboa, de que estava a correr trâmites um processo de inquérito, com o número de processo 3784/18.6... U. Nos termos da acusação deduzida pelo MP, os comportamentos infractores apurados são de natureza disciplinar, por via da prática de actos contrários à lei penal, em concreto por falsificação de documentos e recebimento indevido de vantagem, previstos e punidos, respectivamente, pelos artigos 256º, n º 1, alínea d) e artigo 372º, nº 1 do Código Penal. V. Face ao conhecimento de práticas infractoras, o superior hierárquico do trabalhador ponderou e decidiu desencadear uma acção disciplinar com a finalidade de aferir a veracidade e gravidade dos comportamentos imputados, a sua correspondência com o plasmado em legislação quanto aos deveres funcionais dos trabalhadores e a necessidade de aplicação de uma censura disciplinar. W. Na sequência da comunicação efectuada pelo MP, foi instaurado o competente processo disciplinar, o qual, foi devidamente instruído, através de prova testemunhal e documental. X. Pela prova que foi produzida no processo disciplinar e pelos factos que vem acusado na respectiva nota de culpa, parece óbvio que as condutas praticadas pelo requerente resultam suficientemente provadas, legitimando uma censura disciplinar, e a aplicação de uma sanção compatível com os deveres gerais e especiais violados e o inerente prejuízo para o interesse público. Y. A actuação do requerente, ora recorrente, que conduziu ao processo disciplinar ora posto em crise, reporta-se tanto a irregularidades e ilegalidades directa e objectivamente imputáveis ao mesmo como indirectamente porquanto da autoria de Alberto Coelho e ou de Paulo Branco, mas com a sua concordância, no âmbito de um esquema que montaram para, através de determinadas áreas de actuação da DGRDN e valendo-se das competências próprias dos três, beneficiarem determinadas empresas co-contratantes e em contrapartida obterem benefícios ilegítimos. Z. Em co-autoria com Paulo Branco e Alberto Coelho, o requerente, ora recorrente, decidiu e controlou as fases de planeamento e execução dos procedimentos referentes aos processos de contratação pública, ao nível do que se fazia, como se fazia, por quanto se fazia, com quem se fazia e quem fazia o quê. AA. Da prova produzida, também resulta provado que o requerente, ora recorrente, teve uma intervenção activa e consciente nos actos praticados. BB. E ainda que os comportamentos infractores foram praticados com culpa grave porquanto de forma consciente, dolosa e reincidente, atentaram gravemente contra a dignidade e o prestígio da função que desempenhavam. CC. Com a sua conduta, o recorrente pôs em causa o cumprimento das regras de lealdade, isenção, transparência e prossecução do interesse público e, ainda assim, tal não obstou a que as violasse, atentando conscientemente contra tudo o que caracteriza o exercício de funções públicas. DD. O processo disciplinar e o processo-crime são independentes, têm objectivos finais distintos e são passíveis de exercício em simultâneo e a decisão exarada num em nada obsta à decisão exarada no outro, a valoração é, assim, autónoma e independente, donde resulta, pois, que a mesma conduta pode ser apreciada simultaneamente no campo penal e no campo disciplinar. EE. No que se refere à fase de instrução do processo disciplinar a mesma promove, como efectivamente sucedeu no caso sub iudice, uma investigação, com recolha de toda a prova considerada fundamental à descoberta da verdade material, com inquirição do visado e de testemunhas e com realização de exames e demais diligências que se julguem necessárias. FF. Da instrução do processo disciplinar resultou provado que os factos contantes da nota de culpa estão individualmente especificados e provados, sendo que a conduta do requerente, ora recorrente, foi consciente, continuada e reiterada durante todo o período a que se reporta a acusação do processo disciplinar. GG. O processo disciplinar não enferma de qualquer vício – nem tal foi nem poderia ter sido alegado pelo requerente –, devendo a sanção de despedimento disciplinar, aplicada por despacho do Ministro da Defesa Nacional, de 05.05.2024, ser mantida inteiramente na ordem jurídica. HH. Por tudo o exposto, afasta-se o preenchimento do requisito do fumus boni iuris, necessário ao decretamento da providência cautelar requerida. II. No que se refere ao terceiro requisito, ponderados os interesses públicos e privados em presença, conforme exige o nº 2 do artigo 120º do CPTA, os danos que resultariam da concessão da presente providência cautelar mostram-se superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, conforme se demonstra de seguida, o que determina sempre o não decretamento da providência ora requerida. JJ. O deferimento da presente providência cautelar, motivada pela procedência do presente recurso determinaria grave prejuízo para o interesse público. KK. A prática por funcionário público, no exercício da função pública, de actos contrários à lei e às normas constitui uma violação dos deveres funcionais e a que todos aqueles que se encontram investidos na função pública estão vinculados por consequente violação do interesse público. LL. Os actos praticados consubstanciam uma depreciação da imagem e desprestígio da Direcção-Geral de Recursos da Defesa Nacional e do Ministério da Defesa Nacional, por esta instituição representar um pilar fundamental da identidade nacional que exige comportamentos pessoais e funcionais irrepreensíveis, que possam ser vistos do exterior como sinal de confiança por parte da sociedade, não sendo compatível com tais valores a manutenção ao serviço de alguém a quem é atribuída a prática das infracções disciplinares supra descritas. MM. O eventual deferimento da providência cautelar criaria, inevitavelmente, um efeito funcional disruptivo imediato no âmbito do MDN, porquanto constituiria uma violação dos princípios constitucionais da igualdade de trabalho e de funções, da legalidade e da prossecução do interesse público. NN. Não é aceitável num Estado de Direito que trabalhadores em funções públicas, no exercício das suas funções, pratiquem actos susceptíveis de configurar crimes contra o Estado, designadamente corrupção passiva, branqueamento de capitais e falsificação de documentos, como acontece no presente caso. OO. E, em situações em que a factualidade provada no âmbito de processo disciplinar é susceptível de configurar ilícitos financeiros e crimes da mesma natureza, como sucede nos presentes autos, a protecção e promoção do interesse público tornam-se, ainda, mais prementes. PP.	Para além da responsabilidade criminal a apurar em sede própria, os trabalhadores em funções públicas estão sujeitos a medidas disciplinares, nos termos da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, incluindo o despedimento, nos casos em que, a actuação do trabalhador torne inviável a manutenção do vínculo de emprego público. QQ. E, no presente caso, o procedimento disciplinar que culminou com o despedimento seguiu todos os trâmites legais, previstos na LTFP. RR. Nas situações em que a factualidade provada no âmbito de processo disciplinar configura violações muito graves dos deveres laborais, relacionados com ilícitos financeiros e crimes da mesma natureza, é inviável a manutenção do vínculo de emprego público porque a protecção do interesse público assim o impõe. SS. De salientar que a protecção da integridade das instituições e a confiança pública nas mesmas é crucial para a democracia e para o funcionamento eficiente do Estado. TT. A transparência e a regularidade financeiras exigem que os recursos públicos sejam utilizados de maneira transparente e eficaz, prevenindo desvios que possam prejudicar o bem-estar colectivo e a manutenção de um serviço público íntegro e confiável. UU. Ponderados os interesses públicos e privados em presença, conforme exige o nº 2 do artigo 120º do CPTA, os danos que resultariam da concessão da presente providência cautelar mostram-se muito superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, o que determina sempre o não decretamento da providência ora requerida. VV. O deferimento da providência cautelar e consequente regresso do recorrente colocaria, no limite, em causa a própria justiça, que no âmbito do processo-crime também considerou que a situação inviabilizava a continuidade do exercício de funções públicas, ao determinar, desde o primeiro interrogatório judicial, a aplicação ao arguido de medidas de coacção, designadamente a suspensão do exercício de quaisquer funções ou actividades de natureza pública. WW. E colocaria, igualmente, em causa os valores da sociedade em geral, originando na opinião pública um sentimento de impunidade e falta de confiança das instituições e na justiça, prejudicando gravemente o interesse público, claramente superior a qualquer interesse particular que possa ser invocado, tendo também em conta a mediatização em sede de comunicação social que estes casos tiveram e continuam a ter, com impacto negativo na área governativa da defesa nacional. XX. Em conclusão, deve o presente recurso ser julgado improcedente, e, em conformidade, ser a sentença recorrida mantida na ordem jurídica, mantendo-se a decisão de indeferimento da providência cautelar e absolvição da entidade requerida do pedido, uma vez que não se verifica qualquer dos pressupostos previstos no artigo 120º do CPTA para o seu decretamento”. 5. O Digno Procurador-Geral Adjunto neste TCA Sul, notificado para os termos e efeitos do disposto no artigo 146º do CPTA, não emitiu parecer. 6.	Sem vistos aos Exmºs Juízes Adjuntos, atenta a natureza urgente do processo, vêem os autos à conferência para julgamento. OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A DECIDIR 8.	E, tendo em conta o teor das conclusões de recurso apresentadas pelo recorrente, as questões a decidir no presente recurso consistem em determinar se se impõe a alteração da matéria de facto dada como assente pela decisão recorrida e se a mesma incorreu em erro de julgamento na apreciação que fez sobre a não existência do “periculum in mora”. E, caso se conclua que sim, apreciar e decidir em substituição do tribunal recorrido se estão verificados os demais pressupostos de que depende a concessão da tutela cautelar. * * * * * * Comecemos então por apreciar se se justifica a alteração da matéria de facto, tal como sustentado pelo recorrente. 9. De acordo com a alegação do recorrente, no tocante à impugnação da matéria de facto, aquele considera que os factos dados como assentes nos pontos 6. 19. e 20.a) foram mal julgados, impondo-se a respectiva alteração nos seguintes termos: a. No ponto 6. do probatório foi dado como assente, com base nas suas declarações de parte, que “o requerente aceitou uma estadia no hotel ZZZ, no Porto, oferecida por uma empresa de desmatação contratada pela DGRDN”, quando deveria ter sido considerado assente, com fundamento nas suas declarações de parte e no depoimento de BB, que “o requerente aceitou uma estadia no hotel ZZZ, no Porto, por ocasião do aniversário da sua mulher, oferecida por uma empresa de desmatação contratada pela DGRDN, oferta que entendeu como um gesto de cortesia”; b. No ponto 19. foi dado como provado, com fundamento nas suas declarações de parte e no testemunho de BB, que “a mãe do requerente tem uma pensão confortável e oferece ajuda financeira regular, inclusive ajudando com despesas básicas e tendo contribuído com uma herança resultante da venda de um imóvel do pai do requerente em 2022, sendo que, parte desse valor (cerca de 50.000 euros) foi utilizado para amortizar um empréstimo familiar”, quando deveria ter sido considerado assente, com fundamento nas suas declarações de parte e no depoimento de BB, que “a mãe do requerente tem uma pensão confortável e oferece ajuda financeira regular, inclusive ajudando com despesas básicas e tendo contribuído com uma herança resultante de parte da venda de um imóvel do pai do requerente em 2022 (cerca de 50.000 euros), sendo que a totalidade desse valor foi utilizado para amortizar um empréstimo familiar”; e, finalmente, c.	No ponto 20. do probatório foi dado como assente, com fundamento no doc. nº 12 junto com a PI, que “o agregado do requerente tem as seguintes despesas fixas: a) Pagam aproximadamente 725 euros mensais de renda”, quando deveria ter sido considerado assente, com fundamento no aludido documento e nas declarações de parte do requerente e no testemunho de BB, que “o agregado do requerente tem as seguintes despesas fixas: a) Pagam aproximadamente 725 euros mensais de empréstimo bancário contraído para aquisição da sua habitação”. Apreciando. 10. Relativamente à impugnação da matéria de facto, a jurisprudência tem vindo a reiterar que a impugnação da decisão de facto não se justifica a se, de forma independente e autónoma da decisão de mérito proferida, assumindo antes um carácter instrumental face à mesma, uma vez que “a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, consagrada no artigo 685º-B [do anterior CPC], visa, em primeira linha, modificar o julgamento feito sobre os factos que se consideram incorrectamente julgados. Mas, este instrumento processual tem por fim último possibilitar alterar a matéria de facto que o tribunal a quo considerou provada, para, face à nova realidade a que por esse caminho se chegou, se possa concluir que afinal existe o direito que foi invocado, ou que não se verifica um outro cuja existência se reconheceu; ou seja, que o enquadramento jurídico dos factos agora tidos por provados conduz a decisão diferente da anteriormente alcançada. O seu efectivo objectivo é conceder à parte uma ferramenta processual que lhe permita modificar a matéria de facto considerada provada ou não provada, de modo a que, por essa via, obtenha um efeito juridicamente útil ou relevante” (cfr., neste sentido, por todos, o acórdão da Relação de Coimbra, de 24-4-2012, proferido no âmbito do processo nº 219/10). 11. O que significa, “a contrario”, que “por força dos princípios da utilidade, economia e celeridade processual, o Tribunal ad quem não deve reapreciar a matéria de facto quando o(s) facto(s) concreto(s) objecto da impugnação for insusceptível de, face às circunstância próprias do caso em apreciação e às diversas soluções plausíveis de direito, ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequente” (cfr., neste sentido, o acórdão da Relação de Coimbra, de 27-5-2014, proferido no âmbito do processo nº 1024/12). 12. Dito por outras palavra, se, por qualquer motivo, o facto a que se dirige aquela impugnação for, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito, irrelevante para a decisão a proferir, então torna-se inútil a actividade de reapreciar o julgamento da matéria de facto, pois, nesse caso, mesmo que, em conformidade com a pretensão do recorrente, se modifique o juízo anteriormente formulado, sempre o facto que agora se considerou provado ou não provado continua a ser juridicamente inócuo ou insuficiente para a solução jurídica a dar ao pleito. 13.	Assim, não haverá lugar à reapreciação da matéria de facto quando o facto concreto objecto da impugnação não for susceptível de, face às circunstância próprias do caso em apreciação, ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe, antemão, ser inconsequente, o que contraria os princípios da celeridade e da economia processual consagrados nos artigos 2º, nº 1, 130º, ambos do CPCivil (cfr., neste sentido, os acórdãos da Relação de Coimbra, citado no § 10. supra, e o acórdão, também da Relação de Coimbra, de 14-1-2014, proferido no âmbito do processo nº 6628/10). 14. Ora, só seria de atender à alteração da matéria de facto proposta caso essa alteração fosse susceptível de conduzir a uma decisão substancialmente diversa, no sentido do deferimento da providência cautelar requerida. O que, manifestamente não se verifica. 15. No tocante ao ponto 6. do probatório, o recorrente pretende acrescentar ao facto dado como assente uma referência temporal – por ocasião do aniversário da sua mulher – e uma conclusão, retirada do modo como entendeu a oferta – como um gesto de cortesia – que em nada alteram a materialidade relevante e que conduziu, entre outros factos, à aplicação da sanção cuja suspensão ora se requer. Daí a irrelevância da alteração pretendida. 16. O mesmo se diga no tocante ao ponto 19. do probatório, já que a alteração pretendida também se afigura irrelevante para a solução jurídica da pretensão formulada. 17.	E, relativamente ao facto dado como assente no ponto 20., alínea a) do probatório – “o agregado do requerente tem as seguintes despesas fixas: a) Pagam aproximadamente 725 euros mensais de renda” –, embora se conceda que houve um lapso na qualificação da despesa suportada pelo agregado do recorrente, uma vez que o valor em causa respeitava antes a uma empréstimo bancário contraído para aquisição da sua habitação e não ao pagamento da renda, o certo é que o facto essencial, apreciado para aferir do “periculum in mora”, não se alterou em nada, pois a despesa suportada pelo agregado do recorrente para aquele efeito foi exactamente a mesma: 725 €. 18. Por conseguinte, a alteração da matéria de facto proposta pelo recorrente, por totalmente irrelevante, não justifica o deferimento da sua pretensão, que desde modo é negada. E, aqui chegados, resta apreciar as restantes questões suscitadas pelo recorrente. FUNDAMENTAÇÃO A – DE FACTO 20. A sentença recorrida considerou assentes, com relevância para a apreciação do mérito da providência, os seguintes factos: i. A esposa do requerente teve uma relação profissional com a empresa KKK desde a década de 1990, prestando serviços de comunicação e marketing – declarações de parte do autor e testemunho de BB; ii.	Em colaborações mais recentes, a referida empresa efectuou pagamentos em géneros, como equipamentos electrónicos e electrodomésticos, como forma de compensação pelos serviços prestados à esposa do requerente – declarações de parte do autor e testemunho de BB; iii. O requerente era Director de Serviços de Infraestruturas e Património na DGRDN e não tinha competências directas sobre a adjudicação de contratos, que cabiam ao Gabinete de Gestão Financeira e ao Gabinete de Contratação Pública – testemunho de DD, GG e HH; iv. Durante o período entre Março de 2019 e Março de 2021, o requerente actuou como Director de Serviços de Infraestruturas e Património, fazendo parte da escolha e recomendação de empresas para certos procedimentos de contratação pública, tendo recomendado empresas, como a KKK, onde sua esposa prestava serviços – cfr. depoimento das testemunhas; v. O requerente apresentou diversas falhas no rigor da tramitação dos contratos administrativos – depoimento das testemunhas DD, GG e HH; vi.	O requerente aceitou uma estadia no hotel Yetman, no Porto, oferecida por uma empresa de desmatação contratada pela DGRDN – cfr. declarações de parte do requerente; vii. Em Dezembro de 2022, a partir de uma investigação do MP, o requerente foi incluído como suspeito de crimes de corrupção passiva, branqueamento de capitais e falsificação de documentos – cfr. documento 1 junto com a PI; viii. Em cumprimento do despacho proferido pelo Director-Geral de Recursos da Defesa Nacional, de 4-1-2023, foi instaurado um processo disciplinar ao requerente – cfr. documento 1 junto com a PI; ix. Na sequência do despacho acima mencionado, foi proferido despacho pela então Ministra da Defesa Nacional, em 6-1-2023, a nomear o Inspector-Geral da Defesa Nacional, como instrutor do referido procedimento disciplinar – cfr. documento 1 junto com a PI; x. O requerente deixou de auferir vencimento a partir de Janeiro de 2023, uma vez que, em sede de 1º interrogatório judicial no âmbito do processo crime nº 3784/18.6... – no qual foi constituído arguido por factos com conexão àqueles que determinaram a instauração do processo disciplinar em causa –, actualmente a correr termos no Tribunal Central de Instrução Criminal – Juiz 9, foi, em 10-12-2022, aplicada ao requerente medida de coacção de suspensão do exercício de funções ou actividades de natureza pública, tendo sido exonerado em 12-12-2022 – cfr. documento 5 junto com a PI; xi. Em 30-1-2024, foi deduzida nota de culpa, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzida, e nos termos da qual foi o requerente acusado de infracção disciplinar com sanção disciplinar de despedimento – cfr. PA a fls. 792 a 803; xii. Em 22-4-2024, o instrutor do processo disciplinar elaborou o relatório final, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, e nos termos do qual concluiu que o requerente violou princípios de transparência e imparcialidade, dado o recebimento de benefícios e a recomendação de empresas com relações pessoais, e que a conduta do autor configurou uma quebra de confiança com a entidade empregadora, motivando a sanção de despedimento disciplinar – cfr. documento 1 junto com a PI; xiii. Em 6-5-2024, o Ministro da Defesa proferiu um despacho, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, e nos termos do qual aplicou a sanção de despedimento disciplinar ao requerente – cfr. documento 1 junto com a PI; xiv. No presente, o requerente é consultor imobiliário, a esposa trabalha como socióloga numa empresa de energia e comunicação, sendo que o casal tem dois filhos, um em idade escolar superior e o outro com rendimentos reduzidos provenientes de um estágio – declarações de parte do autor e testemunho de BB; xv. O requerente, como consultor imobiliário, tem rendimentos irregulares, sendo que no presente ano recebeu cerca de 1.500 euros em comissões acumuladas, e no ano anterior (2023) somou 6.566,00 euros, incluindo uma comissão resultante da venda de uma propriedade da mãe – cfr. documentos 6 a 9 juntos com a PI; xvi.	A esposa do autor tem um rendimento fixo líquido mensal de aproximadamente 1.700 euros – testemunho de BB; xvii. Um dos filhos do requerente recebe 120 euros mensais de um estágio – declarações de parte do autor e testemunho de BB; xviii. A filha, universitária, não possui rendimentos e depende financeiramente dos pais – declarações de parte e testemunho de BB; xix. A mãe do requerente tem uma pensão confortável e oferece ajuda financeira regular, inclusive ajudando com despesas básicas e tendo contribuído com uma herança resultante da venda de um imóvel do pai do requerente em 2022, sendo que, parte desse valor (cerca de 50.000 euros) foi utilizado para amortizar um empréstimo familiar – declarações de parte e testemunho de BB; xx. O agregado do requerente tem as seguintes despesas fixas: a. Pagam aproximadamente 725 euros mensais de renda – cfr. documento 12 junto com a PI; b. A filha paga mensalidades na RRR (RRR), com um custo de cerca de 175 euros por mês – cfr. documento 4 junto com a PI; c.	Gastos com água, luz e supermercado descritos como normais para uma família de quatro pessoas, incluindo alimentação – declarações de parte do requerente e testemunho de BB. B – DE DIREITO 22.	Para assim concluir, a sentença recorrida estribou-se na seguinte fundamentação: “(…) Do periculum in mora A providência cautelar é adoptada quando haja fundado receio de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal (cf. artigo 120º, nº 1 do CPTA). Retira-se da leitura da parte final do nº 1 do artigo 112º do CPTA, que as providências cautelares visam assegurar a utilidade da sentença a proferir no processo principal. Este critério está ligado à ideia de obstar a que “quando o processo principal chegue ao fim e sobre ele venha a ser proferida uma decisão, essa decisão já não venha a tempo de dar resposta adequada às situações jurídicas envolvidas no litígio, seja porque (a) a evolução das circunstâncias durante a pendência do processo tornou a decisão totalmente inútil; seja, pelo menos, porque (b) essa evolução conduziu à produção de danos dificilmente reparáveis” (cf. Mário Aroso de Almeida/Carlos Cadilha, Comentário ao Código de Processo dos Tribunais Administrativos, p. 970). Para fundamentar o fundado receio, o requerente alegou que as suas despesas fixas são em muito superiores ao rendimento do seu agregado familiar, pelo que está verificado o requisito do periculum in mora. Vejamos. Tendo em conta os factos dados como provados: a. A esposa do requerente aufere um salário líquido de aproximadamente 1.700 euros mensais; b. O requerente possui rendimentos irregulares como consultor imobiliário, não tendo vendas frequentes. Nos últimos meses, teria recebido cerca de 1500 euros por comissões acumuladas; c.	Após o falecimento do pai, o requerente recebeu uma quantia significativa que, ao que tudo indica, foi utilizada para amortizar dívidas e despesas fixas. A mãe continua a prestar apoio financeiro. Ora, o periculum in mora verifica-se quando a perda de rendimentos devido a uma decisão administrativa (como o despedimento) coloca o requerente e a sua família em risco de pobreza ou privações severas, sem meios alternativos adequados para a sua subsistência. No entanto, este requisito não se verifica quando existem outras fontes de rendimento ou apoios financeiros que asseguram condições dignas de vida durante a tramitação do processo principal. Em várias decisões, como no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 13 de Dezembro de 2007, processo nº 01438/07, e o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 9 de Abril de 2015, processo nº 09336/14, os tribunais indeferiram pedidos de providência cautelar ao entender que a existência de outras fontes de rendimentos ou de património que pudessem ser mobilizados para suprir necessidades imediatas invalidava o risco de um dano irreparável. No caso do requerente, parece existir uma fonte de rendimentos estável (da esposa), além de um apoio familiar contínuo e sólido (da mãe), sendo que a herança recebida também foi relevante e utilizada para amortizar dívidas. Esses factores indicam que, embora possa haver um impacto financeiro negativo decorrente do despedimento, a situação não atinge um grau de necessidade ou dano irreparável, especialmente considerando que o requerente também mantém uma actividade profissional, ainda que irregular. Dito por outras palavras, o alegado e provado pelo requerente não permite ao tribunal concluir que a não adopção da providência cautelar pode levar à constituição de uma situação de facto consumado ou à produção de prejuízos de difícil reparação. Incumbiria ao requerente o ónus de alegar e demonstrar matéria de facto integradora dos requisitos legais de que depende a concessão da providência requerida. Ou seja, a pena de demissão, por si só, não é capaz de causar um prejuízo irreparável. Mas, ainda que assim não se entendesse, para que o Tribunal pudesse formular um juízo de probabilidade quanto a esse prejuízo, seria necessário que o requerente tivesse demonstrado em que medida tal prejuízo seria irreparável ou de difícil reparação. No caso dos autos, nada evidencia a existência de qualquer situação de facto consumado ou a produção de prejuízos de difícil reparação, tendo em conta o supra-referido. Dada a situação apresentada, é difícil sustentar que o requisito de periculum in mora esteja verificado. Embora o despedimento disciplinar possa resultar em perda de rendimentos para o requerente, as fontes de apoio familiar e o rendimento da esposa indicam que aquele não enfrenta uma situação de urgência financeira absoluta. Assim, a concessão de uma providência cautelar nesses termos deve ser indeferida, pois não há um risco de prejuízo irreparável que não possa ser remediado em eventual decisão favorável no processo principal. Termos em que, não se tem por verificado o requisito do “periculum in mora”, necessário para o decretamento da providência requerida (cf. artigo 120º, nº 1, 1ª parte, do CPTA). Sendo os requisitos para o decretamento das providências cautelares cumulativos, fica desde já prejudicada a análise à aparência do bom direito e à ponderação de interesses. Improcede, assim, a presente acção cautelar”. Afigura-se-nos que a apreciação que a sentença recorrida fez do requisito do “periculum in mora” se mostra acertada. Vejamos porquê. 23. Como é sabido, o decretamento duma providência cautelar de suspensão de eficácia depende do preenchimento cumulativo de três requisitos legais: (i) o “periculum in mora”; (ii) a aparência do bom direito, também designado por “fumus bonis iuris”; e (iii) da ponderação dos interesses, públicos e privados, em presença (cfr. o disposto no artigo 120º do CPTA). 24. Nessa apreciação, o tribunal deve efectuar um juízo de prognose, colocando-se na situação futura de uma hipotética sentença de provimento, para concluir se há, ou não, razões para recear que tal sentença venha a ser inútil por, entretanto se ter consumado uma situação de facto incompatível com ela, ou por se terem produzido prejuízos de difícil reparação para quem dela deveria beneficiar, que obstam à reintegração específica da sua esfera jurídica (artigo 120º, nº 1 do CPTA). 25. No tocante ao “periculum in mora”, constitui ónus do requerente alegar e demonstrar os pertinentes factos que permitam a formulação de um juízo sobre o fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que visa assegurar no processo principal. 26. Ora, no caso presente, não é possível concluir pela verificação do pressuposto do “periculum in mora”, uma vez que os factos alegados e provados não permitem concluir, de forma juridicamente relevante, que a privação do recebimento do vencimento do requerente da providência é susceptível de diminuir drasticamente o seu nível de vida e/ou do seu agregado familiar, pondo em risco a satisfação das necessidades normais, correspondentes ao padrão de vida médio das famílias de idêntica condição social (cfr., neste sentido, entre muitos outros, os acórdãos do TCA Norte, de 14-1-2022, proferido no âmbito do processo nº 01322/21.2BEBRG; e deste TCA Sul, de 16-10-2024, proferido no âmbito do processo nº 6980/24.3BELSB). 27. Dito de outro modo, ainda que, no plano dos factos, seja admissível que em consequência da execução da sanção disciplinar aplicada ao requerente possam sobrevir prejuízos – nomeadamente pelo facto de deixar de receber a respectiva remuneração –, o facto é que aquele dispõe actualmente de outra actividade susceptível de gerar rendimentos, sendo que a esposa também contribui com os seus rendimentos para as despesas do agregado familiar, para além da mãe do requerente, que tem uma pensão confortável e oferece ajuda financeira regular, inclusive ajudando com despesas básicas – cfr. pontos xv., xvi. e xix. do probatório. 28. Ora, da prova produzida no TAC de Lisboa, decorre que o recorrente não ficou em situação de se ver sem quaisquer recursos para fazer face às despesas que o seu agregado familiar suporta, pelo que se impõem concluir que não está preenchido o requisito “periculum in mora”, o qual exige, para além da existência de danos, que estes sejam de difícil reparação. 29.	Aqui chegados, uma vez são cumulativos os requisitos plasmados no artigo 120º do CPTA, a não verificação, no caso em apreço, do requisito do “periculum in mora” prejudica a apreciação da verificação do “fumus boni iuris” e dispensa a ponderação dos interesses em presença, prevista no nº 2 do artigo 120º do CPTA, determinando a improcedência do presente recurso e a confirmação da decisão recorrida. DECISÃO 31.	Custas a cargo do recorrente (artigo 527º do CPCivil). Lisboa, 9 de Outubro de 2025 (Rui Fernando Belfo Pereira – relator) (Luís Borges Freitas – 1º adjunto) (Maria Helena Filipe – 2ª adjunta) |