| Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
| Processo: | 180/25.2BEALM | 
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| Secção: | CT | 
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| Data do Acordão: | 10/16/2025 | 
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| Relator: | FILIPE CARVALHO DAS NEVES | 
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| Descritores: | PRESCRIÇÃO INSOLVÊNCIA ART.º 100.º DO CIRE EXONERAÇÃO DO PASSIVO RESTANTE | 
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| Sumário: | I – O regime da sanação da falta de citação previsto no Código de Processo Civil não é aplicável ao processo de execução fiscal, pois o art.º 165.º, n.º 1, alínea a) do CPPT é uma norma expressa sobre o efeito da falta de citação nestes processos executivos, de que resulta que se for de concluir que a falta de citação pode ter prejudicado a defesa de quem devia ser citado, estar-se-á perante uma nulidade insanável, que nunca poderá considerar-se sanada, independentemente das intervenções processuais que essa pessoa tenha concretizado. II – Renovada a prescrição cuja arguição se omitiu no incidente da reclamação de créditos no âmbito do processo de insolvência do Recorrente, o prazo de prescrição inicia a sua contagem a partir da data da decisão aí proferida que reconheceu o crédito reclamado e depois o graduou. III - O art.º 100.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas («CIRE») estabelece uma causa de suspensão da contagem do prazo de prescrição desde a prolação da sentença que decrete a insolvência até ao termo do respetivo processo, sendo o mesmo aplicável às dívidas tributárias. IV - Durante os anos atinentes ao «período de cessão» (cf. art.º 239.º do CIRE), apesar de estar encerrado o processo de insolvência da pessoa individual que tenha requerido a exoneração do passivo restante e o credor tributário não possa reativar a execução fiscal, não é lícito daí concluir que possa alargar-se, sem lei expressa que o preveja, o período de suspensão do prazo de prescrição ao abrigo do disposto no art.º 100.º do CIRE, não podendo também extrair-se por via interpretativa do art.º 242.º do CIRE esse alargamento do prazo. | 
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| Votação: | Unanimidade | 
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| Indicações Eventuais: | Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais | 
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| Aditamento: |  | 
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| Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Subsecção de Execução Fiscal e Recursos Contraordenacionais do Tribunal Central Administrativo Sul I – RELATÓRIO L…, melhor identificado nos autos, interpôs recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada em 15/05/2025 que julgou improcedente a reclamação judicial por si apresentada contra o despacho proferido pela Coordenadora da Secção de Processo Executivo de Setúbal do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P. («IGFSS») em 24/01/2025, que, além do mais, indeferiu o pedido de verificação da prescrição das dívidas exequendas nos processos de execução fiscal («PEF») n.ºs 1501201300463434, 1501201400114715, 1501201500215910, 1501201500473880, 1501201600270482, referentes a contribuições de trabalhador independente, no valor total de 26.184,12 Euros. Subiram os autos ao Supremo Tribunal Administrativo («STA») que, por decisão sumária de 01/08/2025, declarou-se incompetente, em razão da hierarquia, para conhecer o mérito do recurso, sendo competente para esse efeito a Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul («TCAS»), ao qual o processo foi remetido. Nas suas alegações de recurso, o Recorrente formula, a final, as seguintes conclusões: «A - A matéria sob a égide recursiva é estritamente de direito pelo que é competente para decidir o Supremo Tribunal Administrativo. B - O ora recorrente não recebeu as citações para os processos de execução fiscal 1501201300463434, 1501201400114715; 1501201500215910, 1501201500473880 e 1501201600270482. C - O Tribunal “a quo” entende em evidente erro de julgamento, que o requerimento a solicitar a um pedido de análise de prescrição da divida sana a nulidade decorrente da falta de citação D - Ora a sentença recorrida pese embora o devido respeito pelo julgador, o qual sempre será muito elevado, gravita em erro de direito e atenta contra a norma legal prevista no artigo 191º do CPPT, e ainda contra a jurisprudência dos Tribunais superiores, vg. acórdão do STA de 07-07-2010, proc. n.º 0214/10 e de 02-04-2014, proc. n.º 0217/14, disponível em www.dgsi.pt) E - Deste modo, o regime da sanação da falta de citação previsto no Código de Processo Civil não é aplicável ao processo de execução fiscal, pois o artigo 165.º n.º 1, alínea a), do CPPT é uma norma expressa sobre o efeito da falta de citação nestes processos executivos. F - Se for de concluir que a falta de citação pode ter prejudicado a defesa de quem deveria ser citado, estar-se-á perante uma nulidade insanável, que nunca poderá considerar-se sanada, independentemente das intervenções processuais que essa pessoa tenha como reza a jurisprudência supra. G - A falta de citação que o Tribunal “a quo” não rejeita, prejudicou os direitos de defesa, impedindo-o de recorrer à via judicial, através dos Tribunais Administrativos e Fiscais, ou a mera possibilidade de o fazer (cfr o Conselheiro Jorge Lopes de Sousa ob cit) pelo que estamos perante uma nulidade insanável nos termos do artigo 165º nº 1 do CPPT, sendo de conhecimento oficioso, nos termos do nº 4 do preceito. H - Não se pode afirmar, no presente caso, de forma cabal e desprovida de incertezas que a defesa do reclamante não foi prejudicada, porque anos mais tarde e com a convicção que divida estava prescrita suscitou a prescrição que é de conhecimento oficioso por força do regime legal contemplado no artigo 175º do CPPT.(cfr. Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, Volume III, 6.ª edição, Áreas Editora pp.138-139), razão pela qual devem proceder as alegações do Reclamante quanto à alegada falta de citação. I - A prescrição interrompe-se com a prática de qualquer diligência administrativa, realizada com conhecimento do responsável pelo pagamento, conducente à liquidação ou cobrança da dívida. J - Ora, o pedido de prescrição de uma dívida, que é de conhecimento oficioso não pode ser incluído na norma do artigo 187º do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, não resultado do elemento literal do preceito, nem da interpretação do mesmo, não tendo qualquer ancora jurisprudencial, não sendo uma diligência realizada pelo OEF, bem pelo contrário, trata-se de um pedido de anulação da liquidação. L - Referindo-se aos processos que constam na sentença MMº Juiz de 1ª Instância subscreveu na sentença que “Quanto aos restantes processos, o prazo prescricional foi suspenso, nos termos do art.º 100.º do CIRE, a 21-06-2018, suspensão essa que cessou em 18-05-2022; M - É uma inteira verdade, mas o julgador olvida que atenta a falta de citação, que por motivos que amplamente expendemos, não pode ser suprida na execução fiscal o prazo prescricional de cinco anos preceituado no artigo 187º nº 1 do CRCSPS nos anos referidos nos processos já se encontra completamente ultrapassado nos processos n.ºs 1501201300463434, n.º 1501201400114715, 1501201500215910, No processo n.º 1501201500473880 No processo n.º 1501201600270482 N - A sentença recorrida atenta contra a norma legal prevista no artigo 191º do CPPT, e ainda contra a jurisprudência dos Tribunais superiores, vg. acórdão do STA de 07-07-2010, proc. n.º 0214/10 e de 02-04-2014, proc. n.º 0217/14, disponível em www.dgsi.pt), sendo que o artigo 189º do CPC não se aplica na execução fiscal. O - Deveria ter aplicado o regime da nulidade decorrente da falta de citação, e interpretado o artigo 192º do CPPT, considerando que a nulidade por falta de citação não pode ser sanada por força de uma qualquer intervenção no processo, porque o artigo 189º do CPC não se aplica em sede de execução fiscal P - No caso dos autos não há quaisquer elementos que permitam concluir no sentido de que o alegado prejuízo para a defesa da executada decorrente da impossibilidade de dedução de oposição à execução fiscal e suspensão do processo executivo mediante prestação de garantia não se verificou Q - O Tribunal “a quo”, deveria ter entendido que o pedido de análise da prescrição, para os PEF's mencionados em 1”, não é está compreendido nas causas específicas e especiais que determinam a interrupção da prescrição e que a prescrição só se interrompe com a prática de qualquer diligência administrativa, realizada com conhecimento do responsável pelo pagamento, conducente à liquidação ou cobrança da dívida, apelando à vastíssima jurisprudência dos Tribunais Superiores que elencamos. R - Mesmo com a suspensão decorrente do artigo 100º do CIRE e das leis da Covid os processos 1501201300463434, 1501201400114715, 1501201500215910, 1501201500473880, devem ser declarados prescritos. Nestes termos, nos melhores de direito, sempre com o douto suprimento de V. Exas., deve o presente Recurso ser julgado procedente por provado e revogada a douta Sentença do Tribunal “a quo”, com todas as consequências legais daí advindas, nomeadamente julgando totalmente procedente o recurso judicial interposto. E declarando prescritos os processos de execução fiscal nºs 1501201300463434, 1501201400114715;1501201500215910; 1501201500473880 e 1501201600270482.». *Regularmente notificado, o Recorrido não apresentou contra-alegações. * * * O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações (cf. art.º 635.º, n.º 4 e art.º 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil - «CPC» - ex vi art.º 281.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário - «CPPT»), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente. Assim, delimitado o objeto do recurso pelas conclusões das alegações do recorrente, importa decidir se deve ser revogada a sentença recorrida com fundamento em erro de julgamento na aplicação e interpretação do direito, reconhecendo-se, a final, a prescrição das dívidas exequendas dos PEF em referência. * III.A - De facto A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos: «1- Os processos de execução fiscal (PEF’s) n.º 1501201100243400 e apensos (1501201100548170, 1501201300463434, 1501201400114715, 1501201500215910, 1501201500473880, 1501201600270482), foram instaurados contra o oponente por dívidas de contribuições de trabalhador independente, dos períodos de 03/2007 a 11/2015. 2- Nomeadamente: i. No processo n.º 1501201300463434, estão em causa dívidas dos períodos compreendidos entre 11/2011 e 10/2012; ii. No processo n.º 1501201400114715, estão em causa dívidas dos períodos compreendido sentre 11/2012 e 10/2013; iii. No processo n.º 1501201500215910, estão em causa dívidas dos períodos compreendidos entre 11/2013 e 10/2014; iv. No processo n.º 1501201500473880, estão em causa dívidas dos períodos compreendidos entre 11/2014 e 02/2015; e v. No processo n.º 1501201600270482, estão em causa dívidas dos períodos compreendidos entre 03/2015 e 04/2016. 3- O ora reclamante foi citado por via postal registada com A/R: i. Para o processo n.º 1501201100243400, em 24-05-2011; ii. Para o processo n.º 1501201100548170, em 29-11-2012. 4- O executado, ora Reclamante, foi declarado insolvente em 21-06-2018, no processo n.º 4780/18.9T8STB, do Juízo de Comércio de Setúbal - Juiz 1, tendo sido proferido despacho final de exoneração do passivo restante em 18-05-2022. 5- Em 26-10-2022, o reclamante apresentou um pedido de análise de prescrição, para os PEF's mencionados em 1. 6- A dívida cuja prescrição foi requerida corresponde ao crédito da Segurança Social que foi reclamado e reconhecido/graduado nos autos de insolvência. 7- O administrador da insolvência foi notificado da reclamação de créditos em 20-07-2018, não tendo impugnado a mesma. 8- A dívida reclamada pela Segurança Social, e em execução nos PEF’s ora sob reclamação, consta da lista de créditos reconhecidos pelo administrador da insolvência. 9- A sentença de verificação/graduação de créditos, datada de 01-10-2018 homologou o crédito, tendo transitado em julgado. 10- Em 24-01-2025, foi proferido despacho de pela Coordenadora da Secção de Processo Executivo de Setúbal, do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, que recusou a apreciação da prescrição das dívidas exequendas nos processos de execução fiscal (PEF’s) n.º 1501201100243400 e apensos (1501201100548170, 1501201300463434, 1501201400114715, 1501201500215910, 1501201500473880, 1501201600270482). 11- A presente Reclamação deu entrada no órgão de execução fiscal (OEF), em 18- 02-2025.». *A decisão recorrida consignou como factualidade não provada o seguinte: «1- Que o ora reclamante haja recebido as citações para os processos de execução fiscal n.º 1501201300463434, 1501201400114715, 1501201500215910, 1501201500473880 e 1501201600270482.». * «A matéria de facto dada como provada, teve em conta os documentos juntos aos autos, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT. O facto dado como não provado deve-se à ausência de prova a seu respeito, nomeadamente a não prova do envio da citação no processo 1501201300463434, e a devolução das citações nos restantes processos ali referidos. Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações de direito ou de natureza conclusiva, insusceptíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.». * 12 - O processo de insolvência n.º 4780/18.9T8STB, referido no ponto 4. do probatório, foi encerrado em 16/10/2018 – cf. documento n.º 2 junto com a petição inicial e informação que se extrai da plataforma Citius. *III.B De Direito Insurge-se o Recorrente contra a sentença recorrida por, alegadamente, padecer de erro de julgamento na aplicação e interpretação do direito, pugnando pela sua revogação, concluindo, fundamentalmente, que já decorreu o prazo de prescrição das dívidas exequendas em causa. Para tanto, alega o Recorrente, em suma, que «(…) o regime da sanação da falta de citação previsto no Código de Processo Civil não é aplicável ao processo de execução fiscal, pois o artigo 165.º n.º 1, alínea a), do CPPT é uma norma expressa sobre o efeito da falta de citação nestes processos executivos» e, por essa, razão, não se pode considerar que tenha sido citado para os PEF n.ºs 1501201300463434, 1501201400114715, 1501201500215910, 1501201500473880, 1501201600270482. Mais alega que «Mesmo com a suspensão decorrente do artigo 100º do CIRE e das leis da Covid os processos 1501201300463434, 1501201400114715, 1501201500215910, 1501201500473880, devem ser declarados prescritos.». Sustenta o DMMP junto deste Tribunal que não tem razão o Recorrente, e que, por isso, a sentença recorrida deve ser mantida na ordem jurídica. Apreciemos. Adiantando, desde já, a nossa posição, entendemos que tem razão o Recorrente. Vejamos, então, porquê. O instituto da prescrição, regulando o conteúdo das relações jurídico-materiais (porque contende com os elementos extintivos das obrigações), assume natureza substantiva, e tem vindo a ser sujeito a alterações, quer quanto aos prazos prescricionais, quer quanto às causas de interrupção. Com efeito, a prescrição da dívida exequenda constitui um facto extintivo da obrigação exequenda, e um fundamento de oposição à execução fiscal, nos termos da alínea d) do n.º 1 do art.º 204.º do CPPT, cuja procedência determina a extinção do respetivo PEF, nos termos da alínea b) do n.º 1 do art.º 176.º do CPPT. O regime contributivo da Segurança Social dispõe de regras próprias no que concerne à prescrição, previstas no art.º 63.º da Lei n.º 32/2002, de 20 de dezembro, o qual, para o que releva para o caso dos autos, consagra o seguinte regime: «2 - A obrigação do pagamento das quotizações e das contribuições prescreve no prazo de cinco anos a contar da data em que aquela obrigação deveria ter sido cumprida. 3- A prescrição interrompe-se por qualquer diligência administrativa, realizada com conhecimento do responsável pelo pagamento, conducente à liquidação ou à cobrança da dívida.». O regime da prescrição manteve-se quanto ao prazo e ao seu termo inicial inalterado nas posteriores alterações introduzidas ao mencionado diploma legal (cf. art.º 60.º da Lei n.º 4/2007, de 16/01, e art.º 187.º da Lei n.º 110/2009, de 16/09 - Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social - «CRCSPSS»). Com efeito, preceitua o art.º 187.º do CRCSPSS, sob a epígrafe «Prescrição da obrigação de pagamento à segurança social», o seguinte: «1 - A obrigação do pagamento das contribuições e das quotizações, respetivos juros de mora e outros valores devidos à segurança social, no âmbito da relação jurídico-contributiva, prescreve no prazo de cinco anos a contar da data em que aquela obrigação deveria ter sido cumprida. 2 - O prazo de prescrição interrompe-se pela ocorrência de qualquer diligência administrativa realizada, da qual tenha sido dado conhecimento ao responsável pelo pagamento, conducente à liquidação ou à cobrança da dívida e pela apresentação de requerimento de procedimento extrajudicial de conciliação. 3 - O prazo de prescrição suspende-se nos termos previstos no presente Código e na lei geral.». «Diligências administrativas», neste contexto, são todas as que ocorram nos processos administrativos de liquidação e nos PEF, conducentes à liquidação e cobrança da dívida, de que venha a ser dado conhecimento ao devedor (além de outras, a citação, a penhora, a notificação do responsável subsidiário para se pronunciar sobre a possibilidade de reversão e a notificação do ato que a decide – cf., a este propósito, os acórdãos do STA de 21/04/2010, processo n.º 023/10, e de 20/05/2015, processo n.º 01500/14; cf. igualmente Jorge Lopes de Sousa, Sobre a Prescrição da Obrigação Tributária, págs. 127 a 129). O prazo de prescrição conta-se, in casu, a partir da data em que o facto tributário ocorreu, ou seja, a partir da data em que a obrigação deveria ter sido cumprida (cf. Jorge Lopes de Sousa, op. cit., pág. 126), que no caso de contribuições para a Segurança Social é até ao dia 20 do mês seguinte a que respeita (cf. art.º 43.º do CRCSPSS). Por falta de regulamentação dos efeitos decorrentes da interrupção do prazo de prescrição, há que aplicar as normas contidas no Código Civil («CC»), designadamente o n.º1 do art.º 326.º, que estabelece que «[a] interrupção inutiliza para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do ato interruptivo, sem prejuízo do disposto nos nºs 1 e 3 do artigo seguinte», bem como o n.º 1 do art.º 327.º do mesmo diploma, que dispõe que «Se a interrupção resultar de citação, notificação ou ato equiparado, ou de compromisso arbitral, o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo». A este propósito, veja-se o que se deixou dito no acórdão do STA de 13/03/2019, proc. n.º 01437/18.4BELRS, disponível em www.dgsi.pt: «Relativamente às dívidas de natureza tributária, temos por inquestionável que a prescrição só é aceite enquanto expressamente prevista nas normas de direito tributário que admitam a sua existência, definam o seu prazo e tipifiquem os actos interruptivos e suspensivos – como acontece com as normas contidas na LGT. Todavia, e como acima referimos, tal não significa que os efeitos dos actos interruptivos não possam ser colhidos no Código Civil, atenta a circunstância de, atualmente, inexistir na LGT qualquer norma sobre a matéria. Com efeito, embora este diploma legal fixe, de forma taxativa, os actos interruptivos da prescrição, ela não define os efeitos desses actos, isto é, não define se eles têm efeito instantâneo ou duradouro. É certo que durante muitos anos a legislação tributária continha essa definição – cfr. o art.º 27º do CPCI, o art.º 34º do CPT e o art.º 48º da LGT até à alteração introduzida pela Lei n.º 53-A/2006, de 29/12 – sempre no sentido de que o efeito da interrupção só cessava se o processo que constituía a causa interruptiva ficasse parado mais de um ano por facto não imputável ao contribuinte. O que equivalia a conferir efeito duradouro a todos os actos interruptivos, já que a prescrição não corria após esses actos e só voltava a correr caso cessasse esse efeito duradouro por mor da paragem do processo nos termos referidos (acrescentando-se, então, ao prazo que a partir daí se iniciava, todo o prazo que decorrera até à instauração do processo, o que, na prática, equivalia a converter ou “desgraduar”, nesse específico caso, a interrupção em suspensão da prescrição). Contudo, após a alteração introduzida no art.º 49º da LGT pela Lei nº 53-A/2006, de 29/12, esse regime desapareceu e deixou de haver norma a definir os efeitos dos actos interruptivos da prescrição relativamente a obrigações tributárias. Razão por que não há como deixar de aplicar as normas contidas no C.Civil, onde, como se viu, o artigo 326º estabelece que «a interrupção inutiliza para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do ato interruptivo, sem prejuízo do disposto nos nºs 1 e 3 do artigo seguinte» e o artigo seguinte dispõe que «1. Se a interrupção resultar de citação, notificação ou ato equiparado, ou de compromisso arbitral, o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo». Assim, a jurisprudência consolidada do STA é no sentido de que a interrupção decorrente da citação do executado inutiliza todo o tempo decorrido até à data em que se verificou o facto interruptivo e obsta ao início da contagem do novo prazo enquanto o processo executivo não findar. Cumpre, também, assinalar que o art.º 100.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas («CIRE») preceitua que «A sentença de declaração da insolvência determina a suspensão de todos os prazos de prescrição e de caducidade oponíveis pelo devedor, durante o decurso do processo.». Ora, o processo de insolvência decorre entre a declaração de insolvência (no caso de pessoa singular) e cessa pelo encerramento determinado por despacho, publicado e registado, nos termos do art.º 230.º do CIRE. Relativamente a este tema da suspensão do prazo de prescrição ao abrigo do art.º 100.º do CIRE, importa convocar o doutrinado no acórdão do STA de 11/10/2023, processo n.º 063/23.0BELRA, disponível em www.dgsi.pt: «(…) a lei nada dispôs (de diverso) para o caso de o insolvente individual ter requerido a exoneração do passivo restante nos termos dos artigos 235º e sgs do CIRE, caso em que, apesar de encerrado o processo, continua a não ser possível ao credor executar o seu crédito (artigo 242º nº 1), e seria necessário dizê-lo pois que relativamente ao regime da prescrição em causa estão “garantias dos contribuintes”, sujeitas ao principio constitucional da legalidade tributária (artigo 103.º n.º 2 da CRP), matéria onde não há lugar à integração de lacunas. Reconhece a sentença, transcrevendo o referido acórdão do TCA Norte, que sendo certo que, durante os cinco anos designados por “período de cessão”, apesar de estar encerrado o processo de insolvência da pessoa individual que tenha requerido exoneração do passivo restante, o credor tributário não poder reativar a execução fiscal, não é lícito daí concluir que possa alargar-se, sem lei expressa que o preveja, o período de suspensão do prazo de prescrição, não podendo extrair-se por via interpretativa do artigo 242.º do CIRE esse alargamento do prazo de suspensão. Em conclusão, bem andou a sentença recorrida ao julgar que O princípio da legalidade no direito fiscal e a proibição da aplicação analógica das normas fiscais, inclusive em matéria de regime da prescrição, obstam a que se considere que, uma vez encerrado o processo de insolvência de uma pessoa individual que tenha requerido a exoneração do passivo restante, o prazo de prescrição da dívida exequenda, suspenso nos termos do artigo 100º do CIRE, continue suspenso após aquele encerramento, durante o “período de cessão” (cf. artigos 239º e 242º do CIRE) até ser proferida decisão final de concessão definitiva de exoneração do passivo restante.» (destaque nosso). Estabelece, por seu turno, a alínea a) do n.º 1 do art.º 165.º do CPPT que constitui nulidade insanável «A falta de citação, quando possa prejudicar a defesa do interessado». Para que ocorra a falta de citação, e apoiando-nos na lição de Jorge Lopes de Sousa (in Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, Volume III, 6.ª edição, págs. 138/139), basta a mera possibilidade de prejuízo para a defesa do executado e não a demonstração da existência de efetivo prejuízo, tal como também se sumariou no acórdão do STA de 02/04/2014, processo n.º 0217/14, disponível em www.dgsi.pt: «III - Para que ocorra a nulidade por falta de citação basta a mera possibilidade de prejuízo para a defesa do executado e não a demonstração da existência de efectivo prejuízo». Já no que tange ao «suprimento» desta nulidade, como se apontou no acórdão do STA de 07/07/2010, proc. n.º 0214/10, consultável em www.dgsi.pt, o regime da sanação da falta de citação previsto no CPC não é aplicável ao processo de execução fiscal, pois o art.º 165.º n.º 1, alínea a), do CPPT é uma norma expressa sobre o efeito da falta de citação nestes processos executivos, de que resulta que, se for de concluir que a falta de citação pode ter prejudicado a defesa de quem deveria ser citado, estar-se-á perante uma nulidade insanável, que nunca poderá considerar-se sanada, independentemente das intervenções processuais que essa pessoa tenha concretizado, a não ser que a citação antes em falta seja realizada. Aqui chegados, e tendo ficado exposto o direito aplicável, regressemos, agora, ao caso concreto dos presentes autos.Com relevo para o caso que agora, nos ocupa, importa começar por referir que não ficou provado nos presentes autos que o Recorrente tenha sido citado no âmbito dos PEF n.ºs 1501201300463434, 1501201400114715, 1501201500215910, 1501201500473880, 1501201600270482. Cumpre, depois, assinalar que não acompanhamos a posição explanada na sentença recorrida no sentido que o requerimento apresentado pelo Recorrente nos PEF em causa pedindo o reconhecimento da prescrição determina que se considere sanada a sua falta de citação, nos termos do art.º 189.º do CPC. Preceitua esta disposição legal que «Se o réu ou o Ministério Público intervier no processo sem arguir logo a falta da sua citação, considera-se sanada a nulidade.». E a razão para assim entendermos reside na circunstância de, como visto, esta norma não ser aplicável em sede de execução fiscal, porquanto o art.º 165.º n.º 1, alínea a) do CPPT é uma norma expressa sobre o efeito da falta de citação, impondo que, se for de concluir que a falta de citação pode ter prejudicado a defesa de quem deveria ser citado, estar-se-á perante uma nulidade insanável, que jamais poderá considerar-se sanada, independentemente das intervenções processuais que essa pessoa tenha concretizado, a não ser que a citação antes em falta seja realizada. Por ser assim, e na esteira da jurisprudência do STA sobre este tema que acima foi indicada, consideramos que não ocorreu a sanação da falta de citação do Recorrente para os PEF em referência, dado que a sua não citação prejudicou, necessariamente, o seu direito de defesa, dado que, desde logo, ficou impedido de reagir contenciosamente quanto à instauração e tramitação das execuções fiscais em causa.Pelo que, contrariamente ao defendido na sentença recorrida, não existe base legal para sustentar que in casu ocorreu o efeito interruptivo da contagem do prazo de prescrição que dimana da concretização da citação para os PEF. Retirada esta ilação, importa agora esclarecer que, tal como cremos que o Tribunal a quo considerou, a sentença proferida no âmbito do processo de insolvência do Recorrente que reconheceu, homologou e graduou os créditos exequendos ocasionou a denominada «renovação da prescrição». Explicitemos porquê. Dispõe o art.º 311.º, n.º 1 do CC que «O direito para cuja prescrição, bem que só presuntiva, a lei estabelecer um prazo mais curto do que o prazo ordinário fica sujeito a este último, se sobrevier sentença passada em julgado que o reconheça (...)», o que, no caso dos autos, sucedeu. Com efeito, resulta da factualidade assente que as dívidas cuja prescrição foi requerida corresponde, nessa parte, ao crédito da Segurança Social que foi reclamado, reconhecido e graduado nos autos de insolvência, sendo que aquelas constam da lista de créditos reconhecidos e graduados pelo administrador de insolvência (cf. pontos 6., 7. e 8. do probatório). Mais ficou provado que a sentença de verificação e graduação de créditos, que homologou os créditos exequendos, foi prolatada em 01/10/2018, tendo transitado em julgado (cf. ponto 9. da factualidade assente). Donde podemos sem esforço concluir, na esteira do discurso fundamentador que neste conspecto foi gizado na sentença sub judice, que o prazo de prescrição foi renovado com a decisão que reconheceu e graduou os créditos exequendos. Neste sentido, veja-se o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça («STJ») de 21/03/2019, proc. n.º 713/12.4TBBRG.B.G1.S1, disponível em www.dgsi.pt, no qual, com relevância para o caso que agora nos ocupa, foi preconizado o seguinte entendimento: «Apesar disso, a recorrida não podia vir invocar em oposição à execução renovada a prescrição cuja arguição omitira no incidente da reclamação de créditos. Tal faculdade, apesar de não precludida no momento em que deixou de opor essa exceção peremptória ao ora exequente, então credor reclamante - na medida em que a prescrição era de conhecimento oficioso -, veio a ficar precludida mais tarde, por força do trânsito em julgado da decisão aí proferida que reconheceu o crédito reclamado e depois o graduou. (…) O tempo decorrido entre a constituição do direito do ISS e a decisão proferida no incidente da reclamação de créditos está, como se disse, inutilizado por força do caso julgado. A invocada prescrição dos créditos apenas poderá ser apreciada na medida em que possa ter-se verificado mercê do tempo decorrido após a decisão do incidente da reclamação de créditos.». Pelo que importa, então, aquilatar se já decorreu o prazo de prescrição de 5 anos, contado desde a data de encerramento do processo de insolvência do Recorrente (que ocorreu em 16/10/2018 – cf. ponto 12. do probatório), com fundamento no que preceitua o art.º 100.º do CIRE e na esteira do preconizado no acima citado aresto do STA. Com efeito, flui da factualidade assente que o processo de insolvência terminou em 16/10/2018 (cf. ponto 12. da factualidade assente), sendo que é esta a data relevante para efeitos de cessação do efeito suspensivo da contagem do prazo de prescrição. Para este efeito, importa ainda ter em conta a suspensão do prazo de prescrição em razão da situação de pandemia associada ao coronavírus SARS-CoV-2 e à doença COVID-19. Tais prazos de suspensão da prescrição vigoraram desde 09/03/2020 até 03/06/2020 e de 22/01/2021 a 05/04/2021 (cf. Lei n.º 16/2020, de 29/05 e Lei n.º 13-B/2021, de 05/04), ou seja, no primeiro caso, durante 86 dias e, no segundo, durante 74 dias, o que perfaz um total de 160 dias de suspensão dos prazos de prescrição em curso (cf. acórdão deste Tribunal de 12/09/2024, proc. n.º 739/24.5BELRA, disponível em www.dgsi.pt). Pelo que podemos concluir que, mesmo tendo em conta as acima aludidas suspensões da contagem do prazo de prescrição, verificamos que já se encontra transcorrido o respetivo prazo de 5 anos, e, em consequência, já não pode ser exigido ao Recorrente o pagamento dos créditos exequendos sub judice. Em face do exposto, o recurso merece provimento, devendo a sentença recorrida ser revogada, o que de seguida se decidirá. *IV- DECISÃO Termos em que acordam, em conferência, os Juízes da Subsecção de Execução Fiscal e Recursos Contraordenacionais do Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar prescritas as dívidas exequendas objeto do presente recurso jurisdicional. Sem custas. Registe e notifique. Lisboa, 16 de outubro de 2025 (Filipe Carvalho das Neves) (Luisa Soares) (Isabel Fernandes) |