Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 484/13.7BEBJA |
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Secção: | CA |
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Data do Acordão: | 03/18/2021 |
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Relator: | ANA CELESTE CARVALHO |
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Descritores: | CONTRATO DE MANDATO; MANDADO JUDICIAL; REVOGAÇÃO DO MANDATO; EFEITOS DA RENÚNCIA AO MANDATO. |
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Sumário: | I. Notificada a mandatária do Autor da sentença, essa notificação é válida e eficaz, produzindo efeitos em relação ao Autor.
II. Segundo o artigo 40.º, n.º 2 do CPC, os efeitos da renúncia produzem-se a partir da notificação, sem prejuízo do disposto nos números seguintes, designadamente, quando seja obrigatória a constituição de advogado, como na presente ação administrativa. III. Em face da clareza da citada disposição legal para o mandato judicial, não há qualquer dúvida de que o mandato judicial só se extingue com a notificação. IV. Até aí a advogada renunciante continua ligada ao mandato, pelo que, não cessando o patrocínio judiciário por mera comunicação ao processo da renúncia, a mandatária continuou obrigada a assegurar o mandato na presente ação até o Autor ser notificado da renúncia, nos termos e para os efeitos do artigo 47.º, n.ºs 1 e 3 do CPC. V. O processo não para apenas porque a mandatária decide renunciar ao mandato. VI. A renúncia ao mandato não produz quaisquer efeitos suspensivos ou interruptivos da contagem do prazo de interposição do recurso, nem efeito suspensivo da instância. VII. Sendo o Autor pessoalmente notificado da renúncia ao mandato, nos termos do artigo 47.º do CPC para a morada indicada no processo, a circunstância de quando se ter deslocado aos correios para levantar a sobredita carta esta já ter sido devolvida ao Tribunal, implica que a falta de receção da notificação ocorra por facto que apenas lhe é imputável, tendo-se tal notificação como válida e eficaz. VIII. A interposição de recurso jurisdicional cerca de um ano depois do seu respetivo prazo de interposição, de 30 dias, contados da notificação da sentença ao mandatário do Autor, implica a extemporaneidade do recurso e a sua consequente rejeição. |
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Votação: | UNANIMIDADE |
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Aditamento: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:
I – RELATÓRIO
R............, devidamente identificado nos autos, veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja, datada de 26/09/2017, que no âmbito da ação administrativa, instaurada contra a Ordem dos Engenheiros, julgou a ação improcedente, mantendo o acórdão do Conselho Disciplinar da Região Sul da Ordem dos Engenheiros, de 30/09/2011 que aplicou a sanção disciplinar de censura registada e o acórdão conjunto do Conselho Jurisdicional e do Conselho Diretivo nacional, da Ordem dos Engenheiros, de 17/09/2013, que o confirmou, e a condenação da Entidade Demandada à eliminação da anotação da sanção disciplinar no registo biográfico do Autor. * Formula o aqui Recorrente, nas respetivas alegações, as seguintes conclusões que infra e na íntegra se reproduzem: “I - O Recorrente é engenheiro civil, encontrando-se inscrito na Região Sul da Ordem dos Engenheiros, com a cédula profissional nº 132973. II - Em 16/12/2009 foi deduzida acusação contra o ora recorrente, na sequência de um processo disciplinar instaurado pela R., ora recorrida. III - O recorrente apenas foi notificado dessa mesma acusação a 7/ 02/2011. IV - Foi-lhe imputada a violação do art. 87°/2 do Estatuto da Ordem dos Engenheiros (EOE), aprovado pelo DL nº 119/92, de 30/06. V - Na sequência desse processo foi o recorrente condenado na aplicação de uma sanção de censura registada. VI - Recorreu para o Conselho Jurisdicional da Ordem dos Engenheiros, por não se conformar com a decisão, tendo este órgão mantido a anterior decisão do Conselho Disciplinar da Região Sul. VII - Pelo que recorreu ao Tribunal Administrativo pedindo a declaração de nulidade ou anulação quer do Acórdão do Conselho Disciplinar da Região Sul da Ordem dos Engenheiros quer do Acórdão conjunto do Conselho Jurisdicional e do Conselho Diretivo Nacional da Ordem dos Engenheiros que acabou por confirmar aquela, por padecer de vários vícios. VIII - O Tribunal a quo decidiu julgar “totalmente improcedente a ação”. IX - Vários são os vícios de que padecem os atos impugnados, alguns dos quais nem sequer foram reconhecidos pela sentença ora recorrida (na medida que o Tribunal nem sequer se pronunciou sobre os mesmos). X - O recorrente não se conforma com a dou ta decisão prolatada pelo Tribunal a quo, por entender que a sen tença recorrida padece claramente de erro de julgamento e omissão de pronúncia. XI - Invoca o recorrente a violação do disposto no art. 29º do Regulamento Disciplinar da Ordem dos Engenheiros (RDOE) pelo facto de não haver sido elaborado parecer do relator/instrutor uma vez findas as diligências probatórias, antes de ser deduzida acusação. XII - Foi igualmente violado o disposto no art. 35° do RDOE na medida que o então arguido não fora notificado para produzir alegações no processo. XIII - Apesar de haver assacado ao procedimento estes dois vícios de violação de lei (além de outros que irão ser mencionados), a douta sentença ora recorrida nem sequer se pronunciou sobre os mesmos, existindo assim omissão de pronúncia. XIV - Invocou ainda o recorrente a violação do direito de defesa, na medida que não foram ouvidas, em sede disciplinar, as testemunhas por si indicadas. XV - Fundamentou o Tribunal a quo no sentido deste vício improceder mas considera o recorrente que a sentença não fez uma correta interpretação da lei e apreciação da prova quanto a este aspeto. XVI - Argui u também o recorrente vício de violação de lei no sentido da violação do disposto no art. 32° do RDOE, isto é, por não constarem da acusação os factos integrantes da mesma, as circunstâncias de tempo, modo e lugar da prática da infração. XVII - O despacho de acusação não contém as circunstâncias individualizadoras (ex: as medidas aprovadas e executadas, as cotas, as diferenças de alçados alegadas, a sobre-elevação alegadamente em falta, etc.). XVIII - O Tribunal quanto a este alegado vício tez uma errada apreciação da prova, na medida que a acusação não se baseou em factos concretos dos quais o A. se pudesse legitimamente defender. XIX - Para além dos vícios invocados supra, o recorrente também arguiu a ocorrência de um vício de incompetência do Conselho Disciplinar da Região Sul, por considerar que tendo em conta o tempo decorrido entre a apresentação da participação e a decisão proferida por aquele órgão, já se havia esgotado o prazo durante o qual o CD dispunha de competência para prosseguir a ação disciplinar, pelo que esta já pertencia ao Conselho Jurisdicional, tendo assim sido violadas as disposições dos artigos 55º e 51º do RDOE. XX - Nos termos do art. 55º do RDOE todos os processos disciplinares elevem estar julgados pelos CD no prazo de 10 meses a contar da queixa, sendo que decorrido esse prazo cessa a competência cio CD e os processos transitam para o Conselho Jurisdicional para prosseguirem na sua instrução e apreciação. XXI - Resulta dos factos provados (A e O) que a queixa foi apresentada em 27/07/2009 e o Acórdão do CDRS foi proferido em 30/11/2011, ou seja, mais de dois anos depois, o que torna o CDRS claramente incompetente para proferir a decisão condenatória. XXII - Refere a sentença recorrida que não houve por parte da Ré qualquer incumprimento do prazo, atentas as várias prorrogações que foram sendo deferidas, mas analisado o procedimento disciplinar não existem no mesmo quaisquer atas que fundamentem tais deliberações e além do mais resulta dos autos que uma das prorrogações foi pedida muito depois do prazo já ter expirado, pelo que tal decisão é ilegal. XXIII - O tempo decorrido entre a participação do procedimento até à sua acusação (mais de 16 meses) constitui uma violação dos princípios ela justiça, da celeridade e da eficiência administrativa, da proporcionalidade e da confiança jurídicas. XXIV - O Tribunal a quo violou por erro de interpretação e aplicação as disposições legais supra citadas, ao ter desconsiderado a situação descrita. XXV - A douta sentença não se pronunciou sobre factos que lhe foram postos a decidir pelo A. Selecionou apenas alguns e não se pronunciou sobre outros, partindo de equívocos para chegar à decisão que tomou, pelo que violou o disposto no ar t. 95º do CPTA. XXVI- Resulta do facto provado em D) da douta sentença, em especial do art. 9º da acusação que o arguido "não atuou com a diligência a que está obrigado tendo infringido o preceituado no art. 87º, nº 2 do Estatuto da Ordem dos Engenheiros". XXVII - A acusação imputou ao ora recorrente a prática da infração prevista no normativo supra mas o Acórdão do CDRS condenou-o pela violação dos artigos 86º/4; 87º/ 1 e 2 e 88º/ 1 e 7 dos mesmos Estatutos, alterando assim a qualificação jurídica. XXVIII - Ao arguido deveria ter sido dada a possibilidade de se pronunciar quanto a essa alteração e nunca o foi, violando assim o disposto no artigo 358º/1 do CPP, ex vi do nº 3 do mesmo preceito, por força do disposto no art. 57° do RDOE, pelo que tal alteração é nula como nulo é o Acórdão que proferiu a decisão (art. 133°/2 d) do CPA - atual art. 161º) e o Acórdão do Conselho Jurisdicional que a confirmou e manteve. XXIX - Há violação do direito de audiência de defesa, gerador de nulidade insuprível, sempre que o enquadramento jurídico disciplinar acolhido na decisão punitiva, apesar de baseado na mesma materialidade factual, for diverso do constante da acusação, ainda que se esteja perante a aplicação de idêntica pena disciplinar (Ac. do TCA Sul, de 03/05/2007, in www.dgsi.pt). XXX- Foi também violado um direito fundamental do arguido a um processo imparcial nos termos do artigo 266°/ 2 da CRP na medida que da acusação e do Acórdão do Conselho Disciplinar consta a assinatura do Engenheiro P............, pelo que o mesmo teve intervenção tanto na acusação como na decisão. XXXI - Tal facto foi alegado pelo A, no seu articulado e o mesmo não foi negado pela R. na sua contestação, pelo que deveria ter ficado a constar dos factos provados e a Meritíssima Juiz a quo deveria ter-se pronunciado pelo mesmo, o que constitui uma nulidade. XXXII - O processo instaurado ao recorrente é nulo nos termos do art. l 33°/2 d) do CPA por violação de um direito fundamental. XXXIII - “Assume-se como valor essencial do procedimento disciplinar sancionatório a salvaguarda dos direitos e liberdades individuais dos arguidos através da consagração duma tramitação que tem por objetivo impedir a interferência ou colisão de diferentes poderes funcionais partindo da consciência de que essa confusão pode colocar em causa a transparência e a imparcialidade da decisão administrativa, princípios estes com particular relevância nos procedimentos sancionatórios, o que consubstancia violação do princípio da justiça e imparcialidade previsto no art. 6° do CPA e com consagração constitucional no art. 266°/2 da CRP” (Ac. do STJ de 14/06/2005 in www. dgsi.pt). XXXIV - O ato decisório praticado com a participação desse mesmo membro da OE é nulo (art. 41º/3 do CPP - por analogia), o que acarreta também a nulidade ao abrigo do art. 133º/1 do CPA (atual artigo 161°). XXXV - A douta sentença violou o disposto no art. 608º do CPC e é nula por violação do disposto na alínea d) do nº 1 do art. 615° do CPC. XXXVI - O recorrente entende que a sentença recorrida padece claramente de erro de julgamento e omissão de pronúncia nos termos desenvolvidos supra e face aos quais se requer a Alta intervenção de Vs. Exas. para melhor aplicação do direito, revogando-se a sentença ora recorrida e substituindo-a por outra que declare a nulidade ou a anulação do Acórdão do CDHS da Ordem dos Engenheiros e do Acórdão do Conselho Jurisdicional, conforme pretensão formulada pelo recorrente na presente ação.”. Pede a revogação da sentença e a sua substituição por outra que declare a nulidade ou a anulação do Acórdão do Conselho Jurisdicional. * A ora Recorrida, notificada da admissão do recursão, apresentou contra-alegações, sem formular conclusões. Pede que não seja admitido o recurso, por extemporaneidade ou que o mesmo seja julgado totalmente improcedente, por não provado, confirmando-se a decisão recorrida, além da condenação do Recorrente em custas. * Notificado o Ministério Público, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 146.º do CPTA, foi emitido parecer no sentido de o recurso ser extemporâneo, não devendo ser conhecido ou, se assim não se entender, que o recurso não merece provimento, por a decisão recorrida não enfermar dos vícios alegados, não ocorrendo as nulidade e omissões de pronúncia invocadas. * O processo vai, com vistos dos Exmos. Juízes-Adjuntos, à Conferência para julgamento.
II. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, 2 e 3, todos do CPC ex vi artigo 140.º do CPTA, não sendo lícito ao Tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso.
Segundo as conclusões do recurso, as questões suscitadas pelo Recorrente, resumem-se, em suma, em determinar se a decisão judicial recorrida enferma de: 1. Erro de julgamento de direito, por violação do artigo 29.º do Regulamento Disciplinar da Ordem dos Engenheiros, por não ter sido elaborado parecer do instrutor findas as diligências probatórias e antes de deduzida a acusação; 2. Erro de julgamento de direito, por violação do artigo 35.º do Regulamento Disciplinar da Ordem dos Engenheiros, por o arguido não ter sido notificado para produzir alegações no processo; 3. Erro de julgamento de direito, por violação do direito de defesa, por não terem sido ouvidas em sede disciplinar as testemunhas por si indicadas; 4. Erro de julgamento de direito, por violação do artigo 32.º do Regulamento Disciplinar da Ordem dos Engenheiros, por não constarem da acusação os factos integrantes da mesma, quanto às circunstâncias de tempo, modo e lugar da prática da infração e por errada apreciação da prova; 5. Erro de julgamento de direito, por violação dos artigos 55.º e 57.º do Regulamento Disciplinar da Ordem dos Engenheiros, por o Conselho de Disciplina ter esgotado o prazo de decisão e não dispor da competência para prosseguir a ação disciplinar, por a mesma pertencer ao Conselho Jurisdicional; 6. Erro de julgamento de direito, por violação dos princípios da justiça, da celeridade e da eficiência administrativa, da proporcionalidade e da confiança, atento o tempo decorrido entre a participação do procedimento até à sua acusação; 7. Erro de julgamento, em violação do artigo 95.º do CPTA, por o Tribunal a quo não se ter pronunciado sobre factos que lhe foram postos, selecionando apenas alguns e não se pronunciou sobre outros; 8. Erro de julgamento, em violação do artigo 358.º, n.º 1 do CPP, por alteração da qualificação jurídica da infração imputada ao arguido sem possibilidade de o arguido se pronunciar, em violação do direito de defesa; 9. Erro de julgamento, em violação do direito a um processo imparcial, nos termos do artigo 226.º, n.º 2 da CRP, por da acusação e do acórdão do Conselho Disciplinar consta a assinatura do Engenheiro P............, intervindo quer na acusação, quer na decisão; 10. Omissão de pronúncia, geradora de nulidade, por não constar dos factos provados o facto de o Engenheiro P............ ter intervindo quer na acusação, quer na decisão.
A Entidade Recorrida e o Ministério Público suscitaram, nas contra-alegações apresentadas e no parecer emitido, respetivamente, a questão da extemporaneidade do recurso e a sua consequente inadmissibilidade.
III. FUNDAMENTOS
DE FACTO Nos termos do disposto no artigo 663.º, n.º 6 do CPC remete-se para os termos do julgamento da matéria de facto da sentença recorrida. * Com relevo para a questão a decidir da extemporaneidade do recurso, dão-se como assentes neste Tribunal ad quem os seguintes factos, nos termos do artigo 662.º, n.º 1 do CPTA: AA) Em 26/09/2017 foi proferida sentença na presente ação administrativa – fls. 504 e segs. do SITAF; BB) A mandatária do Autor foi notificada da sentença recorrida por ofício datado de 27/09/2017 – fls. 521 do SITAF; CC) A mandatária do Autor veio apresentar renúncia ao mandato por carta expedida em 06/10/2017, entrada no processo em 10/10/2017 – fls. 523-524 do SITAF; DD) Por despacho datado de 05/12/2017 foi ordenada a notificação nos termos do artigo 47.º do CPC – fls. 531 do SITAF; EE) Em cumprimento, em 06/06/2018 foi expedida carta registada para notificar o Autor, nos termos do artigo 47.º do CPC – cfr. fls. 533 do SITAF; FF) Na mesma data, foi a mandatária do Autor notificada nos termos do artigo 47.º do CPC – cfr. fls. 534 do SITAF; GG) A carta registada de notificação do Autor, referida em EE) foi devolvida em 16/07/2018 – cfr. fls. 543 a 545 do SITAF; HH) O Autor, por carta expedida em 03/09/2018, recebida no processo em 04/09/2018, veio informar que quando pretendia levantar a carta do Tribunal nos correios, a mesma já tinha sido devolvida e indicou outra morada para onde devem ser remetidas as notificações do tribunal – cfr. fls. 547-548 do SITAF; II) Por despacho datado de 05/10/2018 foi ordenada a notificação do Autor, nos termos do artigo 47.º do CPC para a nova morada indicada – cfr. fls. 550 do SITAF; JJ) O Autor foi notificado por carta registada expedida em 09/10/2018 – fls. 551 do SITAF; KK) Em 02/11/2018 o Autor veio aos autos constituir novo mandatário e interpor recurso da sentença – cfr. fls. 552 e segs. do SITAF.
DE DIREITO Considerada a factualidade supra fixada, importa entrar na análise das questões suscitadas, segundo a sua ordem lógica e de precedência.
Da extemporaneidade do recurso e a sua consequente inadmissibilidade Segundo a contra-alegação apresentada pela Entidade Recorrida e, nos mesmos termos, o parecer emitido pelo Ministério Público, o presente recurso é extemporâneo e, como tal, é inadmissível. Sustenta a Recorrida que o recurso interposto em 02/11/2018 pelo Autor é intempestivo e, por isso, ilegal, pelo que não deverá ser admitido. Resulta dos autos que a sentença recorrida foi proferida em 26/09/2017 e foi notificada aos mandatários das partes por cartas datadas de 27/09/2017, presumindo-se a notificação feita no 3.º dia posterior a esta data ou no 1.º dia útil seguinte quando o não seja, segundo o artigo 248.º do CPC. Sendo o 3.º dia posterior o dia 30/11/2017, que foi um sábado, devem as partes considerar-se notificadas da sentença em 02/10/2017. Contando-se a partir de 02/10/2017 o prazo de interposição de recurso para o TCAS e coincidindo o dia 01/11/2017 com um feriado nacional, considera-se que o prazo de interposição de recurso terminou em 02/11/2017. Podendo a tal prazo acrescer 3 dias de multa, o prazo de interposição do recurso terminou em 07/11/2017. O recurso foi interposto em 02/11/2018, quase um ano depois, pelo que, é intempestivo. Vejamos. A factualidade apresentada pela Recorrida mostra-se inteiramente demonstrada nos factos ora aditados por este Tribunal ad quem, pelo que, todos os factos supra referidos ocorreram nos precisos termos nas datas supra apresentadas. Tendo presente o citado quadro factual, importa agora aferir se a factualidade que se dá como assente permite fundar o juízo de direito da extemporaneidade do presente recurso. O mandato é um contrato típico definido e regulamentado nos artigos 1157.º e seguintes do Código Civil. Por ele uma das partes obriga-se a praticar um ou mais atos jurídicos por conta da outra. O mandato atribui poderes ao mandatário para representar a parte em todos os atos e termos do processo. O mandato é livremente revogável por qualquer das partes. Se tiver sido conferido também no interesse do mandatário não pode ser revogado pelo mandante sem acordo prévio ou justa causa. O mandato caduca por morte ou interdição do mandatário. A revogação é um negócio jurídico unilateral receptício. A declaração negocial que tem um destinatário torna-se eficaz logo que chega ao seu poder ou dele é conhecida. O mandato judicial é um mandato especial, que, por isso, tem uma regulamentação especial nos artigos 40.º e seguintes do CPC. Em determinadas causas é obrigatória a constituição de advogado, como no presente recurso, segundo das disposições conjugadas dos artigos 11.º do CPTA e 40.º, n.º 1, c) do CPC. A razão de ser da obrigatoriedade de advogado não está nos interesses das partes, mas é ditada por interesses da boa realização da justiça e do interesse público na prestação do serviço de justiça. Não podem existir dúvidas de que a notificação da sentença à mandatária do Autor operada por ofício datado de 27/09/2017, foi uma notificação válida e eficaz e, como tal, determina que o Autor se considere regularmente notificado. Tendo a mandatária do Autor renunciado ao mandato em 06/10/2017, nessa data encontrava-se ainda a decorrer o prazo para a interposição do recurso. A renúncia ao mandato pela mandatária do Autor não produziu efeitos suspensivos ou interruptivos da contagem do prazo para a interposição do recurso, pelo que esse prazo continuou normalmente a correr. Do mesmo modo que não produziu o efeito de suspensão da presente instância. Segundo o disposto no artigo 40.º, n.º 2 do CPC, os efeitos da renúncia produzem-se a partir da notificação, sem prejuízo do disposto nos números seguintes, designadamente, quando seja obrigatória a constituição de advogado, como na presente ação administrativa. Em face da clareza da citada disposição legal para o mandato judicial, não é razoável qualquer dúvida de que o mandato judicial só se extingue com a notificação. Até aí a advogada renunciante continuava ligada ao mandato, pelo que, não cessando o patrocínio judiciário por mera comunicação ao processo da renúncia pela mandatária, aquela continuou obrigada a assegurar o mandato na presente ação até o Autor ser notificado da renúncia, nos termos e para os efeitos do artigo 47.º, n.ºs 1 e 3 do CPC. Além de que o processo não para apenas porque a mandatária decide renunciar ao mandato. Sobre o Autor recaía o ónus de constituir novo mandatário no prazo de 20 dias a contar dessa notificação, nos termos do artigo 47.º, n.º 3, a) do CPC. No entanto, quando ocorreu a notificação pessoal do Autor já havia decorrido o prazo de interposição do recurso, por este ter terminado em 02/11/2017 ou, se ocorrido fora do referido prazo, mas sob pagamento de 3 dias de multa, em 07/11/2017. Dentro dos referidos prazos não foi interposto recurso, por o Autor apenas o ter vindo a fazer quase um ano depois, em 02/11/2018. Acresce que a notificação do Autor nos termos do artigo 47.º do CPC se deve ter por verificada no 3.º dia posterior à primeira notificação realizada por ofício expedido 06/06/2018, por corresponder à morada que constava no processo e a falta da sua receção se dever a facto unicamente imputável ao Autor, como o próprio reconhece ao dizer que quando foi aos correios para levantar a carta, a mesma já havia sido devolvida ao Tribunal. A notificação à parte da renúncia ao mandato forense manifestada pelo seu mandatário judicial tem natureza pessoal, mas não está sujeita às regras da citação, nos termos dos artigos 47.º e 250.º, do CPC. Por isso, tal notificação não tem que ser feita por carta registada com aviso de receção, podendo fazer-se por meio de carta registada remetida para o endereço indicado pela parte que outorgou a procuração, conforme o disposto no artigo 249.º do CC. Se a mesma notificação for remetida por carta registada com aviso de receção e esta não for recebida pelo destinatário, por este não ter atendido e posteriormente não a ter levantado nos correios, nem por isso a notificação deixa de ser eficaz, nos termos previstos no artigo 249º do CPC. Apenas assim não seria se a parte alegasse e provasse que o não recebimento da carta de notificação não lhe era imputável, o que ora não se verifica. Por conseguinte, não só é válida e eficaz a notificação da sentença à mandatária do Autor, realizada pelo ofício datado de 27/09/2017, como é válida e eficaz a notificação pessoal ao Autor realizada por ofício datado de 06/06/2018, que este não recebeu apenas por facto que lhe é imputável. Pelo que, produzindo-se os efeitos da renúncia ao mandato apenas a partir da notificação pessoal ao mandante, nos termos do artigo 47.º, n.º 2 do CPC, até essa data o Autor manteve-se representado pela sua advogada constituída, sobre a qual impendia o dever de praticar todos os atos processuais no interesse e em representação do Autor, como o de interposição de recurso para este TCAS. A isso não obsta a que na data em que a renúncia ao mandato produziu os seus efeitos, já se mostrasse decorrido o prazo de 30 dias para o Autor recorrer. A renúncia do mandato só opera após a substituição respetiva e enquanto isso, a primitiva mandatária permanece em funções de representação. Assim, a renúncia do mandato forense não suspendeu o prazo que se encontrava em curso para a interposição de recurso, nem colocou o Autor na posição de ficar sem mandatário, pois a advogada manteve-se constituída no processo, assim como se mantiveram os efeitos daquele mandato que lhe havia sido regularmente conferido. Por isso, a mera apresentação do requerimento pela mandatária, afirmando a renúncia ao mandato, não suspendeu o prazo processual em curso e, como tal, a mandatária renunciante deveria continuar no exercício do mandato até que tivesse sido operante a notificação ao mandante para constituir novo advogado, no prazo de 20 dias, sobre a notificação efetuada. E embora se reconheça que o tribunal devia ter mais célere quanto às notificações a realizar nos termos do artigo 47.º do CPC, tal não exclui os deveres deontológicos e estatutários da advogada do Autor em representá-lo no processo. Nestes termos, seguindo a jurisprudência relativa a esta matéria, forçoso se tem de entender pela extemporaneidade do presente recurso e pela sua inadmissibilidade. De acordo com o Acórdão do STJ, datado de 09/11/2016, Processo n.º 2356/14.9JAPRT.P1.S1: “De harmonia com o disposto no art. 47.º, n.º 2, do CPC, os efeitos da renúncia ao mandato produzem-se tão-só a partir da notificação pessoal ao mandante, pelo que o arguido se manteve representado pelo seu advogado constituído, impendendo sobre este o dever de, até então, praticar todos os atos processuais em representação do arguido, designadamente o de interpor recurso para o STJ. Na data em que a renúncia ao mandato produziu efeitos, já se mostrava decorrido o prazo de 30 dias para a interposição de recurso, a não ser que, entretanto, tivesse ocorrido alguma causa de suspensão ou de interrupção deste mesmo prazo. (…) Os prazos em curso (…), nomeadamente o prazo para interposição de recurso não se suspendem nem se interrompem por via da renúncia ao mandato por parte do advogado constituído do arguido.”. No mesmo sentido, vide Acórdãos do STJ, de 12/05/2005, Processo n.º 05P1310 e ainda, de 12/11/2009, Processo n.º 2822/06.0TBAGD-A.C1.S1. Nesse ultimo aresto, pode ler-se: “I) - O mandato forense, sendo de óbvia constituição voluntária, tem na sua base uma relação de confiança entre o mandante e o advogado que contrata como mandatário. II) – Essa relação de confiança é que determina a escolha e deve ser recíproca em ordem à salvaguarda dos direitos dos envolvidos no contrato, sendo que o facto do mandato ser forense contende também com o direito de acesso à justiça e aos tribunais que, muitas vezes, postula a constituição obrigatória de advogado imposta por Lei, não só no interesse daquele que demanda a Justiça, como no interesse da paz social, já que o patrocínio forense implicando que as partes pleiteiem representadas pelos seus advogados introduz no conflito uma componente de objectividade, lucidez e descompaixão que são essenciais à correcta e serena discussão e julgamento dos conflitos. III) – A interpretação defendida pelos recorrentes considerando que a mera apresentação da renúncia ao mandato desvincula, ipso facto, o Advogado, suspendendo ou até interrompendo o prazo processual em curso, não tem apoio mínimo na letra da lei, sabendo-se que a alteração introduzida no art. 39º do Código de Processo Civil, pela Reforma Processual de 1995/96, foi a de não deixar o mandatário-renunciante ad eternum no exercício do mandato, já que na primitiva redacção do preceito inexistia previsto o prazo razoável de 20 dias para o mandante constituir novo advogado, o que redundava em severa sanção para quem desejava retirar-se do patrocínio forense.”. Na doutrina, em comentário ao artigo 47.º do CPC, José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, “Código de Processo Civil Anotado” vol. 1º, 4.ª ed. 2018, pp. 122-123 escrevem: “Estabeleceu-se um prazo legal de vinte dias para o mandante constituir novo mandatário, durante o qual se mantém o patrocínio inicial, visto que o processo entretanto prossegue. Logo que, dentro do prazo, a parte constitua novo advogado, a renúncia produz os seus efeitos, o mesmo acontecendo no termo do prazo, se não o constituir. Neste caso, deixando a parte de ter mandatário, dá-se a suspensão da instância se faltar advogado ao autor ou exequente, ou extingue-se o incidente (ou o procedimento não incidental, como é o caso dos embargos e do procedimento cautelar prévio) se faltar advogado ao requerente (incluindo o opoente) ou embargante; mas prossegue o processo, por não poder ser penalizado o autor, exequente ou requerente, se faltar advogado ao réu, executado ou requerido.”. O que implica que, por extemporaneidade do recurso jurisdicional apresentado pelo Autor, não se conheçam dos fundamentos do presente recurso. Termos em que será de julgar procedente a questão suscitada. * Em consequência, será de rejeitar o recurso interposto pelo Autor, por extemporaneidade. * Sumariando, nos termos do n.º 7 do artigo 663.º do CPC, conclui-se da seguinte forma: I. Notificada a mandatária do Autor da sentença, essa notificação é válida e eficaz, produzindo efeitos em relação ao Autor. II. Segundo o artigo 40.º, n.º 2 do CPC, os efeitos da renúncia produzem-se a partir da notificação, sem prejuízo do disposto nos números seguintes, designadamente, quando seja obrigatória a constituição de advogado, como na presente ação administrativa. III. Em face da clareza da citada disposição legal para o mandato judicial, não há qualquer dúvida de que o mandato judicial só se extingue com a notificação. IV. Até aí a advogada renunciante continua ligada ao mandato, pelo que, não cessando o patrocínio judiciário por mera comunicação ao processo da renúncia, a mandatária continuou obrigada a assegurar o mandato na presente ação até o Autor ser notificado da renúncia, nos termos e para os efeitos do artigo 47.º, n.ºs 1 e 3 do CPC. V. O processo não para apenas porque a mandatária decide renunciar ao mandato. VI. A renúncia ao mandato não produz quaisquer efeitos suspensivos ou interruptivos da contagem do prazo de interposição do recurso, nem efeito suspensivo da instância. VII. Sendo o Autor pessoalmente notificado da renúncia ao mandato, nos termos do artigo 47.º do CPC para a morada indicada no processo, a circunstância de quando se ter deslocado aos correios para levantar a sobredita carta esta já ter sido devolvida ao Tribunal, implica que a falta de receção da notificação ocorra por facto que apenas lhe é imputável, tendo-se tal notificação como válida e eficaz. VIII. A interposição de recurso jurisdicional cerca de um ano depois do seu respetivo prazo de interposição, de 30 dias, contados da notificação da sentença ao mandatário do Autor, implica a extemporaneidade do recurso e a sua consequente rejeição. * Por tudo quanto vem de ser exposto, acordam os Juízes do presente Tribunal Central Administrativo Sul, em rejeitar o recurso, por extemporaneidade, não se conhecendo do objeto do recurso e, em consequência, mantendo-se a sentença recorrida. Custas pelo Recorrente. Registe e Notifique. A Relatora consigna e atesta, que nos termos do disposto no artigo 15.º-A do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13/03, aditado pelo artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 20/2020, de 01/05, tem voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes Juízes integrantes da formação de julgamento, os Desembargadores, Pedro Marchão Marques e Alda Nunes. (Ana Celeste Carvalho - Relatora)
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