Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 520/10.9BELSB |
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Secção: | CA |
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Data do Acordão: | 06/18/2025 |
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Relator: | LUÍS BORGES FREITAS |
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Descritores: | INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE |
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Sumário: | Visando o Autor, com a presente ação, a condenação da Entidade Demandada a conceder-lhe o prazo de um ano (em aditamento ao tempo já decorrido) para que pudesse concluir a sua dissertação de Mestrado, é causa de extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, o facto de o mesmo se ter inscrito novamente no mestrado de direito administrativo, mestrado esse que vem a concluir com aproveitamento, tendo-lhe sido atribuído o grau de mestre em direito administrativo. |
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Votação: | Unanimidade |
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Indicações Eventuais: | Subsecção Administrativa Social |
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Aditamento: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na Subsecção Social do Tribunal Central Administrativo Sul: I M....... intentou, em 11.3.2010, no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, ação administrativa especial contra a FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE LISBOA, pedindo a condenação desta a conceder-lhe o prazo de um ano para concluir a sua dissertação de mestrado. * Por sentença de 28.11.2019 o tribunal a quo decidiu julgar «procedente a presente ação, devendo a entidade demandada retomar o procedimento reanalisando o pedido do autor, devendo aplicar os diplomas legais em vigor à data do requerimento». * Inconformada, a Entidade Demandada, interpôs recurso daquela decisão, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões: A - Ao contrário do que consta na douta sentença, nomeadamente no número 3 do ponto 2.1 Matéria de Facto Provada, não foi a 4 de julho de 2008, que o Autor, ora Recorrido, pede a prorrogação do prazo para entrega da dissertação de mestrado, mas sim através de carta datada de 04 de julho de 2009, tal como se comprova pelos documentos juntos pelo ora Recorrido aquando da instauração da ação. * O Autor apresentou contra-alegações, formulando as seguintes conclusões, que igualmente se transcrevem: A. Tendo sido detetados lapsos no ano de ocorrência de alguns factos na matéria de facto dada com provada, deve a douta sentença ser objeto de correção, da seguinte forma: a) Número 3, do ponto 2.1., da matéria de facto provada: “A 4 de julho de 2009 o autor pede prorrogação para entrega da dissertação de mestrado de Bolonha, nos termos seguintes: (…)”; b) Número 4, do ponto 2.1., da matéria de facto provada: “A 31 de agosto de 2009 M....... dirige requerimento ao Presidente do Conselho Científico, onde consta, em especial: (…)”. B. Ressalve-se, no entanto, que ainda que tais factos devam ser objeto de correção - no que ao ano de ocorrência diz respeito -, não foram estes pequenos lapsos que ditaram a procedência da ação administrativa especial apresentada pelo ora Recorrido. C. Vem a Recorrente alegar factos supervenientes que determinam a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide, referindo que “(…) a pretensão do Recorrido, que esteve subjacente à instauração da ação, perdeu o efeito útil pretendido, por virtude do desaparecimento do objeto do processo, pois o fim visado pela ação foi atingido por outro meio”, na medida em que, no presente, o Recorrido já é mestre em direito administrativo. Considerando que a decisão proferida na douta sentença em nada alterará o status quo do Recorrido, não existindo qualquer efeito útil na mesma. D. Ora, ainda que a alínea e), do artigo 277.º, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do artigo 1.º, do CPTA preveja, como causa de extinção da instância, a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide, E. não estamos, no caso sub judice, perante uma situação de inutilidade superveniente da lide que motive a extinção da instância, tal como a Recorrente parece fazer crer… F. O ora Recorrido apresentou, ab initio, dois pedidos: a) A declaração de nulidade ou, caso assim se não entendesse, a anulação do ato contido no despacho de 26/08/09, bem como do ato proferido em sede de recurso hierárquico em 06/10/09; b) A condenação da ora Recorrente à prática de ato legalmente devido de concessão de o prazo de um ano (em aditamento ao tempo já decorrido) para que o ora Recorrido pudesse concluir a sua dissertação de mestrado. G. A sentença condenou a ora Recorrente na prática do ato, determinando que a mesma deveria “(…) retomar o procedimento reanalisando o pedido do autor, devendo aplicar os diplomas legais em vigor à data do requerimento”. H. A decisão condenatória consome a decisão anulatória. I. Ainda que o douto Tribunal apenas tenha condenado a ora Recorrente à prática do ato, devemos aqui atender às seguintes circunstâncias: (i) a decisão condenatória consome a anulação do ato anteriormente praticado; (ii) o ora Recorrido fez dois pedidos; (iii) aquilo que é alegado no recurso interposto pela ora Recorrente é a inutilidade superveniente da lide no que à prática do ato diz respeito. J. Sendo que estas circunstâncias, em conjunto, permitem-nos concluir que relativamente ao pedido de declaração de nulidade ou anulação do ato não existe inutilidade superveniente da lide. K. Não se verifica inutilidade superveniente da lide. L. Mas ainda que se entenda que tal se verifica – o que se admite quanto ao segundo pedido do ora Recorrido (condenação da ora Recorrente à prática de ato legalmente devido de concessão do prazo de um ano) –, a mesma não abrange a totalidade do pedido. M. Assim, ainda que não seja possível a execução da sentença, pode a mesma ser convertida num pedido de indemnização em execução da sentença. N. Por todo o exposto, a argumentação invocada pela Recorrente quanto à inutilidade superveniente da lide por virtude do desaparecimento do objeto do processo deve improceder, o que se requer. O. Sustenta a Recorrente que a douta sentença não se pronunciou sobre quais os elementos que os alunos devem apresentar para comprovar o estatuto de trabalhador-estudante, a fim de o pedido de prorrogação de prazo para entrega de dissertação ser deferido. P. Incorre a Recorrente em erro de aplicação de direito. Q. A lei e o Regulamento preveem que um trabalhador-estudante beneficie de uma prorrogação do prazo de conclusão do curso, ainda que não se encontrem especificados no Regulamento quais os documentos que devem ser juntos para comprovar a qualidade de trabalhador-estudante. R. O Recorrido juntou os documentos idóneos para comprovar a sua qualidade de trabalhador-estudante, designadamente: a) Contrato de trabalho a termo certo celebrado com o Colégio M…; b) Declaração da Secretária-Geral do Conselho Distrital de Lisboa da Ordem dos Advogados que comprovava uma relação de prestação de serviços com a Ordem de Advogados; c) Comprovou que exercia a profissão de Advogado (ainda que à data apenas como estagiário) desde 2007. S. Dos documentos entregues resulta que o Recorrido reunia os requisitos para beneficiar do estatuto de trabalhador-estudante, tendo, por isso, direito à prorrogação do prazo para dissertação. T. Insiste a Recorrente, ao longo de todo o articulado, que o Recorrido não comprovou, nem sequer alegou que se encontrava em qualquer uma das situações referidas no artigo 17.º, da Lei n.º 99/2003, de 27 de agosto, tal como estatui a alínea b), do n.º 2, do artigo 148.º, da Lei n.º 35/2004, de 29 de julho. U. A verdade é que as justificações apresentadas em ambos os despachos para o indeferimento do pedido de prorrogação apresentado pelo Recorrido assentavam no facto do pedido colocar o mestrando numa situação de desigualdade em relação aos outros mestrandos e não no facto de o Recorrido não ter apresentado os documentos necessários para o efeito. V. É certo que posteriormente, já em sede do presente processo, a Recorrente pretendeu alterar os fundamentos da sua decisão – alegando, como no recurso agora interposto, uma ilegalidade do pedido por falta de requisitos legais ou prova cabal de que reunia os requisitos para beneficiar do estatuto de trabalhador-estudante – configurando, no entanto, uma atuação manifestamente ilegal e contrária aos princípios da boa-fé e da colaboração com os privados. W. Mas mais, a Recorrente, no espírito do dever de colaboração com os particulares, deveria ter informado o Recorrido dos documentos que este deveria juntar, designadamente quanto ao regime de prestação de serviço em que se encontrava, tal como sustentado na douta sentença. X. Também este se revela um ponto de discórdia para a Recorrente, sustentando a mesma que o estipulado nos artigos 89.º, n.º 1 e 90.º, n.º 1, ambos do CPA não constitui uma obrigação, ficando na discricionariedade do órgão a decisão de solicitar aos interessados a apresentação de informações adicionais, de documentos e outros meios de prova. Y. Não se compreende a interpretação e o alcance que a Recorrente pretende dar ao estipulado nos artigos anteriormente referidos. Z. Nos dias de hoje já não se assiste a uma profunda separação entre a entidade que decide e o sujeito que dela depende ou tem interesse na decisão, existindo um interesse na colaboração entre as duas partes no plano das relações entre as mesmas, impondo-se, deste modo, o princípio da colaboração da Administração com os particulares (artigo 11.º, do CPA). AA. De facto, e conforme entendimento doutrinal, sempre que haja o dever de informação, poderá a Administração ser responsabilizada pelas informações prestadas ou ausência das mesmas, segundo o princípio da responsabilidade das entidades públicas (vide artigo 22.º, da Constituição da República Portuguesa). Sendo que em caso de recusa ou de deficiente cumprimento do dever de informar, a Administração pode responder civilmente ou poderá até mesmo existir vício de forma por violação de formalidade fundamental. Ora, existe, assim, em matéria administrativa, um corolário de uma Administração participativa. BB. Com a sua atuação, que se revelou numa omissão da informação considerada pela mesma necessária apresentar para efeitos de deferimento do pedido de prorrogação de prazo, a Recorrente violou não só o princípio da boa-fé, como o princípio da colaboração com os privados, neste caso com o Recorrido. CC. Também não colhe o argumentado pela Recorrente no que ao cumprimento do princípio da igualdade e da imparcialidade diz respeito, designadamente que o pedido do Recorrido colocaria o mestrando numa situação de desigualdade em relação aos outros mestrandos, trata-se de um entendimento manifestamente ilegal por atentatório do princípio da igualmente (na vertente do dever de tratamento distinto de situações distintas), do artigo 17.º, da Lei n.º 99/2003, de 27 de agosto, dos artigos 79.º e seguintes, do Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de agosto, bem como do artigo 16.º, n.º 4 e 5, do Regulamento. DD. Por todo o exposto, deve toda argumentação aduzida pela Recorrente também no que ao caso sub judice diz respeito improceder, o que se requer. EE. Refira-se, por fim que, ao contrário do alegado pela Recorrente, o Recorrido demonstrou cabalmente que reunia os pressupostos para beneficiar do estatuto de trabalhador-estudante. FF. Pelo que decidiu corretamente a douta sentença ao considerar que se impunha à Recorrente que solicitasse, expressamente, ao autor as informações em falta, designadamente quanto ao regime de prestação de serviço em que se encontrava, ao abrigo do artigo 90.º, n.º 1, do CPA. Sendo que só após essa notificação o Recorrido nada fizesse chegar à Recorrente, poderia esta prescindir de prosseguir com as tentativas de fornecimento de dados em falta, por caber aí ao interessado fazê-la, conforme determina o artigo 91.º, n.ºs 1 e 2, do CPTA. NESTES TERMOS, requer-se a Vs. Exas., Venerandos Juízes Desembargadores do Tribunal Central Administrativo do Sul, que determinem a improcedência das alegações de recurso da Recorrente e mantenham a sentença recorrida, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA! * Notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 146.º/1 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, o Ministério Público não emitiu parecer. * Com dispensa de vistos, mas com envio prévio do projeto de acórdão aos Juízes Desembargadores adjuntos, vem o processo à conferência para julgamento. II Considera-se o seguinte facto: · Em 5.11.2012 o Recorrido inscreveu-se novamente no mestrado de direito administrativo, mestrado esse que concluiu com aproveitamento em 29.4.2015, tendo-lhe sido atribuído o grau de mestre em direito administrativo e obtido a classificação de 15 valores na sua dissertação (documento n.º 1 junto com as alegações de recurso). III 1. Existe materialidade que torna inútil a apreciação do presente recurso. Isto porque o Recorrido visava, com a presente ação, a condenação da Recorrente/Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa «à prática de acto legalmente devido de concessão de o prazo de um ano (em aditamento ao tempo já decorrido) para que o Autor possa concluir a sua dissertação de Mestrado». 2. Ora, na pendência da ação, mais precisamente em 5.11.2012, o Recorrido inscreveu-se novamente no mestrado de direito administrativo, mestrado esse que concluiu com aproveitamento em 29.4.2015, tendo-lhe sido atribuído o grau de mestre em direito administrativo e obtido a classificação de 15 valores na sua dissertação. 3. Tal significa que, por essa via, o Recorrido já obteve o efeito útil pretendido com a presente ação, o que nos conduz à existência de inutilidade superveniente da lide, causa de extinção da instância (artigo 277.º/e) do Código de Processo Civil). 4. É certo que o Recorrido não acompanha tal entendimento. Isto porque, e segundo alegou, para além da pretensão condenatória, pediu igualmente «[a] declaração de nulidade ou, caso assim se não entendesse, a anulação do ato contido no despacho de 26/08/09, bem como do ato proferido em sede de recurso hierárquico em 06/10/09». Considera, por isso, que «relativamente ao pedido de declaração de nulidade ou anulação do ato não existe inutilidade superveniente da lide». 5. Mas não. Como foi explicado na sentença recorrida, resulta do disposto no artigo 66.º/2 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (versão inicial) que «[a]inda que a prática do acto devido tenha sido expressamente recusada, o objecto do processo é a pretensão do interessado e não o acto de indeferimento, cuja eliminação da ordem jurídica resulta directamente da pronúncia condenatória». 6. O que significa, sem margem para qualquer dúvida, que o objeto do presente processo é a pretensão do ora Recorrido em obter a concessão do prazo de um ano (em aditamento ao tempo já decorrido) para concluir a sua dissertação de mestrado. Se o grau de mestre já foi obtido, precisamente na sequência da dissertação apresentada, é evidente que a presente lide perdeu a sua utilidade. 7. E nem se diga – como faz o Recorrido – que a utilidade da lide sempre se manteria na medida em que «ainda que não seja possível a execução da sentença, pode a mesma ser convertida num pedido de indemnização em execução da sentença». Há aqui, manifestamente, um equívoco. 8. A indemnização por causa legítima de inexecução a que se refere o Recorrido, e prevista nos artigos 166.º/1 e 178.º/1 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, pressupõe a prévia existência de uma sentença exequenda, obtida no processo declarativo. 9. Do que se trata, aqui, é de algo que se verifica no próprio processo declarativo, algo que, supervenientemente, fez perder a utilidade desse mesmo processo. No caso concreto, e mais precisamente, a utilidade do recurso, e que também nada tem a ver com o regime do artigo 45.º/1 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos. IV Em face do exposto, acordam os Juízes da Subsecção Social do Tribunal Central Administrativo Sul em julgar extinta a presente instância de recurso, por inutilidade superveniente da lide. Custas da apelação a cargo da Recorrente e do Recorrido em partes iguais, nos termos do artigo 536.º/1 e 2/c) do Código de Processo Civil. Lisboa, 18 de junho de 2025. Luís Borges Freitas (relator) Rui Fernando Belfo Pereira Teresa Caiado |