Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:473/13.1BECTB
Secção:CT
Data do Acordão:07/15/2025
Relator:FILIPE CARVALHO DAS NEVES
Descritores:NOTIFICAÇÃO DA LIQUIDAÇÃO
INEFICÁCIA
EXECUÇÃO FISCAL
Sumário:I – Estando em causa a cobrança de dívida proveniente de ato administrativo que determinou a devolução de ajuda financeira comunitária, importa atender às regras sobre notificação de atos administrativos contidas no Código de Procedimento Administrativo («CPA»), e não às regras sobre notificação de atos tributários contidas no Código de Procedimento e de Processo Tributário ou o disposto no Código Civil em matéria de eficácia da declaração negocial.
II – Tal decisão tinha de ser notificada ao interessado mediante comunicação oficial e formal, na forma prevista na lei, tendo a falta de notificação como consequência legal a ineficácia do ato.
III – O art.º 70.º, n.º 1, alínea a) do CPA, na redação à data, preceituava que as notificações podem ser feitas por via postal desde que exista distribuição domiciliária na localidade de residência ou sede do notificando; e apesar de a lei não o especificar, o envio da notificação pelos correios deve ser feito sob a forma registada, de modo a permitir, designadamente, o controlo da sua expedição.
IV - Recaindo o dever de notificação sobre a Administração Pública, sobre a qual impende o ónus de diligenciar pela sua efetiva concretização, de forma a levar o ato ao conhecimento do seu destinatário, não pode dar-se como concretizada a notificação se não foi efetuada a prova da assinatura do aviso de receção, nem foi demonstrado o seu envio por carta registada.
V - Sem um ato prévio que tenha sido devidamente notificado ao destinatário para cumprir a obrigação pecuniária em determinado prazo, a dívida exequenda não é exigível.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Subsecção de Execução Fiscal e Recursos Contraordenacionais do Tribunal Central Administrativo Sul


I – RELATÓRIO

O Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas, I.P. («IFAP»), melhor identificado nos autos, veio apresentar recurso da sentença proferida a 12/11/2018 pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco que julgou procedente a oposição judicial deduzida por A… no processo de execução fiscal («PEF») n.º 1651201201002759, instaurado para cobrança de dívida no valor de 43.358,13 Euros.

O Recorrente apresentou alegações, rematadas com as seguintes conclusões:

«A. O presente recurso vem interposto de sentença proferida em 7/11/2018, através da qual foi concedido provimento à oposição à execução fiscal interposta por A…. Entendeu o Tribunal a quo que “(…)IFAP com vista à notificação do acto administrativo que determinou a devolução do subsidio procedeu ao envio de carta registada com aviso de recepção [cf. al. D) do probatório], no entanto, esta não chegou a ser recepcionada pelo destinatário, ora Oponente, pois a carta foi devolvida pelos serviços postais dos CTT com as menções «não atendeu» e «não reclamado» [cf. al. E} do probatório]..”Concluindo o Tribunal que “(…)não se pode dar por concretizada a notificação do acto administrativo ao destinatário, ora Oponente, quer através de carta registada que comprovadamente veio devolvida, quer através do reenvio da carta por correio simples, por esta não constituir uma forma de notificação válida, por não ser adequada a assegurar o seu efectivo conhecimento por parte do destinatário..”.
B. Com o devido respeito, salvo melhor entendimento, a douta sentença recorrida faz uma
incorreta qualificação dos factos e aplicação do direito aplicável.
C. Como consta na alínea B) do probatório da sentença, “B) Em 22/01/2004, entre o IFADAP e o Oponente foi assinado o contrato ade atribuição de ajuda ao abrigo do programa AGRO» em execução do Projecto n. ° [cf. fls. 21 a 24 dos presentes autos].”, tendo dessa forma ficado adstrito a determinadas obrigações aí constantes.
Designadamente no contrato consta que as partes consideram-se domiciliadas ou sediadas nos locais inicialmente indicado.
D. Consta também do probatório que o IFAP remeteu a missiva registada com aviso de receção para a morada do Oponente, ora Recorrido (Alínea D do probatório). E que após devolvida com a menção de “objeto não reclamado e de ter sido deixado na estação de correios por motivo de “não atendeu”, o IFAP procedeu a novo envio, através de correio normal. (Alineas E e F do probatório).
E. A douta sentença tem também fundamento no acórdão de 14-01-2015 proferido no processo nº 0168/13 em que o IEFP procedeu a notificação postal e aquela veio devolvida. Ora, em primeiro lugar, ao contrário dos presentes autos, naquele caso, o IEFP não enviou nova notificação.
F. E mais, salvo melhor entendimento, no caso em concreto, a natureza jurídica dos contratos do IFAP IP e a notificação para modificação ou rescisão destes contratos é distinta da notificação do IEFP pois nem este, e diga-se, nenhum outro Instituto do estado português celebra contratos de financiamento.
G. O IFAP IP é o único órgão pagador de ajudas comunitárias e as concede mediante um contrato de financiamento que é celebrado, nos termos do Decreto-Lei nº 87/2007, de 29 de Março, subsequentemente reestruturado pelo Decreto-Lei nº 195/2012, de 23 de Agosto.
H. Este instituto legalmente sucedeu nas atribuições do Instituto de Financiamento e Apoio ao Desenvolvimento da Agricultura e Pescas (IFADAP), e do Instituto Nacional de Intervenção e Garantia Agrícola (INGA).Por sua vez, o IFADAP era um Banco de Fomento Agrícola, criado junto do Banco de Portugal, nos termos do revogado Decreto-Lei 344/77 de 19 de Agosto. E, ainda é neste sentido, com esta natureza, que o IFAP IP celebra contratos de financiamento. O que não ocorre no IEFP, na Segurança Social ou na Autoridade Tributária por exemplo.
I. O que está aqui em causa não é um mero ato administrativo mas um ato administrativo decorrente da resolução ou modificação de um contrato de financiamento que concedeu a atribuição de ajudas comunitárias. Contrato que obriga o contratante a avisar ao IFAP IP, caso mude de morada.
J. A regra da notificação como uma declaração receptícia admite a exceção prevista no nº 2 do Artº 224º do C.C. onde se dispõe que, ”também é considerada eficaz a declaração que só por culpa do destinatário não foi por ele oportunamente recebida”.
K. Ora, na situação em apreço, deverá considerar-se eficaz a notificação efetuada ao recorrido, uma vez que ela foi remetida para o domicílio indicado no contrato, e só por culpa deste, não foi por ele recebida.
L. Face ao disposto no artigo 224º, nº 2 do Código Civil, a eficácia da declaração receptícia não exige o efetivo conhecimento desta pelo destinatário mas antes a sua cognoscibilidade, traduzida na circunstância de lhe ser possível apreender o conteúdo da declaração por esta haver chegado à sua esfera de conhecimento ou de controlo.(Neste sentido, Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 22/10/2013, processo n.º 378/11.0TBARC-H.P1.)
M. Ora, na medida em que os pagamentos feitos pelo IFAP IP são efetuados por transferência bancária e que são avisados mediante a plataforma online, é de conhecimento comum, neste meio, que uma missiva vinda do IFAP IP, só pode significar cobrança de dívida por incumprimento do contrato.
N. Ora, se a segunda notificação não considerar-se válida, o Instituto teria de passar a despender novos recursos à procura dos beneficiários incumpridores pois, em rigor, bastaria recusar a receção das cartas para não ter de pagar as dívidas.
O. Na mesma perspetiva, foi entendido pelo Tribunal da Relação de Coimbra, em 16/09/2014 no Processo nº 53/14.4TBACN.C1) que “A resolução do contrato comunicada por carta registada com aviso de recepção que a destinatária não recebe nem vai levantar à estação dos correios, não obstante para tal ter sido avisada, é válida e eficaz”.
P. E também o Supremo Tribunal de Justiça se pronunciou já no sentido de que: “1. A declaração negocial recipienda ou receptícia considera-se eficaz não apenas quando é recebida pelo destinatário como ainda quando só por sua culpa exclusiva não foi oportunamente recebida (art. 224º, nº 2, do CC). 2. Na apreciação da culpa e da sua imputação exclusiva no não recebimento da declaração devem ser ponderadas as circunstâncias relevantes, designadamente o grau de diligência concretamente exigível ao destinatário, tendo em conta a natureza e o teor do contrato a que respeita a declaração.» (Cfr. sumário do Ac. STJ de 09/02/2012, Proc. 3792/08.5TBMAI-A.P1.S1).
Q. Ficou provado, nos pontos D, E e F do probatório da sentença , que o aviso postal respetivo foi depositado no recetáculo postal da morada do ora Recorrido., Este podia, por isso, não tendo atendido o carteiro, reclamar a carta junto dos serviços dos correios, para poder aceder à missiva que aguardava tal reclamação.
R. O destinatário, apesar de avisado, só não acedeu à correspondência que lhe era dirigida por inércia própria, pois bastava a deslocação ao serviço dos correios para reclamar a carta.
S. Mesmo assim o IFAP IP, diligente, enviou nova missiva, desta vez por carta simples. Donde que esta notificação/comunicação resolutória deva ter-se por realizada/consumada e operante/eficaz, produzindo os seus legais efeitos.
T. Destarte a questão é se no caso concreto deva se aplicar a disciplina prevista no art.º 224.º do Código Civil. Sobre isto, referem Pires de Lima e Antunes Varela que “No n.º 2, como medida de protecção do declarante, considera-se eficaz a declaração que não foi recebida por culpa do declaratário. É o caso, por exemplo, de este se ausentar para parte incerta ou de se recusar a receber a carta ou de não a ir levantar (…)” (Cfr. Código Civil Amotado, vol. I, 4.ª ed., Coimbra Editora, 1987, p. 214).
U. Assim, sendo indubitável que a carta chegou ao local de residência da destinatária, ali levada pelos serviços postais, que a não entregaram por tal destinatária não ter atendido (o que impossibilitava a assinatura do A/R pela destinatária/recetora), mas tendo deixado aviso de levantamento, não correspondido, o que motivou, ante a ausência de tal levantamento, a sua devolução ao remetente, só pode concluir-se, salvo o devido respeito, que a missiva chegou ao alcance do Recorrido e que este não a levantou por opção sua, o que lhe é imputável, em exclusivo, pois que nada apresenta, neste contexto, no sentido de o não ter podido fazer.
V. Com efeito, a culpa e a exclusividade da culpa enquanto conceitos indeterminados impõem uma apreciação casuística, ponderando designadamente o específico contexto em que os factos ocorreram. Na ausência de outro critério delimitador do conceito de culpa para este efeito, teremos de nos socorrer do art. 487º, nº 2, do CC, nos termos do qual esse elemento subjetivo deve ser concretamente aferido através do recurso ao critério que nos remete para o padrão do cidadão médio, uma vez que a situação dos autos não cabe no âmbito da responsabilidade contratual.
W. No caso dos autos, como dito supra, ficou provado que o aviso foi (efetivamente) entregue na morada/residência do destinatário, o qual, por opção sua, com as inerentes consequências, em termos de culpa, segundo o padrão do homem médio, normalmente diligente, não exerceu o poder de aceder à missiva. Neste sentido, decidiu o Tribunal da Relação de Coimbra, em 14-11-2017, no processo nº 1686/15.7T8LRAC.C1 que“6-Se a carta com aviso de receção contendo a declaração resolutiva foi enviada para a declaratária, chegando à sua morada, mas não lhe tendo sido entregue por a mesma não ter atendido, razão pela qual lhe foi deixado aviso postal para levantamento em estação de correio, ao qual a mesma não correspondeu, não levantando a missiva, o que motivou a sua devolução ao remetente, não se mostrando impedimento de acesso ao aviso ou de levantamento, é de concluir, em tais circunstâncias e segundo as regras da normalidade do viver em sociedade, que só por falta do nível de diligência exigível do homem comum a carta não foi recebida.7. - Em tal caso, é de imputar à destinatária a culpa exclusiva na frustração da oportuna receção, considerando-se eficaz a declaração.
X. Razão pela qual, verifica-se que as duas notificações efetuadas pelo IFAP tem de se considerar válidas e eficazes, e se a mesma não foi rececionada, tal facto é unicamente imputável ao oponente, que estava obrigado a comunicar ao IFAP, I.P. qualquer alteração de morada.
Y. Face ao exposto, verifica-se que ambas as notificações efetuadas pelo IFAP IP, o ofício com a referência nº 006761 /2011, e a cópia do mesmo, enviada por correio normal, tem de se considerar validamente efetuada, e se a mesma não foi rececionada, tal facto é unicamente imputável ao oponente, razão pela qual, deve o presente recurso ser julgado procedente por provado e em consequência ser proferido acórdão revogando a sentença ora recorrida.
Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente por provado e em consequência ser revogada a decisão recorrida, assim se fazendo JUSTIÇA!».
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Não há registo de apresentação de contra-alegações.
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O Exmo. Magistrado do Ministério Público («EMMP») pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso.

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Colhidos os vistos legais, vem o processo submetido à conferência da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais do Tribunal Central Administrativo Sul para decisão.

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II – DO OBJECTO DO RECURSO

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações (cf. art.º 635.º, n.º 4 e art.º 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil - «CPC» - ex vi art.º 281.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário - «CPPT»), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente.

Assim, delimitado o objeto do recurso pelas conclusões das alegações do Recorrente, importa decidir se deve ser revogada a sentença proferida pelo Tribunal a quo com fundamento em erro de julgamento, atendendo a que ficou demonstrado que o Recorrido foi notificado da decisão administrativa que determinou a reposição do subsídio recebido e que deu origem à instauração do PEF aqui em causa.

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III – FUNDAMENTAÇÃO

III.A - De facto

A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:
«A) Em 15/01/2004, na sequência de uma candidatura apresentada pelo Oponente ao Programa AGRO – Medida 5, correspondente ao Projecto n.º 2003630027773 do Instituto de Financiamento e Apoio ao Desenvolvimento da Agricultura e Pescas (IFADAP), foi proferido despacho a conceder ao Oponente a atribuição de um apoio financeiro, sob a forma de subsídio não reembolsável, no valor de 44.169,14€ [cf. fls. não numeradas do processo instrutor apenso].
B) Em 22/01/2004, entre o IFADAP e o Oponente foi assinado o contrato «de atribuição de ajuda ao abrigo do programa AGRO» em execução do Projecto n.º 2003630027773 [cf. fls. 21 a 24 dos presentes autos].
C) Por despacho do Gestor do Programa Agro, de 08/10/2009, proferido no âmbito do Projecto n.º 2003630027773, foi determinada a modificação do contrato de atribuição de ajudas e a devolução do subsídio no valor de 30.650,72€ acrescido de juros [cf. fls. não numeradas do processo instrutor apenso].
D) Em 24/02/2011, o IFAP remeteu para a morada do Oponente, através de carta registada com aviso de recepção, ofício com a referência 006761/2011, destinado a comunicar-lhe a decisão final proferida pelo Gestor do Programa Agro e para proceder ao pagamento voluntário da dívida no montante de 38.401,95€ [cf. fls. não numeradas do processo instrutor apenso].
E) A carta mencionada na alínea anterior foi devolvida, em 09/03/2011, com a menção de «objecto não reclamado» e indicação de ter sido deixado avisado na estação de correios, em 25/02/2011, por motivo de «não atendeu» [cf. fls. não numeradas do processo instrutor apenso].
F) Consta a fls. não numeradas do processo instrutor, cópia de um ofício dirigido ao Oponente, para a sua morada, por correio normal, com indicação de ter sido expedido, em 23/03/2011, com o seguinte teor: «Serve a presente carta para lhe remeter, o ofício de Decisão Final com a referência 006761/2011, de 24/02/2011, que lhe foi anteriormente enviado por Carta Registada com Aviso de Recepção para a morada que constava no projecto e foi devolvida com a indicação de “Não Atendeu”».
G) Em 03/09/2012, pelo IFAP foi extraída a certidão de dívida de fls. 20 dos autos, cujo teor aqui se dá como reproduzido, no montante total em dívida de 43.358,13€, do qual o valor de 9.642,34€ corresponde a juros vencidos.
H) Em 16/10/2012, com base na certidão de dívida mencionada na alínea anterior, no Serviço de Finanças de Crato foi instaurado, contra o Oponente, o processo de execução fiscal n.º 1651201201002759, para cobrança da quantia exequenda de 43.358,13€ [cf. fls. 17 a 19 dos presentes autos].
I) O Oponente foi citado na execução fiscal, em 05/08/2013 [cf. fls. 29 a 32 dos presentes autos].
J) A presente oposição foi deduzida em 29/08/2013 [cf. fls. 33-verso dos presentes autos].
K) Em 21/11/2013, o IFAP solicitou ao Serviço de Finanças a redução dos juros de mora vencidos constantes da certidão de dívida para o montante de 1.170,18€ [cf. fls. 56 dos presentes autos].».

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A decisão recorrida consignou como factualidade não provada o seguinte:
«Com interesse para a decisão nada mais de provou.».

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Mais resulta consignado em termos de motivação da matéria de facto o seguinte:
«A decisão da matéria de facto efectuou-se com base nos documentos juntos aos autos e ao processo instrutor apenso, conforme discriminado em cada uma das alíneas dos factos provados.».

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III.B De Direito

Insurge-se o Recorrente contra a sentença recorrida por, alegadamente, padecer de erro de julgamento, concretamente em relação à demonstração da notificação da decisão que determinou a reposição do subsídio recebido pelo Recorrido e cujo não pagamento está na génese da execução fiscal em causa. Vem, assim, o Recorrente peticionar a revogação da sentença que recaiu sobre a oposição à execução fiscal apresentada no PEF n.º 1651201201002759, defendendo, em suma, que in casu se pode concluir que o Recorrido foi notificado da sobredita decisão.
Apreciemos.

Adiantando, desde já, a nossa posição, entendemos que a sentença em dissídio não padece do desacerto que lhe vem assacado nas alegações recursivas.

Vejamos, então, porquê.

A dívida em apreço não tem natureza tributária, dado tratar-se da cobrança de dívida ao IFAP – ora Recorrente –, mediante execução fiscal, decorrente de decisão proferida no sentido de ordenar a reposição pelo Recorrido da ajuda recebida.

Está, assim, em causa um ato administrativo, pelo que
in casu serão de aplicar as regras sobre notificação contidas no Código de Procedimento Administrativo («CPA»), e não as regras sobre a notificação de atos tributários previstas no CPPT.

Como é sabido, tais atos, quando gozam de eficácia externa, têm de ser notificados aos interessados, mediante comunicação oficial e formal, na forma prevista na lei, de acordo com a imposição ínsita no n.º 3 do art.º 268.º da Constituição da República Portuguesa («CRP»), tendo a falta de notificação como consequência legal a ineficácia do ato.


Por isso, na concretização desse imperativo constitucional, o art.º 66.º do CPA, na redação aplicável à data, estabelecia que devem ser notificados aos interessados os atos administrativos que decidam sobre quaisquer pretensões por eles formuladas, que imponham deveres, sujeições ou sanções, ou causem prejuízos, ou que criem, extingam, aumentem ou diminuam direitos ou interesses legalmente protegidos, ou afetem as condições do seu exercício.



A notificação desempenha, assim, um papel garantístico ou processual, na medida em que só após a notificação pode o ato ser oponível ao visado e tem início o decurso do prazo de impugnação – cf. acórdão do Supremo Tribunal Administrativo («STA»), de 14/01/2015, proc. n.º 1618/13, disponível em
www.dgsi.pt.

Quanto às formalidades das notificações, o art.º 70.º, n.º 1, alínea a), do CPA, na redação aplicável à data, dispunha que
«as notificações podem ser feitas por via postal, desde que exista distribuição domiciliária na localidade de residência ou sede do notificando (…)».

Em anotação a este preceito legal, Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves e João Pacheco de Amorim, referem, no «Código de Procedimento Administrativo – Comentado», 2ª Ed., pág. 361, com relevância para o caso que agora nos ocupa, que «o envio da notificação pelos correios é feito sob a forma registada, não havendo nenhuma razão para distinguir neste aspecto o processo judicial e o processo administrativo, considerando-se, portanto, que vale aqui, até por razões de certeza, a regra do artigo 254º do Código de Processo Civil: fica feita prova no processo (ao qual é junto o respectivo talão de registo) de que a notificação foi enviada e em que data, podendo presumir-se (como em juízo) que os serviços postais entregaram, nos prazos normais, aos respectivos destinatários, a correspondência que lhes é confiada. Note-se, porém, que não funciona para as notificações procedimentais feitas por registo postal a regra aplicável em matéria de notificações judiciais (nº 3 do art. 1º do Decreto-Lei nº 121/76), segundo o qual elas se consideram feitas no terceiro dia posterior à data do registo (ou no primeiro dia útil imediatamente subsequente).».





No mesmo sentido, veja-se também António Francisco de Sousa, in «Código de Procedimento Administrativo – Anotado e Comentado», 2009, pág. 234, que refere que «A notificação por via postal deve ser feita em carta registada, aplicando-se neste domínio o regime previsto no art.º 254.º do CPC. A carta registada permite a recolha de prova no processo (pela apensação do talão de registo, que prova o envio e a sua data).».

No caso dos autos, ficou provado que em 24/02/2011, o IFAP remeteu para a morada do Oponente – ora Recorrido –, através de carta registada com aviso de receção, ofício com a referência 006761/2011, destinado a comunicar-lhe a decisão final proferida pelo Gestor do Programa Agro e para proceder ao pagamento voluntário da dívida no montante de 38.401,95€ (cf. ponto D) dos factos provados).

Mais ficou provado que a sobredita carta foi devolvida ao Recorrente em 09/03/2011 com a menção de «objecto não reclamado» e a indicação de ter sido deixado aviso na estação de correios, em 25/02/2011, por motivo de «não atendeu» (cf. ponto E) do probatório).

Nestas situações, de frustração de receção de correspondência remetida através de carta registada com aviso de receção que visa a interpelação do destinatário para proceder ao cumprimento de obrigação pecuniária, determina o CPC que deverá proceder-se à notificação mediante contacto pessoal (cf. art.º 239.º, correspondente ao atual art.º 231.º do novo CPC) ou enviar-se nova carta registada com aviso de receção (na hipótese do art.º 237.º-A, n.º 4, correspondente ao atual art.º 229.º do CPC) – cf. neste sentido o acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 12/12/2024, proc. n.º 00030/12.0BEMDL, disponível em www.dgsi.pt.



Ora, no caso dos presentes autos não foi isso que foi feito, dado que o que ressalta do probatório é que em 23/03/2011 terá sido dirigido ao Recorrido ofício, para a sua morada, por correio normal, com o seguinte teor: «Serve a presente carta para lhe remeter, o ofício de Decisão Final com a referência 006761/2011, de 24/02/2011, que lhe foi anteriormente enviado por Carta Registada com Aviso de Recepção para a morada que constava no projecto e foi devolvida com a indicação de “Não Atendeu”» (cf. ponto F) da factualidade assente).

E aqui acompanhamos a conclusão retirada na decisão recorrida, no sentido de que «a notificação por correio simples não constitui uma forma legal de notificação de actos administrativos, na medida em que não é adequada a garantir o seu conhecimento efectivo por parte do destinatário, quer por não permitir comprovar a remessa da carta, quer por não afastar o risco de extravio da carta, de cujo envio não existe registo.»

In casu, considerando que o Recorrente alegou não ter tido conhecimento do ato administrativo que determinou a reposição do subsídio, quem tinha o ónus de provar que procedeu à notificação da decisão definitiva e para pagamento voluntário da verba referente à restituição da ajuda era o Recorrente, demonstração que não foi feita.

No caso, não pode, portanto, considerar-se a notificação eficaz para efeito de instauração do processo de execução fiscal e cobrança coerciva da dívida, na medida em que não logrou provar-se que o seu destinatário teve oportunidade, previamente, de cumprir voluntariamente a obrigação de restituição da quantia referente à ajuda, dado que não se sabe, com a segurança e certeza exigíveis, se chegou a rececionar, designadamente, a segunda missiva destinada a interpelá-lo para o efeito.



Sem um ato prévio que tenha sido devidamente notificado ao destinatário para cumprir a obrigação pecuniária em determinado prazo, a dívida exequenda não é exigível. Neste tipo de atos, a notificação funciona como interpelação ao devedor para cumprimento em determinado prazo, findo o qual se constitui em mora (cf. art.ºs 777.º e 805.º do Código Civil). Donde, não tendo sido notificado o ato ao seu destinatário, não se iniciou o prazo para pagamento voluntário da dívida e, portanto, por falta da necessária interpelação do obrigado, aqui Recorrido, não se pode dizer que a dívida se venceu e tornou exigível, que é fundamento de oposição à execução, enquadrável na alínea i) do n.º 1 do art.º 204.º do CPPT.


Como se refere no acórdão do STA de 19/10/2011, no proc. n.º 0578/11, disponível em www.dgsi.pt: “(…) Para se proceder à execução forçada de um acto é pois necessário: (i) que ele contenha uma obrigação, (ii) que seja notificado ao obrigado, (ii) e que o seu destinatário não tenha cumprido voluntariamente a obrigação que se lhe impôs. Se estas condições não se verificam, então a obrigação não é exigível. (…)”.

Importa, ainda, assinalar que independentemente das cláusulas contratuais estabelecidas entre as partes, no que respeita a notificações de atos administrativos imperam as normas que para o efeito se encontram definidas no CPA. Neste exato sentido, veja-se o acórdão deste Tribunal de 25/02/2021, proc. n.º 775/15.2BELLE, consultável em www.dgsi.pt.

Diga-se, também, que contrariamente ao alegado pelo Recorrente, a decisão do presente litígio não demanda a aplicação do disposto no art.º 224.º do Código Civil («CC»), relativo à eficácia da declaração negocial, mas antes as regras que acima se deixaram apontadas em matéria de validade da notificação de atos administrativos, dado que são estas que regulam as formalidades a observar na sua comunicação ao visado.


De todo o modo, sempre podemos afirmar que a aplicação do regime jurídico plasmado naquela norma do CC reclama que a declaração negocial chegue ao poder do destinatário ou dele seja conhecida para que seja eficaz, o que no caso dos autos não ficou minimamente demonstrado, dado que o Recorrente não logrou produzir prova nesse sentido.

Por outro lado, também não se pode dizer que foi por culpa do Recorrido que o ato em causa não chegou ao seu conhecimento, pois também não ficou provado no caso que agora nos ocupa que o Recorrente tenha cumprido as regras aplicáveis em matéria de notificação de atos administrativos, cuja observância é essencial para assegurar as finalidades garantísticas que a figura da «notificação» visa, em geral, acautelar. Pelo que também por aqui não podem proceder as alegações recursivas formuladas pelo Recorrente.

Em face do exposto, e sem necessidade de mais nos alongarmos, o recurso não merece provimento, devendo a sentença recorrida ser revogada, o que de seguida se decidirá.
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IV- DECISÃO

Termos em que acordam, em conferência, os Juízes da Subsecção de Execução Fiscal e Recursos Contraordenacionais do Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente.

Registe e notifique.


Lisboa, 15 de julho de 2025

(Filipe Carvalho das Neves)

(Luísa Soares)

(Isabel Vaz Fernandes)