Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:520/10.9BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:06/18/2025
Relator:LUÍS BORGES FREITAS
Descritores:INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE
Sumário:Visando o Autor, com a presente ação, a condenação da Entidade Demandada a conceder-lhe o prazo de um ano (em aditamento ao tempo já decorrido) para que pudesse concluir a sua dissertação de Mestrado, é causa de extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, o facto de o mesmo se ter inscrito novamente no mestrado de direito administrativo, mestrado esse que vem a concluir com aproveitamento, tendo-lhe sido atribuído o grau de mestre em direito administrativo.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção Administrativa Social
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Subsecção Social do Tribunal Central Administrativo Sul:


I
M....... intentou, em 11.3.2010, no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, ação administrativa especial contra a FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE LISBOA, pedindo a condenação desta a conceder-lhe o prazo de um ano para concluir a sua dissertação de mestrado.
*

Por sentença de 28.11.2019 o tribunal a quo decidiu julgar «procedente a presente ação, devendo a entidade demandada retomar o procedimento reanalisando o pedido do autor, devendo aplicar os diplomas legais em vigor à data do requerimento».
*

Inconformada, a Entidade Demandada, interpôs recurso daquela decisão, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:

A - Ao contrário do que consta na douta sentença, nomeadamente no número 3 do ponto 2.1 Matéria de Facto Provada, não foi a 4 de julho de 2008, que o Autor, ora Recorrido, pede a prorrogação do prazo para entrega da dissertação de mestrado, mas sim através de carta datada de 04 de julho de 2009, tal como se comprova pelos documentos juntos pelo ora Recorrido aquando da instauração da ação.
B - Também não foi a 31 de agosto de 2008 que o Autor, ora Recorrido, dirigiu requerimento ao Presidente do Conselho Científico - número 4 do ponto 2.1 Matéria de Facto Provada -, mas sim através de carta datada de 31 de agosto de 2009, tendo a mesma sido rececionada na Recorrente a 01 de setembro de 2009, tal como se comprova pelos documentos juntos pelo ora Recorrido aquando da instauração da ação;
C - Não obstante, a pretensão do Recorrido, vertida na ação intentada, perdeu o efeito útil pretendido, por virtude do desaparecimento do objeto do processo, pois o fim visado com a ação foi atingido por outro meio;
D - Na medida em que, na ação deduzida, o Recorrido invocou ser trabalhador-estudante e solicitou que a data de 15 de outubro de 2009, para entrega da sua dissertação no âmbito do mestrado de direito administrativo, fosse prorrogada por tal facto;
E - No entanto, o Recorrido já alcançou a pretensão que o levou a intentar a ação, uma vez que já concluiu com aproveitamento, em 29 de abril de 2015, o mestrado de direito administrativo, tendo-lhe sido atribuído o grau de mestre, e obtido a classificação de 15 (quinze] valores na sua dissertação;
F - Assim, o efeito jurídico que se pretendia obter com a ação, isto é, a condenação da Recorrente a prorrogar o prazo de dissertação, mostra-se supervenientemente inútil, pois o Recorrido não pode apresentar uma outra dissertação, nem ser-lhe atribuído outro grau de mestre no âmbito do mesmo mestrado;
G - Conclui-se assim, que se está perante uma situação de impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide, visto que a decisão proferida na douta sentença em nada irá alterar o status quo do Recorrido, não existindo qualquer efeito útil nessa decisão;
Sem prejuízo e ad cautelam.
H - Na douta sentença de que ora se recorre, alega-se que está provado que o autor, ora Recorrido, requereu, a 04 de julho de 2009, prorrogação de prazo para entrega de dissertação, aí invocando ser trabalhador-estudante e solicitando que a data de 15 de outubro de 2009 para entrega da sua dissertação seja prorrogada por tal facto, tendo junto contrato de trabalho a termo certo;
I - Alega-se igualmente na douta sentença o estatuído nos n.ºs 4 e 5 do artigo 25.º da Deliberação n.º 1506/2006, publicada a 30 de outubro de 2006, a qual aprova o Regulamento de Estudos Pós-Graduados da Universidade de Lisboa;
J - Sendo que, o n.º 4 do referido dispositivo legal, determina que o prazo máximo para a conclusão do ciclo de estudos conducente à obtenção do grau académico de mestre corresponderá à duração do ciclo de estudos acrescido de mais 50%, findo o qual prescreve o direito à matrícula;
K - E o n.º 5 do aludido preceito, dispõe que o prazo máximo para a conclusão do ciclo de estudos conducente à obtenção do grau de mestre é para os alunos que comprovem o estatuto de trabalhadores-estudantes o dobro do prazo máximo referido;
L - Refira-se a este respeito que, os n.ºs 4 e 5 do artigo 16.º do Regulamento de Estudos Pós-Graduados da Faculdade de Direito (aprovado em 30 de maio de 2007, pela Comissão Coordenadora do Conselho Científico], a que o Recorrido faz referência na ação que intentou, têm respetivamente a mesma redação das normas que se encontram dispostas nos referidos n.ºs 4 e 5, do artigo 25.º, do Regulamento de Estudos Pós-Graduados da Universidade de Lisboa;
M - Ora, atendendo que o Recorrido se arroga o facto de ser trabalhador-estudante, e com base nesse estatuto invoca existir legitimidade para que lhe seja concedido a prorrogação de prazo para entrega de dissertação, fundamentando tal convicção nas normas supra referidas, tendo desencadeado os presentes autos em virtude dessa premissa, pois toda a sua argumentação foi realizada nesse sentido, constata-se que essa temática não foi devidamente escalpelizada na douta sentença;
N - Pois, verifica-se que a douta sentença não se pronuncia neste âmbito sobre quais os elementos que os alunos devem apresentar para comprovar o estatuto de trabalhadores-estudantes, a fim de que o mesmo lhes seja concedido;
O - Com efeito, tanto o Regulamento de Estudos Pós-Graduados da Universidade de Lisboa, bem como o Regulamento de Estudos Pós-Graduados da Faculdade de Direito, não definem quais os elementos que comprovam a qualidade de trabalhador-estudante;
P - O n.º 1 do artigo 10.º do Código Civil dispõe que "os casos que a lei não preveja são regulados segundo a norma aplicável aos casos análogos.";
Q - Ora, fazendo-se uma interpretação analógica verifica-se que o artigo 85.º do Código do Trabalho vigente à data dos factos, aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de agosto, referia que o regime de trabalhador-estudante seria objeto de regulamentação em legislação especial;
R - Assim, o artigo 148.º da Lei n.º 35/2004, de 29 de julho, em sede dessa regulamentação, determinava, na alínea b) do n.º 2, que "para efeitos do n.º 2 do artigo 79°. do Código do Trabalho..." [manutenção do estatuto do trabalhador-estudante), o interessado deveria comprovar."(...) perante o estabelecimento de ensino, a sua qualidade de trabalhador, mediante comprovativo da respectiva inscrição na segurança social ou que se encontra numa das situações previstas no artigo 17.º da Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto.";
S - Se a Lei exigia para a manutenção do estatuto do trabalhador-estudante, perante o estabelecimento de ensino, a comprovação dos requisitos exigidos pela alínea b) do n.º 2 do artigo 148.º da Lei n.º 35/2004, de 29 de julho, por igual ou maior razão o exigia para a concessão inicial do mesmo estatuto;
T - Destarte, para que o Recorrido pudesse beneficiar do estatuto de trabalhador-estudante, aquele deveria ter feito prova de que cumpria os requisitos exigidos por Lei, o que não fez, uma vez que juntou apenas uma fotocópia de um impresso que documentaria a celebração de um contrato de trabalho a termo certo;
U - Neste sentido, verifica-se que o Recorrido não pode usufruir da prerrogativa constante do n.º 5 do artigo 25.º do Regulamento de Estudos Pós-Graduados da Universidade de Lisboa, assim como do disposto no n.º 5 do artigo 16.º do Regulamento de Estudos Pós-Graduados da Faculdade de Direito e, consequentemente, da prorrogação de prazo para entrega de dissertação;
V - Mas, também porque a Recorrente respeitou os princípios gerais de direito, os quais dão lastro e sentido às regras, devendo estas ser lidas, interpretadas e aplicadas à sua luz, impondo-se aferir se a solução/decisão a que se chega no processo e suas consequências se mostram adequadas ou em coerência com os objetivos prosseguidos pelos princípios que foram plasmados nas normas legais do processo convocadas;
W - O princípio da legalidade (que se encontrava previsto no artigo 3.º do CPA) manifesta-se quando, a não prorrogação do prazo para entrega da dissertação devido à falta dos requisitos exigidos por lei que comprovassem o estatuto de trabalhador-estudante do Recorrido, encontra justificação na norma ínsita na alínea b) do n.º 2 do artigo 148.º da Lei n.º 35/2004, de 29 de julho;
X - Isto porque, para o princípio da legalidade, é fundamental, em cada decisão, seja ela consubstanciada em ato administrativo, regulamento ou contrato, saber qual a norma legal habilitante, isto é, a norma ao abrigo da qual a decisão é tomada;
Z - O princípio da imparcialidade (que se encontrava previsto no artigo 6.º do CPA) manifesta-se quando, a não prorrogação do prazo para entrega da dissertação devido à falta dos requisitos exigidos por lei que comprovassem o estatuto de trabalhador-estudante do Recorrido, foi determinada por parâmetros racionais, pois foram ponderados todos os interesses protegidos pelo ordenamento jurídico, com o objetivo essencial de assegurar a concórdia da atuação administrativa com o sistema normativo, e consequentemente a ideia de justiça;
AA - Na medida em que, conforme referido anteriormente, a lei exigia que o Recorrido preenchesse determinados requisitos para que lhe fosse atribuído o estatuto de trabalhador-estudante, não tendo aquele logrado fazer prova que cumpria os mesmos, em consequência, não pôde beneficiar dessa qualidade, encontrando-se assim salvaguardados os interesses juridicamente protegidos no caso concreto, ou seja, o cumprimento escrupuloso da lei, bem como a preservação da isenção administrativa e a confiança nessa isenção;
BB - O princípio da desburocratização e da eficiência (que se encontrava previsto no artigo 10.º do CPA), manifesta-se quando a Recorrente, por forma a respeitar escrupulosamente os critérios pelos quais o referido princípio deve pautar-se, designadamente os critérios de eficiência, economia e celeridade, visou incrementar a eficácia na resolução da situação que lhe foi colocada através da simplificação e racionalização das estruturas deficitárias existentes;
CC - Visto que, a aplicação dos preceitos que contribuíram para fundamentar a condenação da Recorrente, nomeadamente o disposto nos artigos 89.º, n.º 1, e 90.º, n.º 1, ambos do CPA, acarretariam custos adicionais para aquela, os quais seriam incompreensíveis e injustificáveis, colocando em causa a génese do aludido princípio, isto porque o Recorrido, aquando do seu pedido, é que tinha a obrigação de comprovar, mediante os requisitos previstos na Lei, perante a Recorrente a sua qualidade de trabalhador-estudante, pois o artigo 148.º, n.º 2, alínea b), da Lei n.º 35/2004, de 29 de julho, imponha essa conduta ao mesmo;
DD - A que acresce o facto de que, o disposto no n.º 1 do artigo 89.º do CPA não constituir uma obrigação, pois no mesmo refere-se que "o órgão que dirigir a instrução pode determinar aos interessados a prestação de informações..." (sublinhado nosso), não se referindo naquele que o órgão que dirigir a instrução deve determinar...;
EE - Podendo desta forma a Recorrente optar por respeitar os referidos critérios, em detrimento de lançar mão do estatuído no referido dispositivo legal;
FF - O mesmo se diga relativamente ao disposto no artigo 90.º, n.º 1, do CPA, atendendo que no mesmo se refere que "quando seja necessária a prestação de informações..." (sublinhado nosso), o que deixa à discricionariedade do órgão que dirigir a instrução (Recorrente) a faculdade de ponderar se pretende agir por aquela via, ou se por outro pretende dar cumprimento aos critérios que pautam o princípio da desburocratização e da eficiência;
GG - O princípio da igualdade (artigo 13.º da CRP, sendo que o mesmo encontrava-se também previsto no n.º 1 do artigo 5.º do CPA) manifesta-se quando se verifica que não foram adotadas quaisquer medidas que estabelecessem uma diferenciação discriminatória entre os alunos, pois aqueles que cumprissem os requisitos exigidos por lei, poderiam beneficiar do estatuto de trabalhadores-estudantes, ao contrário do que sucederia com os que não cumprissem, como se verificou no caso do Recorrido;
HH - Salvo o devido respeito, o mesmo já não se pode dizer da decisão da douta sentença, pois à luz dos valores dominantes do ordenamento, procedeu a uma diferenciação de tratamento, que não se afigura razoável;
II - Isto porque, não tendo o Recorrido comprovado perante a Recorrente o seu estatuto de trabalhador-estudante, tal como era sua obrigação e tal como Regulamento de Estudos Pós-Graduados da Universidade de Lisboa e o Regulamento de Estudos Pós-Graduados da Faculdade de Direito o exigiam, em virtude de não ter feito prova de que cumpria os requisitos exigidos pela alínea b) do n.º 2 do artigo 148.º da Lei n.9 35/2004, de 29 de julho, conforme referido supra;
JJ - Ao Recorrido será dado um tratamento desigual relativamente a todos os outros alunos que, encontrando-se à data nas mesmas condições do Recorrido, comprovaram o seu estatuto de trabalhadores-estudantes, cumprindo escrupulosamente os requisitos exigidos por lei, ou caso não os tenham cumprido, não puderam beneficiar desse estatuto, não tendo tido a hipótese de verem os seus pedidos reanalisados, como a douta sentença está agora a proporcionar ao Recorrido, isto apesar dos seus pedidos, tal como o do Recorrido, não estarem devidamente instruídos;
KK - Pelo que, a manutenção da sentença recorrida afronta diretamente contra o princípio da igualdade, inserto no artigo 13.º da CRP e no n.º 1 do artigo 5º do CPA, vigente à data dos factos (atualmente encontra-se estatuído no artigo 6.º do novo Código do Procedimento Administrativo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 4/2015, de 07 de janeiro), na medida em que estabelece uma diferenciação de tratamento materialmente infundada, sem qualquer fundamento razoável ou sem qualquer justificação objetiva e racional;
LL - Em suma, face ao supra exposto, crê-se que a atuação da Recorrente foi conforme à lei e aos princípios gerais de direito.
Nestes termos e nos demais de Direito,
Deve o presente recurso proceder, por provado, estar em tempo e ter a Recorrente legitimidade, fazendo assim V. Exas. a costumada
JUSTIÇA!

*

O Autor apresentou contra-alegações, formulando as seguintes conclusões, que igualmente se transcrevem:

A. Tendo sido detetados lapsos no ano de ocorrência de alguns factos na matéria de facto dada com provada, deve a douta sentença ser objeto de correção, da seguinte forma: a) Número 3, do ponto 2.1., da matéria de facto provada: “A 4 de julho de 2009 o autor pede prorrogação para entrega da dissertação de mestrado de Bolonha, nos termos seguintes: (…)”;
b) Número 4, do ponto 2.1., da matéria de facto provada: “A 31 de agosto de 2009 M....... dirige requerimento ao Presidente do Conselho Científico, onde consta, em especial: (…)”.
B. Ressalve-se, no entanto, que ainda que tais factos devam ser objeto de correção - no que ao ano de ocorrência diz respeito -, não foram estes pequenos lapsos que ditaram a procedência da ação administrativa especial apresentada pelo ora Recorrido.
C. Vem a Recorrente alegar factos supervenientes que determinam a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide, referindo que “(…) a pretensão do Recorrido, que esteve subjacente à instauração da ação, perdeu o efeito útil pretendido, por virtude do desaparecimento do objeto do processo, pois o fim visado pela ação foi atingido por outro meio”, na medida em que, no presente, o Recorrido já é mestre em direito administrativo. Considerando que a decisão proferida na douta sentença em nada alterará o status quo do Recorrido, não existindo qualquer efeito útil na mesma.
D. Ora, ainda que a alínea e), do artigo 277.º, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do artigo 1.º, do CPTA preveja, como causa de extinção da instância, a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide,
E. não estamos, no caso sub judice, perante uma situação de inutilidade superveniente da lide que motive a extinção da instância, tal como a Recorrente parece fazer crer…
F. O ora Recorrido apresentou, ab initio, dois pedidos: a) A declaração de nulidade ou, caso assim se não entendesse, a anulação do ato contido no despacho de 26/08/09, bem como do ato proferido em sede de recurso hierárquico em 06/10/09;
b) A condenação da ora Recorrente à prática de ato legalmente devido de concessão de o prazo de um ano (em aditamento ao tempo já decorrido) para que o ora Recorrido pudesse concluir a sua dissertação de mestrado.
G. A sentença condenou a ora Recorrente na prática do ato, determinando que a mesma deveria “(…) retomar o procedimento reanalisando o pedido do autor, devendo aplicar os diplomas legais em vigor à data do requerimento”.
H. A decisão condenatória consome a decisão anulatória.
I. Ainda que o douto Tribunal apenas tenha condenado a ora Recorrente à prática do ato, devemos aqui atender às seguintes circunstâncias: (i) a decisão condenatória consome a anulação do ato anteriormente praticado; (ii) o ora Recorrido fez dois pedidos; (iii) aquilo que é alegado no recurso interposto pela ora Recorrente é a inutilidade superveniente da lide no que à prática do ato diz respeito.
J. Sendo que estas circunstâncias, em conjunto, permitem-nos concluir que relativamente ao pedido de declaração de nulidade ou anulação do ato não existe inutilidade superveniente da lide.
K. Não se verifica inutilidade superveniente da lide.
L. Mas ainda que se entenda que tal se verifica – o que se admite quanto ao segundo pedido do ora Recorrido (condenação da ora Recorrente à prática de ato legalmente devido de concessão do prazo de um ano) –, a mesma não abrange a totalidade do pedido.
M. Assim, ainda que não seja possível a execução da sentença, pode a mesma ser convertida num pedido de indemnização em execução da sentença.
N. Por todo o exposto, a argumentação invocada pela Recorrente quanto à inutilidade superveniente da lide por virtude do desaparecimento do objeto do processo deve improceder, o que se requer.
O. Sustenta a Recorrente que a douta sentença não se pronunciou sobre quais os elementos que os alunos devem apresentar para comprovar o estatuto de trabalhador-estudante, a fim de o pedido de prorrogação de prazo para entrega de dissertação ser deferido.
P. Incorre a Recorrente em erro de aplicação de direito.
Q. A lei e o Regulamento preveem que um trabalhador-estudante beneficie de uma prorrogação do prazo de conclusão do curso, ainda que não se encontrem especificados no Regulamento quais os documentos que devem ser juntos para comprovar a qualidade de trabalhador-estudante.
R. O Recorrido juntou os documentos idóneos para comprovar a sua qualidade de trabalhador-estudante, designadamente:
a) Contrato de trabalho a termo certo celebrado com o Colégio M…;
b) Declaração da Secretária-Geral do Conselho Distrital de Lisboa da Ordem dos Advogados que comprovava uma relação de prestação de serviços com a Ordem de Advogados;
c) Comprovou que exercia a profissão de Advogado (ainda que à data apenas como estagiário) desde 2007.
S. Dos documentos entregues resulta que o Recorrido reunia os requisitos para beneficiar do estatuto de trabalhador-estudante, tendo, por isso, direito à prorrogação do prazo para dissertação.
T. Insiste a Recorrente, ao longo de todo o articulado, que o Recorrido não comprovou, nem sequer alegou que se encontrava em qualquer uma das situações referidas no artigo 17.º, da Lei n.º 99/2003, de 27 de agosto, tal como estatui a alínea b), do n.º 2, do artigo 148.º, da Lei n.º 35/2004, de 29 de julho.
U. A verdade é que as justificações apresentadas em ambos os despachos para o indeferimento do pedido de prorrogação apresentado pelo Recorrido assentavam no facto do pedido colocar o mestrando numa situação de desigualdade em relação aos outros mestrandos e não no facto de o Recorrido não ter apresentado os documentos necessários para o efeito.
V. É certo que posteriormente, já em sede do presente processo, a Recorrente pretendeu alterar os fundamentos da sua decisão – alegando, como no recurso agora interposto, uma ilegalidade do pedido por falta de requisitos legais ou prova cabal de que reunia os requisitos para beneficiar do estatuto de trabalhador-estudante – configurando, no entanto, uma atuação manifestamente ilegal e contrária aos princípios da boa-fé e da colaboração com os privados.
W. Mas mais, a Recorrente, no espírito do dever de colaboração com os particulares, deveria ter informado o Recorrido dos documentos que este deveria juntar, designadamente quanto ao regime de prestação de serviço em que se encontrava, tal como sustentado na douta sentença.
X. Também este se revela um ponto de discórdia para a Recorrente, sustentando a mesma que o estipulado nos artigos 89.º, n.º 1 e 90.º, n.º 1, ambos do CPA não constitui uma obrigação, ficando na discricionariedade do órgão a decisão de solicitar aos interessados a apresentação de informações adicionais, de documentos e outros meios de prova.
Y. Não se compreende a interpretação e o alcance que a Recorrente pretende dar ao estipulado nos artigos anteriormente referidos.
Z. Nos dias de hoje já não se assiste a uma profunda separação entre a entidade que decide e o sujeito que dela depende ou tem interesse na decisão, existindo um interesse na colaboração entre as duas partes no plano das relações entre as mesmas, impondo-se, deste modo, o princípio da colaboração da Administração com os particulares (artigo 11.º, do CPA).
AA. De facto, e conforme entendimento doutrinal, sempre que haja o dever de informação, poderá a Administração ser responsabilizada pelas informações prestadas ou ausência das mesmas, segundo o princípio da responsabilidade das entidades públicas (vide artigo 22.º, da Constituição da República Portuguesa). Sendo que em caso de recusa ou de deficiente cumprimento do dever de informar, a Administração pode responder civilmente ou poderá até mesmo existir vício de forma por violação de formalidade fundamental. Ora, existe, assim, em matéria administrativa, um corolário de uma Administração participativa.
BB. Com a sua atuação, que se revelou numa omissão da informação considerada pela mesma necessária apresentar para efeitos de deferimento do pedido de prorrogação de prazo, a Recorrente violou não só o princípio da boa-fé, como o princípio da colaboração com os privados, neste caso com o Recorrido.
CC. Também não colhe o argumentado pela Recorrente no que ao cumprimento do princípio da igualdade e da imparcialidade diz respeito, designadamente que o pedido do Recorrido colocaria o mestrando numa situação de desigualdade em relação aos outros mestrandos, trata-se de um entendimento manifestamente ilegal por atentatório do princípio da igualmente (na vertente do dever de tratamento distinto de situações distintas), do artigo 17.º, da Lei n.º 99/2003, de 27 de agosto, dos artigos 79.º e seguintes, do Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de agosto, bem como do artigo 16.º, n.º 4 e 5, do Regulamento.
DD. Por todo o exposto, deve toda argumentação aduzida pela Recorrente também no que ao caso sub judice diz respeito improceder, o que se requer.
EE. Refira-se, por fim que, ao contrário do alegado pela Recorrente, o Recorrido demonstrou cabalmente que reunia os pressupostos para beneficiar do estatuto de trabalhador-estudante.
FF. Pelo que decidiu corretamente a douta sentença ao considerar que se impunha à Recorrente que solicitasse, expressamente, ao autor as informações em falta, designadamente quanto ao regime de prestação de serviço em que se encontrava, ao abrigo do artigo 90.º, n.º 1, do CPA. Sendo que só após essa notificação o Recorrido nada fizesse chegar à Recorrente, poderia esta prescindir de prosseguir com as tentativas de fornecimento de dados em falta, por caber aí ao interessado fazê-la, conforme determina o artigo 91.º, n.ºs 1 e 2, do CPTA.
NESTES TERMOS, requer-se a Vs. Exas., Venerandos Juízes Desembargadores do Tribunal Central Administrativo do Sul, que determinem a improcedência das alegações de recurso da Recorrente e mantenham a sentença recorrida, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!
*

Notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 146.º/1 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, o Ministério Público não emitiu parecer.
*

Com dispensa de vistos, mas com envio prévio do projeto de acórdão aos Juízes Desembargadores adjuntos, vem o processo à conferência para julgamento.


II
Considera-se o seguinte facto:

· Em 5.11.2012 o Recorrido inscreveu-se novamente no mestrado de direito administrativo, mestrado esse que concluiu com aproveitamento em 29.4.2015, tendo-lhe sido atribuído o grau de mestre em direito administrativo e obtido a classificação de 15 valores na sua dissertação (documento n.º 1 junto com as alegações de recurso).


III
1. Existe materialidade que torna inútil a apreciação do presente recurso. Isto porque o Recorrido visava, com a presente ação, a condenação da Recorrente/Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa «à prática de acto legalmente devido de concessão de o prazo de um ano (em aditamento ao tempo já decorrido) para que o Autor possa concluir a sua dissertação de Mestrado».

2. Ora, na pendência da ação, mais precisamente em 5.11.2012, o Recorrido inscreveu-se novamente no mestrado de direito administrativo, mestrado esse que concluiu com aproveitamento em 29.4.2015, tendo-lhe sido atribuído o grau de mestre em direito administrativo e obtido a classificação de 15 valores na sua dissertação.

3. Tal significa que, por essa via, o Recorrido já obteve o efeito útil pretendido com a presente ação, o que nos conduz à existência de inutilidade superveniente da lide, causa de extinção da instância (artigo 277.º/e) do Código de Processo Civil).

4. É certo que o Recorrido não acompanha tal entendimento. Isto porque, e segundo alegou, para além da pretensão condenatória, pediu igualmente «[a] declaração de nulidade ou, caso assim se não entendesse, a anulação do ato contido no despacho de 26/08/09, bem como do ato proferido em sede de recurso hierárquico em 06/10/09». Considera, por isso, que «relativamente ao pedido de declaração de nulidade ou anulação do ato não existe inutilidade superveniente da lide».

5. Mas não. Como foi explicado na sentença recorrida, resulta do disposto no artigo 66.º/2 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (versão inicial) que «[a]inda que a prática do acto devido tenha sido expressamente recusada, o objecto do processo é a pretensão do interessado e não o acto de indeferimento, cuja eliminação da ordem jurídica resulta directamente da pronúncia condenatória».

6. O que significa, sem margem para qualquer dúvida, que o objeto do presente processo é a pretensão do ora Recorrido em obter a concessão do prazo de um ano (em aditamento ao tempo já decorrido) para concluir a sua dissertação de mestrado. Se o grau de mestre já foi obtido, precisamente na sequência da dissertação apresentada, é evidente que a presente lide perdeu a sua utilidade.

7. E nem se diga – como faz o Recorrido – que a utilidade da lide sempre se manteria na medida em que «ainda que não seja possível a execução da sentença, pode a mesma ser convertida num pedido de indemnização em execução da sentença». Há aqui, manifestamente, um equívoco.

8. A indemnização por causa legítima de inexecução a que se refere o Recorrido, e prevista nos artigos 166.º/1 e 178.º/1 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, pressupõe a prévia existência de uma sentença exequenda, obtida no processo declarativo.

9. Do que se trata, aqui, é de algo que se verifica no próprio processo declarativo, algo que, supervenientemente, fez perder a utilidade desse mesmo processo. No caso concreto, e mais precisamente, a utilidade do recurso, e que também nada tem a ver com o regime do artigo 45.º/1 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.


IV
Em face do exposto, acordam os Juízes da Subsecção Social do Tribunal Central Administrativo Sul em julgar extinta a presente instância de recurso, por inutilidade superveniente da lide.

Custas da apelação a cargo da Recorrente e do Recorrido em partes iguais, nos termos do artigo 536.º/1 e 2/c) do Código de Processo Civil.


Lisboa, 18 de junho de 2025.

Luís Borges Freitas (relator)
Rui Fernando Belfo Pereira
Teresa Caiado