Decisão Texto Integral: | Instituto dos Registos e Notariado, I.P., devidamente identificado como entidade requerida nos autos da acção intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias instaurada por M…, inconformado, veio interpor recurso jurisdicional da sentença, proferida em 30.5.2023, pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, na parte em que julgou a presente intimação procedente e, em consequência, intimou a Entidade Requerida a dar andamento ao procedimento despoletado pela Requerente, com as vinculações acima referidas, no prazo de 10 dias.
Nas respectivas alegações, o Recorrente formulou as conclusões que seguidamente se reproduzem:
«I – DEVE ENTENDER-SE que estamos, perante a EXCEPÇÃO DA IMPROPRIEDADE OU INADEQUAÇÃO DO MEIO PROCESSUAL UTILIZADO, pelo que a sentença de que se recorre viola o disposto nos artigos 89º, nºs 1, 2 e 4 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), 576º, nºs 1 e 2, 577º e 578º do Código do Processo Civil (CPC), estes aplicáveis “ex vi” artigos 1º e 35º do CPTA, decisão que deve ser revogada e substituídas por outra que, não incorrendo nos apontados vícios, ABSOLVA O RECORRENTE IRN IP, DA INSTÂNCIA; ou, assim não se considerando, por mera cautela,
II – DEVE ENTENDER-SE que a sentença é NULA nos termos do artigo 615º, nº 1, alínea c) do Código do Processo Civil (CPC), aplicável ex. vi artigo 1º e 35º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), porque a fundamentação está em oposição com a decisão, pois que apesar de considerar que o meio processual adequado para o pedido, seria a ação administrativa comum, decide em sentido contrário, invocando que nos tribunais, os processos são mais morosos e não beneficiariam a requerente, devido à sua idade, não interessando para os direitos da requerente, a situação de “atraso” da parte demandada, onde os prazos do RNP e do CPA, estariam todos ultrapassados;
III – DEVE ENTENDER-SE que a sentença de que se recorre, ERRA NA APLICAÇÃO DA LEI, ao considerar PERENTÓRIOS OS PRAZOS previstos no RNP, e VIOLA OS PRINCÍPIOS DA UNIVERSALIDADE E DA IGUALDADE, CONSAGRADOS nos artigos 12º e 13º da CRP e 6º, 7º e 9º do CPA, bem como O PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DE PODERES, consagrado no artigo 111.º da CRP, nº 1 do artigo 3.º do CPTA, e artigo 5º do CPA, devendo, por isso, ser revogada e substituída por decisão que ABSOLVA O RECORRENTE, IRN IP, DO PEDIDO.
IV - SÓ ASSIM SE FAZENDO JUSTIÇA!»
Indicou juntar dois documentos.
A Recorrida contra-alegou, sem formular conclusões, pugnando pela improcedência do recurso.
O Ministério Público, junto deste Tribunal, notificado nos termos e para efeitos do disposto nos artigos 146º e 147°, do CPTA, emitiu parecer no sentido de ser dado provimento ao recurso.
Sem vistos dos Exmos. Juízes-Adjuntos, por se tratar de processo urgente (cfr. o nº 2 do artigo 36º do CPTA), mas com divulgação prévia junto destes do projecto de acórdão, vem o mesmo à sessão para julgamento.
As questões suscitadas pelo Recorrente, delimitada pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, nos termos do disposto no nº 4 do artigo 635º e nos nºs 1 a 3 do artigo 639º, do CPC ex vi nº 3 do artigo 140º do CPTA, consistem, no essencial, em saber se a sentença recorrida padece de nulidade por contradição entre os fundamentos e o decidido, nos termos do artigo 615º, nº 1, alínea c) do CPC, e se incorreu em erros de julgamento ao ter considerado o meio processual idóneo e ao decidir julgar procedente a acção, intimando-o a dar andamento ao procedimento despoletado pela Recorrida.
A título prévio importa aferir da admissibilidade dos dois documentos juntos com as alegações de recurso.
Da questão prévia:
O Recorrente junta às alegações de recurso um parecer e uma deliberação, respectivamente, dos seus Conselho Consultivo, de 27.12.2022, e Conselho Directivo, de 27.10.2023, rectificada em 18.1.2023.
Dispõe o artigo 651º do CPC ex vi o nº 3 do artigo 140º do CPTA, com a epígrafe “Junção de documentos e de pareceres”, que:
“1 - As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o artigo 425.º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância.
2 - As partes podem juntar pareceres de jurisconsultos até ao início do prazo para a elaboração do projeto de acórdão.”
O referido artigo 425º prevê que: “Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento.”
A saber, nos termos do nº 1 do artigo 651º, depois do encerramento da discussão e em caso de recurso, só a título excepcional e devidamente justificado, é admitida a junção de documentos com as alegações e exclusivamente aqueles cuja apresentação não tenha sido possível anteriormente ou quando a sua junção se tenha tornado necessária por causa do julgamento proferido em 1ª instância.
De acordo com o nº 2 do mesmo artigo, os pareceres de jurisconsultos, que não são documentos que visem a prova de factos, mas opiniões de especialistas em direito que expressam o estudo, a análise e solução que, quem os subscreve, entende ser a melhor ou mais adequada sobre questões jurídicas suscitadas pelas partes no processo e cuja junção pretende contribuir para elucidar, auxiliar o juiz na decisão a proferir sobre essas questões, devem ser apresentados e admitidos até ao início do prazo para elaborar o projecto de acórdão.
No caso em apreciação, o documento 1 é um parecer do Conselho Consultivo do Recorrente sobre o prazo para a decisão dos pedidos a que se refere o artigo 41º do Regulamento da Nacionalidade Portuguesa. Este Conselho é composto pelo presidente do IRN e por conservadores dos registos – v. artigo 6º da respectiva Lei Orgânica, aprovada pelo Decreto-Lei nº 148/2012, de 12 de Julho, actualizada -, que são especialistas, mormente, em direito da nacionalidade e registos, pelo que os respectivos pareceres são susceptíveis de enquadramento no referido nº 2 do artigo 651º.
Em face do que, quer pela qualidade de quem proferiu o referido parecer quer por ter sido tempestivamente apresentado, é de admitir a junção ao recurso do doc. 1, junto com as alegações.
No que concerne ao doc. 2, importa começar por evidenciar que o recurso foi interposto de uma sentença que, em 30.5.2023, julgou procedente a acção de intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias, tendo sido ponderada a situação de “atraso” na tramitação e decisão dos procedimentos administrativos, despoletados pelos pedidos dirigidos pelos particulares ao Recorrente.
A deliberação, contida neste documento, respeita a pedido de urgência apresentado no âmbito de processos de atribuição, aquisição e perda de nacionalidade portuguesa e seu carácter excepcional, e quer na sua versão inicial quer na corrigida, é anterior à data da prolação da sentença, não vindo invocada qualquer razão para ser junta apenas com as alegações de recurso, o que permite considerar não verificados os pressupostos exigidos no nº 1 do referido artigo 651º.
Donde, é de indeferir a junção deste doc. 2 e determinar o respectivo desentranhamento dos autos e devolução ao apresentante.
Do recurso
A sentença recorrida decidiu sobre a questão prévia da adequação do meio processual, sem fixar factualidade relevante e depois, para a questão de saber se, em face da lei aplicável, a Requerente tem direito à integração do seu assento de nascimento no registo civil português, deu como provados os seguintes factos:
«1) Em 4 de outubro de 2021, M…, requereu, mediante advogado, junto da Conservatória dos Registos Centrais, a integração do seu assento de nascimento no registo civil português, mediante requerimento e documentos que se dão por integralmente reproduzidos – cfr. fls. 2 e ss. do PA, para as quais se remete e que aqui se dão por integralmente reproduzidas;
2) A Conservatória dos Registos Centrais ainda não analisou o pedido referido no ponto que antecede – cfr. fls. do PA, para as quais se remete e que aqui se dão por integralmente reproduzidas*
IV.2 Dos factos não provados:
Nada mais foi provado, ou não provado, com interesse para a decisão sub judicio.
IV.3. Motivação da matéria de facto
Conforme individualmente especificado, os factos provados foram dados como assentes com base no exame dos elementos documentais constantes do processo.».
Da nulidade da sentença:
Alega o Recorrente que a sentença é nula porque a fundamentação está em oposição com a decisão, porque apesar de considerar que o meio processual adequado para o pedido seria a acção administrativa, decide em sentido contrário, invocando que nos tribunais os processos são mais morosos e não beneficiariam a requerente, devido à sua idade, não interessando para os direitos desta a situação de “atraso” dos seus serviços.
Dispõe a referida alínea c) do nº 1 do artigo 615º do CPC que a sentença é nula quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.
No que ao alegado pelo Recorrente interessa, a contradição entre os fundamentos e a decisão, referida na primeira parte da alínea c) reproduzida, é de natureza lógica «(…) como referia J. Lebre de Freitas, que entre “os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica; se, na fundamentação da sentença, o julgador seguir determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão, e, em vez de a tirar, decidir noutro sentido, oposto ou divergente, a oposição será causa de nulidade da sentença. Esta oposição não se confunde com o erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou, muito menos, com o erro na interpretação desta: quando, embora mal, o juiz entende que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação, ou dela decorre, encontramo-nos perante o erro de julgamento e não perante oposição geradora de nulidade; mas já quando o raciocínio expresso na fundamentação aponta para determinada consequência jurídica e na conclusão é tirada outra consequência, ainda que esta seja juridicamente correta, a nulidade verifica-se. A oposição entre os fundamentos e a decisão tem o seu correspondente na contradição entre o pedido e a causa de pedir, geradora da ineptidão da petição inicial” [in: “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 2.º, pág. 670] (v. acórdão do STA, de 28.4.2016, proc. 0978/15, in www.dgsi.pt).
E só ocorrerá nulidade se, da referida contradição, resultar prejudicada a compreensão da decisão contida na sentença recorrida.
Refere-se o Recorrente ao seguinte excerto da sentença recorrida:
«A questão que se coloca é, principalmente, a de saber se, no caso, a célere emissão de uma decisão de mérito se mostre efetivamente indispensável, face aos demais meios processuais, para assegurar o exercício em tempo útil destes direitos.
A este respeito, imporá reter que as providências cautelares visam assegurar a utilidade dos processos principais, sendo suas características típicas a instrumentalidade e a provisoriedade, e que a integração do assento de nascimento do Requerente no registo civil português não é suscetível de tutela provisória, pela própria natureza das coisas – o que não é sequer debatido pelas partes.
Neste sentido, no caso concreto, a única alternativa viável à Requerente seria a propositura de uma ação administrativa, de natureza não urgente.
Atendendo aos tempos médios de duração de tal meio processual, é sabido que tal ação administrativa demoraria, em circunstâncias normais e abstratas, diversos anos a ser decidida.
Sucede que a Requerente, nascida em 23 de abril de 1953, tem, atualmente, 70 anos de idade.
O – mais do que provável – tempo de pendência da referida ação administrativa – que, sublinhe-se, constitui o meio normal de reação em situações semelhantes – implicaria, no caso concreto, o perigar dos direitos da Requerente, razão pela qual se reconhece estarmos diante de uma situação em que a célere emissão de uma decisão de mérito se mostra indispensável, face aos demais meios processuais, para assegurar o exercício em tempo útil dos direitos, liberdades ou garantias em apreço.
Com efeito, atendendo à idade da Requerente, deve concluir-se que inexiste qualquer outro meio processual que seja apto a solucionar a sua situação de forma adequada, nomeadamente uma ação principal acompanhada de uma providência cautelar.
Atento o exposto, considera-se, portanto, que a presente intimação para a defesa de direitos, liberdades e garantias constitui meio processual adequado e julga-se improcedente a exceção invocada.
Pelo exposto, o processo é o próprio.».
A saber, o juiz a quo depois de considerar que a questão em apreciação não pode ser objecto de providência cautelar, afirma que, no caso concreto, a única alternativa viável seria a propositura de uma acção administrativa, não urgente, mas depois explica porque é que também uma acção, não urgente, não é a forma adequada para assegurar o direito ou pretensão da autora – atendendo à sua idade avançada e à demora na tramitação e prolação de sentença nessa espécie de acção -, concluindo que a acção de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias é o meio processual idóneo para o efeito.
Em face do que não se verifica a alegada contradição lógica entre a fundamentação e a decisão, mas apenas uma expressão deficiente dos termos em que assenta a argumentação do juiz a quo, pois deveria ter escrito que a regra é a de que a acção administrativa não urgente é o meio processual adequado para a defesa de direitos, liberdades e garantias, em vez de o afirmar por referência ao caso em apreciação.
Sobre a referida “desconsideração” pelo tribunal recorrido da situação de “atraso” na tramitação dos pedidos pelo Recorrente para os direitos da requerente, não se vislumbra onde reside a invocada contradição. Quando muito poderá consubstanciar erro de julgamento, mas não de forma, na elaboração da decisão.
Donde, não ocorre a nulidade da sentença, arguida pelo Recorrente.
Dos erros de julgamento
(i) Alega o Recorrente que a sentença recorrida faz errada interpretação da lei, ao considerar a presente acção de intimação, o meio processual idóneo, em violação do disposto nos artigos 89º, nºs 1, 2 e 4 do CPTA, e 576º, nºs 1 e 2, 577º e 578º do CPC, e, (ii) se assim não se entender, erra ao julgar procedente a acção, em violação dos princípios da universalidade e da igualdade, e da separação de poderes, previstos nos artigos 12º, 13º e 111º, da CRP e 6º, 7º, 9º e 5º, do CPA e 3º do CPTA.
Apreciando.
(i) A verificação dos pressupostos de admissibilidade, adjectiva, da acção de intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias é efectuada em função do que em concreto é alegado pelo requerente na petição quanto à urgência, à indispensabilidade e subsidiariedade deste meio processual para assegurar o exercício de um direito fundamental ou análogo ameaçado – cfr. o disposto no artigo 109º do CPTA –, sendo que a falta desses pressupostos não corresponde à impropriedade do meio processual, nulidade prevista no artigo 193º do CPC que importa a anulação dos actos que não possam ser aproveitados, mas sim a uma excepção dilatória inominada, que obsta ao conhecimento do mérito da causa e determina a absolvição da instância.
No caso em análise, a Requerente/recorrida, cidadã brasileira, alega, em síntese, na petição que: nasceu em 23.4.1953, filha de pai português; em 4.10.2021 apresentou junto da Conservatória dos Registos Centrais pedido de reconhecimento da nacionalidade portuguesa, com esse fundamento, devidamente instruído, ao abrigo do disposto na alínea d) do nº 1 do artigo 1º da Lei da Nacionalidade, aprovada pela Lei nº 37/81, de 3 de Outubro; quer fixar residência em Portugal ou noutro país europeu, não desejando fazê-lo como imigrante, mas no exercício pleno dos seus direitos civis e políticos; o seu pedido ainda não foi decidido, apesar de decorridos os prazos legais para o efeito; o que ofende, de forma reiterada, o seu direito à cidadania nacional e europeia, tendo o efeito equivalente à perda da nacionalidade; a presente acção é o meio idóneo para protecção do seu direito, não sendo suficiente para o efeito pretendido o uso de uma acção não urgente associada a uma providência cautelar.
O tribunal a quo entendeu que a integração do assento de nascimento da Requerente no registo civil português não é susceptível de tutela provisória, pela própria natureza das coisas, e o meio processual adequado seria uma acção administrativa não urgente. Contudo, tal acção iria demorar vários anos a ser decidida o que, conjugado com a idade avançada da Requerente, o levou a considerar ser a acção de intimação, prevista no artigo 109º do CPTA, o meio idóneo para, em concreto, proteger o seu direito a ver reconhecida a nacionalidade portuguesa, julgando improcedente a excepção invocada na resposta, apresentada nos autos.
Em sede de recurso o Recorrente limita-se a reiterar o que alegou no seu articulado e a concluir que devia ser absolvido da instância porque, ao contrário do decidido, a presente acção de intimação não é o meio processual idóneo para assegurar a protecção do direito da Recorrida.
O que não é suficiente para infirmar o entendimento do tribunal recorrido e nosso, de que a demonstração da exigida urgência e indispensabilidade do uso desta acção resulta do alegado receio da Requerente, atendendo à sua idade avançada, à natural demora na decisão de uma acção administrativa não urgente e do próprio procedimento administrativo referente ao reconhecimento da nacionalidade portuguesa, de, a não ser que obtenha decisão judicial definitiva e célere que intime o Requerido a decidir com urgência o seu pedido, poder não conseguir vir a exercer os direitos decorrentes da nacionalidade, como sejam o de residir em Portugal ou outro país europeu.
No mesmo sentido já decidiu este Tribunal, designadamente, nos acórdãos de 20.10.2021, proc. 1220/21.0BELSB, de 12.1.2023, proc. 2936/22.9BELSB, de 23.3.2023, proc. nº 2878/22.8BELSB, de 20.6.2024, proc. 1035/23.0BELSB, todos consultáveis em www.dgsi.pt.
Em face do que não procede este fundamento do recurso.
(ii) Quanto ao conhecimento do mérito da pretensão da Requerente, extrai-se da fundamentação de direito da sentença recorrida o seguinte:
«Conforme resulta do probatório, o pedido de inscrição do assento de nascimento da Requerente para o registo civil português foi formulado no dia 4 de outubro de 2021, ou seja, há mais de 1 ano e meio, pelo que, como é inequívoco, o prazo procedimental que impende sobre a Entidade Requerida para apreciação do mesmo foi largamente ultrapassado – cfr. o disposto no artigo 128.º n.º 1 do Código do Procedimento Administrativo (CPA) [cfr. o artigo 41.º n.º 9 do Regulamento da Nacionalidade].
Sucede ainda que, de acordo com o disposto no artigo 42.º n.º 2) do Regulamento da Nacionalidade, o conservador pode determinar as diligências oficiosas que considere necessárias para proferir a decisão; e que, de acordo com o disposto no artigo 49.º n.º 2 do CRC, no caso de dúvida sobre a autenticidade do conteúdo de documentos emitidos no estrangeiro, pode ser solicitada às autoridades emitentes a confirmação da sua autenticidade, sendo os encargos suportados pelos interessados.
Neste sentido, não é possível ao Tribunal intimar a Entidade Requerida a proceder à inscrição do assento de nascimento do Requerente para o registo civil português, mas, somente, a dar andamento ao respetivo procedimento e, somente quando entenda que as referidas diligências não são necessárias, pois a tal nada obsta, a proceder à inscrição do referido assento de nascimento no registo civil português.
Por fim, importa referir que, como é evidente, as justificações invocadas pela Entidade acerca dos atrasos na tramitação dos respetivos procedimentos não prevalecem sobre os direitos, liberdades e garantias do Requerente, nem sobre os prazos legalmente consagrados e que as limitações de meios existentes – sejam eles humanos, técnicos, espaciais, ou outros – não podem sujeitar o exercício do direito da Requerente, para além dos prazos legais previstos na lei.
Em face de todo o exposto, será de intimar a entidade a dar andamento ao procedimento despoletado pela Requerente, com as vinculações acima referidas.».
E o assim decidido é para manter até porque o Recorrente se limita a reiterar as razões expendidas na resposta apresentada.
Com efeito, para consubstanciar a violação dos princípios que indica na III conclusão, alega o Recorrente que: os seus serviços se debatem com gravíssima carência de meios humanos e materiais, o que obsta a cumprimento do prazos legais de tramitação e decisão dos processos da sua competência; tais prazos são meramente ordenadores; por imperativo de justiça e em obediência aos princípios da legalidade, igualdade e imparcialidade, foi decidido analisar e decidir os processos por ordem de entrada, salvo casos de excepcionalíssima urgência, de acordo com critérios determinados pelos seus serviços em cumprimento do princípio da boa administração; estas decisões enquadram-se no domínio da reserva da função administrativa, relevam ao nível do mérito e da oportunidade e não do da legalidade, pelo que a margem de livre decisão por parte da Administração quanto ao pedido de urgência, não sendo susceptível de controlo de legalidade é insusceptível de controlo judicial; o processo da Recorrida deverá aguardar a sua ordem, sem atropelo dos processos anteriores ao seu, sem colocar em crise os princípios da justiça, da igualdade e da imparcialidade, bem como a sua Deliberação que estabeleceu os critérios de análise e decisão.
Mas não lhe assiste razão.
Com efeito, o Recorrente pode e deve ao abrigo das suas atribuições e competências e em observância dos princípios gerais que regem a sua actuação administrativa estabelecer os critérios que entenda imparciais, proporcionais e adequados à boa administração, para analisar, tramitar e decidir o elevado número de processos que são despoletados por pedidos dos particulares, com os escassos meios humanos e materiais de que dispõe.
Tal não significa que cada particular interessado tenha de se conformar com as implicações que a aplicação desses critérios possa ter no andamento e decisão do procedimento administrativo que directamente lhe respeita, mormente no que concerne à demora na sua decisão.
Com efeito, decorridos os prazos legais previstos, no caso, no referido artigo 41º do RNP, pode o interessado assumir que a Administração incumpriu o seu dever de decisão, e optar por accionar os meios de tutela administrativa e jurisdicional existentes e adequados – v. artigo 129º do CPA – ou limitar-se a esperar a decisão final que venha a ser proferida no seu processo.
A reacção contenciosa pode efectivar-se mediante a instauração de acção urgente como no caso em apreciação, ou não urgente, e se adequada, associada a providência/s cautelar/es, se necessário e para garantir a utilidade da sentença de procedência que venha ser proferida na acção, atenta a espectável demora até à sua prolação.
Instaurada acção de intimação ou de condenação da Administração, está o tribunal obrigado a decidir, apreciando da pretensão material do interessado e condenando à prática do acto devido, ou à tramitação e decisão do procedimento se estas ainda dependerem de valorações, análises próprias do exercício da função administrativa que não permita ao juiz identificar uma única solução como legalmente possível – cfr. artigo 111º e 71º, do CPTA.
Do exposto resulta, designadamente, que não pode haver violação do princípio da igualdade no tratamento dos requerentes de aquisição de nacionalidade portuguesa se não houver igualdade na actuação destes.
E não há essa igualdade se um instaurou uma acção administrativa de intimação ou de condenação à prática do acto devido e ou outro nada fez, se aquele obteve uma decisão de intimação/condenação a decidir com urgência ou num determinado prazo, o seu pedido e o outro continua à espera que chegue a sua vez.
A posição da Administração também não pode ser igual num caso e no outro. Pois é obrigada a dar cumprimento à decisão judicial transitada de intimação ou de condenação, nos termos e prazos que dela resultam, não podendo continuar a observar, naquele específico procedimento, os critérios gerais, aplicáveis aos demais procedimentos em que os requerentes optaram por não reagir contenciosamente, se tal implicar o desrespeito do julgado – v. artigos 158º e 160 do CPTA.
O Recorrente não põe em causa que, no caso da Recorrida, se encontram ultrapassados os prazos legais previstos para tramitar e decidir o seu pedido de reconhecimento da nacionalidade portuguesa, nem que esta, no exercício do seu direito à tutela jurisdicional efectiva, possa reagir contenciosamente contra a demora ocorrida, apenas refere motivos de ordem interna para justificar porque ainda não proferiu o acto que a Recorrida considera devido.
As razões que invoca de justiça, igualdade e de imparcialidade na análise e decisão dos pedidos de nacionalidade que tem pendentes, têm de ceder perante a legalidade da actuação da Recorrida, no procedimento administrativo e na presente acção, e do tribunal a quo que actuou no âmbito dos seus poderes jurisdicionais, dentro dos limites que lhe são impostos, designadamente pelos princípios da separação de poderes e da livre margem de actuação da Administração.
É o que claramente resulta da sentença recorrida em que o juiz, suportado em adequada fundamentação, decidiu intimar o Recorrente a dar andamento ao procedimento despoletado pela Requerente, e não a praticar o peticionado acto de reconhecimento da nacionalidade portuguesa.
Em face do que, também nesta parte, o presente recurso não pode proceder.
Não são devidas custas por os processos de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias delas estarem isentos, nos termos do disposto na alínea b) do número 2 do artigo 4º Regulamento das Custas Processuais (RCP).
Por tudo quanto vem exposto acordam os Juízes deste Tribunal Central Administrativo Sul, em:
- admitir a junção do doc. 1 e não admitir a junção do doc. 2, com as alegações de recurso, devendo este ser desentranhado dos autos e devolvido ao apresentante;
- negar provimento ao recurso, e, em consequência, manter a sentença recorrida na ordem jurídica.
Sem custas.
Registe e notifique.
Lisboa, 18 de Junho de 2025.
(Lina Costa – relatora)
(Joana Costa e Nora)
(Mara de Magalhães Silveira) |