Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:460/24.4BESNT
Secção:CA
Data do Acordão:06/18/2025
Relator:MARCELO MENDONÇA
Descritores:INAPLICABILIDADE DO ARTIGO 84.º DO CPTA E DA COMINAÇÃO PROBATÓRIA DO SEU N.º 6 AO PROCESSO CAUTELAR;
ÓNUS DE ALEGAÇÃO E COMPROVAÇÃO DE FACTOS CONCRETOS INTEGRADORES DO “PERICULUM IN MORA” A CARGO DO REQUERENTE CAUTELAR/ART.º 342.º, N.º 1, DO CÓDIGO CIVIL
Sumário:I - O artigo 84.º do CPTA, inserto sistematicamente para a tramitação preconizada para a acção administrativa, não se aplica ao processo cautelar, pelo que, pela mesma razão, também não é de considerar neste processo o emprego da cominação probatória vertida no n.º 6 do indicado preceito legal.
II - E ainda que assim não fosse, a operacionalidade de tal cominação sempre depende da conduta da Administração, quanto à falta ou incompletude do PA, se ter revelado, no caso concreto, dolosa ou negligente, com quebra dos deveres de cooperação e de boa-fé, tal como vêm indicados no artigo 8.º do CPTA, de modo a que, se tivesse recusado persistentemente ao envio ou ao complemento do PA.
III - É ao requerente da providência cautelar que compete demonstrar, segundo o ónus de alegação e de prova que lhe impende por conta do artigo 342.º do Código Civil, o prejuízo derivado da imediata execução do acto suspendendo, devendo, para tal desiderato, invocar factos concretos que levem o Tribunal a concluir que será provável a constituição de uma situação de facto consumado ou a produção de prejuízos de difícil reparação - “periculum in mora” -, atento o previsto no artigo 120.º, n.º 1, do CPTA.
Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção Administrativa Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: I - Relatório.
SOS Quinta dos I... - Associação Ambiental, doravante Recorrente, que deduziu no Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra (TAF de Sintra) processo cautelar contra o Município de Cascais, a A..., S.A. e a St. J...Association (estas duas últimas, como Contrainteressadas), doravante Recorridos, identificando como objecto processual a adopção da providência de suspensão da eficácia da licença de loteamento/reparcelamento e das obras de urbanização, aprovada por deliberação da Câmara Municipal de Cascais, de 18 de Julho de 2023, titulada pelo Alvará de Licença de Loteamento/Reparcelamento e de Obras de Urbanização N.º 1......., que promovem a execução do “Plano de Pormenor do Espaço de Reestruturação Urbanístico de Carcavelos Sul”, e do alvará de licenciamento de obras emitido em Janeiro de 2024, com a consequente obrigatoriedade de suspensão das obras, e ainda a providência de abertura da área pública de estacionamento (pelo menos durante a época balnear) e dos caminhos que atravessam a Quinta dos I..., necessários à continuação da fruição do espaço pela população, ou, em alternativa, a providência de suspensão de quaisquer obras de desmatação e infraestruturação da área abrangida pelo projecto e de todas as que impliquem a modificação do terreno ou o corte de espécies arbóreas não invasivas, inconformada que se mostra com a sentença do TAF de Sintra, de 17/12/2024, que decidiu julgar improcedente o processo cautelar por não verificação do pressuposto do “periculum in mora”, contra a mesma veio interpor recurso ordinário de apelação, apresentando alegações, nas quais formula as seguintes conclusões:
1. A Requerente suscitou a questão da falta de junção do processo administrativo com a contestação, como a Entidade Administrativa estava obrigada a fazer nos termos do disposto no art.º 84º do CPTA;
2. Por despacho de 30 de setembro, o tribunal a quo determinou que essa questão fosse analisada em sede de alegações de facto e de direito;
3. Em sede de alegações, a Requerente novamente suscitou a questão, considerando que a falta de junção atempada do processo administrativo e a incompletude do mesmo determinavam a aplicação da cominação prevista no n.º 6 do art.º 84º do CPTA;
4. Ao não analisar esta questão, nem o impacte da mesma sobre a prova, a sentença recorrida padece de uma invalidade que a torna nula, nos termos do art.º 95º, n.º 1 do CPTA.
5. Adicionalmente, a sentença recorrida encontra-se igualmente viciada por erro na apreciação da prova e na aplicação do direito, uma vez que dos factos HH a NN dados como provados (e dos documentos juntos ao processo) resulta forçosamente que a sentença recorrida errou ao não considerar verificado o periculum in mora, desde logo por as obras previstas para a área objeto da deliberação camarária impugnada abrangerem área verdes muito significativas, onde se situa grande parte da fauna e flora e da biodiversidade.
6. Resulta do senso comum que, ao serem destruídas estas áreas, jamais será possível reconstituir a situação atualmente existente, dado perecerem os seres vivos aí existentes, havendo, com as obras previstas uma necessária alteração permanente e irreversível da paisagem, ambiente e urbanismo da zona, e a criação de uma situação de facto consumado que retira o efeito útil à ação principal,
7. Sendo igualmente pacífico e do senso comum que não é possível a reconstituição natural da situação anterior quando se trata do corte de árvores e/ou da destruição da biodiversidade que lhe esteja associado e que a destruição das áreas que atualmente são verdes determinará a lesão irreparável dessa fauna e flora,
8. E resulta igualmente do senso comum (constituindo este outro facto público e notório) que a realização dessas obras e a eventual reconstituição da situação atualmente existente, caso a ação principal seja considerada procedente, implicará um custo muito superior àquele que resulta da simples manutenção da situação existente até decisão da ação principal: os prejuízos económicos serão muito superiores caso sejam efetuadas as obras e, depois, as mesmas tenham de vir a ser destruídas para a reconstituição da situação atual, do que se for mantida a situação atual até à prolação da sentença na ação principal.
9. Nessa medida e por essas razões, é evidente ter a sentença recorrida errado na apreciação da prova constante dos autos e na aplicação do direito, impondo-se, portanto, a revogação da mesma e a sua substituição por decisão que considere verificado o pressuposto do periculum in mora.
Nestes termos, e nos mais de direito, deve o recurso interposto ser julgado procedente, revogando-se a sentença recorrida e substituindo-se por outra que considere provados os factos alegados pela Requerente com base no incumprimento pela Entidade Administrativa do ónus de junção do processo administrativo completo, com as demais consequências legais.
Subsidiariamente, deve ser considerado procedente o presente recurso, revogando-se a sentença recorrida e substituindo-se por outra que considere verificado o pressuposto do periculum in mora e, consequentemente, determine a suspensão imediata da realização das obras que impliquem a destruição da área verde e da sua biodiversidade.
O Recorrido Município de Cascais apresentou contra-alegações, concluindo do seguindo modo:
A. Recorrente parte do pressuposto — aliás errado — que o eventual atraso na junção aos autos do processo instrutor elou a eventual falta de peças que, segundo a Recorrente, fariam parte do mesmo, circunstância essa que, aliás, a Recorrente não logrou demonstrar — constituiriam questões submetidas à apreciação do Tribunal.
B. A presente providência cautelar não tinha — nem poderia ter — por objeto apreciar e decidir sobre semelhantes factos, apenas lhe cumprindo emitir pronúncia sobre a procedência, ou improcedência, da tutela cautelar requerida pela ora Recorrente, em função da verificação, ou não verificação, dos pressupostos fixados no artigo 120.0, n.0 1 do CPTA, pelo que os factos alegados pela Recorrente — suposta entrega tardia do processo e suposta ausência de documentos — não se configuram como questões que deveriam ser conhecidas pelo Tribunal, não tendo, por isso, a sentença recorrida violado o n.0 1 do artigo 95.0 do CPTA.
C. O processo administrativo instrutor SPO n.0 2207/2017, apensado aos autos em 13.09.2024, encontra-se completo, contendo as informações, pareceres, despachos, decisões, entre outras informações, relativas ao licenciamento da operação de loteamento com obras de urbanização, pelo que não pode o Tribunal aplicar a cominação prevista no artigo 84.0, n.0 6, do CPTA.
D. A Recorrente nem consegue demonstrar a relevância dos "documentos em falta " (no seu entender) para a decisão da causa, nem tão pouco procura estabelecer um qualquer nexo de causalidade entre o conteúdo de tais documentos e o objeto do presente pleito, ignorando a Recorrente que o Tribunal não tem de se pronunciar sobre todo e qualquer argumento suscitado pelas Partes.
E. Não se verifica qualquer omissão de pronúncia, uma vez que, nos termos do artigo 608.0, n.0 2, do Código de Processo Civil, o juiz não tem de resolver questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras questões, como aqui sucedeu visto que a sentença recorrida concluiu pela inexistência de periculum in mora.
F. A Recorrente não identifica os factos concretos que alegou e que deveriam considerar-se provados, face à prova produzida nos autos, e à luz de que meio de prova se deveriam considerar assentes tais factos, limitando-se a invocar que os mesmos seriam "pacífico(s) e do senso comum", para fundamentar um suposto erro de julgamento.
G. O alegado pela Recorrente, no sentido de o início das obras provocar uma alteração definitiva no terreno, do coberto vegetal e do ecossistema, é infundado e não se encontra, minimamente, provada a existência de nexo de causalidade entre a realização das obras em causa e tal alteração dos solos.
H. Abrangendo os atos suspendendos um diversificado conjunto de obras, com diversas tipologias, características e localizações, sempre seria essencial, para a decisão da causa, a demonstração daquele nexo de causalidade,
I. Não basta a alegação genérica feita pela Recorrente, imputando às obras, cuja suspensão requer, determinadas incidências territoriais, igualmente genéricas, para, de imediato, se concluir que tais incidências se verificam, pelo que a Recorrente pretende que o Tribunal dê por assente aquilo que à Recorrente cumpria provar, e que esta não provou.
J. Ao abrigo do que se dispõe no artigo 102.0, n.0 1, alínea c), do Decreto-lei n.0 555/99, de 16 de dezembro, que aprovou o Regime Jurídico da Urbanização e Edificação ("RJUE"), relativo à "[r]eposição da legalidade urbanística":
"Os órgãos administrativos competentes estão obrigados a adotar medidas adequadas de tutela e restauração da legalidade urbanística quando sejam realizadas operações urbanísticas:
c) Ao abrigo de ato administrativo de controlo prévio revogado ou declarado nulo "
K. O legislador consagra como exemplos de possíveis medidas de reposição da legalidade urbanística a "demolição total ou parcial de obras" e a "reposição do terreno nas condições em que se encontrava antes do início das obras ou trabalhos" (cf. respetivamente, as alíneas e) e D do n.0 2 do artigo 102.0 do RJUE), pelo que a situação de "perigo na demora" que a Recorrente identifica pura e simplesmente não existe, conforme bem decidiu a sentença sindicada.
L. Decorre da própria lei, particularmente do prescrito no artigo 102.0, n.0 2, do RJUE, que no caso dos autos não se está perante uma realidade fática de onde resulte a probabilidade de ocorrência de uma situação de facto consumado elou uma probabilidade de ocorrência de prejuízos de difícil reparação para os interesses que se visa acautelar no processo principal.
A Recorrida A..., S.A. também deduziu contra-alegações, formulando as seguintes conclusões:
1.ª A Recorrente interpôs o presente recurso defendendo que a douta sentença recorrida padece de nulidade por omissão de pronúncia e erro de julgamento.
2.ª Como bem decidiu o Tribunal a quo, não se verifica o requisito periculum in mora, o que é suficiente para determinar a improcedência dos pedidos formulados, com prejuízo para o conhecimento dos restantes pressupostos.
3.ª O presente recurso está predestinado a improceder, uma vez que a sentença sub judice não padece nem de omissões nem dos erros de julgamento que a ora Recorrente lhe imputa, tendo o Tribunal a quo decidido bem ao julgar a providência improcedente, proferindo a única decisão possível em face da prova produzida nos autos e do quadro legal vigente aplicável.
4.ª A sentença não padece de qualquer omissão de pronúncia, nem o Tribunal relegou a discussão para o momento das alegações, porquanto no despacho de 30 de setembro, o Tribunal veio considerar como não escritos os pedidos formulados no requerimento apresentado em 25 de setembro, pela Requerente.
5.ª A Recorrente, nas suas alegações, pronunciou-se sobre a prova produzida nos autos, a respeito das questões suscitadas nos autos – pressupostos da providência cautelar – não suscitando qualquer questão nova.
6.ª A Recorrente foi notificada da apensação do processo administrativo, tendo-lhe sido dado prazo para se pronunciar sobre o mesmo, o que não fez, pelo que não se entende a omissão que agora pretende assacar à decisão.
7.ª Impõe-se observar que as providências cautelares não têm por objeto o julgamento da legalidade do ato suspendendo, fixando os factos provados e não provados, mas apenas a apreciação da verificação ou não verificação dos requisitos legais previstos para o seu decretamento, requisitos esses que têm sede essencial no disposto no artigo 120.º do CPTA, designadamente a demonstração por parte do Requerente da probabilidade de procedência da ação principal.
8.ª De acordo com o preceituado no artigo 615.º/1/d) do CPC, aplicável ao contencioso administrativo ex vi do artigo 1.º do CPTA, a sentença é nula, além de outros casos, quando o juiz “deixe de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar.”
9.ª «Questões», para os efeitos da citada norma, são todos os pontos de facto ou de direito relevantes no quadro do litígio patenteado em juízo, designadamente e desde logo os pontos concernentes aos requisitos da providência cautelar.
10.ª Numa providência cautelar as questões são necessariamente e só os pressupostos da providência cautelar e não qualquer argumento aduzido pela Requerente.
11.ª Acresce que mesmo que estivéssemos perante uma omissão de pronúncia, no que não se crê e apenas se admite por razões de patrocínio, ainda assim esta omissão seria irrelevante, pois com a Recorrente pretendia a junção do processo administrativo para demonstrar o seu ónus de prova relativamente ao requisito do fumus bonis iuris (vícios do ato), sendo certo que o Tribunal, tendo vindo e bem a julgar não verificado o requisito do periculum in mora, não apreciou o aquele requisito.
12.ª Importa ainda referir que, não sendo o artigo 84.º do CPTA aplicável às providências cautelares, uma vez que não existe a obrigatoriedade de junção do processo administrativo, naturalmente que a cominação prevista no n.º 6 da referida disposição legal não é aplicável às providências cautelares.
13.ª A sentença recorrida não padece de qualquer nulidade por omissão de pronúncia, não sendo a junção do processo administração questão a decidir em providência cautelar, nem é aqui aplicável o disposto no artigo 84.º, n.º 6 do CPTA.
14.ª Como bem considerou o Tribunal a quo, incumbia ao requerente da providência cautelar o ónus de fazer prova sumária dos requisitos do periculum in mora, enquanto receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para o requerente.
15.ª É evidente que é insuficiente para aferir da perigosidade potencial de determinado empreendimento, afirmar conclusivamente essa verificação, sem cuidar, ainda que perfuntoriamente, de evidenciar mensuradamente, em que medida ocorrerá o referido dano, ónus que sempre caberia ao Requerente.
16.ª Com o projeto da aqui Recorrida, está em causa executar o Plano Diretor Municipal e um Plano de Pormenor já aprovado no ano de 2014 que importa materializar, cumprindo com as opções de planeamento estabelecidas e vigentes.
17.ª Não está em causa, pois, a ocupação de uma qualquer área sensível, nem identificada pelos instrumentos de planeamento aplicáveis como merecedora de qualquer tutela ambiental especifica ou sequer reconhecida como carente de proteção por parte das entidades administrativas encarregues da conservação da natureza e biodiversidade e da tutela de valores naturais e ambientais como ficou absolutamente expresso no procedimento de Avaliação de Impacte Ambiental.
18.ª Não de demonstrou qualquer particular interesse ambiental que importe sobrepor aos demais interesses vertidos nas normas de planeamento aplicáveis e no procedimento de AIA e concretamente aplicadas no licenciamento expresso nos atos suspendendo, não sendo possível divisar qualquer suscetibilidade de afetação significativa do ambiente com o projeto em causa.
19.ª Não se vislumbram as «razões de urgência» que terão determinado uma espera da associação requerente da providência durante quase dez anos para vir questionar as opções consagradas no Plano de Pormenor e as razões de urgência para vir, só agora, insurgir-se em defesa do local, depois de ter acompanhado o curso de seis anos de tramitação do processo de loteamento desde 2017 (amplamente participada, com consultas públicas realizadas no âmbito do loteamento e no âmbito do procedimento de avaliação de impacte ambiental).
20.ª A licença de loteamento suspendenda foi requerida e concedida na sequência do referido procedimento administrativo que foi escrupulosamente observado pela entidade licenciadora, estando por isso garantido que a construção das obras de implementação da operação de loteamento se processará nas melhores condições de segurança para o ambiente, resultado que esse procedimento garante e a cujo cumprimento está condicionada a licença.
21.ª Bem andou o Tribunal a quo ao considerar que não está indiciariamente provado um fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado para os interesses a assegurar no processo principal, não bastando para tal a presença da normal margem de risco inerente à construção e eventual demolição de qualquer operação urbanística, para mais em solos urbanos, dentro do perímetro urbano, em área não sensível (v.g. Ac. do TCAS, de 21-02-2019, no Proc. n.º 243/17.8BELLE, in www.dgsi.pt).
22.ª Os prejuízos invocados pelas Requerentes reconduzem-se a abstrações não suportadas em factos concretos, traduzindo-se em alegações claramente insuficientes, mesmo em sede cautelar, para preencher o requisito do perigo na mora ou da existência de prejuízos irretratáveis ou de difícil reparação.
23.ª Pelo exposto é notório que a Recorrente se bastou com a alegação de meras generalizações e afirmações conclusivas, sem nunca cumprir o ónus probandi exigido por lei.
24.ª A simples existência de impactos negativos que, aliás, toda a atuação humana gera, não é suficiente para considerar que o requisito do periculum in mora está verificado, pois que para que tal se verifique têm de ser demonstrados prejuízos sérios e graves, o que manifestamente não se verifica.
25.ª Não alegando os Recorrentes factos concretos, capazes de demonstrar, ainda que em juízo sumário, um fundado receio da ocorrência de prejuízos sérios e graves, não se encontram preenchidos os pressupostos de que se encontra dependente o decretamento da providência requerida (artigo 120.º do CPTA).
26.ª Haverá que concluir que andou bem o Tribunal ao considerar não verificado o requisito do periculum in mora, improcedendo o recurso apresentado.
A Recorrida St. J...Association igualmente expôs as suas contra-alegações, aduzindo as seguintes conclusões:
A. Em termos sumários, a Recorrente entende que a Sentença do Tribunal a quo (i) padece de nulidade, decorrente de não ter sido apreciada questão de que o Tribunal devia ter conhecido, e (ii) incorre em erro de julgamento, porquanto alegadamente errou na apreciação da prova e na aplicação do direito quanto ao pressuposto do periculum in mora.
B. Porém, não lhe assiste qualquer razão.
C. Quanto ao primeiro dos alegados vícios, entende erroneamente a Recorrente que, por ter suscitado a falta de junção e a incompletude do processo administrativo instrutor ("PA"), o Tribunal a quo deveria ter conhecido de tal questão, designadamente fazendo operar a consequência prevista no n.2 6 do artigo 84.2 do CPTA.
D. A incompletude do PA diria respeito, segundo a Recorrente, à ausência de
todos os pareceres internos; os pareces de todas as entidades externas; as atas das reuniões de concertação havidas, nomeadamente, em sede de avaliação do impacte ambiental; os documentos que comprovassem o cumprimento das condicionantes, seja perante a CMC, seja perante as demais entidades administrativas, nem os documentos demonstrativos de que a situação dos terrenos que não pertencem à Entidade Requerida e/ou às Contrainteressadas (da REFER) estava regularizada em data anterior ao licenciamento e/ou relativos à regularização dos terrenos da EN 6-7 que eram essenciais à emissão da licença de obras, nem os acordos anteriormente celebrados com as Contrainteressadas e mencionados no contrato de urbanização e na memória descritiva", bem como à inacessibilidade de diversos ficheiros.
E. Antes do mais, a Contrainteressada desconhece os motivos, técnicos ou outros, pelos quais a Recorrente não logrou aceder ou abrir os ficheiros em causa, mas não pode deixar de referir que não se deparou com quaisquer dificuldades na consulta dos mesmos.
F. Quanto à alegada incompletude do PA, deve referir-se que a mesma — ainda que existisse — nunca seria de molde a fazer com que os factos alegados pela Recorrente pudessem ser considerados sem mais como provados, atento o disposto no n.º 6 do artigo 84.º do CPTA e a leitura que dele tem feito a jurisprudência e a doutrina.
G. Conforme tem elucidado a jurisprudência dos nossos tribunais (cf. Acórdãos do TCA sul, de 20.12.2012, proc. n.º 05085/09 e de 31.01.2018, proc. n.º 135/17.0BEFUN, disponíveis, tal como os demais indicados, em www.dgsi.pt), só perante a recusa de envio do PA ou a falta de justificação atendível é que poderá operar a indicada presunção de prova, sendo ainda necessário que tal omissão se revele culposa e que diga respeito a documentos com real relevo probatório (assim, também M. AROSO DE ALMEIDA e C. A. FERNANDES CADILHA, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 4.ª ed., Almedina, 2017, pp. 630).
H. Por outro lado, a mera alegação da incompletude do PA não significa, per se, que a prova se tenha tornado impossível ou de considerável dificuldade para a parte ativa na demanda, sendo necessário que esta demonstre que o processo administrativo ou alguns documentos atinentes à matéria da causa não foram enviados e que essa circunstância impediu ou, pelo menos, dificultou consideravelmente a prova dos factos que articulou na petição (cf. M. AROSO DE ALMEIDA e C. A. FERNANDES CADILHA, op. cit., pp. 632-633).
I. Ora, nada na conduta do Recorrido Município de Cascais pode conduzir à conclusão de que uma qualquer omissão foi culposa ou consistiu numa recusa permanente e tão-pouco o Recorrente precisou em que medida os documentos alegadamente em falta tinham relevo probatório, nem de que forma ou em que medida a falta desses documentos tornou impossível ou dificultou excessivamente a prova dos factos.
J. Aliás, a Recorrente, nas suas Alegações, nem cuidou de precisar quais os factos é que deixou de conseguir provar em resultado da suposta incompletude do PA, tendo apenas reiterado, genericamente, que a ausência daqueles documentos a impede de conhecer "partes essenciais" do PA e "provar parte dos factos por si alegados (...) bem como outros vícios da deliberação impugnada e do licenciamento realizado"
K. Nem sequer a Recorrente densificou a afirmação de que a prova dos factos por si alegados, sejam eles quais forem, resultaria, pelo menos com alguma probabilidade, dos referidos documentos.
L. Nestes termos e por não se encontrar demonstrado que a prova dos factos alegados pela Recorrente se tornou impossível ou de considerável dificuldade, é manifestamente improcedente a invocação do n.º 6 do artigo 84.º do CPTA e, consequentemente, jamais poderão dar-se por provados os factos alegados pela Requerente, ora Recorrente, no respetivo Requerimento Inicial.
M. É também improcedente a invocação de omissão de pronúncia resultante em nulidade de sentença nos termos dos artigos 95.º n.º 1 do CPTA e 615.º, n.º 1, al. d) do Código de Processo Civil.
N. Destas normas resulta, em suma, que ocorrerá omissão de pronúncia sempre que o tribunal não tome posição sobre qualquer questão que devesse conhecer e que não se mostre prejudicada pelo conhecimento e decisão dados a outras.
O. Ora, é jurisprudência pacífica que a expressão "questões" se prende com o apreciação do pedido, da causa de pedir e das exceções submetidos a apreciação judicial, não se confundindo com as razões, com argumentos, com fundamentos, com motivos, com juízos de valor ou com os pressupostos em que as partes fundam a sua posição no litígio, aos quais o tribunal não tem a obrigação de dar resposta especificada (cf. Acórdão do STJ de 27.03.2014, proc. n.º 555/2002.E2.SI, Acórdãos do STA de 14.01.2021, proc. n.º 0312/08.5BEALM e de 14.09.2017, proc. n.º 0343/15 e Acórdão do TCA sul de 04.02.2021, proc. n.º 610/20.0BELRA, este último citando a doutrina de LEBRE DE FREITAS).
P. Assim, o argumento expendido pela ora Recorrente quanto à aplicação do n.º 6 do artigo 84.º do CPTA não constitui uma "questão" para efeitos dos artigos 95.º, n.º 1 do CPTA e 615.º, n.º 1, al. d) do Código de Processo Civil, mas sim um argumento de direito destinado a influenciar o Tribunal na sua decisão quanto à matéria de facto, pelo que a nulidade invocada jamais poderá proceder.
Q. Ainda que assim não se entendesse, deveria também considerar-se que a "questão" ficou prejudicada pela decisão do Tribunal a quo quanto ao requisito do periculum in mora (cf., também, M. AROSO DE ALMEIDA e C. A. FERNANDES CADILHA (op. cit., pp. 761): "deve entender-se que (...) se a pronúncia adotada quanto a uma questão consome ou deixa prejudicados outros aspetos da causa que com ela se correlacionem, o juiz fica dispensado de sobre eles tomar posição expressa").
R. Com efeito, o PA não é, pela sua natureza - em particular no caso dos autos -, suscetível de permitir à Requerente, ora Recorrente, a prova de que existe um fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que visa assegurar no processo principal, tanto mais quando o periculum in mora tem de resultar da alegação de factos que permitam afirmar, com objetividade e distanciamento, a seriedade e atualidade da ameaça e a necessidade de serem adotadas medidas tendentes a evitar o prejuízo.
S. Como é evidente, os documentos cuja falta é reclamada pela Recorrente não possuem a virtualidade de influir sobre a apreciação do periculum in mora, ficando a sua utilidade limitada a uma eventual apreciação do fumus bonus iuris ou, no limite, à apreciação do critério da ponderação de interesses — o que a própria Recorrente parece admitir, na medida em que refere que o acesso a um PA alegadamente mais completo era necessário para se debruçar sobre outros vícios do ato impugnado.
T. Dito de outro modo: ainda que o PA junto pelo Recorrido Município de Cascais estivesse efetivamente incompleto, os documentos que a Recorrente alega estarem em falta jamais relevariam para a prova do periculum in mora — a única questão sobre a qual se debruçou a decisão recorrida, determinando o seu sentido.
U. Tendo o Tribunal a quo decidido não estar preenchido o requisito do periculum in mora, ficou prejudicado o conhecimento e decisão do fumus bonus iuris e do critério da ponderação de interesses e consequentemente ficou o Tribunal a quo dispensado de tomar posição expressa sobre a eventual incompletude do PA, atenta a sua utilidade probatória.
V. Termos em que deve ser julgada improceder a nulidade invocada pela Recorrente.
W. Assim como deve improceder tudo quanto foi alegado pela Recorrente na segunda parte das sua Alegações, respeitantes a um suposto erro na apreciação da prova e na aplicação do direito.
X. Da perspetiva da Recorrente, os factos HH) a NN) deveriam ter conduzido o Tribunal a quo à conclusão de que se encontra preenchido o periculum in mora, porquanto "as obras a realizar afetarão áreas verdes significativas e da respetiva biodiversidade e alterarão necessária e irremediavelmente a paisagem, sendo igualmente pacífico e do senso comum que não é possível a reconstituição natural da situação anterior quando se trata do corte de árvores e/ou da destruição da biodiversidade que lhe esteja associado: tratando-se de seres vivos (fauna e flora) e sendo os impactes positivos dos mesmos diversos em função da idade/porte e localização específica, é manifesto que a destruição das áreas que atualmente são verdes determinará a lesão irreparável dessa fauna e flora e a criação de uma situação de facto consumado que retira o efeito útil à ação principal'. Trata-se, contudo, de uma afirmação meramente conclusiva.
Y. Efetivamente, resulta dos factos indiciariamente provados HH) a NN) que já decorreram movimentação de terras, escavação do terreno, colocação de máquinas e equipamentos de estaleiro em áreas presentemente arborizadas e que se prevê, até à conclusão da etapa 1, em 2027, a constituição de lotes privados, a construção da EEAR e das infraestruturas de águas residuais, pluviais, de abastecimento de água, de redes de gás, elétricas e instalações telefónicas e de TV cabo, bem como ações de desmatação, limpeza e escavação.
Z. Contudo, tal não basta para que se possa dar por demonstrado que ocorrerão os prejuízos catastróficos indicados pela Recorrente, nem sequer que tais prejuízos são irreparáveis ou de difícil reparação.
AA. A Recorrente nada alegou e muito menos provou, ainda que indiciariamente, a respeito da elevada probabilidade de ocorrência desses prejuízos, da sua irreversibilidade ou da sua difícil reparação.
BB. E se, nesta sede, a Recorrente pretendia ver incluídos, no elenco de factos indiciariamente dados como provados, os factos por si alegados, deveria ter indicado quais os factos a aditar e porquê, bem como quais os meios de prova que sustentam o aditamento, cumprindo o ónus previsto no n.º 1 do artigo 640.º do Código de Processo Civil.
CC. Não só não o fez - incumprindo o ónus de impugnação previsto no n.º 1 do artigo 640.º do Código de Processo Civil -, como tais afirmações são inclusivamente desmentidas pela prova documental junta aos autos, como seja a Declaração de Impacte Ambiental ("DIA") emitida para o Projeto do Loteamento da Quinta dos I..., emitida em 28.09.2018 (cf. facto provado Q) e, em particular, as pp. 9, 13-14, 17 da DIA), que, sublinhando o estado de abandono em que o local se encontra, demonstra que a operação de loteamento aqui em causa não afetará espécies protegidas e que poderá ter impactes positivos no sistema ecológico e no equilíbrio do sistema biofísico, além de poder vir a melhorar as disponibilidades de habitat atualmente existentes.
DD. A Recorrente não logrou carrear para os autos qualquer elemento probatório suscetível de infirmar a análise técnica e especializada contida na DIA — ato que viabilizou o Projeto do ponto de vista ambiental e que se debruça, precisamente, sobre os putativos prejuízos a que alude a Recorrente;
EE. Nem demonstrou que as medidas de minimização, compensação e condicionantes por ela impostas — medidas essas destinadas a eliminar e minimizar ou compensar quaisquer prejuízos que decorram para os fatores ambientais relevantes, como a Ecologia ou a Paisagem — são inadequadas ou insuficientes para acautelar os putativos prejuízos aduzidos no Requerimento Inicial e reiterados nas Alegações.
FF. Ora, como resulta da jurisprudência unânime dos tribunais administrativos nesta matéria, é o requerente da providência cautelar que tem o ónus de alegar e provar que se encontram preenchidos os requisitos indicados no artigo 120.º n.º 1 do CPTA (cf. Acórdãos do STA de 22.01.2009, proc. n.º 06/09 e de 23.11.2023, proc. n.º 0176/22.6BALSB), devendo alegar e demonstrar, em particular, por que razão, no caso de ser recusada a providência, se tornará depois impossível, em caso de procedência do processo principal, efetuar a restauração natural da situação conforme à legalidade, o que deverá fazer através da invocação e factos concretos e verosímeis que permitam concluir que a situação de risco é efetiva (cf. Acórdão do TCA Norte de 14.01.2022, proc. n.º 01322/21.2BEBRG).
GG. Não é assim suficiente ao preenchimento do periculum in mora uma alegação não substanciada e meramente conclusiva, desprovida dos factos essenciais que constituem a causa de pedir e assente exclusivamente em perceções ou impressões carecidas de qualquer fundamentação técnica e que nem merecem o qualificativo de "senso comum".
HH. Não tendo a Recorrente cumprido minimamente o referido ónus, impunha-se que o Tribunal a quo decidisse como acertadamente veio a decidir.
II. Acresce que a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo que confirma o acerto da decisão do Tribunal a quo também no trecho em que se refere que "[d]e um ponto de vista naturalístico e legal, uma obra concluída não implica necessariamente a constituição de uma situação de facto consumado ou mesmo a existência prejuízos de difícil reparação (...), conforme salvaguardado pelo legislador no Regime jurídico da Urbanização e Edificação" (Cf. Acórdão de 27.01.2022, proc. n.º 063/21.5BEPNF).
JJ. A esta jurisprudência opõe a Recorrente ser de "senso comum" não ser possível a reposição do terreno das condições em que se encontrava antes da execução das obras, sem contudo densificar as razões pelas quais entende que essa reposição é impossível;
KK. E, bem assim, sem desenvolver adequadamente o argumento de que as obras atinentes às fases 0 e 1 do Projeto afetam irremediavelmente a fauna e flora, caso as providências não sejam decretadas — sendo certo que, conforme resulta da DIA citada supra, não se verifica a existência de espécies da flora ou habitats sujeitos a legislação específica e a execução do Projeto, mais concretamente do Parque Urbano, contribuirá para a valorização do sistema ecológico, para o equilíbrio do sistema biofísico, terá impactes positivos na promoção da sustentabilidade ecológica e da biodiversidade e poderá vir a melhorar as disponibilidades de habitat atualmente existentes.
LL. De seguida, contudo, a Recorrente já admite a possibilidade de reposição do terreno na situação anterior, referindo que "os prejuízos económicos serão muito superiores caso sejam efetuadas as obras e, depois, as mesmas tenham de vir a ser destruídas para a reconstituição da situação atua"'.
MM. Sem prejuízo de se sublinhar o caráter genérico e, aliás, incongruente desta alegação, refira-se que o decretamento das providências implicaria prejuízos muito superiores aos referidos pela Recorrente — e não apenas de uma perspetiva financeira.
NN. Com efeito, conforme melhor exposto supra, a não execução atempada da operação de loteamento em causa nos presentes autos cautelares protelará a execução das obras necessárias à melhoria da dinâmica urbana, demográfica, económica e social do Concelho de Cascais e da Freguesia de Carcavelos em particular — motivos subjacentes à opção de planeamento do Recorrido Município de Cascais com a aprovação do PPERUCS que a operação de loteamento visa materializar;
OO. Além de prejudicar os interesses da ora Recorrida (que não são exclusivamente privados, em virtude de estar em causa a oferta de ensino de qualidade, num espaço qualificado, oferecendo melhores condições de aprendizagem), impedindo-a de avançar com a concretização das melhorias previstas para o seu estabelecimento de ensino;
PP. E conduzir, ainda, a que os avultados investimentos da ora Recorrida sejam seriamente afetados em virtude de maiores delongas na sua execução.
QQ. Por todo o exposto, além de não decorrer de qualquer elemento dos autos que a execução das obras implica a constituição de uma situação de facto consumado — ideia que é contraditada pela própria lei, mais precisamente pelo RJUE;
RR. É também manifestamente infundada a afirmação de que os prejuízos serão superiores caso as providências não sejam decretadas.
SS. Pelo contrário, tal decretamento lesaria gravemente os interesses públicos e privados em presença.
O Ministério Público (MP) junto deste Tribunal, notificado nos termos e para os efeitos do previsto no artigo 146.º, n.º 1, do CPTA, emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.
O parecer do MP foi notificado às partes.
Sem vistos das Exmas. Juízas-Adjuntas, por se tratar de processo urgente (cf. artigo 36.º, n.º 2, do CPTA), mas com apresentação prévia do projecto de acórdão, o processo vem à conferência da Subsecção Administrativa Comum da Secção de Contencioso Administrativo deste TCAS para o competente julgamento.
***
II - Delimitação do objecto do recurso.
Considerando que são as conclusões de recurso a delimitar o seu objecto, nos termos conjugados dos artigos 635.º, n.ºs 3 e 4, e 639.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, aplicáveis “ex vi” do artigo 140.º, n.º 3, do CPTA, cumpre apreciar e decidir, resumidamente, a questão relativa à alegada falta ou incompletude do processo administrativo (PA) e o erro de julgamento imputado à sentença recorrida a propósito da aferição do pressuposto do “periculum in mora”.
***
III - Matéria de facto.
A sentença recorrida fixou a seguinte factualidade:
A) Um Plano de Pormenor (PP) desenvolve e concretiza um concreto Plano Diretor Municipal (PDM), incindindo sobre parte determinada do território municipal, definindo a implantação e volumetria das edificações, a forma e organização dos espaços de utilização coletiva e o traçado das infraestruturas_ cfr. artigo 43.º, n.º 5, da Lei n.º 35/2014, de 30 de maio (Lei de Bases Gerais da Política Pública de Solos, de Ordenamento do Território e de Urbanismo) e artigo 101.º e seguintes do Decreto-Lei n.º 80/2015, de 14 de maio (Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial);
B) Em 27 de maio de 2014, a Entidade Requerida aprovou o PP do “Espaço de Reestruturação Urbanística de Carcavelos Sul” (PPERUCS) _ cfr. documento n.º 1 junto com o requerimento inicial e Diário da República, 2.ª série, n.º 124, de 1 de julho de 2014;
C) A área de intervenção do PPERUCS, com um total de 541.150 m2, encontra-se:
[cf. imagem no original]
- cfr. documento n.º 1 junto com a contestação da Contrainteressada A..., SA deduzida no âmbito da ação administrativa n.º 1095/23.4BESNT;
D) A área de intervenção do PPERUCS enquadra-se, na sua totalidade, nas categorias de «Espaço de Desenvolvimento Estratégico» e de «Espaço Canal» do PDM de Cascais _ cfr. artigos 45.º e 53.º do Regulamento do PDM de Cascais;
E) O PPERUCS prevê os seguintes três tipos de ocupação dos solos:
[cf. imagem no original]
_ cfr. documento n.º 1 junto com a contestação da Contrainteressada A..., SA deduzida no âmbito da ação administrativa n.º 1095/23.4BESNT e Aviso n.º 7633/2014 publicado em Diário da República, II Série, n.º 124, de 1 de julho de 2014, com a correção material publicada mediante Aviso n.º 1282/2015, in Diário da República, II Série, n.º 24, de 4 de fevereiro de 2015;
F) O Regulamento do PPERUCS estipula os seguintes parâmetros:
[cf. imagem no original]
_ cfr. documento n.º 3 junto com a Oposição da Entidade Requerida;
G) O PPERUCS prevê a(s) seguinte(s) área(s) destina(das) a estacionamento:
[cf. imagem no original]
_ cfr. documento n.º 1 junto com a contestação da Contrainteressada A..., SA deduzida no âmbito da ação administrativa n.º 1095/23.4BESNT e Aviso n.º 7633/2014 publicado em Diário da República, II Série, n.º 124, de 1 de julho de 2014, com a correção material publicada mediante Aviso n.º 1282/2015, in Diário da República, II Série, n.º 24, de 4 de fevereiro de 2015;
H) O PPERUCS consagra a seguinte distribuição dos equipamentos de utilização coletiva:
[cf. imagem no original]
_ cfr. documento n.º 1 junto com a contestação da Contrainteressada A..., SA deduzida no âmbito da ação administrativa n.º 1095/23.4BESNT e Aviso n.º 7633/2014 publicado em Diário da República, II Série, n.º 124, de 1 de julho de 2014, com a correção material publicada mediante Aviso n.º 1282/2015, in Diário da República, II Série, n.º 24, de 4 de fevereiro de 2015;
I) Na área de intervenção do PPERUCS, a Contrainteressada A..., SA é proprietária de um conjunto de imóveis, cuja área ascende a um total de 436.783,70 m2, sitos no denominado “Conjunto Edificado da Q...” ou “Quinta de Santo A...” ou “Quinta dos I...” _ cfr. documentos n.ºs 1 e 3 juntos com o requerimento inicial;
J) Na área de intervenção do PPERUCS, a Contrainteressada St. J…..Association é proprietária de um conjunto de imóveis, cuja área ascende a um total de 75.279,00 m2, sitos no “Conjunto Edificado da Q...” ou “Quinta de Santo A...” ou “Quinta dos I...” _ cfr. documentos n.ºs 1 e 3 juntos com o requerimento inicial;
K) Em 23 de outubro de 2017, tendo por objeto os imóveis referidos em K) e L), as Contrainteressadas submeteram pedido de licenciamento de operação de loteamento e de obras de urbanização, o qual determinou a abertura – junto da Entidade Requerida - do processo camarário “SPO n.º 2207/2017” _ cfr. processo administrativo instrutor apenso à ação administrativa n.º 1095/23.4BESNT;
L) A operação de loteamento constitui a ação que tem por objeto ou por efeito a constituição de um ou mais lotes destinados, imediata ou subsequentemente, à edificação urbana e que resulte da divisão de um ou vários prédios ou do seu reparcelamento _ cfr. artigo 412.º, n.º 2, do Código de Processo Civil “ex vi” artigo 1.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e, ainda, alínea i) do artigo 2.º do Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação (RJUE), aprovado e publicado pelo Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de dezembro;
M) As obras de urbanização são obras de criação e remodelação de infraestruturas destinadas a servir diretamente os espaços urbanos ou as edificações, nomeadamente arruamentos viários e pedonais, redes de esgotos e de abastecimento de água, eletricidade, gás, telecomunicações e ainda espaços verdes ou outros espaços de utilização coletiva _ cfr. artigo 412.º, n.º 2, do Código de Processo Civil “ex vi” artigo 1.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e, ainda, alínea h) do artigo 2.º RJUE;
N) Em 4 de dezembro de 2017, as operações de loteamento e de obras de urbanização objeto do processo SPO/2207/2017 foram submetidas a procedimento de «Avaliação de Impacte Ambiental» (“AIA”) _ cfr. Documento n.º 2 junto pela Entidade ora Requerida no âmbito da ação administrativa n.º 1095/23.4BESNT;
O) A AIA aplica-se aos projetos privados que sejam suscetíveis de produzir efeitos significativos no ambiente, tendo em vista concluir sobre a sua viabilidade ambiental _ cfr. artigo 412.º, n.º 2, do Código de Processo Civil “ex vi” artigo 1.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e, ainda, www.apambiente.pt/avaliacao-e-gestaoambiental/avaliacao-de-impacte-ambiental;
P) A AIA tem como objetivos “avaliar, de forma integrada, os possíveis impactes ambientais significativos, diretos e indiretos, da execução dos projetos e das suas alternativas, tendo em vista suportar a decisão sobre a viabilidade ambiental dos mesmos”, “definir medidas para evitar, minimizar ou compensar esses impactes, promovendo decisões ambientalmente sustentáveis”, “instituir um processo de verificação, a posteriori, da eficácia das medidas adotadas, designadamente, através da monitorização dos efeitos dos projetos avaliados” e “garantir a participação pública e a consulta dos interessados na formação de decisões que lhes digam respeito, privilegiando o diálogo e o consenso no desempenho da função administrativa” _ cfr. artigo 412.º, n.º 2, do Código de Processo Civil “ex vi” artigo 1.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e, ainda, www.apambiente.pt/avaliacao-egestao-ambiental/avaliacao-de-impacte-ambiental;
Q) Em 28 de setembro de 2018, no âmbito do procedimento de AIA, a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional de Lisboa e Vale do Tejo emitiu a seguinte:
Declaração de Impacte Ambiental (DIA)
[cf. imagem no original]
_ cfr. Documento n.º 12 junto pela Requerente e documento n.º 2 junto pela Entidade Requerida no âmbito da ação administrativa n.º 1095/23.4BESNT;
R) No âmbito do processo “SPO/2207/2017”, o pedido originário de licenciamento de obras de urbanização foi alterado de molde a contemplar a instalação de uma Estação Elevatória de Águas Residuais _ cfr. artigo 104.º da contestação da Entidade Requerida;
S) Em 11 de junho de 2019, no âmbito do processo “SPO/2207/2017”, a Entidade Requerida determinou que os Contrainteressados apresentassem o respetivo projeto de execução acompanhado de “Relatório de Conformidade Ambiental” (RECAPE) _ por acordo;
T) O RECAPE constitui um documento que demonstra o cumprimento das condições impostas pela Declaração de Impacte Ambiental, assim, permitindo assim verificar se as premissas associadas à aprovação de determinado projeto, que tenha sido submetido a AIA - em fase anterior a projeto de execução - se cumprem _ cfr. artigo 412.º, n.º 2, do Código de Processo Civil “ex vi” artigo 1.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e, ainda, www.apambiente.pt/avaliacao-e-gestao-ambiental/verificacao-da-conformidade-ambiental-do-projetode-execucao;
U) Em 24 de abril de 2020, no âmbito do processo “SPO/2207/2017”, as Contrainteressadas procederam à entrega dos projetos de execução das obras de urbanização, dentre os quais se encontrava o «Projeto de Infraestruturas de Drenagem de Águas Residuais Domésticas – Estação e Conduta elevatória» _ por acordo;
V) Em 17 de agosto de 2020, no âmbito do procedimento tendente à obtenção do RECAPE, foi emitido o seguinte parecer:
[cf. imagem no original]
_ cfr. documento n.º 2 junto com a Oposição da Entidade Requerida;
W) Em 19 de outubro de 2020, incindido sobre a operação de loteamento e as obras de urbanização objeto do processo SPO/2207/2017, a CCDR_LVT emitiu “Decisão de Conformidade Ambiental do Projeto de Execução” (DCAPE) condicionalmente favorável _ cfr. documento n.º 1 junto com o requerimento inicial;
X) A DCAPE “tem como objetivo aferir se o projeto de execução deu cumprimento às condições impostas na DIA” _ cfr. www.apambiente.pt/avaliacao-egestao-ambiental/verificacao-da-conformidade-ambiental-do-projeto-de-execucao;
Y) Em 21 de outubro de 2020, incindido sobre a operação de loteamento e as obras de urbanização objeto do processo SPO/2207/2017, foi emitido o Título Único Ambiental, o qual “reúne toda a informação relativa às várias decisões de licenciamento ou controlo prévio ambiental”, apresentando assim, “as condições de licenciamento” que os Contrainteressados devem cumprir _ cfr. documento n.º 1 junto com o requerimento inicial e, ainda, https://apambiente.pt/avaliacao-e-gestao-ambiental/titulo-unico-ambiental
Z) Em 11 de maio de 2021, o Presidente da Câmara Municipal de Cascais determinou a suspensão do processo de licenciamento da operação de loteamento da “Quinta dos I...” por 6 (seis) meses _ cfr. documento n.º 6 junto com a contestação da Entidade Requerida no âmbito da ação administrativa n.º 1095/23.4BESNT;
AA) Em 18 de julho de 2021, a Assembleia da República aprovou Resolução [n.º 208/2021] em que recomenda ao Governo «a salvaguarda e a valorização ambiental e patrimonial da Quinta dos I..., assegurando o seu equilíbrio com o restante ecossistema (…) ambiental» _ cfr. documento n.º 5 junto com a petição inicial que deu origem à ação administrativa n.º 1095/23.4BESNT e, ainda, Diário da República, I série, n.º 138, de 19.07.2021;
BB) No âmbito do processo SPO/2207/2017, a Entidade Requerida determinou a abertura de (nova) fase de consulta pública, a qual decorreu entre 17 de março de 2023 e 4 de maio de 2023 _ cfr. documento n.º 1 junto com a petição inicial que deu origem à ação administrativa n.º 1095/23.4BESNT;
CC) Em 18 de julho de 2023, no âmbito do processo “SPO/2207/2017”, a Entidade Requerida deliberou aprovar a seguinte proposta:
[cf. imagem no original]
_ cfr. documento n.º 4 junto a Oposição da Entidade Requerida;
DD) Em 31 de outubro de 2023, deu entrada em juízo a petição inicial que deu origem à ação administrativa n.º 1095/23.4BESNT, na qual a (aqui) Requerente peticiona a declaração de nulidade da Deliberação camarária de 18 de julho de 2023 que aprovou o pedido de licenciamento objeto do processo SPO/2207/2017 _ cfr. fls. 1 a 60 do processo n.º 1095/23.4BESNT;
EE) Em 7 de novembro de 2023, entre a Entidade Requerida e as Contrainteressadas foi outorgado Contrato de Urbanização do Conjunto do Conjunto Edificado da “Quinta dos I...” _ cfr. documento n.º 1 junto com o requerimento inicial;
FF) Em 29 de janeiro de 2024, foi emitido o seguinte:
Alvará de Licença de Loteamento/Reparcelamento e de Obras de Urbanização N.º 1.......
[cf. imagem no original]
_ cfr. documento n.º 3 junto com o requerimento inicial;
GG) Em 16 de maio de 2024, a Requerente tomou conhecimento da emissão do alvará de licença de loteamento/reparcelamento e obras de urbanização N.º 1....... _ cfr. documento n.º 2 junto com o requerimento inicial;
HH) Decorreram já intervenções no imóvel identificado em HH), nomeadamente, movimentação de terras, escavação do terreno e colocação de máquinas e equipamentos de estaleiro _ cfr. documento n.º 4 junto com o requerimento inicial;
II) As obras de urbanização mencionadas em HH) incidem sobre ruas e áreas, presentemente, arborizadas _ cfr. documentos n.ºs 1 e 6 juntos com o requerimento inicial;
JJ)Entre 2024 e 2027, ao abrigo do alvará de licença de loteamento /reparcelamento e obras de urbanização N.º 1......., encontra-se prevista a constituição de lotes privados, a construção da EEAR e das infraestruturas de águas residuais, pluviais, de abastecimento de água, de redes de gás, elétricas e instalações telefónicas e de TV cabo _ cfr., de novo, documento n.º 5 junto com o requerimento inicial;
KK) A EEAR situar-se-á em área que é atualmente arborizada – _ cfr. documentos n.ºs 1, 7 e 8 juntos com o requerimento inicial;
LL)Entre 2024 e 2027, na área titulada pelo alvará de licença de loteamento /reparcelamento e obras de urbanização N.º 1......., proceder-se-á a desmatação e limpeza mesma e, ainda, a escavação com meios mecânicos e pavimentação _ cfr. documento constante a fls. 335-336 dos autos;
MM) O estaleiro de apoio às obras de urbanização situa-se em área atualmente ocupada por pinhal _ cfr. documento n.º 10 junto com o requerimento inicial;
NN) As obras de urbanização na “Quinta dos I...” procederem – já - a terraplanagens, escavação do terreno e ao corte do coberto vegetal arbustivo _ cfr. documentos n.ºs 4 e 11 juntos com o requerimento inicial;
OO) Em 6 de junho de 2024, deu entrada em juízo a presente providência cautelar _ cfr. fls. 51 a 57 dos autos.
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MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO
O Tribunal fundou a sua convicção indiciária à luz da matéria alegada pelas Partes e pelas Contrainteressadas e, ainda, em face da prova documental carreada para os presentes autos, aqui se incluindo o processo administrativo instrutor, conforme referido em cada alínea do probatório.
***
IV - Fundamentação de Direito.
a) Da alegada falta ou incompletude do processo administrativo (PA)
Vejamos o que, na temática supra epigrafa, aduz a Recorrente em conclusões recursivas, que circunscrevem, no fundo, a nossa sindicância:
“1. A Requerente suscitou a questão da falta de junção do processo administrativo com a contestação, como a Entidade Administrativa estava obrigada a fazer nos termos do disposto no art.º 84º do CPTA;
2. Por despacho de 30 de setembro, o tribunal a quo determinou que essa questão fosse analisada em sede de alegações de facto e de direito;
3. Em sede de alegações, a Requerente novamente suscitou a questão, considerando que a falta de junção atempada do processo administrativo e a incompletude do mesmo determinavam a aplicação da cominação prevista no n.º 6 do art.º 84º do CPTA;
4. Ao não analisar esta questão, nem o impacte da mesma sobre a prova, a sentença recorrida padece de uma invalidade que a torna nula, nos termos do art.º 95.º, n.º 1 do CPTA.”
Apreciando.
A Recorrente começa por afirmar na 1.ª conclusão de recurso que “suscitou a questão da falta de junção do processo administrativo com a contestação, como a Entidade Administrativa estava obrigada a fazer nos termos do disposto no art.º 84.º do CPTA”.
Pois bem, cumpre dizer que, ainda que o Recorrido Município de Cascais não tivesse apresentado o PA conjuntamente com o seu articulado de oposição (apresentada em 05/07/2024 – cf. página 355 do SITAF), basta consultar o processo electrónico no SITAF e logo se verifica que o PA acabou por ser remetido aos autos cautelares pelo referido Recorrido em duas ocasiões distintas:
i) a primeira junção do PA deu-se em 31/07/2024 (cf. página 983 do SITAF);
ii) a segunda, depois da ora Recorrente ter invocado, em 12/08/2024, a incompletude do mesmo (cf. página 1353 do SITAF), ocorreu em 12/09/2024, apresentado em suporte “PEN DRIVE” (cf. página 1400 do SITAF). E, das duas vezes, a ora Recorrente foi notificada pelo TAF de Sintra das respectivas junções, em 02/08/2024 e em 13/09/2024, respectivamente (cf. páginas 1346 e 1412, respectivamente, do SITAF).
Portanto, facilmente se conclui que o PA foi remetido aos autos cautelares, não se reconhecendo que, da sua não remessa concomitante com o articulado de oposição, resulte viciação para a sentença recorrida ou nulidade processual, conforme mais adiante melhor explicitaremos.
Depois, a Recorrente assevera que, por despacho de 30/09/2024, o Tribunal a quo “determinou que essa questão (a da alegada falta de junção do PA) fosse analisada em sede de alegações de facto e de direito”. Mas não foi esse o sentido do aludido despacho.
Vejamos, nas partes que aqui importam, o teor desse despacho (cf. página 1426 do SITAF):
1. Requerimentos a fls. 1353 a 1357, a fls. 1373 a 1378, e a fls. 1390 a 1393 dos autos:
Vem a Entidade Requerida, a fls. 1373 a 1378 dos autos, e a Contrainteressada A..., S.A., a fls. 1390 a 1393 dos autos, pugnar pela inadmissibilidade do requerimento apresentado pela Requerente a fls. 1353 a 1357 dos autos, alegando, em síntese, que o mesmo constitui um exercício de contraditório face às alegações produzidas em sede das respetivas Oposições, inaceitável em sede de processo cautelar – note-se que ambas notificaram o Ilustre Mandatário da Requerente (cf. fls. 1371 e fls. 1389 dos autos, respetivamente), nos termos e para os efeitos dos n.ºs 2 e 3 do artigo 25.º do CPTA, que se manteve silente.
Apreciando.
A tramitação do processo cautelar não prevê a apresentação de articulados subsequentes às Oposições, exceto quando tenham sido suscitadas exceções dilatórias ou questões prévias, por força do princípio do contraditório.
Neste sentido, veja-se o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 06-10- 2022, relativo ao processo n.º 1359/22.4 BELSB (disponível em www.dgsi.pt):
“Incontestado é, que decorre da lei processual, e como regra geral, no tocante aos processos cautelares, a existência de apenas dois articulados: o requerimento cautelar e a oposição – cfr. art.s 118.º e 119.º, do CPTA.
Não obstante, ao abrigo do princípio do contraditório, plasmado no art. 3.º do CPC, se na oposição for deduzida matéria de exceção, ao requerente deverá ser concedida a possibilidade de se pronunciar sobre tal matéria, precisamente, porque não teve oportunidade de o fazer. O mesmo raciocínio se aplica às questões prévias, assim se acautelando que não seja proferida decisão sobre questões sobre as quais que as partes não tenham tido oportunidade de se pronunciarem.”
Ora, pese embora tenham sido invocadas questões prévias/exceções dilatórias, tanto pela Entidade Requerida, como pela Contrainteressada Associação do Colégio Inglês de S… (St. J...Association), relativas à instrumentalidade e subsidiariedade da presente providência cautelar, a Requerente não exerceu o contraditório relativamente a estas questões através do requerimento apresentado a fls. 1353 a 1357 dos autos.
Ao invés, veio, por um lado, invocar a incompletude do processo administrativo junto pela Entidade Requerida e pugnar pelas consequências legais de tal incumprimento, e, por outro lado, contrariar algumas das alegações produzidas em sede das respetivas Oposições, nomeadamente da Entidade Requerida.
Como referido supra, tal contraditório é inadmissível nesta fase da tramitação, devendo ser relegada para sede própria, nomeadamente aquando das alegações de facto e de direito, devendo, consequentemente, dar-se como não escritos os pontos 7 a 17 do requerimento apresentado pela Requerente a fls. 1353 a 1357 dos autos.
Notifique.
(…)
5. Alegações escritas:
Atendendo à considerável complexidade da matéria, à enorme extensão e quantidade de prova documental junta aos autos, e à significativa produção de prova testemunhal programada, e à concomitante necessidade de garantir um cabal cumprimento do princípio do contraditório, nos termos e para os efeitos do n.º 3 do artigo 3.º do CPC, aplicável ex vi artigo 1.º do CPTA;
Determina-se, ao abrigo do dever de gestão processual, previsto no artigo 7.º-A do CPTA, e de adequação formal, previsto no artigo 547.º do CPC, aplicável ex vi artigo 1.º do CPTA, que as partes, querendo, apresentem alegações escritas, de facto e de direito, pelo prazo simultâneo de 20 dias após o término da instrução, nos termos do n.º 5 do artigo 91.º do CPTA, aplicável ex vi n.º 4 do artigo 36.º do CPTA.
Notifique.
Ora, o que resulta do despacho em causa é que, pronunciando-se sobre o articulado de resposta da ora Recorrente às oposições (contra o qual os ora Recorridos se haviam insurgido), só o considerou admissível em processo cautelar quando viesse responder a matéria de excepção, entendendo, todavia, que no caso concreto a Recorrente não havia cumprido tal desiderato na resposta em causa, pois não só havia “invocado a incompletude do processo administrativo”, como também, e sobretudo, havia aproveitado o ensejo para “contrariar algumas das alegações produzidas em sede das respetivas Oposições, nomeadamente da Entidade Requerida”.
E, nessa medida, considerou o despacho que tal “contraditório é inadmissível nesta fase da tramitação, devendo ser relegada para sede própria, nomeadamente aquando das alegações de facto e de direito, devendo, consequentemente, dar-se como não escritos os pontos 7 a 17 do requerimento”.
Ou seja, bem ou mal decidido, pois que, não constitui objecto do presente recurso o despacho de 30/09/2024 do Tribunal a quo, o que naquele mesmo despacho foi relegado conhecer para a fase das alegações não foi, com certeza, a questão da alegada falta de junção do PA (ou a sua incompletude), mas, ainda que pouco claro, só pode ter sido a questão relativa ao teor do contraditório exercido pela Recorrente com o seu articulado de resposta às oposições ou a questão referente à suscitada falta de instrumentalidade e subsidiariedade da presente providência cautelar.
Se da falta de decisão expressa sobre a invocada problemática da incompletude do PA poderá advir nulidade, não é, em rigor, causa de nulidade da própria sentença recorrida, atento o previsto no artigo 615.º, n.º 1, alíneas a) a d), do CPC, mas eventual nulidade processual (cf. artigo 195.º do CPC), questão essa que, na senda do que atrás já afirmámos, mais à frente iremos decidir.
Prosseguindo, a Recorrente alude ainda nas suas conclusões de recurso que: “3. Em sede de alegações, a Requerente novamente suscitou a questão, considerando que a falta de junção atempada do processo administrativo e a incompletude do mesmo determinavam a aplicação da cominação prevista no n.º 6 do art.º 84º do CPTA.
4. Ao não analisar esta questão, nem o impacte da mesma sobre a prova, a sentença recorrida padece de uma invalidade que a torna nula, nos termos do art.º 95.º, n.º 1 do CPTA”.
Comecemos a nossa análise pela arguida nulidade da sentença recorrida, suportada que foi pela Recorrente no artigo 95.º, n.º 1, do CPTA.
A Recorrente, em resumo, afirma que a sentença recorrida não se pronunciou sobre a questão da alegada falta ou incompletude do PA, que havia suscitado em sede da fase de alegações escritas, sustentando que tal omissão de pronúncia violou o artigo 95.º, n.º 1, do CPTA, e, como tal, daí advém uma nulidade da própria sentença.
Apreciemos.
O invocado artigo 95.º, n.º 1, do CPTA, preceitua que “A sentença deve decidir todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação e não pode ocupar-se senão das questões suscitadas, salvo quando a lei lhe permita ou imponha o conhecimento oficioso de outras”.
Antes de mais, ainda que a Recorrente convoque em abono da sua tese o artigo 95.º, n.º 1, do CPTA, importa frisar que, tendo presente a inserção sistemática de tal preceito legal no CPTA (Título II), não se destina o mesmo a reger directamente sobre o objecto e os limites da sentença a proferir em processo cautelar, mas, fundamentalmente, sobre a decisão que couber ditar em acção administrativa (no processo principal).
Seja como for, tal comando legal “reproduz a regra do artigo 608.º, n.º 2, do CPC. A atividade do juiz está delimitada pelo princípio do dispositivo, pelo que, na sua decisão, tem de circunscrever-se ao thema decidendum definido pelas partes”, encontrando-se correspondência do artigo 95.º, n.º 1, CPTA, com “as nulidades de sentença previstas na alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC” (a nulidade por omissão de pronúncia ou a nulidade por excesso de pronúncia) – (cf. anotação no “Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, de Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, 5.ª edição, Almedina, 2022, na página 801).
No caso dos autos, o thema decidendum primordial ou as questões essenciais a resolver no domínio da sentença a proferir em processo cautelar passam por saber se as providências requeridas podem, ou não, ser adoptadas, impondo-se ao julgador, face à factualidade provada, julgar sobre os pressupostos previstos no artigo 120.º, n.ºs 1 e 2, do CPTA (inserto no Título IV do CPTA, dedicado já de modo específico aos processos cautelares), ou seja, saber se, no caso concreto, o “periculum in mora” e o “fumus boni iuris” estão verificados, e, estando, se a ponderação entre o interesse público e privado em presença, ainda assim, permite o decretamento das medidas cautelares. São estas, pois, as questões (o thema decidendum) que, no essencial, compete ao julgador resolver em sede da sentença do processo cautelar, sob pena de, assim não procedendo, poder gerar-se uma causa de nulidade dessa decisão por omissão de pronúncia.
Mas já não pela falta de pronunciação sobre a alegada ausência ou incompletude do PA, pois que, tendo presente o artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC, nos termos em que a Recorrente coloca tal questão em conclusões recursivas, não é de uma causa de nulidade da sentença cautelar por omissão de pronúncia que se trata, mas sim de eventual nulidade processual ou até de erro de julgamento de facto, conforme melhor infra explicaremos.
Face ao exposto, ainda que a sentença cautelar recorrida não tivesse abordado o tema da alegada falta ou incompletude do PA, daí não decorre a nulidade por omissão de pronúncia preconizada no preceito legal citado no parágrafo precedente.
Avançando, importa agora dilucidar a conclusão de recurso no que concerne especificamente à clamada “aplicação da cominação prevista no n.º 6 do art.º 84.º do CPTA” (cf. conclusão de recurso sob o ponto 3.).
O dispositivo legal mencionado estipula o seguinte: “A falta do envio do processo administrativo não obsta ao prosseguimento da causa e determina que os factos alegados pelo autor se considerem provados, se aquela falta tiver tornado a prova impossível ou de considerável dificuldade.
Desde já adiantamos que tal preceito legal e a cominação probatória que o mesmo encerra estão vocacionados para a falta de envio do PA no âmbito da acção administrativa (o processo principal) e não no domínio do processo cautelar, cujo título IV do CPTA não contempla norma paralela.
A propósito, veja-se o entendimento já propalado no acórdão deste TCAS, de 25/10/2012, proferido no processo sob o n.º 09262/12, com algum paralelismo face ao ora entre mãos, consultável em www.dgsi.pt, destacando-se o ponto IV do seu sumário e o seguinte excerto:
IV. Não se aplicando à lide cautelar o artº 84º do CPTA, apenas aplicável à ação administrativa especial, é de recusar que a falta de notificação da entidade requerida para juntar o processo administrativo constitua uma nulidade processual, decorrente da omissão de qualquer formalidade que a lei prescreva.
(…)
2. Nulidade processual, por falta de notificação da entidade requerida para remeter ao Tribunal o processo administrativo [conclusão 5ª]
Defende a recorrente que ocorre a nulidade processual, decorrente da falta de notificação da entidade demandada para remeter ao Tribunal, o processo administrativo, pois segundo o artº 84º do CPTA, com a contestação ou dentro do respetivo prazo, a entidade demandada é obrigada a remeter ao Tribunal o original do processo administrativo.
No requerimento inicial a requerente requereu essa junção, mas nem as partes juntaram, nem o Tribunal logrou notificar as partes para essa junção.
A junção do processo administrativo destinava-se a fazer prova quanto ao alegado nos artºs 7º e 54º do requerimento inicial.
Está em causa, segundo a recorrente, a omissão de uma formalidade que a lei prescreve e que produz nulidade, quando a irregularidade cometida poder influir no exame ou na decisão da causa, o que considera ser o caso.
Sem razão.
A norma legal invocada pela requerente e que considera ter sido infringida, o disposto no artº 84º do CPTA, não tem aplicação aos presentes autos de processo cautelar, já que a mesma insere-se na tramitação da causa da ação administrativa especial, constituindo, por isso, uma obrigação para a entidade demandada no âmbito de tal espécie de ação e não no âmbito da presente lide cautelar.
Tal decorre da inserção sistemática de tal preceito, previsto na Secção I, “Articulados”, do Capítulo III, “Marcha do processo”, do Título III, “Da ação administrativa especial”, do CPTA.
Nele igualmente se alude, quer à “contestação”, quer à “entidade demandada”, quando nos presentes autos deve falar-se em “oposição” e em “entidade requerida” – cfr. alínea c) do nº 2 do artº 116º e nº 1 do artº 117º, do CPTA.
Tal deve-se à diferença entre ambos os processos, não sendo finalidade da presente instância cautelar conhecer do mérito da pretensão material requerida.
Pelo que, não foi preterida a notificação da entidade requerida para juntar o processo administrativo, nos termos do disposto no artº 84º do CPTA, não se mostrando preterido tal preceito legal, por o mesmo não se aplicar aos presentes autos.” (sublinhados nossos).
E, dizemos nós, diversamente da solução que advoga a Recorrente em conclusões recursivas, se o artigo 84.º do CPTA não se aplica ao processo cautelar, também não é de considerar neste mesmo processo o emprego da cominação probatória vertida no n.º 6 desse mesmo preceito legal.
E, ainda que assim não fosse, isto é, mesmo que se admitisse o mencionado efeito cominatório face à incompletude do PA em sede do processo cautelar, é de referir, também, o acórdão deste TCAS, de 20/12/2012, tirado no processo sob o n.º 05085/09, disponível para consulta em www.dgsi.pt, que considerou, no ponto VI e em trecho que se transcreve, o seguinte (sem olvidar que, no caso do acórdão agora a citar, é já por referência ao PA de uma acção administrativa):
“VI. A incompletude do processo administrativo, não acarreta, por si só, que se considerem provados os factos alegados pela autora na petição inicial, pois é necessário que tenha existido uma recusa da Administração ou que não seja apresentada uma justificação aceitável para a falta do seu envio e ainda, que essa falta tenha tornado a prova impossível ou de considerável dificuldade, nos termos do nº 5 do artº 84º do CPTA.
(…)
Estabelecem os nºs. 4 e 5 do artº 84º do CPTA, que na falta de envio do processo administrativo, sem justificação atendível, pode o juiz determinar a aplicação de sanções pecuniárias compulsórias e não obsta ao prosseguimento da causa, determinando que os factos alegados pelo autor se considerem provados, se aquela falta tiver tornado a prova impossível ou de considerável dificuldade.
Significa isto que o legislador apenas cominou tal efeito jurídico, de considerar provados os factos alegados pelo autor, se a prova desses factos alegados se tiver tornado impossível ou de considerável dificuldade.
No caso dos autos não só nada resulta a esse respeito, como não resulta que a entidade demandada se tenha recusado a juntar o documento em causa.
Pode acontecer que o processo administrativo se apresente incompleto, por não conter todos os documentos respeitantes à matéria do processo, sem que isso traduza uma falta de envio do processo administrativo ou sequer uma recusa por parte da Administração.” (destaques nossos).
Interessa focar, ainda, o acórdão deste mesmo TCAS, de 31/01/2018, prolatado no processo n.º 135/17.0BEFUN, consultável em www.dgsi.pt, enfatizando-se o seguinte excerto:
(…) Por seu turno, estipula-se no art.º 84.º, n.º 6, do CPTA, que a falta de envio do PA determina que os factos que sejam alegados pela A. se considerem provados “se aquela falta tiver tornado a prova impossível ou de considerável dificuldade”.
Aqui, não está em causa um ónus do R., mas uma regra que tendo por base a “presunção de que a recusa persistente do envio dos documentos em falta se funda no propósito de sonegar ao tribunal o acesso a elementos de prova que favoreceriam a parte contrária” (in ALMEIDA, Mário Aroso de; CADILHA, Carlos Alberto Fernandes - Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos. 4.ª ed. Coimbra: Almedina, 2017, p. 630), vem inverter o ónus (inicial) da prova, permitindo à A. apenas provar os factos que servem a base da presunção – a recusa persistente do R. Município na entrega do PA, ou do documento que se reporte à sua proposta com a os documentos assinados electronicamente e a dificuldade que dai deriva para fazer prova do facto que alegou – ao invés de ter que provar o facto presumido – que apresentou aquela proposta com tal modo de assinatura (cf. art.ºs. 349.º e 350.º, n.º 1, do CC).
“Para beneficiar da presunção da prova prevista no preceito, o autor tem, pois, de demonstrar que o processo administrativo ou alguns documentos atinentes à matéria da causa não foram enviados e que essa circunstância impediu ou, pelo menos, dificultou consideravelmente a prova dos factos que articulou na petição” (in ALMEIDA, Mário Aroso de; CADILHA, Carlos Alberto Fernandes – Comentário, ob. cit. pp. 632-633).
Este art.º 84.º, n.º 6, do CPTA, é uma regra similar à indicada no art.º 344.º, n.º 2, do CC, mas mais exigente para a entidade pública demanda, pois não abrange apenas as situações de impossibilidade de prova, mas ainda aquelas que se configurem como de considerável dificuldade (a propósito do art.º 344.º do CC, vide, RANGEL, Rui - O ónus da prova no processo civil. 3ª ed. Coimbra: Almedina, 2006, pp. 192-198 e 226-237; REGO, Lopes - Comentários ao Código de Processo Civil. Vol. I, 2.ª ed. Coimbra: Almedina, 2004, p. 455).
Assim, ainda que inicialmente o ónus da prova seja da A. – nos termos do art.º 342.º, n.º 1, do CC - porque invoca um direito fundado num dado facto, se essa prova se tiver tornado “impossível ou de considerável dificuldade” frente à conduta omissiva do R., porque não tenha enviado o PA, provada que esteja aquela conduta do R. e a sua relevância em termos de prova para os autos, invertem-se os ónus e dá-se por provado o facto alegado pela A., por presunção decorrente da regra do art.º 84.º, n.º 6, do CPTA.

Nos termos do art.º 350.º, n.º 2, do CC, pode ainda o R. Município ilidir a presunção, provando que não se verificam os factos que servem base à presunção, ou o facto presumido. Depois, pode a parte favorecida com a presunção legal tentar provar o contrário, competindo-lhe o ónus desse rebate (cf. neste sentido, RANGEL, Rui - O ónus, ob. cit., pp 230- 231).
Para operar a indicada presunção do art.º 84.º, n.º 6, do CPTA, é necessário, no entanto, que a conduta do omissiva do R. se revele culposa (seja por dolo ou mera negligência), com uma quebra dos deveres de cooperação e de boa-fé, tal como vêm indicados no art.º 8.º do CPTA. Nas expressões de Mário Aroso de Almeida e Carlos Cadilha é necessário alicerçar-se numa “recusa persistente”, de enviar ao processo documentos com real “relevo probatório” (in ALMEIDA, Mário Aroso de; CADILHA, Carlos Alberto Fernandes – Comentário, ob cit., p. 630).
Ora, na decisão recorrida conclui-se pela violação dos citados deveres de cooperação e de boa-fé e, portanto, considerou-se, pelo menos implicitamente, que a R. Município actuou com culpa quando não enviou um PA completo e integral.
Acontece, porém, que a indicada violação dos deveres de cooperação e de boa-fé, por existir culpa do Município, decorrente de uma atitude de recusa firme ou persistente no envio dos documentos do PA, não está suportada pela factualidade dos autos, desde logo porque nunca ocorreu uma recusa de envio, seja do PA, seja de quaisquer outros documentos que estivessem na sua posse.
Temos por certo que o R. não juntou o PA no prazo para contestar. O R. incumpriu, pois, o ónus imposto pelo no art.º 84.º, n.º 1 e 2, do CPTA.
Mas uma vez notificado por despacho de 09-06-2017, para proceder a essa junção, o R. vem fazê-lo por requerimento de 19-06-2017. Ou seja, o R. falhou o ónus de entregar o PA no prazo da contestação, mas ainda fez essa entrega findos os articulados, antes do início da fase da instrução e logo após o despacho do juiz que assim determinou.
Nessa mesma medida, não se pode dizer que haja aqui uma quebra do dever imposto no art.º 8.º, n.º 2, 1.ª parte, do CPTA, quando remete para “em tempo oportuno”.” (destaques nossos).
Retornando ao caso dos autos, se incompleto, ou não, o PA, a Recorrente, mesmo assim, também não lograria obter o almejado efeito cominatório do n.º 6 do artigo 84.º do CPTA (se aplicável tal dispositivo legal ao processo cautelar, mas que, como atrás vimos, não é de aplicar, o que mostra logo o erro-base da tese da Recorrente), porquanto, em boa verdade, o Recorrido Município de Cascais, como aludimos atrás, apesar de não ter logo junto o PA com a sua oposição, acabou por o remeter em duas fases distintas, antes mesmo da diligência de inquirição de testemunhas, não se inferindo do processo que alguma vez se tivesse recusado ao envio do PA ou ao seu complemento, quando para isso foi ordenado pelo Tribunal a quo.
Isto é, tendo presente o entendimento acolhido pelo acórdão acabado de transcrever, não se vislumbra na situação em apreço que o Recorrido Município de Cascais, dolosa ou negligentemente, com quebra dos deveres de cooperação e de boa-fé, tal como vêm indicados no artigo 8.º do CPTA, tivesse recusado persistentemente o envio ou o complemento do PA.
Em suma, não tem cabimento no caso “sub judice” a aplicação do efeito cominatório previsto no n.º 6 do artigo 84.º do CPTA.
Acresce dizer que, ainda que a Recorrente tivesse invocado, na sua motivação recursiva, a vertente da nulidade processual que decorreria da falta de notificação ou de actuação do Tribunal a quo no sentido de não ter diligenciado pela completude do PA, conforme pretendido pela ora Recorrente (aqui tão-só na vertente da alegada omissão de completude do PA e não propriamente do seu envio, pois que, como atrás vimos, o Recorrido Município de Cascais até cumpriu com o envio do PA em duas ocasiões diferentes), não decorre dessa inacção, sem mais, a referida nulidade.
É que, por um lado, visto que a dinâmica relativa ao envio do PA, preconizada no artigo 84.º do CPTA, não se aplica ao processo cautelar, nenhum acto ou formalidade prescrita/imposta pela lei (pelo CPTA) para a tramitação dos autos cautelares foi omitida, atento o previsto no n.º 1 do artigo 195.º do CPC e tendo em atenção o entendimento sufragado pelo atrás focado acórdão do TCAS, de 25/10/2012, proferido no processo sob o n.º 09262/12.
E, ainda que assim não fosse, impunha-se que essa falta de notificação e consequente falta de completude do PA tivesse capacidade para “influir no exame ou na decisão da causa”, de forma a produzir-se a respectiva nulidade processual, conforme exige o artigo 195.º, n.º 1, “in fine”, do CPC.
Mas, para tal, porque não se pode confundir o meio de prova em que se traduz o conteúdo documental do PA (ou o acervo de documentos que, indicados, ainda se entende em falta no âmago desse PA) com os factos a provar, não bastava à Recorrente alegar a falta de completude do PA e indicar os documentos em falta ou inacessíveis.
Impunha-se à Recorrente, de modo acrescido, fundamentar de que modo essa incompletude foi de tal ordem a poder influenciar negativamente o sentido da sentença recorrida, sobretudo, indicando quais os concretos factos, dos alegados no seu requerimento inicial, que se prestariam a ser comprovados pelos indicados documentos alegadamente em falta ou inacessíveis no PA.
Acontece que, nem das conclusões de recurso, nem sequer da motivação recursiva, dimana a indicação de quaisquer factos concretos, dos articulados no requerimento inicial, que, por indexação directa com os documentos alegadamente em falta ou inacessíveis no PA, se uma vez aportados, depois, ao processo instrutor, se prestariam a tornar-se provados.
Dito de outro modo, para ser relevante a arguida nulidade processual, não basta à Recorrente genericamente afirmar que pretende a completude de um PA alegadamente incompleto ou aceder a elementos documentais que diz estarem inacessíveis. É preciso algo mais. É necessário que se perceba que factualidade concreta a Recorrente quer provar, do por si alegado especificamente no requerimento inicial, para, desse modo, se percepcionar a relevância dessa prova documental e a sua capacidade para influenciar no “exame ou na decisão da causa”, designadamente, ao nível da decisão de facto, indicação factual essa que a Recorrente, contudo, não fez de modo preciso em sede recursiva.
Por aqui concluímos que não se encontra fundamento suficiente para sustentar a arguida nulidade processual.
Resta dizer que, à míngua dessa indicação factual concreta pela Recorrente, sobretudo, em conclusões de recurso, de igual modo não se perscruta qual a essencialidade dos documentos em falta para a sentença proferida ou sequer que a falta ou inacessibilidade desses documentos tenha resultado na não prova deste ou daquele facto que se destinaria a provar, pelo que, neste especial enquadramento, também não se pode descortinar qualquer erro de julgamento quanto à sentença recorrida.
***
b) Do alegado erro na apreciação da prova e na consequente aplicação do direito
Na conclusão de recurso sob o ponto 5. e ss., a Recorrente, em síntese, aduz que “a sentença recorrida encontra-se igualmente viciada por erro na apreciação da prova e na aplicação do direito, uma vez que dos factos HH a NN dados como provados (e dos documentos juntos ao processo) resulta forçosamente que a sentença recorrida errou ao não considerar verificado o periculum in mora, desde logo por as obras previstas para a área objeto da deliberação camarária impugnada abrangerem área verdes muito significativas, onde se situa grande parte da fauna e flora e da biodiversidade.
Antes de mais, cumpre esclarecer que, lida somente de relance tal conclusão de recurso, até aparenta que a Recorrente pretende impugnar a decisão da matéria de facto vertida na sentença recorrida, em virtude de um suposto “erro na apreciação da prova” quanto aos factos sob as alíneas HH) a NN) do probatório na mesma fixado.
Mas é só uma mera aparência de impugnação da matéria de facto, porquanto, por um lado, se essa fosse realmente a intenção da Recorrente, teria de cumprir com o ónus de especificação imposto pelas alíneas a) a c) do n.º 1 do artigo 640.º do CPC, coisa que, bem vistas as conclusões de recurso, não acatou.
E, por outro lado, se bem analisarmos a conclusão recursiva em causa e as subsequentes, não é a modificabilidade da matéria de facto por erro de julgamento sobre a prova o que efectivamente tenciona a Recorrente, mas antes demonstrar o seu inconformismo e, nessa medida, o erro de julgamento, quanto à conclusão lógica-jurídica a que chegou a sentença recorrida, sobretudo, no aspecto em que, apesar da factualidade que levou ao probatório inscrito nas alíneas HH) a NN), não deixou a 1.ª instância de concluir pela não verificação do pressuposto do “periculum in mora”.
E, sendo assim, vejamos então se o Tribunal a quo errou no seu julgamento ao considerar não preenchido tal pressuposto.
Para tanto, vejamos como decidiu a sentença recorrida, enfatizando-se, em primeiro lugar, a factualidade patente nas citadas alíneas HH) a NN) do seu probatório:
HH) Decorreram já intervenções no imóvel identificado em HH), nomeadamente, movimentação de terras, escavação do terreno e colocação de máquinas e equipamentos de estaleiro _ cfr. documento n.º 4 junto com o requerimento inicial;
II) As obras de urbanização mencionadas em HH) incidem sobre ruas e áreas, presentemente, arborizadas _ cfr. documentos n.ºs 1 e 6 juntos com o requerimento inicial;
JJ)Entre 2024 e 2027, ao abrigo do alvará de licença de loteamento /reparcelamento e obras de urbanização N.º 1......., encontra-se prevista a constituição de lotes privados, a construção da EEAR e das infraestruturas de águas residuais, pluviais, de abastecimento de água, de redes de gás, elétricas e instalações telefónicas e de TV cabo _ cfr., de novo, documento n.º 5 junto com o requerimento inicial;
KK) A EEAR situar-se-á em área que é atualmente arborizada – _ cfr. documentos n.ºs 1, 7 e 8 juntos com o requerimento inicial;
LL)Entre 2024 e 2027, na área titulada pelo alvará de licença de loteamento /reparcelamento e obras de urbanização N.º 1......., proceder-se-á a desmatação e limpeza mesma e, ainda, a escavação com meios mecânicos e pavimentação _ cfr. documento constante a fls. 335-336 dos autos;
MM) O estaleiro de apoio às obras de urbanização situa-se em área atualmente ocupada por pinhal _ cfr. documento n.º 10 junto com o requerimento inicial;
NN) As obras de urbanização na “Quinta dos I...” procederem – já - a terraplanagens, escavação do terreno e ao corte do coberto vegetal arbustivo _ cfr. documentos n.ºs 4 e 11 juntos com o requerimento inicial
Por seu turno, no que à apreciação de direito concerne, ou seja, no tocante à análise concreta sobre o pressuposto do “periculum in mora”, atente-se na motivação expendida na sentença recorrida:
(…) Sucede que, conforme aflorado, o requisito do “periculum in mora” encontrar-se-á preenchido sempre que exista fundado receio de que quando venha a ser proferida uma decisão no processo principal a mesma já não venha a tempo de dar resposta adequada ou cabal à situação jurídica e pretensão objeto de litígio, seja porque a evolução das circunstâncias durante a pendência do processo tornou a decisão totalmente inútil mercê da constituição de uma situação de facto consumado, seja porque tal evolução gerou ou conduziu à produção de prejuízos ou danos dificilmente reparáveis (a este respeito, cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 17 de dezembro de 2019, in processo n.º 620/18.7BEBJA, disponível em www.dgsi.pt).
Acresce, no que concerne à prova do “fundado receio” a que o artigo 120.º, n.º 1 1ª parte, do CPTA se refere, que a mesma deve ser feita pelo Requerente, o qual terá que invocar e provar factos que levem o tribunal a concluir que será provável a constituição de uma situação de facto consumado ou a produção de prejuízos de difícil reparação, justificando-se, por isso, a concessão da providência solicitada, “(…) não sendo lícito ao tribunal que se substitua ao mesmo nessa incumbência” (cfr. Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, de 14.07.2008, in processo n.º 0381/08 e de 22.01.2009, in processo n.º 06/09, ambos acessíveis em www.dgsi.pt).
Ora, desde já se diga que, o presente pressuposto não se encontra preenchido, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 120.º, n.º 1 1ª parte, do CPTA.
Em primeiro lugar, porquanto a Requerente parece entender que, estando em vista a suspensão de um licenciamento de operação de loteamento e das concomitantes obras de urbanização, haverá sempre uma situação de facto consumada, caso tal suspensão não seja determinada, decorrente da conclusão das obras em questão.
Mas não é assim.
De um ponto de vista naturalístico e legal, uma obra concluída não implica necessariamente a constituição de uma situação de facto consumado ou mesmo a existência prejuízos de difícil reparação, pois e desde logo, conforme salvaguardado pelo legislador no Regime Jurídico da Urbanização e Edificação:
“Artigo 102.º
Reposição da legalidade urbanística
“1 - Os órgãos administrativos competentes estão obrigados a adotar as medidas adequadas de tutela e restauração da legalidade urbanística quando sejam realizadas operações urbanísticas:
a) (…);
b) (…);
c) Ao abrigo de ato administrativo de controlo prévio revogado ou declarado nulo; (…).
2 - As medidas a que se refere o número anterior podem consistir:
(…);
e) Na determinação da demolição total ou parcial de obras;
f) Na reposição do terreno nas condições em que se encontrava antes do início das obras ou trabalhos; (…).”
“Artigo 106.º
Demolição da obra e reposição do terreno
1 - O presidente da câmara municipal pode igualmente, quando for caso disso, ordenar a demolição total ou parcial da obra ou a reposição do terreno nas condições em que se encontrava antes da data de início das obras ou trabalhos, fixando um prazo para o efeito.” [sublinhado nosso].
Por outro lado, conforme avançado, é fundamental que seja alegada e demonstrada factualidade na qual possa assentar um juízo sobre a verificação desse requisito de tutela cautelar, em virtude de:
“(…) [ser] seguro que impende sobre o requerente cautelar o ónus geral de alegação da matéria de facto integradora dos requisitos legais de que depende a concessão da providência requerida, nomeadamente, o relativo àquele requisito do periculum in mora, como decorre dos artigos 342.º do CC, 365.º, n.º 1, do CPC e 114.º, n.º 3, alínea g), 118.º e 120.º do CPTA (…).” [in Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS), de 21 de janeiro de 2021, in processo n.º 1796/20.9BELSB; cfr., ainda, Acórdão do TCAS, de 20 de setembro de 2018, in processo n.º 866/17.5BELSB, ambos disponíveis em www.dgsi.pt; sublinhado nosso].
No caso vertente, afigura-se-nos que, o singelo facto de a Requerente ser autor popular invocando a defesa de valores ambientais e urbanísticos, relativos aos ordenamentos do território, qualidade de vida e bens do domínio público da Autarquia apenas permite a identificação dos bens jurídicos e interesses que se visam proteger, nada revelando quanto à extensão da lesão que se pretende evitar.
Era preciso que se conhecessem, com algum pormenor, em que medida tais operações e obras (de loteamento e de urbanização respetivamente) constituem um atentado aos valores paisagísticos, ambientais e urbanísticos na zona da Quinta dos I... de tal modo que será impossível proceder à restauração natural, maxime prevista no artigo 102.º, n.ºs 1 alínea c) e 2, do RJUE.
Em suma, no artigo 120.º, n.º 1 1ª parte, do CPTA, exige-se um nexo causal (que a Requerente não logrou comprovar: cfr. artigo 342.º do Código Civil e artigos 114.º, n.º 3 alínea g), e 118.º do CPTA) entre os prejuízos / danos alegados e o préstimo da tutela oferecida pelo processo principal correspondente, no sentido de que os primeiros sejam de tal ordem que inviabilizem a utilidade do segundo.
Pelo que, no caso em apreço, os elementos carreados para os autos pela Requerente não são de molde a configurar uma situação de facto consumado ou a existência de prejuízos de difícil reparação, pois, mesmo que não sejam decretadas as presentes providências, nada impede que - através da ação principal - e descontado o natural decurso do tempo, se proceda à reintegração no plano dos factos da situação conforme à legalidade (cfr. artigos 102.º, n.ºs 1 alínea c), e 2 e 106.º do RJUE), ou, de todo o modo, que os danos entretanto produzidos sejam de difícil reparação (como sucede no tocante ao alegado “dano” atinente à falta de estacionamento para fruição da praia de Carcavelos, onde - pelo contrário - se nos revela substancialmente mais “amigo” e menos poluente do ambiente que - junto àquela - não circulem e estacionem tantas viaturas automóveis. Sendo que, os veraneantes e as colónias balneares dispõem da estação de caminho de ferro de Carcavelos para aceder - posteriormente e pedonalmente - à aludida praia, enquanto decorrem as obras).
Assim se entende, pois se a presente providência não for decretada, a sentença que vier a ser proferida in processo n.º 1095/23.4BESNT continua a ser plenamente útil para acautelar os interesses que a Requerente visa assegurar, inexistindo qualquer risco de infrutuosidade da mesma, pois nada impede que, através da ação administrativa principal, esta venha a obter a declaração de nulidade da deliberação camarária em apreço.
Mais se entende que, não será possível decretar a(s) pretendida(s) providência(s) cautelar(es), se através dela se visa apenas retardar a execução do ato suspendendo (como se nos afigura que ocorre no caso «sub judice») e não - como seria sua função e vocação - acautelar o efeito útil da ação principal [n.º 1095/23.4BESNT] destinada à declaração de nulidade daquele mesmo ato.
Destarte, tratando-se (como o são) de critérios cumulativos de acordo com o disposto no artigo 120.º, n.ºs 1 e 2, do CPTA (“periculum in mora”, “fumus boni iuris” e ponderação de todos os interesses em presença segundo critérios de proporcionalidade), o não preenchimento de um deles (como é o caso), determina inexoravelmente a improcedência do(s) pedido(s) cautelar(es), sem necessidade, por prejudicada, da verificação dos demais [por todos, cfr. citado Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS), de 21 de janeiro de 2021, in processo n.º 1796/20.9BELSB e, ainda, artigo 608.º, n.º 2 1ª parte, do CPC].
Por outras palavras, sendo cumulativos os pressupostos de decretamento de uma providência cautelar e concluindo-se – como se conclui - pela inexistência de “periculum in mora” na sua dupla vertente, fica prejudicado o conhecimento dos fundamentos relativos ao “fumus boni iuris”, porquanto ainda que o(s) mesmo(s) procedesse(m), jamais a aqui Requerente poderia obter a tutela cautelar reclamada.
O que se decidirá.
Ora bem, começando pela dilucidação da matéria de facto atrás elencada [alíneas HH) a NN)], que se considera consolidada/incontrovertida, pois que, não sofreu qualquer impugnação em sede recursiva (como dissemos, a Recorrente não a impugnou de acordo com o ónus prescrito pelo artigo 640.º do CPC), e não se perspectivando que outra factualidade possa ser atendida nesta sede recursiva, porquanto, a Recorrente também não a apontou nas suas conclusões de recurso, e, como visto, igualmente não assacou qualquer deficit à decisão sobre a matéria de facto (a título de erro de facto), temos que, por conta da factualidade aludida pela Recorrente em ordem à aferição do pressuposto do “periculum in mora”, considerar que resulta de modo relevante, quanto ao terreno intervencionado e objecto dos actos de licenciamento, apenas o seguinte [cf. alíneas HH) a NN)]:
- Que decorreram movimentação de terras, escavação do terreno e colocação de máquinas e equipamentos de estaleiro;
- Que as obras de urbanização incidem sobre ruas e áreas, presentemente, arborizadas;
- Que ao abrigo do alvará de licença de loteamento/reparcelamento e de obras de urbanização, encontra-se prevista a constituição de lotes privados, a construção da EEAR e das infraestruturas de águas residuais, pluviais, de abastecimento de água, de redes de gás, elétricas e instalações telefónicas e de TV cabo;
- Que a EEAR situar-se-á em área que é atualmente arborizada;
- Que na área titulada pelo alvará de licença de loteamento/reparcelamento e de obras de urbanização, proceder-se-á a desmatação e limpeza da mesma e, ainda, a escavação com meios mecânicos e pavimentação;
- Que o estaleiro de apoio às obras de urbanização situa-se em área atualmente ocupada por pinhal;
- Que as obras de urbanização na “Quinta dos I...” procederam - já - a terraplanagens, escavação do terreno e ao corte do coberto vegetal arbustivo.
Pois bem, vista a factualidade acabada de destacar, não mais evidencia do que um cenário que é comum a quaisquer outras obras de urbanização que, igualmente, decorram em terrenos cobertos por arbustos/vegetal arbustivo ou por pinhal, e que impliquem, necessariamente, trabalhos preparatórios de desmatação, corte e limpeza do coberto vegetal ou da zona arborizada.
O mesmo se diga quanto aos trabalhos preparatórios para a implantação do estaleiro de obras, que implicam, muitas das vezes, a movimentação de terras, escavação do terreno e colocação de máquinas e equipamentos.
E o mesmo se aplica às obras de urbanização em terrenos sujeitos a loteamento, que implicam a implantação de arruamentos e de infraestruturas de águas residuais, pluviais, de abastecimento de água, de redes de gás, eléctricas e instalações telefónicas e de TV, o que, necessariamente, envolve a utilização de meios mecânicos e de pavimentação, situação que, em si mesma, não difere de tantas outras obras.
Ora, no sentido de demonstrar as duas dimensões em que se traduz o pressuposto do “periculum in mora”, que encerram, segundo o n.º 1 do artigo 120.º do CPTA, “o fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado” ou “da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal”, era exigível algo mais de um ponto de vista de alegação e prova à ora Recorrente, tal como considerou a sentença recorrida.
Vejamos tal questão com maior precisão.
Mas não sem antes frisar, desde já, o seguinte: no que concerne aos trabalhos já realizados, destacando-se do probatório atrás discriminado os que concernem a já ocorrida movimentação de terras, escavação do terreno e colocação de máquinas e equipamentos de estaleiro e às obras de urbanização na “Quinta dos I...” que igualmente já procederem a terraplanagens, escavação do terreno e ao corte do coberto vegetal arbustivo, já não se pode falar, para efeitos da finalidade cautelar ou de precaução, na existência do critério legal do “fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado”, porquanto, os factos em si mesmos já ocorreram na ordem material, o que espelha bem, nesta vertente, que a adopção das medidas cautelares requeridas já se mostra inútil e ineficaz, pois, fácil é de compreender que já não vai a tempo de evitar a consumação que já se deu desses mesmos factos.
Por outro lado, conforme já atrás foi ventilado, para além da factualidade inserta nas mencionadas alíneas HH) a NN), impunha-se que a Recorrente, face aos factos provados na sentença recorrida, tivesse evidenciado, mormente, em conclusões de recurso, onde teria residido o preciso erro de julgamento do Tribunal a quo, de modo a que, indicando nessas conclusões outros factos, nos fosse possível compreender de que forma, no caso concreto, a realização daquelas obras e trabalhos colocariam em crise, grande parte da fauna, da flora e da biodiversidade do local intervencionado, e que, com a destruição de tais áreas, jamais seria possível reconstituir a situação actualmente existente, dado perecerem os seres vivos aí existentes, com uma lesão irreparável dessa fauna e flora, pois que, assim dito, não passam de meros juízos ou ilações de índole vaga e conclusiva.
Em rigor, a Recorrente não indicou nas conclusões de recurso quaisquer factos (dos levados ao probatório na sentença recorrida) que evidenciem, na concreta área intervencionada e por causa das obras e trabalhos realizados ou a realizar, qual a específica fauna, flora, biodiversidade ou elemento paisagístico alegadamente em risco, ou seja, a Recorrente não explicou com factos concretos como chega a essa conclusão, não substanciando de modo a nos fazer perceber como é que, se não adoptadas as medidas cautelares requeridas, ocorrerá uma lesão irreparável/irreversível desses mesmos elementos naturais.
É que, não basta dizer, como aduz a Recorrente em conclusões de recurso, que a tal conclusão se chega pelo “senso comum”. É insuficiente tal alusão. É que as regras de experiência e as presunções que se imponham ao julgador devem ser extraídas de um mínimo denominador comum, isto é, dos factos apurados, atento o preconizado no artigo 607.º, n.º 4, “in fine”, do CPC. E, no caso vertente, os factos apurados (os elencados nas alíneas HH) a NN) da sentença recorrida e os únicos que foram convocados pela Recorrente nas suas conclusões de recurso) são manifestamente escassos para se poder presumir ou dizer pelas regras de experiência que há, neste caso concreto, uma irreversibilidade de reparação para a flora, fauna, biodiversidade ou paisagem do terreno intervencionado, se e quando for obtida pela Recorrente a eventual procedência da acção principal.
Como bem aflorou a sentença recorrida, “De um ponto de vista naturalístico e legal, uma obra concluída não implica necessariamente a constituição de uma situação de facto consumado ou mesmo a existência prejuízos de difícil reparação, pois e desde logo, conforme salvaguardado pelo legislador no Regime Jurídico da Urbanização e Edificação:
“Artigo 102.º
Reposição da legalidade urbanística
“1 - Os órgãos administrativos competentes estão obrigados a adotar as medidas adequadas de tutela e restauração da legalidade urbanística quando sejam realizadas operações urbanísticas:
a) (…);
b) (…);
c) Ao abrigo de ato administrativo de controlo prévio revogado ou declarado nulo; (…).
2 - As medidas a que se refere o número anterior podem consistir:
(…);
e) Na determinação da demolição total ou parcial de obras;
f) Na reposição do terreno nas condições em que se encontrava antes do início das obras ou trabalhos;
(…).”
“Artigo 106.º
Demolição da obra e reposição do terreno
1 - O presidente da câmara municipal pode igualmente, quando for caso disso, ordenar a demolição total ou parcial da obra ou a reposição do terreno nas condições em que se encontrava antes da data de início das obras ou trabalhos, fixando um prazo para o efeito.” [sublinhado nosso].”
Ou seja, tendo presente a conjugação do disposto nos citados preceitos do RJUE, a garantia do legislador consiste que, no limite, a ilegalidade dos actos em matéria urbanística pode levar à ordem de reposição do terreno nas condições em que se encontrava antes das obras ou trabalhos ilegais, podendo incluir, ainda, a demolição total ou parcial do que ilegalmente tenha sido erigido, daqui se descortinando um princípio de reparação dos interesses afectados.
Neste pressuposto, a conclusão de que, mesmo a lograr no futuro a declaração judicial de invalidade dos actos suspendendos em sede da acção principal, depois será difícil (ou até mesmo impossível) de alcançar uma reparação de prejuízos, depende da inquestionável necessidade de alegação de factos demonstrativos de que, apesar da futura possibilidade de reposição do terreno e/ou da demolição da obra, os factos e/ou os prejuízos que, entretanto, ocorreram, já serão irreversíveis e dificilmente reparáveis para os interesses que a ora Recorrente visa assegurar no processo principal.
Dito de outro modo, vistas as conclusões de recurso, à Recorrente impunha-se que, de entre os factos insertos no probatório, tivesse indicado em sede recursiva aqueles que, por erro de análise da 1.ª instância, não foram tidos em conta, mas que, ainda assim, se considerados, prestar-se-iam a indiciar a tal irreversibilidade ou dificuldade de reparação de prejuízos que se poderiam produzir para os interesses que almejava defender a ora Recorrente, sobretudo, indicando de modo bem densificado o que é que se perderia de modo irreversível para a fauna, flora, biodiversidade ou paisagem do local, designadamente (e a título de mero exemplo), se se tratariam de espécies protegidas, endémicas, únicas, ou em vias de extinção.
Não basta, pois, como alegou a Recorrente em conclusões de recurso, dizer que haveria o corte de árvores, pois que, sem mais, isso não significa que, aquando da reposição do terreno, se procedente a acção principal, árvores da mesma espécie não possam voltar a ser plantadas no mesmo local. Do mesmo modo, afirmou a Recorrente em conclusões recursivas que, com tais trabalhos e obras, pereceriam seres vivos, aí não indicando, todavia, face aos factos provados, que seres seriam esses e qual a importância vital que teriam, exemplificativamente, para a eventual protecção de espécies ou para o equilíbrio da vida animal existente no terreno objecto dos actos suspendendos.
Em suma, como temos vindo a dizer, factualmente, a Recorrente nada disso explicitou em conclusões de recurso, o que equivale a dizer que não logrou demonstrar a este Tribunal de apelação onde residiu o erro de julgamento do Tribunal a quo.
A propósito, entre outros, veja-se em abono da nossa posição o acórdão deste mesmo TCAS, de 21/01/2021, proferido no processo sob o n.º 1796/20.9BELSB, consultável em www.dgsi.pt, destacando-se o seu sumário:
I. Do disposto no artigo 120.º, n.ºs 1 e 2, do CPTA infere-se que constituem condições de procedência das providências cautelares:
i) Periculum in mora - receio de constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação (art. 120.º, n.º 1, 1ª parte);
ii) Fumus boni iuris (aparência de bom direito) – ser provável que a pretensão formulada ou a formular no processo principal venha a ser julgada procedente (art. 120.º, n.º 1, 2.ª parte); e
iii) Ponderação de todos os interesses em presença segundo critérios de proporcionalidade (art. 120.º, n.º 2, do CPTA).
II. É ao requerente da providência que compete demonstrar – ónus de alegação e de prova que lhe está cometido de acordo com as regras gerais do ónus da prova –, o prejuízo derivado da imediata execução do acto suspendendo.
III. O que passa pela invocação de factos concretos que levem o tribunal a concluir que será provável a constituição de uma situação de facto consumado ou a produção de prejuízos de difícil reparação.
IV. A mera alegação de que, segundo um juízo de normalidade e pelas regras de experiência comum, se verifica uma situação de fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que a requerente visa assegurar no processo principal, destituída da alegação de factos concretos minimamente demonstrativos dos prejuízos enunciados, é insuficiente para aferir da existência do requisito daquele periculum in mora.
V. Não se demostrando a existência do periculum in mora, tem a providência cautelar necessariamente que ser indeferida, o que pode suceder em sede de despacho liminar quando ao juiz se apresenta uma situação de manifesta e indiscutível improcedência do pedido cautelar.” – (destaques nossos).
É irrelevante, também, o argumento da Recorrente, vertido em conclusão de recurso, de que a realização das obras e a eventual reconstituição da situação actualmente existente, caso a ação principal seja considerada procedente, implicará um custo muito superior àquele que resulta da simples manutenção da situação existente até decisão da ação principal: os prejuízos económicos serão muito superiores caso sejam efetuadas as obras e, depois, as mesmas tenham de vir a ser destruídas para a reconstituição da situação atual, do que se for mantida a situação atual até à prolação da sentença na ação principal, posto que, se relevante, ou não, tal fundamento já tem a ver com o teste da ponderação de interesses imposto pelo n.º 2 do artigo 120.º do CPTA, etapa essa que não foi sequer atingida pela sentença recorrida, e bem, pois que, não se verificando o pressuposto do “periculum in mora”, desnecessário era que tivesse prosseguido para a sindicância dos restantes.
Além de que, a existirem tais custos com a futura reposição do terreno, não ficariam, com certeza, a cargo ou a expensas da ora Recorrente, mas sim por conta de algum dos Recorridos, o que constitui, ao fim e ao cabo, um interesse ou prejuízo alheio à Recorrente, a quem não compete defender ou arcar.
É de negar provimento ao presente recurso, confirmando a sentença recorrida.
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Sem custas, por delas estar isenta a ora Recorrente – cf. artigo 4.º, n.º 1, alínea b), do RCP.
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Em conclusão, é elaborado sumário, nos termos e para os efeitos do estipulado no artigo 663.º, n.º 7, do CPC, aplicável “ex vi” do artigo 140.º, n.º 3, do CPTA, nos seguintes moldes:
I - O artigo 84.º do CPTA, inserto sistematicamente para a tramitação preconizada para a acção administrativa, não se aplica ao processo cautelar, pelo que, pela mesma razão, também não é de considerar neste processo o emprego da cominação probatória vertida no n.º 6 do indicado preceito legal.
II - E ainda que assim não fosse, a operacionalidade de tal cominação sempre depende da conduta da Administração, quanto à falta ou incompletude do PA, se ter revelado, no caso concreto, dolosa ou negligente, com quebra dos deveres de cooperação e de boa-fé, tal como vêm indicados no artigo 8.º do CPTA, de modo a que, se tivesse recusado persistentemente ao envio ou ao complemento do PA.
III - É ao requerente da providência cautelar que compete demonstrar, segundo o ónus de alegação e de prova que lhe impende por conta do artigo 342.º do Código Civil, o prejuízo derivado da imediata execução do acto suspendendo, devendo, para tal desiderato, invocar factos concretos que levem o Tribunal a concluir que será provável a constituição de uma situação de facto consumado ou a produção de prejuízos de difícil reparação - “periculum in mora” -, atento o previsto no artigo 120.º, n.º 1, do CPTA.
***
V - Decisão.
Ante o exposto, acordam, em conferência, os Juízes-Desembargadores que compõem a Subsecção Administrativa Comum da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida.
Sem custas.
Registe e notifique.
Lisboa, 18 de Junho de 2025.
Marcelo Mendonça – (Relator)
Lina Costa – (1.ª Adjunta)
Marta Cavaleira – (2.ª Adjunta)