| Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
| Processo: | 52562/24.0BELSB | 
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| Secção: | CA | 
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| Data do Acordão: | 10/09/2025 | 
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| Relator: | MARTA CAVALEIRA | 
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| Descritores: | DIREITO À INFORMAÇÃO NÃO PROCEDIMENTAL PROCESSOS DISCIPLINARES AMNISTIA | 
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| Sumário: | I - A amnistia de uma infração disciplinar não implica que se considere apagado ou inexistente o processo, desde logo porque a decisão de considerar extinto o processo disciplinar pressupõe que, relativamente à infração, estivessem preenchidas as condições legais; II - Com vista a poder sindicar-se a decisão de extinção do processo disciplinar, devem ser prestadas informações relativas ao modo como foi decidida e fundamentada a extinção do processo disciplinar, ao abrigo da Lei da Amnistia, expurgados que sejam os elementos de identificação e/ou que tornem identificáveis as pessoas objeto dos processos disciplinares e os dados pessoais de terceiros que a documentação possa conter. | 
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| Votação: | UNANIMIDADE | 
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| Indicações Eventuais: | Subsecção Administrativa Comum | 
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| Aditamento: |  | 
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| Decisão Texto Integral: | I. Relatório P…, jornalista, melhor identificado nos autos, intentou contra a Comissão da Carteira Profissional de Jornalista intimação para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões, pedindo que a Entidade Requerida seja “intimada a prestar as informações solicitadas [em requerimentos datados de 20 de setembro e 25 de novembro de 2024], em prazo não superior a 10 (dez) dias”. 
 O Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, por sentença de 2 de abril de 2025, julgou procedente o pedido e, em consequência, condenou a Entidade Requerida: “(1) a facultar ao requerente as informações solicitadas, em prazo não superior a 10 (dez) dias, no requerimento datado de 2024.09.20, nos moldes supra expostos; (2) a facultar ao requerente a consulta dos originais e cópia das atas de todas as reuniões do Plenário e do Secretariado, relativas aos anos de 2023 e 2024, nos moldes supra expostos;” 
 Inconformada com a sentença, a Entidade Requerida Comissão da Carteira Profissional de Jornalista apresentou recurso de apelação, apresentando alegações nas quais formula as seguintes conclusões: 
 O Requerente apresentou contra-alegações nas quais formula as seguintes conclusões: «a. Vem recurso a que se responde interposto da decisão proferida pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, datada de 02-04-2025, que julgou procedente a intimação apresentada pelo Autor e condenou a Ré a "facultar ao requerente a consulta dos originais e cópia das atas de todas as reuniões do Plenário e do Secretariado, relativas aos anos de 2023 e 2024, nos moldes supra expostos" e acrescentou que "é responsável pelo cumprimento imediato desta intimação, a presidente da requerida, sendo-lhe notificada esta sentença, ficando advertida que a falta de cumprimento, no prazo máximo fixado, pode implicar o pagamento de uma sanção pecuniária compulsória, nos termos do art.° 108.°, n.º 2 do CPTA". b. A Ré sustenta a impossibilidade de conceder acesso requerido, alegando, quanto às atas do Plenário, a presença de dados pessoais que impediriam a sua divulgação; e, quanto às atas do Secretariado, a sua inexistência. c. Tal alegação, no entanto, revela um incumprimento claro das obrigações legais, uma vez que a Ré, enquanto órgão colegial e independente da Administração Pública, está vinculada à elaboração de atas, nos termos do artigo 34.° do CPA, não sendo suficiente a mera existência de "ordens de trabalhos". d. Relativamente ao acesso aos processos disciplinares, com os números 5/2022 6/2022 7/2022 8/2022 9/2022 10/2022 11/2022 2/2023 3/2023 4/2023 5/2023 6/2023, 7/2023 8/2023 10/2023, a Ré defende que o mesmo só poderia ser concedido com expurgação de todos os elementos identificativos dos intervenientes, invocando o regime da proteção de dados pessoais. e. Todavia, o Tribunal a quo pronunciou-se de forma clara e fundamentada quanto à legitimidade do pedido, tendo concluído pela prevalência do direito de acesso à informação administrativa, ponderando devidamente os direitos fundamentais em presença. f. A atuação da Ré, ao recusar dar cumprimento integral à sentença, configura uma violação direta do decidido judicialmente e consubstancia uma atitude de desobediência incompatível com os princípios do Estado de Direito. g. A sentença recorrida apresenta-se juridicamente rigorosa, devidamente fundamentada e em plena conformidade com o quadro legal e constitucional aplicável. h. A Ré não invoca qualquer erro de direito, nulidade processual ou vício substancial da decisão, limitando-se a expressar inconformismo com o resultado desfavorável da mesma, o que, por si só, não constitui fundamento admissível para recurso. i. Em rigor, a argumentação da Ré traduz uma tentativa de reapreciação do mérito da decisão com base em discordância subjetiva, e não na verificação de qualquer censura jurídica à sentença. j. Ora, como é pacificamente reconhecido pela doutrina e jurisprudência, o recurso visa corrigir decisões juridicamente censuráveis, e não permitir a reponderação de juízos válidos apenas por serem desfavoráveis a uma das partes. k. Por conseguinte, recurso não reúne os pressupostos mínimos de admissibilidade e deve ser, desde logo, julgado improcedente. I. Acresce que a recusa da Ré em disponibilizar s documentos solicitados representa uma violação manifesta dos princípios da legalidade, da transparência e do acesso à informação administrativa, legalmente consagrados e constitucionalmente protegidos. m. Face ao exposto, conclui-se que o recurso não merece provimento. TERMOS EM QUE, E nos mais de Direito, que V. Exa. doutamente suprirá, deverá ser negado provimento ao presente Recurso, mantendo-se, na íntegra, a decisão recorrida.» 
 O Ministério Público, junto deste Tribunal, notificado nos termos e para efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 146.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, emitiu parecer pugnando pela improcedência do recurso. 
 Sem vistos dos Exmos. Juízes-Adjuntos, por se tratar de processo urgente, mas com prévia divulgação do projeto de acórdão, o processo vem à conferência da Subsecção Comum para julgamento. * * * II. Objeto do recurso – Questões a decidir Atentas as conclusões das alegações do recurso, que delimitam o seu objeto, nos termos do n.º 4 do artigo 635.º e dos n.ºs 1 e 2 do artigo 639.º, do Código de Processo Civil, aplicáveis por força do disposto no n.º 3 do artigo 140.º, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, cumpre decidir se a sentença incorre em erro de julgamento de direito. 
 * * * III. Fundamentação III.1. Fundamentação de facto O Tribunal a quo proferiu a seguinte decisão sobre a matéria de facto (transcrição): «Com interesse e relevo para a decisão a proferir, e de acordo com as diversas soluções plausíveis de direito, julgo provados os seguintes factos, com atinência aos meios de prova respetivos: 1. Em 2024.09.20, P…, submeteu junto da CCPJ requerimento, entre o mais, com o seguinte teor (fls.16, PA, fls.3). (…) Considerando o conceito de documento administrativo definido pela Lei do Acesso aos Documentos Administrativos (LADA), na sua mais recente versão (Lei nº 68/2021, de 26 de Agosto) e os direitos de acesso aí estipulados, e tendo em conta o estatuto profissional de jornalista consagrado na Constituição da República, na Lei da Imprensa e no Estatuto dos Jornalistas, e dado o interesse público da informação detida pela entidade de que V. Exa. é a principal responsável, e também da necessidade como jornalista de deter informação para elaborar notícias com rigor informativo que a matéria merece, vem P… , jornalista com nome profissional de P..., carteira 1..., detentor do cartão de cidadão 8…, para em consequência apresentar um requerimento, dizer o seguinte: Por via da Lei nº 38-A/2023, de 2 de Agosto, a Secção Disciplinar da CCPJ deliberou, por unanimidade, declarar extinta, por amnistia, os seguintes processos disciplinares, conforme documentos que se anexam: 5/2022 6/2022 7/2022 8/2022 9/2022 10/2022 11/2022 2/2023 3/2023 4/2023 5/2023 6/2023, 7/2023 8/2023 10/2023. Assim sendo, com a decisão de arquivamento, deixa de se aplicar as restrições de acesso, passando a totalidade dos documentos (incluindo queixas e demais procedimentos de instrução e/ ou de acusação) a serem considerados documentos administrativos para efeitos de consulta, ademais por um jornalista. Nesse sentido, ao abrigo da LADA, na sua mais recente versão (Lei nº 68/2021, de 26 de Agosto) e os direitos de acesso aí estipulados, venho solicitar a V. Exa. o acesso e posterior obtenção de cópia dos documentos administrativos, em papel ou qualquer formato digital, dos processos disciplinares acima referidos. Por outro lado, os documentos devem ser disponibilizados na íntegra, incluindo a identificação (nome a carteira profissional do jornalista), atendendo que nos processos disciplinares, não constarão dados que revelem a origem racial ou étnica, as opiniões políticas, as convicções religiosas ou filosóficas, ou a filiação sindical, bem como o tratamento de dados genéticos, dados biométricos para identificar uma pessoa de forma inequívoca, dados relativos à saúde ou dados relativos à vida sexual ou orientação sexual de uma pessoa, sendo que apenas esses estão abrangidos pelo Regulamento Geral de Proteção de Dados (RGPD). Obviamente, podem ser expurgados elementos (que são, aliás, desnecessários para a investigação jornalística que se pretende) que identifiquem a morada ou contactos telefónicos de pessoas envolvidas. (…). 2. Em 2024.10.02, a CCPJ envia correio eletrónico a P... – ….pt – referente ao assunto P... requerimento de 20/06, entre o mais, com o seguinte teor (fls. 62, PA, fls.11): (…) Em resposta ao solicitado, cumpre referir que, tal como V. Exa. faz referência e assim consta em https://www.ccpi.pt/pt/deliberacoes/processos-disciplinares/, os processos foram extintos por amnistia ao abrigo da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto. E como refere a relatora do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, (…) "a palavra grega amnestia, assim transcrita em latim-, derivou para o português 'amnistia' e significava originariamente esquecimento" (negrito e sublinhado nosso). Adiantando que: "donde, a amnistia respeita às infrações abstratamente consideradas, 'apagando' a natureza criminal do facto". Razão pela qual, se extintos os processos a que se refere, por via da Lei n.º 38-A/2023, estes estão abrangidos pelo "direito ao esquecimento", logo todo e qualquer procedimento se ainda não do conhecimento público, também já não o poderá ser. Até porque, a sua divulgação poderia causar danos graves e dificilmente reversíveis a bens e interesses patrimoniais às pessoas cuja Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto, deu o direito ao esquecimento nas condições aí descritas e pelas quais foram abrangidos os casos divulgados em https://www.ccpj.pt/pt/deliberacoes/processos-disciplinares/. Esta é, aliás, também uma das razões pela qual a alínea c) do n.º 7 do artigo 5.º da Lei n.º 26/2016, de 22 de agosto, prevê a interdição de acesso à informação administrativa. Face ao exposto, a decisão, tomada por unanimidade pelo Secretariado da Comissão da Carteira Profissional de Jornalista é a de indeferir o acesso aos documentos solicitados. (…). 3. Em 2024.11.06, a CADA emitiu o parecer n.º 431/2024, entre o mais, com o seguinte conteúdo (PA, fls.33): (…) 21. Dispõe ainda o artigo 6.º, n.º 8, da LADA: «Os documentos administrativos sujeitos a restrições de acesso são objeto de comunicação parcial sempre que seja possível expurgar a informação relativa a matéria reservada». 22. Será pouco controverso que o processo disciplinar constitui um documento nominativo, desde logo por ser instaurado contra pessoa singular. 23. Quanto à condição do requerente, a doutrina da CADA tem sido constante no sentido de que a qualidade de jornalista não confere, por si só, título bastante para aceder a documentos nominativos. Com efeito, dispõe o artigo 8.º, n.º 3, do Estatuto do Jornalista (Lei n.º 1/99, de 13 de janeiro) que «O direito de acesso às fontes de informação não abrange [.1. os dados pessoais que não sejam públicos dos documentos nominativos relativos a terceiros, os documentos que revelem segredo comercial, industrial ou relativo à propriedade literária, artística ou científica [...]» (neste sentido, vejam-se entre outros os pareceres n.os 155/2021, 188/2021, 209/2021, 260/2021, acessíveis, como todos, em www.cada.pt) 24. Como se viu, o Estatuto Disciplinar do Jornalista e o Estatuto do Jornalista preveem ambos a publicitação da parte decisória da condenação no sítio eletrónico da entidade requerida (cfr. artigos 11.º, n.os 1 e 2 (EDJ), e 21,º, n.os 7 e 8 (EJ)). 25. Verifica-se, portanto, que a publicitação das decisões em matéria disciplinar por parte da entidade requerida contém o nome do(s) participante(s) e do(s) participado(s), a indicação do dever profissional em causa e a decisão com a indicação da pena/sanção disciplinar ou do arquivamento do processo (cfr: https://www.ccpj.pt/media/1943/pd-2022.pdf). 26. No caso, contudo, os processos disciplinares foram extintos por força da amnistia das infrações consagrada na Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto (cfr. artigos 2.º, n.º 2, e 6.º.) 27. A amnistia das infrações implicou a extinção dos processos disciplinares e a consequente cessação da execução das sanções disciplinares, na qual se inclui a respetiva publicitação. 28. Assim, quanto ao acesso à identificação dos jornalistas objeto dos processos disciplinares, a indicação dos órgãos de comunicação social onde os mesmos exercem funções e demais elementos que permitam a sua identificação deverá entender-se como prejudicado/afastado, por força da referida amnistia da infração. 29. Contudo, a amnistia da infração não implica que se considere apagado ou inexistente o processo, desde logo porque a decisão de considerar extintos os processos disciplinares por parte da entidade requerida pressupõe que, relativamente às infrações, estivessem preenchidas as condições previstas nos artigos 2.º, n.º 2, e 6.º da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto, isto é, que as infrações tenham sido praticadas até às 00:00 horas de 19 de junho de 2023 e não constituam simultaneamente ilícitos penais não amnistiados pela referida lei e cuja sanção aplicável não seja superior à suspensão. 30. Essa decisão de extinção, bem como a atuação da entidade requerida no decurso dos processos disciplinares, deve poder ser sindicada, expurgados que sejam os elementos de identificação e/ou que tornem identificáveis os jornalistas objeto dos processos disciplinares, designadamente o órgão de comunicação social onde exercem funções, bem como o expurgo de dados pessoais de terceiros que a documentação possa conter. 31. Assim, deve a entidade requerida facultar o acesso aos referidos processos disciplinares com expurgo dos referidos elementos (cfr. artigo 6.º, n. º 8, da LADA). 4. Em 2024.11.25, na sequência do parecer da CADA, a CCPJ indefere novamente o pedido, entre o mais, com a seguinte fundamentação (PA, fls. 50): (…) 6. Na verdade, com a expurgação dos elementos identificativos ou identificáveis, sugeridos pela própria CADA, levaria à “criação” de um “documento” de natureza apátrida e/ou sem qualquer conteúdo. 7. Estamos perante processos que são abertos por queixa, denúncia, participação de visados, consumidores de informação ou oficiosamente pela CCPJ e que ao longo de todos os procedimentos são feitas, permanentemente, referências a excertos dos artigos, reportagens, etc. para enquadramento do motivos justificativos para a decisão de abertura e desenvolvimento do procedimento disciplinar, que facilmente, numa consulta num qualquer motor de busca na internet, permitiria a identificação da totalidade do conteúdo, onde o mesmo foi publicado ou difundido e quem foi o seu autor. 8. Ora, tem a CCPJ não só o dever de reserva e proteção dos dados dos jornalistas, como os próprios jornalistas têm o direito de ver protegida a devassa dos seus dados pessoais. 9. Tal como é referido na Declaração de Voto do parecer em causa, estamos perante “documentos nominativos a que se pretende aceder integram dados pessoais de especial sensibilidade do ponto de vista dos direitos e liberdades fundamentais, previstos no artigo 10.º do RGPD, merecendo uma proteção específica que tem de ser levada em conta na ponderação a efetuar”. 10. Seguindo a CCPJ, o entendimento de Maria Cândida Oliveira e João Filipe Marques quando referem, na Declaração de Voto do supracitado parecer, ao aludirem ao motivo justificativo para V. Exa. aceder a tais documentos que “tal acesso, vem pôr em causa o direito à proteção de dados especialmente sensíveis do ponto de vista dos direitos e liberdades fundamentais, tanto dos jornalistas alvo de processos disciplinares como de terceiros envolvidos nos processos, pelo que merecem especial ponderação a efetuar nos termos da alínea b) do n.º 5 do artigo 6.º da LADA”. Entendendo, por isso, os conselheiros que “a forma correta de proceder à consideração dos direitos em conflito não pode postergar o direito à proteção de dados pessoais”. 11. Além de que, a CCPJ adota uma política de transparência pelo que toda a informação a que os cidadãos podem aceder está disponível em https://www.ccpj.pt 5. No mesmo dia, P…submete requerimento junto da CCPJ, requerendo a consulta dos originais, para eventual obtenção de cópia, das atas de todas as reuniões do Plenário e do Secretariado da CCPJ relativas aos anos de 2023 e 2024 (PA, fls.61, 63). 6. Em 2024.12.09, a CCPJ indeferiu o pedido, identificado no ponto anterior, entre o mais, com a seguinte fundamentação: (…) (IMAGEM, ORIGINAL NOS AUTOS) 
 
 
 
 
 (…) 
 7. Em 2024.12.16, dá entrada o requerimento inicial (fls.1). FACTOS NÃO PROVADOS: Com interesse para a decisão a proferir, inexistem.» * Em complemento da matéria de facto provada, transcreve-se a parte inicial do documento referido em 6.: “Exmo. Senhor P... Assunto: Pedido de consulta “dos originais” “das atas de todas a reuniões do Plenário e do secretariado da CCPJ relativas aos anos de 2023 e 2024” (efetuado a 25 de novembro de 2024) Cumpre começar por referir que sendo o Secretariado o órgão colegial e permanente da Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ) com competência para assegurar o funcionamento corrente da CCPJ, este não elabora, obviamente, atas relativas às reuniões que realiza. Quanto ao pedido de acesso às atas das reuniões do Plenário relativas aos anos de 2023 e 2024, de salientar que em maio de 2023 a publicação que V. Exa dirige, através da jornalista Elisabete Tavares, solicitou também o acesso às atas do Plenário “desde 2000” até à data do pedido. E fê-lo no seguimento de uma declaração pública de V. Exa., depois de ver negado o acesso a documentos por parte da CCPJ e da decisão do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa que determinou a absolvição da CCPJ da instância (por procedência da exceção de caducidade do direito de ação), de que “bastará que outro jornalista do PÁGINA UM (ou de outro órgão de comunicação social) faça similar pedido para que o direito de acesso a esses mesmos documentos seja juridicamente inquestionável” (https://paginaum.pt/2023/04/24/ccpj-acha-que-ha pedidos-manifestamente-abusivos/). Ou seja, de forma claramente abusiva tem V. Exa. procurado aceder a documentos cujo acesso já lhe foi anteriormente negado. Por esta razão, no que respeita ao acesso às atas do Plenário relativas às reuniões ocorridas entre janeiro e maio de 2023, a CCPJ invoca aqui o princípio da decisão - artigo 13.º do Código do Procedimento Administrativo. Prevê o seu n.º 2 que “Não existe o dever de decisão quando, há menos de dois anos, contadas da data da apresentação do requerimento, o órgão competente tenha praticado um ato administrativo sobre o mesmo pedido, formulado pelo mesmo particular com os mesmos fundamentos.” Na presente situação dá-se o caso de a CCPJ, há menos de dois anos, ter praticado um ato administrativo sobre o mesmo pedido, formulado pela mesma publicação, da qual é V. Exa. diretor e assumir publicamente vir a contornar a lei para aceder aos documentos anteriormente negados e depois de uma decisão do Tribunal que absolveu a CCPJ. Ou seja, a publicação que V. Exa. dirige moveu dois pedidos de acesso àqueles documentos e, dentro do prazo para o efeito, a CCPJ deu resposta a esses mesmos pedidos, fundamentando o seu indeferimento. Assim, na medida em que a CCPJ não pretende dar uma resposta diferente da anteriormente produzida e comunicada, a decisão sobre o pedido de acesso às atas do Plenário de janeiro a maio de 2023 não é devida, por força do princípio da decisão – cf. artigo 13.º, n.º 2 do CPA. […]” – Cfr. Documento junto ao requerimento inicial. 
 * * III.2. Fundamentação de direito O tribunal a quo decidiu condenar a Entidade requerida a “facultar ao requerente as informações solicitadas (…) no requerimento datado de 2024.09.20” nos seguintes moldes: “em relação ao pedido de consulta dos processos disciplinares números 5/2022 6/2022 7/2022 8/2022 9/2022 10/2022 11/2022 2/2023 3/2023 4/2023 5/2023 6/2023, 7/2023 8/2023 10/2023, deve o seu acesso ser facultado, expurgando-se elementos que levem à identificação dos jornalistas/arguidos, como por exemplo as suas entidades empregadoras — art.° 6.°, n.º 8 da LADA — tendo contudo que da consulta ser possível aferir da data das alegadas infrações, e consequentemente se foram cometidas na janela temporal prevista legalmente;- se as alegadas infrações constituem ou não ilícitos penais não amnistiados pela referida lei e cuja sanção aplicável, ou abstratamente aplicável não seja superior à suspensão e da idade dos arguidos”. Decidiu, também, “facultar ao requerente a consulta dos originais e cópia das atas de todas as reuniões do Plenário e do Secretariado, relativas aos anos de 2023 e 2024”, nos seguintes moldes: “dado que as atas não são documentos nominativos devem as mesmas ser facultadas, expurgando-se elementos que levem à identificação dos jornalistas/arguidos, nos termos já supra expostos”. Aduziu, para tanto, a seguinte fundamentação:  A Recorrente não se conforma com esta decisão. Alega, desde logo, que andou mal o Tribunal a quo ao decidir condenar a ora Recorrente a apresentar ao Recorrido atas do Secretariado relativas aos anos de 2023 e 2024, porquanto, conforme devidamente alegado pela Recorrente em sede de oposição, não existem atas do Secretariado da Comissão da Carteira Profissional de Jornalista, pelo que, não existindo as atas não poderá a Recorrente cumprir a determinação do tribunal. E tem razão a Recorrente. Vejamos porquê. Decorre da matéria de facto provada que o ora Recorrido requereu, em 25 de novembro de 2024, “a consulta dos originais, para eventual obtenção de cópia, das atas de todas as reuniões do Plenário e do Secretariado da CCPJ relativas aos anos de 2023 e 2024” (cfr. ponto 5. da matéria de facto provada), e que esse pedido foi indeferido, em 29 de dezembro de 2024, resultando da respetiva fundamentação, quanto às atas do Secretariado da Comissão da Carteira Profissional de Jornalista, que “sendo o Secretariado o órgão colegial e permanente da Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ) com competência para assegurar o funcionamento corrente da CCPJ, este não elabora, obviamente, atas relativas às reuniões que realiza” ( cfr. ponto 6. da matéria de facto provada). Apesar desta resposta, o Requerente apresentou pedido de intimação sem, contudo, colocar em crise a afirmação da Entidade Requerida no sentido da inexistência de atas das reuniões do Secretariado. Também em sede de recurso o Recorrido, nas suas contra-alegações, não alega que existam as referidas atas. Na verdade, limita-se a argumentar no sentido da obrigatoriedade de registo formal das deliberações do Secretariado da Comissão da Carteira Profissional de Jornalista, em ata, por se tratar de decisões tomadas em sede de reunião por um coletivo de membros, por força do disposto no n.º 1 do artigo 34.º do Código do Procedimento Administrativo, concluindo que a Recorrente, admitindo que não existem atas do Secretariado, não tem cumprido esta obrigação legal, do que resulta evidente que a atuação da Ré se mostra desconforme com os deveres legais e administrativos que sobre si impendem enquanto órgão colegial de natureza pública. Ora, como é evidente, atento o objeto do presente processo de intimação, que visa (apenas) a satisfação do direito de acesso aos documentos administrativos, não cabe, nesta sede, apreciar a legalidade da atuação da Entidade Requerida, quanto à não elaboração de atas das reuniões do Secretariado, não cabendo, por isso, emitir pronúncia sobre as alegações das partes quanto à validade ou invalidade da atuação deste órgão da Recorrente. Quanto ao pedido de acesso aos documentos administrativos, não existindo atas das reuniões do Secretariado da Comissão da Carteira Profissional de Jornalista, em resposta ao pedido de acesso a estes documentos, apenas se exigia à Entidade Requerida, ora Recorrente, que disso informasse o Requerente, o que a Recorrente fez como resulta da matéria de facto provada (ponto 6.). Face ao exposto, inexistindo os documentos administrativos a que o Recorrido pretende ter acesso, terá de revogar-se a sentença recorrida na parte em que intimou a Recorrente a facultar ao Requerente a consulta dos originais e cópia das atas de todas as reuniões do Secretariado, relativas aos anos de 2023 e 2024. 
 Alega, também, a Recorrente que andou mal o Tribunal a quo ao decidir condenar a ora Recorrente a apresentar ao Recorrido não apenas as cópias expurgadas das atas, mas também os seus originais. Entende que, no que respeita à condenação da Recorrente a permitir a consulta, pelo Recorrido, dos originais das atas, o dispositivo da sentença está em contradição com o vertido no relatório da mesma, no qual consta especificadamente que as atas deverão ser apresentadas após realizado o expurgo de todos os “elementos identificativos ou que levem à identificação dos jornalistas/arguidos”. Não se opõe a remeter ao Apelado cópia das atas, após o necessário expurgo dos elementos identificativos dos jornalistas/terceiros, opondo-se sim, a disponibilizar a consulta do original, pois a mera consulta permitiria ao Recorrido a visualização e possível memorização de elementos aos quais não pode ter acesso por se tratar de dados pessoais identificativos de terceiros e por isso objeto de proteção. Porque a consulta dos originais viola, gravemente, o direito à privacidade dos jornalistas mencionados nas atas em questão consubstanciando uma violação do Regulamento Geral de Proteção de Dados, entende a Apelante que apenas deverá ser determinada a disponibilização ao Recorrido de cópia das atas e nunca a consulta dos originais das mesmas. Conclui que, os termos da parte decisória da sentença encontra-se ferida de um lapso que tem, necessariamente, que ser alvo de correção. Vejamos se tem razão a Recorrente. Como vimos, decorre da matéria de facto provada que o ora Recorrido requereu, em 25 de novembro de 2024, “a consulta dos originais, para eventual obtenção de cópia, das atas de todas as reuniões do Plenário (…) da CCPJ relativas aos anos de 2023 e 2024” (cfr. ponto 5. da matéria de facto provada), ou seja, o Recorrido pediu a consulta dos originais das atas para, posteriormente, avaliar da eventual necessidade de obtenção de cópia das mesmas. O tribunal a quo decidiu “facultar ao requerente a consulta dos originais e cópia das atas de todas as reuniões do Plenário (…), relativas aos anos de 2023 e 2024”, nos seguintes moldes: “dado que as atas não são documentos nominativos devem as mesmas ser facultadas, expurgando-se elementos que levem à identificação dos jornalistas/arguidos”, como por exemplo as suas entidades empregadoras. Verifica-se, pois, que o tribunal a quo intima a Recorrente a facultar ao Recorrido não só a consulta dos originais, mas também a cópia das atas de todas as reuniões do Plenário, relativas aos anos de 2023 e 2024, devendo as mesmas ser facultadas, expurgando-se os elementos que levem à identificação dos jornalistas/arguidos, como por exemplo as suas entidades empregadoras. Ora, por um lado, intimando-se a facultar cópia das atas de todas as reuniões do Plenário, relativas aos anos de 2023 e 2024, perde utilidade a intimação também a facultar a consulta dos originais desses documentos, a qual, como referiu o Recorrido, se destinava a avaliar da eventual necessidade de obtenção de cópias. Por outro lado, como a Recorrente alega, é o fornecimento das cópias que melhor permite assegurar que se expurgam os elementos que levem à identificação dos jornalistas/arguidos, como por exemplo as suas entidades empregadoras. Face ao exposto, terá de revogar-se a sentença recorrida na parte em que intimou a Recorrente a facultar ao Requerente a consulta dos originais das atas de todas as reuniões do Plenário, relativas aos anos de 2023 e 2024, mantendo-se a intimação da Recorrente a facultar ao Requerente cópia das atas de todas as reuniões do Plenário, relativas aos anos de 2023 e 2024. 
 Alega, ainda, a Recorrente que andou mal o Tribunal a quo ao decidir condenar a ora Recorrente a apresentar ao Recorrido cópia dos processos disciplinares solicitados. Em síntese, insurge-se contra o decidido por entender que não resultando do alegado pelo Recorrido qual a relevância jornalística do tema, qual o impacto do tema na sociedade, qual o valor noticioso da questão, a ponderação dos interesses e direitos em jogo não permite que se viole o dever de sigilo da Comissão da Carteira Profissional de Jornalista, nem o efeito da amnistia na extinção dos processos (os processos não foram arquivados foram declarados extintos, tudo se processando como se não tivessem existido) nem ainda o direito dos jornalistas à proteção dos seus dados pessoais (os quais não tiveram sequer a oportunidade de se defenderem nos processos, atenta a fase processual em que se encontravam). Adianta-se, desde já, que nesta parte é de manter a decisão do tribunal a quo, uma vez que a Recorrente não aduz argumentação capaz de abalar a sua validade. Na verdade, a Recorrente repete, nesta sede, a argumentação que vem aduzindo quer, ainda, na fase procedimental quer no âmbito do presente processo judicial. Ao contrário do defendido pela Recorrente, as alegações do Recorrido, permitem perceber qual “a relevância jornalística do tema, qual o impacto do tema na sociedade, qual o valor noticioso da questão”. Como bem explicitou o tribunal a quo o “requerente invocou a sua profissão – jornalista – e uma investigação com vista a verificar se a requerida foi diligente na aplicação da Lei da amnistia no âmbito daqueles processos disciplinares que pretende consultar”, “pretende o requerente sindicar/averiguar/investigar a verificação das condições legais que impunham a aplicação da amnistia e se essas condições se verificaram nos processos que pretende consultar” assim identificando a “eventual relevância jornalística e ou interesse noticioso, com um objeto noticioso previamente identificado – a aplicação da Lei da amnistia -, por parte da requerida, consubstanciando num pedido de acesso a 15 processos disciplinares que foram objeto de extinção, por aplicação daquela”. Por outro lado, como bem explicou o tribunal a quo, e pode também ler-se no parecer n.º 431/2024, emitido pela Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (cfr. ponto 3. da matéria de facto provada) “a amnistia da infração não implica que se considere apagado ou inexistente o processo, desde logo porque a decisão de considerar extintos os processos disciplinares por parte da entidade requerida pressupõe que, relativamente às infrações, estivessem preenchidas as condições previstas nos artigos 2.º, n.º 2, e 6.º da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto, isto é, que as infrações tenham sido praticadas até às 00:00 horas de 19 de junho de 2023 e não constituam simultaneamente ilícitos penais não amnistiados pela referida lei e cuja sanção aplicável não seja superior à suspensão”. A “decisão de extinção, bem como a atuação da entidade requerida no decurso dos processos disciplinares, deve poder ser sindicada, expurgados que sejam os elementos de identificação e/ou que tornem identificáveis os jornalistas objeto dos processos disciplinares, designadamente o órgão de comunicação social onde exercem funções, bem como o expurgo de dados pessoais de terceiros que a documentação possa conter”. Assim, “a informação a prestar deve puder determinar se a infração em causa constitui ilícito criminal amnistiado pela Lei da Amnistia, se a infração está amnistiada face à pena aplicável em abstrato, dado o disposto no art.º 6.º da Lei da Amnistia, e, finalmente, a idade do visado”. “As Informações relativas ao modo como foram decididas e fundamentadas as extinções de processos disciplinares, ao abrigo da Lei da amnistia, sobrepõem-se ao regime de proteção de dados pessoais, excetuando no que toca a elementos identificativos ou que levem à identificação dos arguidos, dado que estamos em presença de meras questões relativas ao exercício do poder disciplinar, em respeito desde logo pelos princípios da transparência e da publicidade.” Face ao exposto, como adiantámos, nesta parte mantem-se a decisão recorrida. 
 As custas são a cargo da Recorrente e do Recorrido (n.ºs 1 e 2 do artigo 527.º do Código de Processo Civil), na proporção do decaimento (62,5% e 37,5%, respetivamente). * * * IV. Decisão Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam, em conferência, os Juízes que compõem a Subsecção Comum, da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul, em conceder parcial provimento ao recurso e, em consequência, em revogar a sentença recorrida na parte em que intimou a Recorrente a facultar ao Recorrido a consulta dos originais e cópia das atas de todas as reuniões do Secretariado, relativas aos anos de 2023 e 2024 e a consulta dos originais das atas de todas as reuniões do Plenário, relativas aos anos de 2023 e 2024. Custas pela Recorrente e pelo Recorrido, na proporção do decaimento. Registe e notifique. Lisboa, 9 de outubro de 2025 Marta Cavaleira (Relatora) Marcelo Mendonça Ana Cristina Lameira |