Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2410/19.0BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:07/15/2025
Relator:MARIA TERESA CAIADO FERNANDES CORREIA
Descritores:COMPETÊNCIA DA JURISDIÇÃO ADMINISTRATIVA E FISCAL; PERES.
Sumário:1. Dos autos resulta que a apelante fundou também, e diversamente do afirmado na decisão recorrida, pretensão indemnizatória no instituto da responsabilidade civil extracontratual do Estado: vide v.g. o articulado sob o n.º 101º a 105º da PI e art. 9º da Réplica;

2. Donde, consideradas até as concretas circunstâncias da forma processual apresentadas em 2019, mostra-se com inteira aplicação ao caso concreto o sumariado no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo - STA, de 2014-01-29, processo 01771/13, disponível em www.dgsi.pt.: “… I- Não é a função – administrativa ou tributária – em que a Administração exerce o seu poder que determina a competência do Tribunal para o julgamento do conflito, visto essa competência resultar do facto do conflito emergir de uma relação jurídica administrativa ou de uma relação jurídica tributária.
II - Só se pode falar em relação jurídica tributária quando um dos seus sujeitos for uma das entidades identificadas no n.º 3 do art.º 1.º da LGT e o seu objeto for a liquidação e cobrança de tributos ou a resolução dos conflitos daí decorrentes (art.º 30.º do mesmo diploma) como só se pode falar em relação jurídica administrativa se o sujeito público que nela intervém não for uma das citadas entidades e não prosseguir as finalidades prosseguidas pela Administração tributária.
III - Tendo sido proposta uma ação administrativa comum para efetivação de responsabilidade civil extracontratual do Estado – com vista à condenação deste no pagamento de uma quantia que repare os danos sofridos em resultado da ilegal liquidação de um imposto e da sequente anulação judicial da mesma – não se está perante um conflito emergente de uma relação jurídica tributária tout court – a liquidação do imposto judicialmente anulado – mas perante um conflito que, apesar de ter a sua origem remota nesse ato tributário, lhe é posterior e que nasce por diferentes razões, ainda que complementares.
IV - Por ser assim aquela ação é uma típica ação de responsabilidade civil extracontratual do Estado a qual se rege não por normas de direito tributário mas por normas de direito civil (CC) e de direito administrativo (Lei 67/2007, de 31/12), o que, desde logo, determina que os Tribunais Administrativos sejam competentes para o seu conhecimento…”;

3.Destarte, a competência para dirimir o presente litígio cabe aos tribunais administrativos: cfr. art. 4º, art. 44.º e art. 49.º todos do ETAF; Acórdão do STA, de 2014-01-29, processo 01771/13, disponível em www.dgsi.pt.

Votação:COM VOTO DE VENCIDO
Indicações Eventuais:Subsecção Administrativa Social
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:EM NOME DO POVO acordam os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul – Subsecção Social:
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I. RELATÓRIO:
M………… – EMPRESA …………………, S.A., com os demais sinais dos autos, intentou no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa – TCA de Lisboa, contra o INSTITUTO DA SEGURANÇA SOCIAL, I.P. – ISS, IP (entidade que contestou por exceção - suscitando a incompetência do TCA de Lisboa, em razão da matéria - e por impugnação) e o INSTITUTO DE GESTÃO FINANCEIRA DA SEGURANÇA SOCIAL, I.P - IGFSS, IP (entidade que contestou apenas por impugnação), ação com vista a obter a condenação das RR. a devolverem-lhe todas as quantias que considera terem-lhe sido cobradas a mais.
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O TCA de Lisboa, por decisão de 2020-12-11, declarou-se: “… materialmente incompetente para conhecer do objeto da presente ação e, em consequência…” determinou a remessa dos autos ao Tribunal Tributário de Lisboa: cfr. fls. 707 a 721.
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Inconformada a A., ora recorrente, interpôs recurso de apelação para este Tribunal Central Administrativo do Sul - TCAS, no qual peticionou o provimento do presente recurso, a revogação da sentença recorrida e, em sua substituição, que seja considerado competente o Tribunal Administrativo para o julgamento da presente ação, subsidiariamente, se o não for esse o entendimento, se considere que os presentes autos deverão ser remetidos para o Tribunal fiscal e então, que fixe como meio idóneo para sua apreciação a ação para o reconhecimento de um direito, para tanto, apresentando as respetivas alegações e conclusões, como se transcreve: “… A. A causa de pedir em discussão nos autos pode resumir-se, de forma breve, nos seguintes aspetos:
Do Plano Prestacional de 2006
1. Em novembro de 2005 – quanto às sociedades M…………..– Gestão …………, S.A. e a H…….. – Exploração …………., S.A. – e no início de 2006 – quanto à recorrente – são requeridos junto da IGFSS, no âmbito de Procedimentos Extrajudiciais de Conciliação, o estabelecimento de planos prestacionais que, de certa forma, permitissem a liquidação integral das dívidas;
2. Em 16 de fevereiro de 2006, a IGFSS emitiu um despacho em que estabelecia, em traços gerais, a autorização à consolidação das dívidas das referidas sociedades, bem assim, o estabelecimento dos termos e condições essenciais para a celebração de um plano prestacional para a liquidação da totalidade das dívidas existentes;
3. Foram determinados os seguintes termos e condições para a execução do acordo prestacional de pagamento das dívidas supra indicadas:
(i) Que a A. ficaria dispensada do pagamento de juros de mora;
(ii) Que dos € 4.366.466,51 (quatro milhões trezentos e sessenta seis mil quatrocentos e sessenta seis euros e cinquenta um cêntimos) em dívida, € 2.011.904,29 (dois milhões, onze mil, novecentos e quatro euros e vinte e nove cêntimos) – correspondente ao capital em dívida relativamente ao período compreendido entre maio de 1997 e janeiro de 2003 (sublinhado nosso) – seriam liquidados através de dação em pagamento; (
(iii) Que seria constituída hipoteca voluntária, a favor da ISS, sobre diversos imóveis, propriedade da recorrente, no valor global garantido de € 3.400.000,00 (três milhões e quatrocentos mil euros);
(iv) Que o remanescente – isto é, €2.354.562,22 (dois milhões trezentos e cinquenta e quatro mil, quinhentos e sessenta e dois euros e vinte e dois cêntimos) – seria liquidado mediante o pagamento de cento e cinquenta prestações, mensais e sucessivas, no valor de € 15.697,08 (quinze mil seiscentos e noventa e sete euros e oito cêntimos).
4. Em reunião realizada entre a recorrente e a 2.ª recorrida (com a presença do IAPMEI) em 29.03.2006, foram aprovadas integralmente as referidas condições, “concordando com a proposta de regularização das dívidas no âmbito do presente procedimento extrajudicial de conciliação.”
5. Sem prejuízo do acordo prestacional obtido na ata final celebrada em 29.03.2006, de acordo com documentação enviada à A. pela 1.ªR., o valor em dívida pela A. de contribuições à 1.ªR. ascendia, em termos de capital, a € 4.366.466,51 (quatro milhões trezentos e sessenta seis mil quatrocentos e sessenta seis euros e cinquenta um cêntimos), sendo que a esse valor ainda acresceriam juros moratórios e ou compulsórios, coimas e outros custos, conforme decorre da referida comunicação datada de abril de 2006, a qual foi novamente remetida pela 1.ªR. à A. em 10.08.2006;
6. Foram reafirmados e determinados os seguintes termos e condições para a execução do acordo prestacional de pagamento das dívidas supra indicadas:
(i) Que a A. ficaria dispensada do pagamento de juros de mora;
(ii) Que dos € 4.366.466,51 (quatro milhões trezentos e sessenta seis mil quatrocentos e sessenta seis euros e cinquenta um cêntimos) em dívida, € 2.011.904,29 (dois milhões, onze mil, novecentos e quatro euros e vinte e nove cêntimos) – correspondente ao capital em dívida relativamente ao período compreendido entre de maio de 1997 e janeiro de 2003 (sublinhado nosso) – seriam liquidados através de dação em pagamento;
(iii) Que seria constituída hipoteca voluntária, a favor da 1.ªR., sobre diversos imóveis, propriedade da A., no valor global garantido de € 3.400.000,00 (três milhões e quatrocentos mil euros);
(iv) Que o remanescente – isto é, €2.354.562,22 (dois milhões trezentos e cinquenta e quatro mil, quinhentos e sessenta e dois euros e vinte e dois cêntimos) – seria liquidado mediante o pagamento de cento e cinquenta prestações, mensais e sucessivas, no valor de € 15.697,08 (quinze mil seiscentos e noventa e sete euros e oito cêntimos).
7. A dação em pagamento foi celebrada pela A. a favor da 2.ªR. em 4.12.2006;
8. A hipoteca unilateral e voluntária a favor da 1ª R foi celebrada pela A., e outras sociedades comerciais pertencentes ao grupo empresarial M.............. em 9.05.2006;
9. Do plano prestacional supra identificado, a A. liquidou, integral e atempadamente, sessenta e sete prestações (correspondendo a 67.ª prestação ao mês de fevereiro de 2010) no valor total de € 1.051.704,36;
10. Entre os anos de 2009 e 2016, a A. sofreu uma crise na sua administração fruto do desaparecimento de dois dos seus administradores executivos e os efeitos particularmente gravosos de uma crise económica e financeira que se instalou em Portugal, conduziu a uma situação de pré-insolvência iminente.
11. Os membros do Conselho de Administração sobrevivos que tinham um conhecimento parcial de alguns temas ou até um desconhecimento integral do que tinha sido feito e as obrigações assumidas pela A. perante a 1.ªR e 2.ªR ou terceiros, não tinham ao seu dispor qualquer documentação de suporte emitida pelas referidas R. que lhes permitisse saber, de forma contextualizada, a situação contributiva da A..
12. Tal situação de desconhecimento será, a final, o calcanhar de Aquiles deste Conselho de Administração, na adesão ao PROGRAMA PERES em 2016 e ao pagamento integral realizado nos dias 19 e 20 de dezembro de 2016, ao abrigo do referido Programa.
13. O alegado incumprimento do plano prestacional celebrado em 2006 (do qual a A. nunca foi formalmente notificada), verificado a partir de fevereiro de 2010, a A. começou a ser alvo de diversos processos executivos e pedidos de insolvência por parte de terceiros, da mais diversa natureza e intentados pelos mais diversos credores, incluindo, a 1.ª e a 2.ª R., as quais, conforme expostos supra, beneficiavam de uma posição particularmente vantajosa em virtude das hipotecas voluntárias constituídas sobre património da A. aquando da celebração do acordo prestacional.
14. Em momento subsequente à verificação do incumprimento do plano prestacional, as Rés procuraram de imediato obter o ressarcimento dos montantes em dívida, mediante a venda judicial de 19 dos 20 Imóveis que se encontravam hipotecados em seu favor, hipotecas essas constituídas no momento da celebração do acordo prestacional em 2006. 15. A A. desconhecia, por completo, de que forma tinham sido imputados os pagamentos prestacionais realizados entre abril de 2006 e fevereiro de 2010, no valor global de € 1.051.704,36 (um milhão e cinquenta e um mil setecentos e quatro euros e trinta e seis cêntimos),
16. Na sequência dos mencionados processos executivos executados pela Autoridade Tributária e Aduaneira em representação das Rés, e com total desconhecimento e intervenção por parte da A. foram vendidos dezanove imóveis, nas seguintes datas:
(i) 4 de novembro de 2010 foram objeto de venda judicial oito imóveis;
(ii) 5 de novembro de 2010 foram objeto de venda judicial três imóveis;
(iii) 15 de abril de 2011 foram objeto venda judicial dois imóveis;
(iv) 5 de maio de 2011 foram objeto de venda judicial dois imóveis;
(v) 11 de outubro de 2011 foi objeto de venda judicial um imóvel;
(vi) 14 de junho de 2012 foi objeto de venda judicial um imóvel;
(vii) 30 de maio de 2014 foi objeto de venda judicial um imóvel;
(viii) 22 de novembro de 2014 foi objeto de venda judicial um imóvel
17. A primeira documentação recebida sobre este processo de venda executiva foi um e-mail recebido do Serviço de Finanças de Albufeira datado de 20.04.2015
18. Todavia, naquele documento só se faz referência ao valor final da venda judicial de cada Imóvel em causa, não se contextualizando os outros relevantes aspetos expostos supra. Aliás, apenas se faz referência ao valor de venda referente a 13 imóveis (e não dos 19 imóveis que, a final, seriam objeto de venda executiva pela Autoridade Tributária e Aduaneira), perfazendo, ainda assim, um total de € 866.789,69 (oitocentos e sessenta e seis mil setecentos e oitenta e nove euros e sessenta e nove cêntimos).
19. Permanecia assim, em falta, informação quanto ao valor de venda dos restantes imóveis e, bem assim, a forma e data de graduação dos respetivos créditos obtidos e, a final, a imputação promovida unilateralmente pelas Rés às dívidas de capital e juros executados, algures no tempo.
20. Só em Junho de 2016 – isto é, passado mais de um ano –, que a 1.ªR. emite uma certidão referente ao processo de venda judicial, indicando um valor global imputado, de forma descontextualizada, a um conjunto de contribuições e quotizações em dívida, no valor global de € 632.241,18 (seiscentos e trinta e dois mil duzentos e quarenta e um euros).
21. Sem explicar, no entanto, quando tinham sido realizadas as vendas e quando tinham sido feitas as respetivas imputações, impedindo assim, em concreto, a A. conhecer, de forma integral, o modo como as vendas executivas foram realizadas e aplicadas à sua situação contributiva à data de venda, nomeadamente quanto à contabilização dos juros moratórios aplicáveis.
22. A A., aquando da adesão ao PROGRAMA PERES em dezembro de 2016, desconhecia nem podia conhecer – porquanto a própria 1.ªR. desconhecia ou parecia desconhecer – o montante integral realizado no âmbito das vendas judiciais e, por inerência, a forma de imputação do mesmo nas dívidas existentes durante as respetivas vendas.
23. Por análise à referida documentação junta aos autos, com as vendas judiciais, no âmbito dos processos executivos, foi arrecadado pelas RR um total de €1.208.924,74 (um milhão, duzentos e oito mil, novecentos e vinte e quatro euros e setenta e quatro cêntimos). 24. No entanto e até à presente data, a A. permanece incapaz de aquilatar, com a certeza jurídica necessária na relação entre o particular e a administração – em clara violação dos princípios jurídicos que regem a relação jurídica entre a administração pública e os particulares –, quando é que foram efetuadas as vendas judiciais, para a 1.ª R. – momento a partir do qual a A. não pode assumir qualquer responsabilidade pela imputação de pagamento a dívidas de capital ou juros existentes não pode graduações dos créditos nem quando, efetivamente, foram efetuadas as graduações de créditos e entrega dos valores obtidos com as vendas judiciais pela Autoridade Tributária à 1.ªRé.
25. A A. procurou, periodicamente, obter informação que lhe permitisse saber quanto se teria de liquidar junto das Rés caso procedesse à alienação de qualquer património imobiliário, incluindo, sem limitar, o “Hotel M..............”.
26. Em 21 de março de 2014, a 1ª R emitiu certidão com a súmula das dívidas de capital e juros aplicáveis à A., identificando a existência de dívidas de capital e juros referente ao período de contribuições entre fevereiro de 2004 e outubro de 2005, e entre fevereiro de 2010 e fevereiro de 2014, no montante total global de € 4.440.378 (quatro milhões quatrocentos e quarenta mil trezentos e setenta e oito euros).
27. Em 13 de julho de 2015, a 1ª R emitiu nova certidão com a súmula das dívidas de capital e juros aplicáveis à A., identificando a existência de dívidas de capital e juros que, pasme-se, incluíam dívidas entre novembro de 2002 até outubro de 2005, e entre fevereiro de 2010 e junho de 2015, no montante total global de € 4.629.167,56 (quatro milhões seiscentos e vinte e nove mil cento e sessenta e sete euros e cinquenta e seis cêntimos).
28. Sendo certo que nesse documento nada se refere sobre a imputação das vendas judiciais.
29. A 1.ªR. não possuía meios suficientes para produzir informação que pudesse ser considerada verdadeira, porquanto cada emissão de certidão concedia informação contraditória.
30. Em outubro de 2015, a A. alienou um conjunto de património imobiliário tendo liquidado, junto das R. o montante global que lhe foi por estas indicado, de € 600.000,00 (seiscentos mil euros).
31. Foram liquidados, os montantes em dívida de capital referentes a contribuições de junho de 2004 a fevereiro de 2005, sem ter sido aplicado aos juros que existiriam nessa data, relativamente a essas contribuições, de acordo com decisão unilateral adotada pela 2.ªR
32. Só que esses juros reaparecem aquando da adesão ao PROGRAMA PERES e liquidação integral das dívidas computadas a essa data (19/20 de dezembro de 2016) e são pagos em valores muito superiores aos expostos em 2014 e 2015.
33. O que leva a crer que a 2.ª R. permaneceu a computar juros moratórios referente a capital que se encontrava integralmente liquidado desde outubro de 2015, apesar de adesão ao PROGRAMA PERES, foram tais juros liquidados em 19 e 20 de dezembro de 2016.
34. À luz do capital e juros em dívida referentes às contribuições do período entre junho de 2004 e fevereiro de 2005, de acordo com a certidão emitida em 2014 pela 1ªR. e a informação constante do PROGRAMA PERES emitida pela 2ªR.
35. Foram liquidados pela A. indevidamente o montante global de € 28.236,30 (vinte e oito mil duzentos e trinta e seis euros e trinta cêntimos) aquando da liquidação integral realizada no PROGRAMA PERES.
36. Em dezembro de 2016 a A. aderiu ao PROGRAMA PERES, na modalidade de pagamento integral das contribuições e quotizações em dívida.
37. Contudo, devido à situação de insuficiência económica global em que se encontrava, a A. acordou com as Rés que apenas procederia ao pagamento das quantias apuradas em sede de PROGRAMA PERES, em simultâneo com a celebração da escritura de compra e venda tendo por objeto o referido ativo denominado “Hotel M..............”.
38. Em resultado da venda realizada do ativo imobilizado foram entregues às RR o valor global de €.3.503.807,06 (três milhões quinhentos e três mil oitocentos e sete euros e seis cêntimos).
39. Só que, devido ao facto de nunca ter sido informada sobre o modo como haviam sido imputadas as quantias arrecadadas em sede de vendas executivas, a A. não tinha forma de confirmar que o valor apurado no PROGRAMA PERES correspondia ao valor efetivamente devido.
40. A partir de 31.03.2017 a A. interpelou por diversas vezes a 1.ªR. e a 2.ªR., solicitando que lhe fosse fornecida documentação que permitisse atestar qual a totalidade das quantias arrecadadas em sede de processos executivos, de que forma essas quantias haviam sido imputadas aos montantes em dívida e os respetivos juros que teriam sido calculados e pagos, bem como de que forma haviam sido imputados os pagamentos voluntários que, entre 2006 e 2016, foram efetuados pela A. ao abrigo, entre outros, do plano prestacional.
41. Contudo, a 1.ªR. nunca respondeu satisfatoriamente às interpelações da A., limitando-se a fornecer documentos que nunca foram ao encontro da totalidade das solicitações pretendidas.
42. Mediante a (parca) informação que foi disponibilizada, a A., num primeiro momento, aa 1ª R apercebeu-se que no âmbito do PERES haviam sido cobrados € 70.549,92 (setenta mil, quinhentos e quarenta e nove euros e noventa e dois cêntimos) em excesso. 43. Consequentemente, a A. continuou a insistir com a 1.ªR. para que esta lhe fornecesse toda a documentação necessária para aferir o seu histórico contributivo desde janeiro de 2009 até dezembro de 2016, designadamente os valores arrecadados em sede de venda judicial e execução e sua imputação à quantia em dívida, de modo a confirmar se valores apurados em sede do PROGRAMA PERES (descontando os € 70.549,92 já reconhecidos) estariam ou não corretos.
44. Contudo, a 1.ªR.- nunca respondeu satisfatoriamente à A., razão pela qual, esta viu-se forçada a propor um processo de intimação para a prestação de informações e passagem de certidões que, pasme-se, encontra-se ainda a correr termos na Unidade Orgânica 1 do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, sob o número 1437/18.4BELSB.
45. A A. requereu igualmente a apresentação, pela 1.ª R. de documentação que permitisse avaliar, com certeza, a forma de imputação de pagamento do plano prestacional aprovado em março de 2006.
46. O que veio revelar, mais uma vez, diversas inconsistências entre a documentação que aprovou o plano prestacional e a dação em cumprimento executada nesse momento.
B. A questão em discussão no processo, é saber se os pedidos de anulação dos atos realizados pelo IGFSS no âmbito do PERES integram ou não uma questão fiscal para efeitos do artigo 49º do ETAF porque as referidas quantias pedidas configuram “verdadeiros” tributos, ou ao invés, a solução das questões que são colocadas para ser objeto de apreciação pelo douto tribunal não exigem a aplicação ou interpretação de normas de direito fiscal, pois não têm atinência ao exercício da função tributária exigida à Segurança Social.
C. A competência em razão da matéria afere-se pelo pedido formulado e pela natureza da relação jurídica que serve de fundamento a esse pedido (causa de pedir), tal como foi configurada pela A. (…).
D. Aos tribunais tributários cabe, em particular, conhecer as ações de impugnação relativas a “atos administrativos respeitantes a questões fiscais que não sejam atribuídos à competência de outros tribunais” – art. 49º, nº1, al. a) iv, do ETAF.
E. Ao invés aos tribunais administrativos cabe dirimir os litígios emergentes de relações administrativas (nº 1 art. 1º do ETAF, e nº 3 do art. 212º da Constituição da República Portuguesa - CRP).
F. Afigura-se no entender da recorrente que a questão que se coloca neste conflito de competência é a de saber qual a área - administrativa ou tributária - que é materialmente competente para apreciar e decidir a ação administrativa comum, intentada contra o ISS e IGFSS, fundada no enriquecimento sem causa e na violação do princípio da confiança, com vista a obter a condenação desse Instituto na restituição das quotizações e contribuições que lhe foram pagas e que eles receberam mas que, alegadamente, não eram devidas.
G. Questão cuja resolução passa, em primeiro lugar, por definir com clareza quais as ações que cabe decidir em cada uma das áreas integradas nos TAF.
H. (…)
J. A natureza da relação jurídica que está na origem do dissídio é, assim, o elemento-chave na tarefa de identificação do Tribunal competente para o julgamento.
K. O que nos implica definir o que se deve entender por relação jurídica administrativa e por relação jurídica tributária, por tais definições serem essenciais na economia da decisão que o douto tribunal “a quo” deveria ter tomado.
L. O conceito de relação jurídica administrativa não tem assento legal o que não impede que possamos considerá-la, para este efeito, como uma relação que se estabelece entre dois ou mais sujeitos regulada por normas de direito administrativo, em que desses sujeitos é uma entidade ou um órgão da Administração Pública que atua no exercício de poderes de autoridade que lhe são próprios com vista à satisfação do interesse público.
M. Já o mesmo não acontece com a noção de relação jurídica tributária visto esta não só ter definição legal – são as “estabelecidas entre a administração tributária, agindo como tal, e as pessoas singulares e coletivas e outras entidades legalmente equiparadas a estas” (nº 2 do art. 1 da Lei Geral Tributária -LGT) - como têm o seu objeto normativamente especificado e têm indicadas as entidades da Administração Tributária que podem figurar como sujeitos dessa relação.
N. Não se pense, porém, que as relações jurídicas administrativas e as relações jurídicas fiscais se repelem mutuamente ou que é possível traçar entre elas uma clara e inultrapassável linha divisória pois o facto de um dos seus sujeitos ser, forçosamente, uma entidade ou órgão da Administração não só destrói essa ideia como nos leva a concluir que, na sua essência, a relação jurídica tributária é uma espécie de um género mais abrangente, a relação jurídica administrativa.
O. A conclusão resulta do facto de um dos sujeitos daquela relação estar integrado na Administração e de, por isso, ao menos mediatamente, a mesma ter natureza administrativa e ser, subsidiariamente, regulada por normas de direito administrativo (al. c) do art. 2.º da LGT).
P. Por ser assim é que, por um lado, a lei fala em competências administrativas no domínio tributário (n.º 3 do art. 1.º da LGT) e, por outro, o legislador teve grande preocupação em definir com rigor o conceito de relação jurídica tributária e de identificar as entidades que, em nome da Administração, nelas podiam intervir.
Q. Essa preocupação emerge da necessidade de a autonomizar, teórica e praticamente, perante a relação jurídica administrativa e de, nessa medida, se evitarem os problemas que poderiam advir de uma eventual confusão de conceitos.
R. Do supra exposto, será possível dar por adquiridas duas importantes certezas; a primeira, é a de que a identificação do Tribunal competente para o julgamento da causa é aferida em função da natureza administrativa ou tributária da relação donde emerge o litígio e, por conseguinte, não é a função – administrativa ou tributária – em que a Administração exerce o seu poder que a determina; a segunda, é a de que só se pode falar em relação jurídica tributária se e quando um dos seus sujeitos for uma das entidades legalmente identificadas (nº 3 do art. 1º da LGT) e o seu objeto for a liquidação e cobrança de tributos ou a resolução dos conflitos daí decorrentes (art. 30.º do mesmo diploma).
S. Estaremos perante uma relação jurídica administrativa se, por um lado, o sujeito público que nela intervém não for nenhuma das citadas entidades e, por outro, essa intervenção não se destinar a prosseguir as finalidades cometidas à Administração Tributária.
T. O que fica dito elucida-nos das razões que levaram o legislador a definir a competência dos Tribunais Administrativos de uma forma muito ampla e genérica e do mesmo não ter sucedido quando se tratou de definir a competência dos Tribunais Tributários.
U. Com efeito, enquanto o nº 1 do art. 44.º do ETAF estatuiu que cabe aos Tribunais Administrativos conhecer “de todos os processos do âmbito da jurisdição administrativa”, o seu art. 49.º indicou com rigor as matérias cujo julgamento era da competência dos Tribunais Tributários - as ações onde se impugnem os atos de fixação dos valores patrimoniais ou de fixação da matéria coletável, bem como os atos liquidação dos tributos, de aplicação de coimas e dos incidentes relacionados com esses atos e, além destas, das “demais matérias que lhes sejam deferidas por lei” (cfr. al. f)).
V. O que quer dizer que, (…), o legislador configurou os Tribunais Administrativos como uma espécie de Tribunal comum da jurisdição administrativa - vocacionados para julgar todos os conflitos que lei não comete especificamente aos Tribunais Tributários – e que a competência atribuída aos Tribunais Tributários foi definida em termos bem precisos e rigorosos – cabe-lhe julgar os conflitos emergentes das relações jurídicas tributárias elencadas na lei – o que tem por consequência que estes não podem ser chamados a intervir se inexistir disposição legal a atribuir-lhes a competência para o julgamento do conflito em questão.
W. Por ser assim, não é lícito afirmar que o facto de inexistir no elenco do art. 49.º do ETAF uma referência aos litígios decorrentes de responsabilidade civil emergente de questões fiscais é insuficiente para declarar que os Tribunais Tributários são incompetentes para o julgamento das ações fundadas naquela responsabilidade e não é lícito porque essa omissão quer, justamente, significar que o legislador não quis que essa matéria integrasse a competência dos Tribunais Tributários.
X. Afigura-se-nos de que nada vale convocar o que se dispõe nas al.s g) e h) do nº 1 do art. 4 do ETAF para contrariar o que fica dito, uma vez que estatuir que os Tribunais Administrativos e os Tribunais Tributários são competentes para julgar questões em que haja lugar a responsabilidade civil extracontratual de pessoas coletivas de direito público, sem especificar a quem cabe esse julgamento em cada caso, remete-nos para as normas gerais de atribuição de competência contidas nos art.s 44.ºe 49.º do ETAF.
Y. E, como já explicitamos, destas resulta que a competência para julgar ações fundadas naquela responsabilidade não está cometida aos Tribunais Tributários.
Z. De resto, é muito significativo que o processo tributário não inclua as ações destinadas a efetivar a responsabilidade civil extracontratual como uma das formas dos contribuintes poderem defender os seus direitos.
AA. No caso em apreço, a recorrente instaurou contra o ISS e IGFSS uma ação administrativa comum, fundada essencialmente no reconhecimento da liquidação a mais às recorridas de quantias de diversa natureza conduzindo a um enriquecimento sem causa e na violação do princípio da confiança, tendo formulado os seguintes pedidos: (…).
BB. Tendo por base a realidade acima exposta, o douto tribunal recorrido considerou-se incompetente em razão da matéria, competência que atribuiu à sua área tributária desse mesmo TAF, por considerar que “Ora, ao contrário do entendimento pugnado pela A. na réplica, entende-se que está em causa nos autos a apreciação de um litígio que implica, a montante, a análise de questões fiscais, uma vez que a pretensão da A., refletida no petitório e na causa de pedir, exige a interpretação e aplicação de disposições de direito fiscal”
CC. Todavia, é entendimento da recorrente existir sérios e fundados riscos de que remetido os autos à área tributária, também este se julgue materialmente incompetente, uma vez que, conforme foi decidido, em plenário, pelo Supremo Tribunal Administrativo, no seu Acórdão de 14.05.2015, «as ações administrativas destinadas à apreciação da responsabilidade de entes públicos por prejuízos decorrentes da prática de atos tributários ou de atos administrativos em matéria tributária, fundando-se na responsabilidade civil extracontratual ou no instituto do enriquecimento sem causa, são da competência material dos tribunais administrativos»”.
DD. A pretensão da recorrente é obter a condenação das RR a devolver todas as quantias que lhe entregou a mais no pressuposto de que as mesmas ter-lhe-ão a sido cobradas a mais.
EE. Fundando essa pretensão, entre outros fundamentos, no enriquecimento sem causa e na violação do princípio da confiança, uma vez que, às RR ao fazerem suas quantias que sabe não lhes pertencerem estão, sem causa justificativa, a obter um enriquecimento à custa do património da A. e a violar a confiança nele depositada.
FF. O que evidencia, de forma clara, que o que está em causa não é um conflito emergente de uma relação jurídica tributária, mas um conflito que nasce de uma errada entrega de quantias às RR e da ilegal retenção das mesmas, por não dispor de fundamento legal para tal.
GG. Ou seja, a A. não vem discutir se as verbas que entregou às RR eram, ou não, devidas e, sendo-o, qual a taxa que devia presidir ao seu cálculo, mas, apenas e tão só, alegar que fez determinadas entregas àquelas entidades e que esta considera não lhes seriam devidas.
HH. Dito de forma diferente, tendo o R. IGFSS reconhecido que as verbas que recebeu não eram devidas – e tanto assim que reconheceu em sede de contestação ter recebido a mais e não devolvido à A. a quantia de cerca de € 171.000,00 – a recorrente sustenta que não existe fundamento legal para aquele não lhe devolver a totalidade dos montantes recebidos a mais.
II. O que significa que, existindo consenso entre A. e os RR. no tocante à inexistência da obrigação contributiva, o que se irá discutir nesta ação é apenas a legalidade da recusa dos RR. em devolver parte das contribuições recebidas e se, portanto, a conduta daqueles pode ser integrada no instituto do enriquecimento sem causa e evidenciar ofensa ao princípio da confiança.
JJ. O que significa estarmos perante uma ação fundada num instituto do direito civil e na violação de um princípio estruturante da atividade administrativa (art.s 473.º a 482.º do Código Civil e art.s 8.º e 10.º do Código do Procedimento Administrativo) e não perante um conflito emergente de uma relação jurídica cuja resolução tenha de ser feita com apelo a normas de direito tributário.
KK. Demais, estando legalmente tipificada a competência dos Tribunais Tributários (art. 49.º do ETAF) não se encontra em nenhuma das suas estatuições norma capaz de ser integrada pela causa de pedir e pelo pedido aqui formulado. (…)
LL. Contudo, caso não venha a ser esse entendimento do douto tribunal “ad quem”, então, deverá o douto tribunal reconhecer que o meio processual empregue para a consecução da pretensão da A. de reposição do indevido, incluindo o pagamento de juros indemnizatórios, na ausência de outra forma processual mais adequada, terá que seguir a forma de ação para o reconhecimento de um direito, integrando, assim, a causa de pedir e o pedido aqui formulado pela A. (cf. art. 145.º, n.ºs 1 e 3, do CPPT e art. 97.º, n.º 2, da LGT, e art. 268.º, n.º 4, da CRP), se não vejamos:
MM. Com efeito, considerando que é matéria fiscal – o que apenas se concede por mera cautela de patrocínio - , e dado que do PROGRAMA PERES não resultam atos de liquidação de imposto ou, neste caso, de contribuições e/ou quotizações de Segurança Social, que pudessem ter sido alvo de Reclamação Graciosa/Impugnação Judicial ou (no limite), Pedido de Revisão de Ato Tributário, a única ação, em matéria tributária, que poderia ser utilizada é de facto a referida ação para reconhecimento de um direito.
NN. Na verdade, e mesmo na tese mais conservadora de que a ação para reconhecimento de um direito de que esta ação é um meio residual, que apenas poderá ser utilizado quando outra ação (de procedimento ou de processo) não possa ser utilizada, o certo é que não existindo qualquer ato de liquidação que pudesse ter sido objeto de outro tipo de ação, como acima elencados, este tipo de ação é a única constante do CPPT que poderá ser utilizada para que o Tribunal ateste o direito de a Recorrente fazer valer o seu direito aos montantes indevidamente cobrados!
OO. Mais, caso o acima referido não seja considerado, sempre seria o recurso à ação de responsabilidade civil extracontratual do Estado o meio adequado para acionar os interesses da Recorrente, pelo que voltaríamos novamente à ação administrativa, dado que é entendimento unânime o de que não sendo os danos sofridos por um sujeito passivo de imposto (ou neste caso de quantias alegadamente devidas à Segurança Social) decorrentes da liquidação ilegal de taxas, suscetíveis de ressarcimento através dos mecanismos de responsabilidade civil especificamente previstos na legislação tributária, a Recorrente enquanto lesada apenas poderá ver reconhecido o seu direito a ser indemnizada pelos danos causados com a conduta ilegal do Instituto da Segurança Social – pessoa coletiva de direito público – através do recurso à ação de responsabilidade civil extracontratual do Estado.…”: cfr. fls. 726 a 782.

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As entidades recorridas não contra-alegaram: vide fls. 783 a 787.
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O recurso foi admitido e ordenada a subida em 2021-05-24: cfr. fls. 787.
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O Digno Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal Central não exerceu faculdade que lhe é conferida pelo art. 146º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos - CPTA: cfr. fls. 793.
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Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.
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II. OBJETO DO RECURSO:
Delimitadas as questões a conhecer pelo teor das alegações de recurso apresentadas pela entidade recorrente e respetivas conclusões (cfr. art. 635°, n° 4 e art. 639º, n°1 a nº 3 todos do Código de Processo Civil – CPC ex vi artº 140° do CPTA), não sendo lícito ao Tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas - salvo as de conhecimento oficioso -, importa apreciar e decidir agora se a decisão sob recurso padece, ou não, do assacado erro de julgamento de direito.

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III. FUNDAMENTAÇÃO:
A – DE FACTO:
A decisão recorrida não assentou quaisquer factos.

Importa, pois, agora e com relevo para a decisão, em face dos elementos juntos ao processos, da prova por admissão e das regras de experiência comum, ter presente que dos autos resulta assente que:

1. Em 2019-12-13 a A., ora recorrente, intentou no TAC de Lisboa uma ação que identificou como: “… ação administrativa comum, nos termos e para os efeitos da al.s f), k) e m) do art. 37º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos - CPTA e nos termos do estabelecido das al.s g) e h) do nº 1 do art. 4º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais – ETAF, aprovado pela Lei nº 13/2002 de 19 de fevereiro, na redação do DL nº 241-G/2015 de 2 de outubro…” : negritos e sublinhados nossos; fls. 1 a 193 dos autos;

2. Na presente ação peticionou: “… Nestes termos e nos demais de direito deverá a presente ação ser julgada procedente e provada e consequentemente ser reconhecido que:
i. No âmbito do PROGRAMA PERES foram pagas quantias de capital que já haviam sido pagas no âmbito das vendas judiciais ou noutros momentos. Esse valor global é de € 70.549.92 (setenta mil quinhentos e quarenta e nove euros e noventa e dois cêntimos) e já reconhecidos pela 1ªR;
ii. No âmbito do PROGRAMA PERES foram pagas quantias de juros moratórios e ou compulsórios que já haviam sido pagas no âmbito das vendas judiciais ou noutros momentos. Esse valor global é de € 133.187,30 (cento e trinta e três mil cento e oitenta e sete euros e trinta cêntimos);
iii. Que foram liquidados juros moratórios e ou compulsórios referentes a contribuições de junho de 2004 a fevereiro de 2005, no âmbito do PROGRAMA PERES pela A. no montante global de € 359.442,86 (trezentos e cinquenta e nove mil quatrocentos e quarenta e dois euros e oitenta e seis cêntimos), cujo cálculo não resultou da aplicação da fórmula de cálculo prevista na lei, nem tomou em consideração a liquidação integral do capital realizada em outubro de 2015. O valor indevidamente liquidado no PROGRAMA PERES é de € 28.236,30 (vinte e oito mil duzentos e trinta e seis euros e trinta cêntimos);
iv. Foram pagos € 540.685,96 (quinhentos e quarenta mil seiscentos e oitenta e cinco euros e noventa e seis cêntimos) a título de juros, coimas e custas judiciais no âmbito do PROGRAMA PERES, apesar de o PROGRAMA PERES prever a sua total isenção;
v. E ainda aqueles juros que, entre o momento da realização das vendas executivas pela AT dos imóveis e o momento da graduação dos créditos e, posteriormente, a imputação do produto das vendas por parte da 1ªR melhor descrito nos artigos 30º a 45º da presente peça, foram suportados pela A. a serem liquidados em sede de execução de sentença.
Ou caso assim não se entenda, em alternativa:
Serem as RR. condenadas a restituir à A. a quantia de € 611.235,88 (seiscentos e onze mil duzentos e trinta e cinco euros e oitenta e oito cêntimos), e ainda os juros de mora que terão de ser verificados em execução de sentença por não possível à A. apura-los atenta a inexistência de informação dada pela 1.ª R. no que concerne às vendas judiciais por esse a medida do enriquecimento sem causa, acrescidos de juros moratórios à taxa legal, contabilizados desde a data da sua citação até ao integral pagamento…”.

3. Na sua contestação, o ISS, IP, ora recorrido, suscitou, além do mais, a incompetência absoluta do TAC de Lisboa, para tanto, sublinhando que o que considerar estar em causa são contribuições devidas à segurança social sobre remunerações pagas a trabalhadores, questão que considera ter natureza tributária, atento o carácter da sua fonte legal e o facto de se tratar de uma imposição unilateral não sancionatória, pelo que, o litigio acerca do pressuposto do respetivo pagamento, terá natureza tributária estando, por isso, excluído da apreciação dos tribunais administrativos: cfr. fls. 217 a 660;
4. Replicando, advoga, em síntese, a ora apelante que o que está em causa é: “… tão somente a legalidade da liquidação em duplicado das contribuições e juros de mora (não se a entidade M.............. teria ou não de estar sujeita à essas contribuições e juros de mora), bem como, o enriquecimento sem causa por via dessa duplicação, o que, (…) não assume, de modo algum, natureza tributária quer o pedido quer a causa de pedir ; (…) saber se é legítima ou não a recusa das RR. em proceder à devolução de parte das contribuições recebidas a mais e portanto, se a conduta daquelas podem ser integradas no instituto da responsabilidade civil e enriquecimento sem causa e evidenciar ofensa ao princípio da confiança…”: cfr. fls. 665 a 678, v.g. o articulado sob o n.º 7 e n.º 9;
5. Decisão recorrida:
Em 2020-12-11, o tribunal a quo declarou-se: “… materialmente incompetente para conhecer do objeto da presente ação e, em consequência…” determinou a remessa dos autos ao Tribunal Tributário de Lisboa: cfr. fls. 707 a 721.
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B – DE DIREITO:
DO ERRO DE JULGAMENTO DE DIREITO (v.g. art. 13 º do CPTA; art. 4º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais – ETAF):
Ressalta do discurso fundamentador da decisão recorrida que: “… Da conjugação do binómio pedido/causa de pedir, o que se verifica é que o que a A. pede a título principal é o reconhecimento dos pagamentos que efetuou ao abrigo do PROGRAMA PERES e que, na sua perspetiva, parte deles não são devidos, e que, nessa decorrência, as RR. estão obrigadas a reconstituir a situação legal que hipoteticamente existiria não fora a prática de um ato lesivo ou de uma ofensa cometida contra os seus direitos e interesses protegidos, concluindo pela obrigação de restituição da contribuição que fora paga indevidamente, tal como pelo pagamento de juros indemnizatórios, fazendo apelo, neste contexto, concreta e especificamente ao art. 100.º, da LGT e ao art. 61.º, n.º 3, do CPPT (art.s 101.º a 105.º da p.i.).
E, por isso, a pretensão principal cabe na sub jurisdição do tribunal tributário.
(…) Por outro lado, sendo este competente, em razão da matéria, para o conhecimento da questão principal ou fundamental submetida pela A. ao escrutínio judicial, será também ele o competente para o conhecimento das restantes questões conexas, designadamente, quanto ao fundamento da ação com base no instituto do enriquecimento sem causa e ofensa ao princípio da confiança, ainda que, isoladamente considerados, pudessem cair no âmbito do foro administrativo. Como o Tribunal dos Conflitos tem vindo a decidir estando em causa diversos pedidos, alguns deduzidos cumulativa ou subsidiariamente, a definição da jurisdição competente afere-se pela índole da causa, resultando esta do pedido principal - cf. Acórdão do Tribunal de Conflitos, de 14-09-2017. Processo n.º 09/17, consultável em www.dgsi.pt.
Saliente-se que o instituto do enriquecimento sem causa surge, aqui, unicamente invocado a título subsidiário (cf. art. 552.º do CPC), fazendo uso da retórica utilizada pela A. no art. 106.º da petição inicial: (…)
Nesta conformidade, julgo verificada a exceção dilatória de incompetência do tribunal, em razão da matéria, prevista no art. 89.º, n.º 4, al. a), do CPTA, e, em consequência, declaro este tribunal administrativo incompetente para conhecer do objeto da presente ação, determinando a remessa oficiosa dos autos ao Tribunal Tributário de Lisboa, nos termos dos art.s 14.º, n.º 1, e 89.º, n.º 2, do mesmo Código…”.

O assim decidido pelo tribunal a quo escora-se em tese que não se acompanha.

Na exata medida em que, como decorre dos autos e o probatório elege, considerando o pedido, a causa de pedir e as disposições legais que a apelante expressamente identificou, o pedido reduzido, aos seus termos mais simples, traduz-se no reconhecimento de que foram liquidadas indevidamente quantias a mais, e, ainda, em alternativa, na condenação das recorridas na restituição da quantia recebida a titulo de enriquecimento sem causa, incluindo a repetição do indevido: cfr. al.s f), k) e m) do art. 37º do CPTA; al.s g) e h) do nº 1 do art. 4º do ETAF; art. 562º e art. 473º ambos do Código Civil – CC.

Mas nos termos em que a apelante formula a ação e do desenhado quadro fáctico, resulta ainda que a apelante intentou (em 2019) uma “… ação administrativa comum…”, o que significa que fez uso de um meio processual que já não existia desde 2015 (cfr. DL n.º 214-G/2015, de 02 de outubro), impondo-se, por isso, que tivesse sido convidada a aperfeiçoar a sua petição, não tendo sido o que sucedeu e, tendo a presente ação sido distribuída como ação administrativa, o facto é que, considerando o pedido, a causa de pedir e as disposições legais que a apelante expressamente identificou, mostra-se, ainda assim, possível descortinar o objeto da ação: cfr. al.s f), k) e m) do art. 37º do CPTA; al.s g) e h) do nº 1 do art. 4º do ETAF; art. 562º e art. 473º ambos do CC.

O qual, como acima referido, não é só pedido o reconhecimento de situações jurídica subjetivas diretamente decorrentes de normas jurídico-administrativas ou de atos jurídicos praticados ao abrigo de disposições de direito administrativo-contributivo (v.g. o articulado sob o n.º 71 a 76 da Petição Inicial – PI), mas também e sobretudo, no que ao caso interessa, o reconhecimento da responsabilidade civil das pessoas coletivas, dos titulares dos seus órgãos ou respetivos trabalhadores em funções públicas, incluindo ações de regresso (v.g. o articulado sob o n.º 101º a 105º da PI): cfr. al.s f), k) e m) do art. 37º do CPTA; al.s g) e h) do nº 1 do art. 4º do ETAF; art. 562º e art. 473º ambos do CC.

Assim, e diversamente do afirmado na decisão recorrida, no segmento que agora se transcreve: “… sendo certo que, ao contrário do que parece afirmar na réplica (v. art. 9.°), a A. não funda a sua pretensão indemnizatória no instituto da responsabilidade civil extracontratual do Estado. Lida e relida a petição, constata-se que a mesma não invoca qualquer disposição legal ou bloco normativo na petição inicial, ainda que de forma tabelar, que evidencie minimamente ser esta a sua pretensão…”.

Repete-se, pois, dos autos resulta que a apelante fundou também, e diversamente do afirmado na decisão recorrida e acima transcrito, pretensão indemnizatória no instituto da responsabilidade civil extracontratual do Estado: vide v.g. o articulado sob o n.º 101º a 105º da PI e art. 9º da réplica.

E, ainda na PI, e em alternativa, a apelante pediu a restituição ao abrigo do enriquecimento sem causa, incluindo a repetição do indevido (v.g. o articulado sob o n.º 112º a art. 122º da PI): cfr. al. m) do art. 37º do CPTA; art. 473º do CC.

Aqui chegados, a causa de pedir mostra-se alicerçada no pressuposto de que a apelante considera ter pago mais contribuições do que aquelas que seriam devidas à segurança social sobre remunerações pagas a trabalhadores, encontrando-se as recorridas obrigadas a reconstituir a situação legal que hipoteticamente existiria se não houvera sido praticado um ato lesivo contra os seus direitos e interesses protegidos.

Consabidamente o âmbito da jurisdição administrativa e a competência dos tribunais administrativos é questão de ordem pública, precedendo o seu conhecimento a qualquer outra matéria: cfr. art. 13º do CPTA.

Não se desconhecendo que: “… a jurisdição fiscal é distinta da jurisdição administrativa por constituir uma especialização dentro desta na qual cabem todas as questões administrativas que não tenham natureza fiscal e cujo conhecimento não seja atribuído a outro Tribunal (cf. art.s 4°, 38º e 49º do ETAF); no âmbito da jurisdição fiscal…”: cfr. Acórdão do TCAS, de 2018-04-19, processo 1306/13.4BESNT, disponível em www.dgsi.pt.

Sabe-se também, aliás, com inteira aplicação ao caso concreto, que: “… I- Não é a função – administrativa ou tributária – em que a Administração exerce o seu poder que determina a competência do Tribunal para o julgamento do conflito, visto essa competência resultar do facto do conflito emergir de uma relação jurídica administrativa ou de uma relação jurídica tributária.
II - Só se pode falar em relação jurídica tributária quando um dos seus sujeitos for uma das entidades identificadas no n.º 3 do art.º 1.º da LGT e o seu objeto for a liquidação e cobrança de tributos ou a resolução dos conflitos daí decorrentes (art.º 30.º do mesmo diploma) como só se pode falar em relação jurídica administrativa se o sujeito público que nela intervém não for uma das citadas entidades e não prosseguir as finalidades prosseguidas pela Administração tributária.
III - Tendo sido proposta uma ação administrativa comum para efetivação de responsabilidade civil extracontratual do Estado – com vista à condenação deste no pagamento de uma quantia que repare os danos sofridos em resultado da ilegal liquidação de um imposto e da sequente anulação judicial da mesma – não se está perante um conflito emergente de uma relação jurídica tributária tout court – a liquidação do imposto judicialmente anulado – mas perante um conflito que, apesar de ter a sua origem remota nesse ato tributário, lhe é posterior e que nasce por diferentes razões, ainda que complementares.
IV - Por ser assim aquela ação é uma típica ação de responsabilidade civil extracontratual do Estado a qual se rege não por normas de direito tributário mas por normas de direito civil (CC) e de direito administrativo (Lei 67/2007, de 31/12), o que, desde logo, determina que os Tribunais Administrativos sejam competentes para o seu conhecimento…”: cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo - STA, de 2014-01-29, processo 01771/13, disponível em www.dgsi.pt.

Donde, a competência para dirimir o presente litígio, porque nele formulada pretensão indemnizatória fundada no instituto da responsabilidade civil extracontratual do Estado, cabe aos tribunais administrativos: cfr. art. 4º, art. 44.º e art. 49.º todos do ETAF; Acórdão do STA, de 2014-01-29, processo 01771/13, disponível em www.dgsi.pt; pontos 1 a 5 da matéria assente.

Termos em que a decisão recorrida padece do invocado erro de julgamento.
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Procede, pois, a apelação, o que demanda a revogação da decisão recorrida e a baixa dos presentes autos à 1ª instância para aí, se a tal nada mais obstar, prosseguirem os seus termos: cfr. art. 655º do CPC ex vi art. 140º n.º 3 do CPTA.
***
IV. DECISÃO:
Pelo exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Administrativo – Subsecção Social deste TCAS em conceder provimento ao recurso interposto, em revogar a decisão recorrida, ordenando ainda a baixa dos autos à 1ª instância para, que se a tal nada mais obstar, aí prossigam então o seu curso normal.
Custas a cargo da entidade recorrida ISS, IP (cfr. art. 527º do CPC ex vi art. 1º do CPTA).
15 de julho de 2025
(Teresa Caiado – relatora)
(Maria Helena Filipe – 1ª adjunta)
(Luis Freitas – 2º adjunto) (com voto de vencido com se segue):
VOTO DE VENCIDO
1. Confirmaria a sentença recorrida, exatamente com os fundamentos nela aduzidos.

2. Evidencio apenas alguns aspetos. Por um lado, afigura-se-me que não existem pedidos alternativos, o que se compreende, pois nem se verifica o condicionalismo previsto no artigo 553.º do Código de Processo Civil. Interpreto, pois, o segundo pedido como subsidiário.
3. Por outro lado, e tal como assinalou a sentença recorrida, o instituto da responsabilidade civil extracontratual não é convocado na presente ação. Ou seja, na minha perspetiva não se verifica o pressuposto essencial que determinou o sentido da decisão tomada no acórdão. É certo que, a dado ponto, a ora Recorrente alude a uma «indemnização». No entanto, e como se sabe, iura novit curia. Aliás, não por acaso não existe uma única referência na petição inicial ao regime legal da responsabilidade civil extracontratual do Estado. Em suma, e como ressalta da sentença recorrida, a Recorrente pretende uma restituição, não uma indemnização.
4. Finalmente, também não acompanho o entendimento de que o tribunal a quo deveria ter formulado convite ao aperfeiçoamento da petição inicial. Se o tribunal se declara incompetente, o único ato que deve praticar é esse mesmo: declarar a sua incompetência. Nada mais.

Luís Borges Freitas