| Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os juízes desembargadores da Subsecção Administrativa Comum, do Tribunal Central Administrativo Sul: 
 1.	Relatório
 
 C… (doravante A., Requerente ou Recorrente) instaurou, no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, ação administrativa urgente de impugnação de ato contra a Agência para a Integração, Migrações e Asilo – AIMA, I.P. (doravante Entidade Demandada, Requerida ou Recorrida), peticionando a anulação do despacho de 7 de março de 2025 que considerou infundado o seu pedido de proteção internacional.
 
 Por sentença proferida em 17 de junho de 2025, o referido Tribunal julgou a ação totalmente improcedente, absolvendo a Entidade Demandada do pedido.
 
 Inconformada, a A./Requerente interpôs recurso jurisdicional dessa decisão para este Tribunal Central Administrativo, concluindo nos seguintes termos:
 “1ª - O acto impugnado na acção é susceptível de anulação com fundamento em incompetência do seu autor uma vez que no mesmo não se faz qualquer menção à existência de delegação de poderes nem a outro instituto jurídico que possa suprir a omissão da dita regra de competência. Porque é assim, a douta sentença recorrida violou, por omissão, preceitos com os quais se deveria conformar e que fariam com que devesse ter sido declarada a anulação do acto impugnado. Invocam-se, aqui, entre outros, o art° 271° da Constituição da República e arts 3°, 44°, n°s 4 e 5, 48° n°s 1 e 2 e ainda arts. 163°, n°s 1 e 3 e 172° do C.P.A. ;
 2ª - O acto administrativo impugnado é ineficaz e anulável ex vi artº 163º, n°s 1 e 3 do Código de Procedimento Administrativo, na sua redacção actual, uma vez que o autor do acto impugnado não se apresentou legalmente habilitado para assumir a qualidade de “delegado”, com poderes (competência) para a prática do acto, objecto de impugnação;
 3ª - Mesmo que existisse um qualquer despacho de delegação ou subdelegação de poderes “no conselho directivo da Agência”, que fosse anterior à data do despacho recorrido, ainda assim se verificaria dado seu autor para a prática do acto administrativo impugnado;
 4ª - A ausência de indicação do acto de delegação de poderes não pode ser sanada com o mero conhecimento ulterior da existência de delegação ou subdelegação de competência, capaz de transformar a invalidade do acto em mera irregularidade;
 5ª - A douta sentença recorrida pronuncia-se sobre matéria de que não poderia ter tomado conhecimento, ainda que oficiosamente, certo como é que a entidade demandada não suscitou, dentro do prazo que lhe foi concedido para RESPOSTA à petição inicial, qualquer excepção que visasse o não prosseguimento da instância ou a sua eventual extinção e, ao ter como assente uma pretensa ratificação do acto impugnado, violou na letra e no seu espírito, preceitos com os quais se devia conformar, designadamente os contidos nos arts. 163°, n° 5, al.c) e 164°, n° 5, ambos do CPA.;
 6ª - Não tendo havido qualquer alteração ao regime legal, a ratificação do acto administrativo, tido por inválido, no caso por vício de incompetência relativa do seu autor, não pode operar a retroacção dos seus efeitos à data do acto a que respeitam, quando a ratificação ocorra na pendência do processo impugnatório;
 7ª - Não obstante a eficácia retroactiva da ratificação, inexiste qualquer acto ratificante certo como é que a entidade demandada na acção e ora recorrida não apresentou qualquer objecção ou controvérsia ao acto impugnado no prazo que lhe foi concedido para a resposta à matéria da petição incial da acção;
 8ª - A questão suscitada pelo Mm° Juiz recorrido é uma questão nova que não foi apreciada pelas partes. Nesse sentido, a douta sentença recorrida viola o princípio do contraditório e consequentemente viola os normativos ínsitos nos n°s 1 e 3 do art 3° do CPC, aplicáveis ex vi art° 1º do CPTA sendo nula a sentença produzida, em atenção ao disposto no art° 615°, n° 1, al. d) in fine do CPC.
 Face ao exposto,
 - Deve o presente recurso ser considerado procedente e provido e, em consequência, ser revogada ou declarada nula a sentença recorrida.
 Com o que se fará Justiça!”
 
 A Recorrida, notificada para o efeito, não apresentou contra-alegações.
 
 O recurso foi admitido com subida imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo.
 
 O Ministério Público junto deste TCA Sul, notificado nos termos e para efeitos do disposto no n.º 1, do artigo 146.º do CPTA, emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
 
 Notificadas do aludido parecer, as partes nada disseram.
 Prescindindo-se dos vistos legais, atento o carácter urgente do processo, mas com envio prévio do projeto de acórdão aos juízes desembargadores adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.
 
 2.	Delimitação do objeto do recurso
 
 Considerando que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do apelante, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (cfr. artigos 144.º, n.º 2 e 146.º, n.º4 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), 608.º, n.º2, 635.º, nºs 4 e 5 e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC ex vi artigos 1.º e 140.º do CPTA), as questões que a este Tribunal cumpre apreciar são as de saber se a sentença recorrida padece de nulidade por excesso de pronúncia e incorreu em erro de julgamento de direito quanto a julgar não verificado o vício de incompetência relativa.
 
 3.	Fundamentação de facto
 
 3.1.	Na decisão recorrida deram-se como provados os seguintes factos:
 
 A)	A Autora é cidadã natural da República do Quénia (os Estados Unidos da América (cf. fls. 39 do SITAF);
 B)	Em 24-01-2025, a Autora apresentou um pedido de proteção internacional ao Estado Português, ao qual foi atribuído o número de processo 112/25 (cf. fls. 72 do SITAF);
 C)	No dia 26-02-2025, a Autora prestou declarações perante a AIMA, I.P., reduzidas a escrito e das quais consta, além do mais, o seguinte:
 
  
  
  
  
  
  
  (cf. fls. 80-87 do SITAF)
 D)	Em 26-02-2025, foi a Autora notificada nos termos do n.° 2 do artigo 17.° da Lei n.° 27/2008, de 30-06, da transcrição das declarações prestadas, para se pronunciar ou juntar prova documental (cf. fls. 88 do SITAF);
 E)	Nesse seguimento, a Autora apresentou esclarecimentos adicionais e procedeu à junção de elementos de prova, que aqui se dão por integralmente reproduzidos (cf. fls. 90-104 do SITAF);
 F)	Na sequência do pedido apresentado pela Autora, os serviços da Ré elaboraram a informação / proposta sob o n.° 659/CNAR-AIMA/2025, da qual consta, designadamente, o seguinte:
 
 
 
  
  
  
  
  G)	Em 07-03-2025, o Presidente do Conselho Diretivo da AIMA, I.P. proferiu decisão, do teor que se passa a reproduzir:
 «Concordo.
 Atenta a informação e fundamentos invocados, considera-se o pedido de proteção internacional infundado nos termos d/as alínea/s e), do n.° 1, do artigo 19.°, da Lei n.° 27/08, de 30 de junho, na sua atual redação.
 Notifique-se a pessoa requerente da decisão.»
 (cf. fls. 105 do SITAF);
 H)	Em 25-03-2025, a Autora tomou conhecimento da decisão mencionada na alínea antecedente (cf. fls. 144 do SITAF).
 I)	Em 28-03-2025, por intermédio do Conselho Português para os Refugiados, a Autora solicitou apoio judiciário, junto do Instituto da Segurança Social, I.P. (cf. fls. 10-14 do SITAF);
 J)	Em 03-05-2025, deu entrada no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, a presente ação (cf. comprovativo a fls. 1-3 do SITAF).
 
 3.2.	Consignou-se na sentença a respeito dos factos não provados,
  “Não existem outros factos alegados relevantes para a decisão, em face das possíveis soluções de direito, que importe referir como provados ou não provados.”
 4.	Fundamentação de direito
 
 4.1.	Da nulidade da sentença
 
 A Recorrente defende que, não tendo a Entidade Demandada apresentado resposta, a sentença não poderia apreciar a questão nova da ratificação do ato impugnado, e, ao tê-lo feito, violou o princípio do contraditório (artigo 3.º, n.º 1 e 3 do CPC ex vi artigo 1.º do CPTA), o que determina a nulidade da sentença ao abrigo do disposto no artigo 615.º, n.º 1 al. d) do CPC.
 As nulidades da sentença são vícios da própria decisão, deficiências da estrutura da sentença e encontram-se previstas no artigo 615.º, n.º 1 do CPC, no qual se prescreve que é nula a sentença se, além do mais, o juiz conhecer questões que não devia ou deixe de conhecer questões que tinha de conhecer [al. d)].
 A nulidade da sentença a que se refere a al. d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC verifica-se quando ocorre o incumprimento, por parte do julgador, do poder/dever prescrito nos artigos 95.º, n.º 1 e 3 do CPTA e 608, n.º 2 do CPC, e que se traduz em decidir todas as questões submetidas à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e, por outro, de só conhecer de questões que tenham sido suscitadas pelas partes, salvo quando a lei lhe permita ou imponha o conhecimento oficioso de outras.
 Refira-se que «questões (a resolver) que não se confundem nem compreendem o dever de responder a todos os invocados argumentos, motivos ou razões jurídicas, até porque, como é sabido, “o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito” (art. 5.º, n.º 3).
 O tribunal não tem, pois, o dever de responder a todos os argumentos, tal como não se encontra inibido de usar argumentação diversa da utilizada pelas partes.
 Assim, a nulidade por excesso de pronúncia [art. 615.º, n.º l, d)], sancionando a violação do estatuído na 2ª parte do nº 2 do art. 608.º, apenas se verifica quando o tribunal conheça de matéria situada para além das “questões temáticas centrais”, integrantes do thema decidendum, que é constituído pelo pedido ou pedidos, causa ou causas de pedir e exceções.» (Ac. do STJ de 6.3.2024, proferido no processo 4553/21.1T8LSB.L1.S1, disponível em https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/c6aeec6e660d904980258ad9003e5976?OpenDocument).
 Acrescente-se que, à luz do artigo 3.º do CPC, “[o] tribunal não pode resolver o conflito de interesses que a ação pressupõe sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes e a outra seja devidamente chamada para deduzir oposição” (n.º 1) e “[o] juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem” (n.º 3).
 A respeito do princípio do contraditório, escreve Lebre de Freitas (Introdução ao Processo Civil, Conceito e Princípios Gerais à Luz do Novo Código, 4ª Edição, Gestlegal, 2017, pág. 126 e 127) que o mesmo corresponde à “garantia da participação efectiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio, mediante a possibilidade de, em plena igualdade, influírem em todos os elementos (factos, provas, questões de direito) que se encontrem em ligação com o objecto da causa e que em qualquer fase do processo apareçam como potencialmente relevantes para a decisão”, exigindo que “antes da sentença, às partes seja facultada a discussão efectiva de todos os fundamentos de direito em que a decisão se baseie”. Neste sentido, a “proibição da chamada decisão-surpresa tem sobretudo interesse para as questões, de direito material ou de direito processual, de que o tribunal pode conhecer oficiosamente: se nenhuma das partes as tiver suscitado, com concessão à parte contrária do direito de resposta, o juiz – ou o relator do tribunal de recurso – que nelas entenda dever basear a decisão, seja mediante o conhecimento do mérito da causa, seja no plano meramente processual, deve previamente convidar ambas as partes a sobre elas tomarem posição, só estando dispensado de o fazer em casos de manifesta desnecessidade (art.º 3-3)”.
 A tal respeito escrevem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa (Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Almedina, 2020, 2.ª edição, pág. 22 e 23) que “a liberdade de aplicação das regras do direito (art.º 5º, nº 3) ou a oficiosidade no conhecimento de determinadas exceções sem outras condicionantes potenciariam decisões que, em divergência com as posições jurídicas assumidas pelas partes, constituiriam verdadeiras decisões-surpresa”,  pelo que, pretendendo-se “impedir que, a coberto desse princípio, as partes sejam confrontadas com soluções jurídicas inesperadas ou surpreendentes, por não terem sido objeto de qualquer discussão”, «a audição das partes apenas pode ser dispensada em casos de “manifesta desnecessidade”  (conceito indeterminado que deve ser encarado sob uma prespetiva objetiva), quando se trate de indeferimento de nulidades (art. 201.º) e sempre que as partes não possam, objetivamente e de boa fé, alegar o desconhecimento das questões de direito ou de facto a decidir ou as respetivas consequências”.
 Ademais, tal como resulta do Acórdão do Tribunal Constitucional de 10.7.2019, proferido no processo 426/19 (disponível em https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20190426.html), «[c]omo o Tribunal Constitucional vem reiteradamente decidindo, «recai sobre as partes o ónus de analisarem as diversas possibilidades interpretativas, suscetíveis de virem a ser seguidas e utilizadas na decisão, cumprindo-lhes adotar as necessárias e indispensáveis precauções, em conformidade com um dever de litigância diligente e de prudência técnica (…)». Cabe-lhes, assim, «a formulação de um juízo de prognose, analisando e ponderando antecipadamente as várias hipóteses de enquadramento normativo do pleito e de interpretação razoável das normas convocáveis para a sua dirimição»”.
 Refira-se que, embora não se desconheça o entendimento segundo o qual, o não cumprimento do princípio do contraditório, conducente à prolação de decisão surpresa, pode constituir causa de nulidade da sentença decorrente de excesso de pronúncia (apreciação de questão que, naquele contexto, o Tribunal não poderia tomar conhecimento), com legal enquadramento na 2ª parte, da alínea d), do nº. 1, do art.º 615º, do Cód. de Processo Civil, consideramos que “não cumprindo o Tribunal o princípio do contraditório, conducente à prolação de decisão surpresa, tal determina a prática de irregularidade que, podendo influir no exame ou na decisão da causa – art.º 195º, do CPC -, se transmuta ou converte em nulidade processual, dado ter sido omitida a prática de um acto ou formalidade legalmente prescrita – exercício e observância do princípio do contraditório, na vertente de prolação de decisão-surpresa (…). [A] ocorrência daquele vício como que se reflecte na sentença proferida, ou seja, tem efeitos reflexos sobre esta, mas não constitui, por si só, causa da sua nulidade, nomeadamente por excesso de pronúncia, pois a mácula da omissão da prática do acto pré-existe à sua prolação”( Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa de 9.5.2024, proferido no processo 16858/22.0T8SNT-A.L1-2, disponível em https://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/b10b26afba5d333380258b1f003bc312?OpenDocument).
 Feito este enquadramento é patente que nem o Tribunal conheceu de questão nova que, não tendo sido suscitada pelas partes, não podia ser apreciada, nem ao fazê-lo, sem previamente conceder o contraditório às partes, incorreu em nulidade processual.
 Efetivamente, é que foi a própria Recorrente quem, em sede de petição inicial, invocou como vício determinante da anulação do ato suspendendo a incompetência relativa por, no seu entender, o ato ter sido praticado pelo Presidente do Conselho Diretivo da AIMA quando a competência legal se encontra atribuída ao Conselho Diretivo e sem que se mostrasse indicada a referência aos poderes delegados.
 E é matéria de direito administrativo elementar a asserção que o vício de incompetência relativa é sanável, porquanto a lei atribui ao órgão que detém a competência legal para a prática do ato (artigo 164.º, n.º 3 do CPA) o poder de ratificar.
 Acrescente-se que, anteriormente à própria instauração da presente impugnação, se encontrava já publicado em Diário da República n° 65, Série II de 2025-04-02, o ato administrativo que o Tribunal a quo considerou corresponder ao ato de ratificação (a Deliberação n° 490/2025, de 7 de março de 2025).
 Daqui resulta que, por um lado, integra o âmbito da questão a decidir, suscitada pela A., correspondente à incompetência relativa, a aferição da sua verificação, também por referência à possibilidade de sanação.
 E, por outro, que, considerando a posição da parte cuja representação por mandatário é, em sede de contencioso administrativo, obrigatória, e os deveres de litigância diligente que sobre este recaem, a A./Recorrente não pode, objetivamente e de boa-fé, alegar o desconhecimento seja da possibilidade de prática de um ato administrativo de ratificação-sanação destinado a eliminar a ilegalidade de um ato administrativo anterior que padece de incompetência relativa, seja in casu, verificada a sua publicação em Diário da República previamente à instauração da ação, da sua própria existência na ordem jurídica. Assim, a solução jurídica alcançada pelo Tribunal não é nem inesperada, nem surpreendente, não constituindo uma decisão surpresa relativamente à qual se impusesse, previamente ao exercício dos poderes de indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (artigo 5.º, n.º 3 do CPC), conceder às partes contraditório.
 Donde se imponha concluir que não só não incorreu a sentença em nulidade por excesso de pronúncia, como não foi praticada qualquer nulidade processual.
 
 4.2.	Do erro de julgamento de direito: a incompetência relativa
 
 Insurge-se a Recorrente contra a sentença que julgou não verificado o vício de incompetência relativa por entender que tal vício foi suprido por deliberação de ratificação praticada pelo Conselho Diretivo. Alega a Recorrente que o ato impugnado é anulável por vício de incompetência porquanto o ato foi praticado pelo Presidente do Conselho Diretivo da AIMA quando a competência legal se encontra atribuída ao Conselho Diretivo e sem que se mostrasse indicada a referência aos poderes delegados, a qual, mesmo que existisse o ato de delegação previamente à prática do ato impugnado, determinaria a sua invalidação.
 Sustenta que a ratificação do ato administrativo, inválido por incompetência relativa do seu autor, não pode operar a retroação dos seus efeitos à data do ato a que respeita quando a ratificação ocorre na pendência do processo impugnatório e que não houve lugar a qualquer ratificação porquanto não foi praticado um novo ato com o mesmo sentido decisório, sendo o pretenso ato ratificante uma “esponja” destinada a limpar irregularidades formais em claro desvio de poder.
 Não lhe assiste, porém, razão.
 Uma das condições de validade dos atos administrativos reside em que ele seja praticado por quem tem competência para o efeito. Entendendo-se por incompetência “a prática de ato por órgão que, para efeito, não dispõe de poder legal e pode ser absoluta ou relativa. A incompetência absoluta consubstancia-se na prática por um órgão de uma pessoa colectiva pública de um acto incluído nas atribuições de outra pessoa colectiva pública ou de um ministério, no caso da pessoa colectiva Estado. Se é um órgão que pratica um acto administrativo da competência de outro órgão da mesma pessoa colectiva estamos perante a hipótese de incompetência relativa.” (Ac. do STA de 15.11.2012, proferido no processo 0450/09, disponível em https://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/7736b394d840980f80257abf0055e468?OpenDocument&ExpandSection=1).
 Sem prejuízo, prevê-se no artigo 44.º, n.º 1 do CPA que “[o]s órgãos administrativos normalmente competentes para decidir em determinada matéria podem, sempre que para tal estejam habilitados por lei, permitir, através de um ato de delegação de poderes, que outro órgão ou agente da mesma pessoa coletiva ou outro órgão de diferente pessoa coletiva pratique atos administrativos sobre a mesma matéria.”. Resultando, ainda, da conjugação dos n.ºs 3 e 4 desse normativo que mediante um ato de delegação de poderes, os órgãos colegiais para decidir em determinada matéria podem sempre permitir que o respetivo presidente pratique atos de administração ordinária nessa matéria, salvo havendo lei de habilitação especifica que estabeleça uma particular repartição de competências entre os diversos órgãos.
 Daí que, salvo poderes ou competências indelegáveis por natureza ou por lei (artigo 45.º do CPA), o órgão competente pode delegar a sua competência noutro órgão ou agente, devendo o ato de delegação obedecer aos requisitos previstos no artigo 47.º do CPA e estando sujeito a publicação.
 Como deu nota o Tribunal recorrido, dispõe-se no n.º 1 do artigo 20.º da Lei n.º 27/2008, que “[c]ompete ao conselho diretivo da AIMA, I. P., proferir decisão fundamentada sobre os pedidos infundados e inadmissíveis no prazo de 30 dias a contar da data de apresentação do pedido de proteção internacional.”.
 Mas, como resulta do facto G, o ato que considerou infundado o pedido de proteção internacional da A. foi praticado em 7.3.2025 pelo Presidente do Conselho Diretivo da AIMA, sem que aí se mencionasse a delegação de competências em conformidade com o artigo 48.º, n.º 1 do CPA, e sem que, previamente à sua prática, se mostrasse publicado, conforme exigido pelo artigo 47.º, n.º 2 do CPA, o ato de delegação da competência para proferir decisão no âmbito dos pedidos de proteção internacional do Conselho Diretivo no seu Presidente, correspondente à Deliberação n.º 490/2025 do Conselho Diretivo da AIMA, de 7 de março de 2025.
 O que significaria, portanto, que o ato se encontraria viciado por incompetência relativa.
 Sucede que, como deu nota o Tribunal recorrido, pela Deliberação n.º 490/2025 do Conselho Diretivo da AIMA, de 7 de março de 2025, publicada no Diário da República, 2.ª série, n.º 65 de 2 de abril de 2025, foi deliberado considerar ratificados, ao abrigo do artigo 164.º, n.º 3 do CPA, “todos os atos individualmente praticados no âmbito da Lei n.º 27/2008, de 30 de junho, republicada pelas Leis n.º 26/2014 de 5 de maio, n.º 18/22 de 25 de agosto, Decreto-Lei n.º 41/2023 de 2de julho, Leis n.º 41/2023 de 10 de agosto e n.º 53/2023 de 31 de Agosto, pelos membros do Conselho Diretivo, desde o dia da sua nomeação, quer no âmbito das competências próprias do Conselho Diretivo, quer no âmbito das competências ora delegadas, que não possam ter eficácia retroativa”.
 Ou seja, na própria data em que foi praticado o ato impugnado, embora apenas com publicitação posterior, e, ao contrário do alegado pela Recorrente, não na pendência da ação mas sim antes da sua própria instauração, foi proferido ato de ratificação(-sanação) «pelo qual o órgão competente decide sanar um acto anulável antes praticado, mantendo o seu conteúdo decisório, mas suprindo as ilegalidades formais ou procedimentais que o viciam, inclusivamente quanto à competência, assim transformando um acto ilegal noutro válido perante a ordem jurídica.» (Marcelo Caetano, in Manual de Direito Administrativo, volume I, 10.º Edição, 1965, Coimbra Editora, pág. 557).
 Assim, como se entendeu na sentença, através desta deliberação, e ao abrigo do n.º 3 do artigo 164.º do CPA, o órgão competente – Conselho Diretivo da AIMA - sanou o vício de incompetência (relativa) do ato praticado pelo seu Presidente e que, à data da sua prática, não dispunha para o efeito de competência.
 Dê-se nota que, opostamente ao alegado, a ratificação(-sanação) não exige a prática de um ato, ora pelo órgão competente, com o mesmo (conteúdo e) sentido do ato ratificando. Bastando dele resultar a ratificação-sanação, enquanto suprimento das invalidades de que padece o ato. E é isso que se extrai da Deliberação n.º 490/2025 do Conselho Diretivo da AIMA, de 7 de março de 2025.
 Refira-se que, como resulta do artigo 164.º, n.º 5 do CPA, a ratificação retroage os seus efeitos à data dos atos a que respeitam. O que se prevê na 2ª parte deste normativo é a possibilidade de anulação dos efeitos lesivos produzidos pelo ato objeto de ratificação quando ocorra “na pendência de processo impugnatório e respeitem a atos que envolvem a imposição de deveres, encargos, ónus ou sujeições, a aplicação de sanções ou a restrição de direitos e interesses legalmente protegidos”. Ora, no caso dos autos, nem a ratificação se deu na pendência dos presentes autos – reitera-se, o ato foi praticado em 7.3.2025 e a ação instaurada em 3.5.2025 -, nem estamos perante ato que envolva a imposição de deveres, encargos, ónus ou sujeições, a aplicação de sanções ou a restrição de direitos e interesses legalmente protegidos, antes apenas perante um ato de indeferimento do pedido de proteção internacional apresentado pela A..
 É, por isso, manifesto que o ato de ratificação-sanação operou retroativamente os seus efeitos à data da prática do ato impugnado nestes autos, ou seja, a 7.3.2025, sanando, pois, a invalidade (incompetência relativa) de que este padecia.
 Acrescente-se que a Recorrente se limita a advogar, de forma não concretizada, que o ato de ratificação padeceria de desvio de poder. Mas, além de se tratar de questão nova que, atempadamente não invocou quando o poderia ter feito (por, em face da publicação do ato de ratificação, previamente à instauração da ação, nada justificar o desconhecimento do mesmo) nada consubstanciou que revelasse que o motivo principalmente determinante da sua prática fosse diverso do fim visado pelo legislador ao conceder o poder de ratificação.
 Em suma, a sentença não incorreu no erro de julgamento que lhe é apontado.
 
 4.3.	Das custas
 
 Sem custas, por ser gratuito o processo, nos termos do artigo 84.º da Lei n.º 27/2008, de 30 de junho.
 
 5.	Decisão
 
 Nestes termos, acordam os juízes desembargadores deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso e, em consequência, confirmar a sentença recorrida.
 Sem custas.
 
 Mara de Magalhães SilveiraJoana Costa e Nora
 Ricardo Ferreira Leite
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