Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1417/11.0BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:04/03/2025
Relator:SUSANA BARRETO
Descritores:OPOSIÇÃO
REVERSÃO
AUDIÇÃO PRÉVIA
DESPACHO DE REVERSÃO
FUNDAMENTAÇÃO
Sumário:I - Nos termos do nº 4 do artigo 23º da Lei Geral Tributária (LGT), previamente à decisão de reversão a Autoridade Tributária e Aduaneira estava obrigada a notificar o contribuinte para o exercício do direito de participação na modalidade de audição prévia.
II - O direito de participação não assume natureza meramente formal, ou seja, não se queda pelo simples cumprimento de uma obrigação legal de notificação do contribuinte a fim de se pronunciar sobre o projeto de decisão, mas, ao invés, reveste uma função conformadora da própria decisão a proferir pela administração tributária.
III - A falta de audiência prévia, quando não seja legalmente dispensada, constitui preterição de formalidade essencial, que conduz, em regra, à anulabilidade do ato.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais da Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:


I - Relatório

A Autoridade Tributária e Aduaneira, não se conformando com a sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente a oposição apresentada por P…, no âmbito da execução fiscal nº 3298200601061356 e apensos para cobrança coerciva de dívidas de IRS, IVA e coimas fiscais, anos de 2009 a 2011, no valor de € 57 509,41, dela veio interpor recurso.

Nas alegações de recurso apresentadas, a Recorrente Autoridade Tributária e Aduaneira, formula as seguintes conclusões:

I. «Visa o presente recurso reagir contra a douta decisão que julgou procedente a oposição judicial, intentada por P…, já devidamente identificado nos autos e que, em consequência, ordenou a anulação do despacho de reversão subjacente ao PEF 1520200901080415 e apensos, com a consequente absolvição do Oponente da instância executiva.
II. Entende a Fazenda Pública que mal esteve o Tribunal a quo na douta sentença proferida, porquanto não especificou os fundamentos de facto em que assentam a decisão proferida, e, ainda que assim não fosse, nunca se poderia considerar que a factualidade putativamente subjacente à sentença, designadamente a factualidade invocada em sede de direito de audição prévia à reversão da execução fiscal, preenche a característica de “novidade” que o n.º 7 do art.º 60º da Lei Geral Tributária (LGT) refere como tendo por consequência a obrigatoriedade de consideração por parte da administração tributária na decisão do procedimento. Ao perfilhar este entendimento, a sentença recorrida ostenta não só um manifesto erro de julgamento de direito, como também se afigura eivada de nulidade; não devendo subsistir na ordem jurídica.
III. A sentença prolatada pelo Tribunal a quo enferma de nulidade por não especificar os fundamentos de facto em que assenta a decisão. No probatório, considerou o Tribunal a quo como provado que “Foi proferido despacho para audição (reversão), ao qual o ora Oponente respondeu invocando factos que em seu entender afastam a sua responsabilidade quanto ao pagamento da dívida exequenda, conforme documento junto aos autos e que aqui se dá por reproduzido”. E tendo presente o exercício deste direito de audição, a sentença recorrida dispôs que no “despacho de reversão, na sua fundamentação, não é feita qualquer referência a tais factos novos”.
IV. Todavia, e ainda que os destinatários da sentença possam compreender que estará aqui em causa o teor do documento apresentado pelo Oponente em sede de audição prévia à reversão, pois isto será condizente com a remissão feita pelo Tribunal a quo na parte final daquele ponto 3), tal compreensão será sempre excessivamente vaga para permitir aos mesmos destinatários apreender o alcance completo da decisão proferida. E assim é porque o teor da sentença omite em concreto os factos que considera serem “novos” e que por este motivo deveriam merecer uma atenção diferenciada por parte da administração tributária em sede de fundamentação do despacho de reversão. Por outras palavras, a sentença recorrida obriga o destinatário a analisar o documento em que foi exercido o direito de audição prévia para, motu proprio, desvendar os factos que o tribunal considerou ter a nota de novidade que foi decisiva para o sentido decisório plasmado na sentença que emitiu.
V. Como dispõe o artigo 125.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário, é nula a sentença que não contenha a “especificação dos fundamentos de facto” da decisão. Ora, não tendo o Tribunal a quo discriminado no probatório as alegações plasmadas em sede de audição prévia do Oponente que configurariam, no seu entendimento, “factos novos”, não poderia emitir uma sentença em que considera haver “factos novos” que não foram por si identificados censurando por esta via o despacho de reversão por estar “desprovido da necessária fundamentação de facto e de direito”, sem que nesta mesma sentença cumpra o seu dever de fundamentação de facto do sentido decisório nela plasmado.
VI. Assim, os termos em que a sentença ora recorrida foi elaborada ostentam uma nulidade que ora se argui e que impõe a sua substituição por outra sentença que, expurgada de tal nulidade, contenha os fundamentos de facto que permitam compreender o seu sentido decisório.
VII. Todavia, e ainda que assim não se entenda, a Fazenda Pública não se conforma com a sentença recorrida porquanto a mesma acolhe uma deficiente aplicação do direito aos factos apurados nos autos, implicando uma deficiente compreensão das disposições legais que fixam os requisitos para a fundamentação do despacho de reversão.
VIII. Em bom rigor, os factos que resultam do documento referenciado in fine no ponto 3) do probatório não se constituem, como efetivamente pretendeu o Tribunal a quo, em factos novos que exigissem uma ponderação cuidada do órgão decisor ou até mesmo justificando a realização oficiosa de novas diligências. Por um lado, um raciocínio logicamente fundado não permite concluir que as penhoras ordenadas pela própria administração tributária sejam factos por si mesma desconhecidos. Por outro, refira-se ainda que o circunstancialismo de existirem bens penhorados pela administração fiscal que permitam um substancial pagamento parcial da dívida exequenda não se arvora legalmente em facto novo impeditivo da reversão da execução fiscal contra o devedor subsidiário, atento o disposto nos n.ºs 2 e 3 do art.º 23.º da LGT e na al. b) do n.º 2 do art.º 153º do CPPT).
IX. Para que os factos invocados pelo Oponente em sede de audição prévia à reversão tivessem a virtualidade de justificar uma pronúncia da administração tributária aquando da emissão do despacho de reversão, seria necessário concluir pelo desconhecimento do OEF quanto a estes na medida em que extravasariam o seu círculo de conhecimento fixado pelo exercício das suas funções legalmente atribuídas. Para além deste desconhecimento por parte do OEF, deveria ainda tal facto novo ter pertinência para a decisão a emitir, no sentido de a sua verificação ter como consequência a emissão de uma decisão diferente daquela anteriormente projetada.
X. Tendo por base tudo o que foi acima exposto, os factos que estariam subjacentes ao documento junto aos autos, referenciado in fine no ponto 3) do probatório constante da sentença ora recorrida não ostentam a nota de “novidade” que o Tribunal a quo lhe atribuiu, e ainda que assim fosse, não teriam por consequência afastar a decisão projetada, pelo que não se vislumbra que o OEF tivesse a obrigação legal de se pronunciar quanto aos mesmos no despacho de reversão com vista a assegurar a legalidade da sua fundamentação de facto e de direito. Se o dever de fundamentação dos atos administrativos impõe que se esclareçam as razões que suportam a decisão, no caso da decisão de reversão, e como é sobejamente referenciado pela jurisprudência dos nossos tribunais superiores, tais exigências de fundamentação serão cumpridas pelo despacho de reversão que menciona os pressupostos e a extensão temporal da responsabilidade subsidiária que está a ser efetivada. Não se vislumbra no probatório da sentença em análise que a menção a estes requisitos da reversão tenham sido obliterados no despacho sub judice, não se podendo concluir assim pela ausência da “necessária fundamentação de facto e de direito” do despacho de reversão, como concluiu a sentença recorrida.
XI. Em suma, não pode a Fazenda Pública deixar de pugnar pela rejeição do entendimento vertido na sentença recorrida no que toca à ausência da “necessária fundamentação de facto e de direito” do despacho de reversão, porquanto, e sempre com o devido e muito respeito, o Tribunal a quo, ao decidir como efetivamente o fez, estribou o seu entendimento numa inadequada subjunção jurídica da matéria factual constante dos autos ao direito, tendo violado o disposto nos n.ºs 2 a 4 do art.º 23º e no n.º 7 do art.º60º, todos da Lei Geral Tributária, bem como o disposto no n.º 2 do art.º 153º do Código de Procedimento e Processo Tributário, o que deve determinar, salvo melhor opinião - e caso não se julgue estar a presente sentença ferida de nulidade por não especificação dos fundamentos de facto da decisão -, a revogação da sentença sub judice com as legais consequências.

Termos em que, e com o douto suprimento de vossas excelências, deve ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, ser declarada a nulidade da sentença, ou caso assim não se entenda, deve a sentença ora recorrida ser revogada, com as demais e devidas consequências legais, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!

O recorrido apresentou contra-alegações pugnando pela improcedência do recurso e ser de confirmar a sentença recorrida. Diz em conclusão:

I -Da Inadmissibilidade do presente recurso/Da incompetência do Supremo Tribunal Administrativo em razão da hierarquia

a) Não estão reunidos os pressupostos legais previstos no art.º 151.º n.º 1 do CPTA, aplicável como legislação subsidiária, por força do disposto na alínea c) do art.º 2.º do CPPT, para que se concretize o recurso per saltum para o Supremo Tribunal Administrativo, daí a sua inadmissibilidade.
b) Devendo assim ser declarada a incompetência, em razão da hierarquia, da Secção do Supremo Tribunal Administrativo para conhecer do presente recurso.

II- Da alegada nulidade da sentença recorrida por não especificar os fundamentos de facto em que assenta a decisão

c) Na douta sentença recorrida, o tribunal de primeira instância discriminou os factos provados e não provados, tendo, em seguida, sob a epígrafe «Análise Fáctico-Jurídica», justificado a sua convicção acerca dos mesmos factos, sendo os factos provados suficientes para a fundamentação nela vertida, quanto à solução jurídica adoptada pelo Tribunal recorrido.
d) A nulidade da sentença, por não especificação dos fundamentos de facto, ocorre apenas quando há falta absoluta de motivação.
e) Apenas a falta absoluta de discriminação dos factos provados e não provados é equiparável à falta da indicação da matéria de facto provada, para efeitos da nulidade prevista no artigo 125.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
f) E mais, a recorrente não impugnou a decisão da matéria de facto, e não cumpriu o ónus inerente a tal impugnação, não tendo cumprido tal ónus.
g) O Tribunal fez assim menção expressa ao exercício por parte do recorrido do seu direito à audição prévia remetendo para os factos ali mencionados e para o documento que suporta tal audição.
h) Não sendo obrigatório que o Tribunal recorrido tivesse que reproduzir ipsis verbis todos os factos invocados pelo recorrido no aludido documento.
i) A este propósito, (prova por remissão para os documentos) já se decidiu que não ocorre omissão relevante de factos com consequências anulatórias se estes, não obstante não terem sido especificamente autonomizados na decisão da matéria de facto, se encontram referenciados e analisados na discussão jurídica da causa. (Ac. do TCAN n.º 00944/04.0BEPRT de 30-04-2013 (Relator: Catarina Almeida e Sousa).
j) Que é o que sucede no caso vertente.
k) A sentença recorrida não padece da arguida nulidade, devendo assim ser julgado improcedente este segmento do recurso da recorrente.

III-Do alegado erro de julgamento

l) Da leitura do teor do despacho de reversão aqui em causa, resulta, de forma clara, que o mesmo configura um despacho genérico, limitando-se a reproduzir os dizeres da lei.
m) Ou seja, dele resulta que a recorrente não teve em consideração, em momento algum, qualquer dos factos aventados pelo recorrido no seu requerimento de audição prévia, designadamente, os atinentes à suficiência do património da devedora originária.
n) Devia o despacho de reversão concretizar a razão pela qual decidiu pela insuficiência do património da devedora originária, e qual a extensão da responsabilidade do requerido, o que na verdade não fez, nos termos conjugados do disposto no art.º 153º, nº 1 e 2 do CPPT e no art.º 24.º nº 1 da LGT.
o) No caso, e face ao teor do despacho de reversão, não se sabe qual das normas determinou a imputação da responsabilidade subsidiária ao revertido, ora recorrido, isto é, não se sabe se recaía sobre este o ónus de prova de que não tinha tido culpa na insuficiência dos bens da executada originária para pagamento das dívidas tributárias ou se esse ónus de prova recaía sobre a administração tributária.
p) E essa imputação também não se extrai do restante contexto fundamentador do despacho de reversão, porque dele não consta, ainda que por mera remissão, o período em que o revertido exerceu a gerência da sociedade devedora originária – se no período da constituição das dívidas, se no período do pagamento ou entrega do tributo, se em ambos os períodos.
q) De acordo com o disposto no nº 4 do art. 23º da LGT há lugar à audiência prévia do visado antes da reversão, sendo que, os elementos novos suscitados na audição dos contribuintes são tidos obrigatoriamente em conta na fundamentação da decisão (nº 7 do art. 60º da LGT) e se os elementos apresentados respeitarem à matéria de facto, poderá mesmo haver lugar à realização de novas diligências, oficiosamente ou a requerimento do interessado, caso aquelas se afigurem como convenientes para apuramento da matéria factual em que deve assentar a decisão.
r) Tendo em conta a ausência total de fundamentos da reversão na nota de citação e atendendo a que o despacho que consta do probatório contem um tipo de fundamentação que anda longe da indicação do período de exercício do cargo pelo revertido e das normas que sustentam a reversão, assim como dos bens em concreto que ainda permaneciam na esfera jurídica da devedora originária que tivessem conduzido ao entendimento de “insuficiência do património”, além de que é completamente omisso quanto à factualidade alegada pelo recorrido na sua audição prévia, julgamos que não merece censura a sentença recorrida quando decidiu pela falta de fundamentação do despacho de reversão e pela anulação do mesmo.
s) Em face do exposto, entendemos que é de se concluir pela total improcedência do recurso da recorrente.

NESTES TERMOS, NOS MELHORES DE DIREITO, E SEMPRE COM O MUI DOUTO SUPRIMENTO DE V/EXAS. DEVE O RECURSO DA RECORRENTE SER JULGADO IMPROCEDENTE, POR NÃO PROVADO, PELAS SOBREDITAS RAZÕES, E OUTROSSIM, SER JULGADAS PROCEDENTES, POR PROVADAS, AS PRESENTES CONTRA ALEGAÇÕES DE RECURSO, E EM CONSEQUÊNCIA, MANTER-SE A SENTENÇA RECORRIDA NOS SEUS PRECISOS TERMOS, ATENDENDO QUE A MESMA NÃO ESTÁ FERIDA DE NENHUMA NULIDADE, NEM DO ERRO DE JULGAMENTO INVOCADOS PELA RECORRENTE.

Subiram os autos ao Supremo Tribunal Administrativo que, por Decisão Sumária de 30 de abril de 2021, se declarou incompetente em razão da hierarquia para conhecer do recurso, sendo competente para esse efeito a Seção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, ao qual o processo foi remetido.

O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste TCAS emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.


II – Fundamentação

Cumpre, pois, apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, as quais são delimitadas pelas conclusões das respetivas alegações, que fixam o objeto do recurso.

Assim, na falta de especificação no requerimento de interposição do recurso, nos termos do artigo 635/3 do Código de Processo Civil, deve-se entender que este abrange tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao Recorrente. O objeto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (artigo 635/4 CPC). Assim, todas as questões de mérito que tenham sido objeto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação da recorrente, mostrando-se objetiva e materialmente excluídas dessas conclusões e devem considerar-se definitivamente decididas e, consequentemente, delas não pode conhecer o Tribunal de recurso.

Atento o exposto, e tendo presentes as conclusões de recurso apresentadas, importa decidir sobre se a sentença recorrida que julgou procedente a oposição:
- é nula por falta de especificação dos fundamentos de facto em que assenta a decisão,
- padece de erro de julgamento ao anular o despacho de reversão e, consequentemente absolver o Opoente da instância executiva por falta de legitimidade processual.


II.1- Dos Factos

O Tribunal recorrido considerou como provada a seguinte factualidade:

«Com relevância para a decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos:
1) A Administração Fiscal instaurou contra a executada originária, “D… & T… Lda.”, o processo de execução fiscal n.º 1520200901080415 e Aps., para cobrança coerciva de dívidas de IRS, IVA e coimas fiscais, referentes aos anos de 2009 a 2011, no montante de Euros 57.509,41;

2) Não foram pela Administração Fiscal encontrados bens susceptíveis de penhora em nome da executada originária, suficientes para o pagamento da dívida exequenda;

3) Foi proferido despacho para audição (reversão), ao qual o ora Oponente respondeu invocando factos que em seu entender afastam a sua responsabilidade quanto ao pagamento da dívida exequenda, conforme documento junto aos autos e que aqui se dá por reproduzido;

4) Por despacho de 16/03/2011, a execução fiscal reverteu contra o ora Oponente;

5) É o seguinte o teor do Despacho de Reversão:



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Quanto a factos não provados, na sentença exarou-se o seguinte:

«Com interesse para a decisão, nada mais se provou.»

E quanto à Motivação da Decisão de Facto, consignou-se:

«A decisão da matéria de facto resultou do exame crítico dos documentos e informações oficiais, não impugnados, que dos autos constam.»


Por se entender relevante à decisão a proferir, na medida em que documentalmente demonstrada, ao abrigo do preceituado no artigo 662/1, do Código de Processo Civil (CPC), aplicável ex vi artigo 281º do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT), adita-se ao probatório o seguinte:

6) Consta do documento a que se refere a alínea 3) que antecede, entre outros argumentos:


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(…)


7) Com o requerimento em que exerceu o direito de audição prévia antes da reversão, a que se referem as alíneas 3) e 6), o ora Recorrido juntou 10 documentos, entre os quais sob o nº 9 cópia de contrato de prestação de serviços de leituras de contadores de água outorgado em 2008.09.30 com a sociedade FAGAR – Faro, Gestão de Águas e Resíduos, E.M. e sob o nº 10, cópia de contrato de prestação de serviços de distribuição celebrado com os CTT – Correios de Portugal, SA., em 2009.06.17.


II.2 Do Direito

A Autoridade Tributária e Aduaneira, ora Recorrente, além do erro de julgamento de facto e de direito imputa à sentença recorrida, vício de nulidade por falta de especificação dos fundamentos de facto que justificam a decisão.

No processo judicial tributário este vício de falta de especificação dos fundamentos de facto que justificam a decisão, como causa de nulidade da sentença, está contemplado no artigo 125/1 CPPT.

Diz o artigo 125/1 do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT), sob a epígrafe Nulidades da sentença:

“1 - Constituem causas de nulidade da sentença a falta de assinatura do juiz, a não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, a oposição dos fundamentos com a decisão, a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer.”

Também a alínea b) do nº 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil (CPC), dispõe que é nula a sentença quando:
(…)
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
(…)

Tradicionalmente era entendido que para a sentença padecer deste vício necessário era que a falta de fundamentação fosse absoluta, não bastando que a motivação da decisão se mostre deficiente, incompleta ou não convincente.

Com efeito, a falta de fundamentação como causa de nulidade da sentença não se confunde com o eventual erro da fundamentação de facto e de direito.

Segundo os ensinamentos de Alberto dos Reis (1-Aut Cit., CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL: Anotado, volume V, página 140,): há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afeta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade.
Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto. Se a sentença especificar os fundamentos de direito, mas não especificar os fundamentos de facto, ou vice-versa, verifica-se a nulidade (…).

Como expende Jorge Lopes de Sousa (2-Aut Cit., CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO: Anotado e Comentado, 6ª edição, Áreas Editora, 2011, II vol., pág. 360.): deverão considerar-se como falta absoluta de fundamentação os casos em que ela não tenha relação perceptível com o julgado ou seja ininteligível, situações em que se está perante uma mera aparência de fundamentação.
Com efeito, a fundamentação destina-se a esclarecer as partes, primacialmente a que tiver ficado vencida, sobre os motivos da decisão, não só para ficar convencida de que não tem razão, mas também porque o conhecimento daqueles é necessário ou, pelo menos, conveniente para poder impugnar eficazmente a decisão em recurso ou arguir nulidades, designadamente a derivada de eventual contradição entre os fundamentos e a decisão.
Por isso, quando a fundamentação não for minimamente elucidativa das razões que levaram a decidir como se decidiu deverá entender-se que se está perante uma nulidade por falta de fundamentação.

No processo judicial tributário, nos termos dos artigos 123/2 CPPT e artigo 607/3 CPC, exige-se tão só que na sentença, o juiz discrimine os factos que considera provados, indicando os meios probatórios –documentais e testemunhais - em que fundou a sua convicção, fundamentando as suas decisões indicando, interpretando e aplicando as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final.

O que é imposto ao juiz é um dever geral de fundamentação das decisões judiciais, em termos tais que permitam o exercício esclarecido do direito ao recurso, possibilitando a perceção das razões de facto e de direito da decisão judicial.

No caso em análise, desde já diremos que a Recorrente bem compreendeu o sentido da decisão e exerceu o direito ao recurso.

E, nos factos assentes são indicados os elementos de prova que foram utilizados para formar a convicção do juiz, os quais são indicados em cada uma das alíneas do probatório.

Ora, a sentença recorrida, se bem que muito sintética e sucinta, discrimina os factos que considerou provados, indica os meios de prova em que fundou a decisão e fundamenta a decisão. Com efeito, dos factos provados na sentença sob crítica, consta:
« 3) Foi proferido despacho para audição (reversão), ao qual o ora Oponente respondeu invocando factos que em seu entender afastam a sua responsabilidade quanto ao pagamento da dívida exequenda, conforme documento junto aos autos e que aqui se dá por reproduzido;.»

E na decisão propriamente dita são convocadas as principais normas jurídicas que regulam a matéria em causa.

É, assim, percetível qual o itinerário seguido pelo decisor que levou a que o caso fosse decidido dessa maneira e não de outra, visto que o vício que consubstancia esta nulidade, conforme mencionado acima, consiste na falta de fundamentação absoluta, não bastando que a justificação da decisão (tanto na vertente factual como no aspeto do enquadramento jurídico) se mostre deficiente, incompleta ou não convincente.

Ora, como referido supra, a fundamentação deficiente, medíocre ou errada, afeta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade.

Todavia, desse já diremos que a fundamentação expandida na sentença recorrida permitiu à ora Recorrente bem compreender as razões e os motivos em que assentou a decisão e exercer cabalmente o seu direito ao recurso.

Vejamos, então, quanto ao alegado erro de julgamento quanto à falta de fundamentação e à falta de demonstração dos pressupostos de facto e de direito.

Alega a Recorrente que a sentença recorrida que julgou procedente a oposição judicial, incorreu em erro de julgamento ao anular o despacho de reversão, por padecer do vício de falta de fundamentação.

Alega a ora Recorrente que a própria sentença padece do mesmo vício porquanto é vaga não permitindo aos destinatários apreender o alcance completo da decisão proferida. E assim é porque o teor da sentença omite em concreto os factos que considera serem “novos” e que por este motivo deveriam merecer uma atenção diferenciada por parte da administração tributária em sede de fundamentação do despacho de reversão. Por outras palavras, a sentença recorrida obriga o destinatário a analisar o documento em que foi exercido o direito de audição prévia para, motu proprio, desvendar os factos que o tribunal considerou ter a nota de novidade que foi decisiva para o sentido decisório plasmado na sentença que emitiu. (cf. conclusão IV das alegações de recurso).

Com efeito, a sentença recorrida, louvando-se no parecer do Ministério Público que transcreve, considerou que o Opoente, em sede do exercício do direito de audição prévia, invocou um conjunto de factos “novos”, aos quais não é feita qualquer referência no despacho de reversão, não identificando ou individualizando que factos seriam esses.

Tal como alega a Recorrente, a sua identificação é feita por mera remissão para o requerimento em que o ora Recorrido exerceu o direito de audição prévia.

Diz, no segmento que aqui interessa:

«Voltando ao caso presente, e como doutamente faz notar o EMMP, no Parecer junto aos autos, em entendimento que subscrevemos:
No âmbito do procedimento de reversão, em sede de exercício do direito de audição prévia, o ora oponente invocou um conjunto de factos que, em seu entender, afastam a sua responsabilidade pelo pagamento da quantia exequenda, nomeadamente no que se refere à suficiência de bens penhoráveis, pertencentes à devedora originária.
Tal matéria integra o conceito de factos novos.
Nos termos do disposto no nº 7, do art. 60º, da LGT, tais novos elementos são tidos obrigatoriamente em conta na fundamentação da decisão. Conforme se verifica do despacho de reversão, na sua fundamentação, não é feita qualquer referência a tais factos novos, motivo pelo qual aquele despacho viola o disposto no nº 7, do art. 60º, da LGT, razão que determina que tal despacho não se possa manter na ordem jurídica, por falta de fundamentação. “II – No caso de a oposição ser julgada procedente com fundamento na falta de fundamentação do despacho de reversão, a decisão a proferir pelo tribunal deverá ser de anulação daquele acto e consequente absolvição do oponente da instância executiva por falta de legitimidade processual e não a extinção da execução quanto ao oponente (pois não foi feito qualquer 6 juízo quanto ao mérito da matéria controvertida), de modo a não obviar à possibilidade do órgão de execução fiscal proferir um novo acto de reversão, expurgado do vício que determinou a anulação do anterior acto, possibilidade que lhe assiste em virtude do motivo determinante da anulação ser de carácter formal” – cfr. Ac. do STA, de 22/4/2015, processo nº 0511/14 e ainda Ac. do STA, de 16/12/2015, processo nº 361/14”.»


Todavia, como reconhece a própria Recorrente na conclusão IV das alegações de recurso apresentadas, a identificação dos “factos novos” era possível, uma vez que as partes conhecem o requerimento em causa. Factos esses agora constantes do probatório por nós aditado, a saber:

- depósitos à ordem dos processos de execução fiscal, efetuados em 2011.01.19 e em 2011.03.04, dos montantes de € 3 554,98 e € 3 710,34, respetivamente (cf. facto alegado sob o artigo 8º da audição prévia entregue pelo ora Recorrido e documentos com ele juntos sob os nº 1 e 2);
- penhora do crédito no montante de € 3 632,90 à empresa municipal FAGAR, correspondente à fatura nº 482 da sociedade D… e T… (cf. artigo 10º e doc. nº 4 junto com o requerimento de audição prévia);
- penhora do crédito no montante de € 3 773,15 à empresa municipal FAGAR, correspondente à fatura nº 486 da sociedade D… e T… (cf. doc. nº 5 junto com o requerimento de audição prévia);
- existência do crédito no montante de € 1 769,47 correspondente à fatura nº 489, emitida em 2011.02.28 (cf. facto alegado no artigo 12º e doc. nº 6);
- penhora do crédito no montante de € 5 696,16, correspondente à fatura nº 485, emitida em 2010.12.31 (cf. facto alegado sob o artigo 13º e doc. junto sob o nº 7);
- existência do crédito no montante de € 5 790,31 correspondente à fatura nº 487, emitida em 2011.01.31 (cf. facto alegado no artigo 14º e doc. nº 8);

Na sentença recorrida considerou-se a oposição procedente por o despacho de reversão não refletir nem ponderar os argumentos apresentados pelo ora Recorrido em sede de audição prévia, nada dizendo ou referindo quanto aos bens penhoráveis nele indicados pertencentes à devedora originária, e à sua suficiência para satisfação dos créditos tributários.

Tal como decidido, no caso concreto ora em análise, não se pode considerar cumprido o dever de audição prévia do contribuinte antes da reversão operada.

Vejamos, ainda que de forma necessariamente sumária, alguma linhas sobre o direito de participação dos cidadãos na formação das decisões administrativas e deliberações que lhes digam respeito, que tem assento constitucional no nº 5 do artigo 267º da CRP.

Este direito foi concretizado também no Código de Procedimento Administrativo (CPA) na versão da Lei nº 6/96, de 31 de janeiro que o republicou, no artigo 8º, com a epígrafe princípio da participação, regulada a audiência dos interessados nos artigos 100º a 103º do mesmo Código.

A participação dos contribuintes nas decisões que lhes digam respeito encontra-se prevista nas alíneas a) a e) do nº 1 do artigo 60 da Lei Geral Tributária (LGT), através de audição prévia.

Diz o nº 7 do mesmo artigo 60.º da LGT: Os elementos novos suscitados na audição dos contribuintes são tidos obrigatoriamente em conta na fundamentação da decisão.

Também o artigo 45/1 do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT), reconhece aos contribuintes o direito de participação na formação da decisão.

Como ensinam Diogo Leite de Campos, Benjamim da Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa (3-Aut Cit, LEI GERAL TRIBUTÁRIA: Anotada e Comentada, 4ª Ed., 2012, Ed. Encontro da Escrita, pág. 504,) a audiência dos interessados deve ter lugar concluída a instrução e antes de ser tomada a decisão final (artigo 100/1 CPA, Id.).

E diz ainda o nº 4 do artigo 23º da Lei Geral Tributária (LGT): «[a] reversão, mesmo nos casos de presunção legal de culpa, é precedida de audição do responsável subsidiário nos termos da presente lei e da declaração fundamentada dos seus pressupostos e extensão, a incluir na citação.

Dúvidas não há que a Autoridade Tributária e Aduaneira, previamente à decisão de reversão, estava obrigada a notificar o contribuinte para o exercício do direito de participação na modalidade de audição prévia.

Ora, como é consabido, a falta de audiência prévia, quando não seja legalmente dispensada, constitui preterição de formalidade essencial, que conduz, em regra, à anulabilidade do ato.

Como vimos já supra, o ora Recorrido foi notificado para exercer o direito de audição prévia, direito esse que exerceu por escrito.

A questão sobre a qual se pronunciou a sentença recorrida dizia respeito, precisamente, a saber se o dever de audição foi, ou não cumprido pela ora Recorrente Autoridade Tributária e Aduaneira e, se tal exercício foi refletido no despacho de reversão.

Desde já diremos que a resposta é negativa porquanto ao não serem ponderados os argumentos expandidos nem feita qualquer referência aos documentos juntos em sede de audição prévia pelo Recorrido, não se pode considerar integralmente cumprido este dever que sobre si recaía.

Ora, tal como decidido, em face do disposto no nº 7 do artigo 60º da LGT, o órgão de execução fiscal deveria ter apreciado os «elementos novos» trazidos pelo Contribuinte em sede de audição prévia, ponderação essa que deveria levar aos «fundamentos» do despacho de reversão proferido.

Nesse sentido chamamos à colação o decidido no Ac. STA de 2019.03.20, proferido no processo nº 01437/14BELRS, do qual com a devida vénia se transcreve:

(…)
«Em adição, os elementos novos suscitados na audição do contribuinte são tidos obrigatoriamente em conta na fundamentação da decisão, conforme estabelece o n.º 7 do mesmo artigo 60.º (sobre a interpretação deste preceito, cfr. o acórdão do STA, de 07/06/2017, tirado no processo 0354/15.
O que significa que o direito de participação não assume natureza meramente formal, ou seja, não se queda pelo simples cumprimento de uma obrigação legal de notificação do contribuinte a fim de se pronunciar sobre o projeto de decisão, mas, ao invés, reveste uma função conformadora da própria decisão a proferir pela administração tributária (neste sentido cfr. o acórdão de 19/04/2017, no Processo nº 01114/16).
Ademais, a falta de audição dos interessados, quando obrigatória, constitui um vício formal que se repercute na decisão final do procedimento, podendo conduzir à sua anulação.
E, em abono da tese da imperatividade do exercício do direito de audição e bem assim sobre as suas repercussões no âmbito do procedimento tributário, poderemos invocar, inter alias, o entendimento que emerge dos acórdãos de 19/04/2017, no processo n.º 01114/16, de 24/10/2007, no processo n.º 0429/07 e de 06/12/2006, no processo n.º 0496/06.
(…)»

Assim, no caso concreto ora em análise dúvidas não há que os argumentos apresentados pelo ora Recorrido em sede de direito de audição, não foram tidos em conta na motivação do despacho de reversão.

Com efeito, a decisão a que se chegou na sentença recorrida, de anular o despacho de reversão e, consequentemente, de absolver o Opoente da instância executiva por falta de legitimidade processual, merece a nossa concordância.

Em face do exposto, mantém-se o sentido da decisão recorrida embora com a presente fundamentação.


Relativamente à condenação em custas importa considerar que nos termos dos artigos 527/1 CPC: a decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa (…).

Assim, atento o princípio da causalidade, consagrado no artigo 527/2, do CPC, aplicável por força do artigo 2º, alínea e), do CPPT, as custas do recurso são pela Recorrente, que ficou vencida nesta instância.


Sumário/Conclusões:

I - Nos termos do nº 4 do artigo 23º da Lei Geral Tributária (LGT), previamente à decisão de reversão a Autoridade Tributária e Aduaneira estava obrigada a notificar o contribuinte para o exercício do direito de participação na modalidade de audição prévia.
II - O direito de participação não assume natureza meramente formal, ou seja, não se queda pelo simples cumprimento de uma obrigação legal de notificação do contribuinte a fim de se pronunciar sobre o projeto de decisão, mas, ao invés, reveste uma função conformadora da própria decisão a proferir pela administração tributária.
III - A falta de audiência prévia, quando não seja legalmente dispensada, constitui preterição de formalidade essencial, que conduz, em regra, à anulabilidade do ato.


III - Decisão

Termos em que, face ao exposto, acordam em conferência os juízes da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso jurisdicional, e confirmar a sentença recorrida, com a presente fundamentação.

Custas pela Recorrente, que decaiu.

Lisboa, 3 de abril de 2025

Susana Barreto

Lurdes Toscano

Isabel Vaz Fernandes