Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:373/21.1BELSB-A
Secção:JUIZ PRESIDENTE
Data do Acordão:07/02/2025
Relator:TÂNIA MEIRELES DA CUNHA
Descritores:SUSPEIÇÃO
EXTEMPORANEIDADE
Sumário:A suspeição, tal como a escusa, meios instrumentais da garantia da imparcialidade, não podem ser utilizadas a todo o tempo, extinguindo-se o direito a delas se lançar mão, quando ultrapassados os prazos concretamente definidos pelo legislador.
Votação:DECISÃO SINGULAR
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Decisão

[art.º 123.º, n.º 3, do Código de Processo Civil (CPC)]


I. A ……………………. e Alexandrina …………………. (doravante Requerentes) vieram deduzir Incidente de Suspeição, requerendo que seja declarada a suspeição da Senhora Juíza de Direito titular dos autos no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa.

Para o efeito, alegaram, em síntese:

¾ A sentença proferida padece de uma série de erros, que elencam (correspondendo praticamente ipsis verbis ao constante das alegações de recurso também apresentadas);

¾ Concluem, em paralelo com os erros de julgamento e/ou nulidades processuais ou da sentença que descrevem, que:

a) “118. Como não há coincidências tais erros só podem advir de falta de isenção e imparcialidade da Sra. Dra. Juíza; de facto não conseguem os Requerentes encontrar outra explicação”;

b) “193. A cereja no topo do bolo no que à falta de isenção e de imparcialidade diz respeito é o facto de a Sra. Dra. Juíza ter dado como provado que os Requerentes não têm a posse da Quinta!”;

c) “217. Alguém consegue explicar tais decisões a não ser com base na falta de isenção e imparcialidade? Os Requerentes, genuinamente, assumem que não conseguem apesar de muito terem tentado.

218. Mas os exemplos da falta de isenção e imparcialidade acima expostos, assumem, no entendimento dos Requerentes, bastante gravidade;

219. Diga-se, chegou-se a um ponto que não é bom para ninguém a Sra. Dra. Juíza permanecer titular dos presentes autos e lamentam os Requerentes que não tenha sido a Sra. Juíza a tomar a iniciativa de pedir a sua escusa, como os mesmos acham que deveria ter acontecido, antes de ter decidido o que decidiu.

220. E aqui chegados os Requerentes entendem que o Estado não lhes pode impor que a Sra. Juíza aqui visada continue a ser a titular do processo, sob pena de denegação de justiça.

221. Ainda se as matérias supra expostas não fossem já de si cabalmente demonstrativas da gravidade da falta de isenção e imparcialidade da Sra. Juíza, como o são,

222. Sempre se salienta o facto de a Sra. Juíza não respeitar sequer a data de do transito em julgado que consta da certidão judicial junta aos autos, nem sequer o que consta de outro documento autêntico como o é a certidão do registo predial;

223. Desrespeitar o princípio do contraditório,

224. Decidir sobre matéria que a própria afirma (e bem) não ser da sua competência,

225. Sobre matéria que é objecto de outros processos e da competência dos Tribunais Judiciais,

226. E recusar a produção de toda a prova requerida pelos Requerentes para depois decidir que estes não têm a posse da Quinta porque recusaram celebrar um contrato de arrendamento da Quinta, na década de 80,

227. E que foi cumprida a audiência prévia, mas à posterior da formação do acto…

228. Se o Estado Português entender vedar aos Requerentes o direito de recorrer à Justiça, o direito a processo justo e equitativo, negandolhes o direito de instaurarem acção e fazerem prova dos factos que alegam, que o faça;

229. Mas os Requerentes não podiam deixar de fazer uma derradeira tentativa de verem a sua causa julgada com isenção e de imparcialidade; o que fazem com o presente incidente.

230. Porque o acesso à Justiça, ou seja, a um Tribunal que julgue de forma isenta e imparcial, não é propriamente um favor que o Estado faz aos cidadãos mas sim o cumprimento de um dever que por estes lhes é imposto... ou o Estado está em condições de assegurar o cumprimento desse dever ou deverá ser responsabilizado por não o estar.

231. Os Requerentes são pessoas humildes, pouco letradas, mas integras e cumpridores de todas as suas obrigações enquanto cidadãos Portugueses;

232. Não podem, também por isso, permitir que o Estado lhes denegue Justiça.

233. Não podem continuar a assistir a flagrante dualidade de critérios, falta de isenção e de imparcialidade da Sra. Dra. Juíza”;

d) “245. A conduta supra descrita da Sra. Dra. Juíza é objectivamente demonstrativa da falta de isenção e imparcialidade que a norteia nestes autos;

246. A falta de isenção e de imparcialidade da Sra. Dra. Juíza viola grosseiramente o previsto, para além de outros, nos Artigos 13º e 20º da Constituição da República Portuguesa; o que aqui se alega para todos os efeitos nomeadamente para os previstos nos Artigos 16º e 18º da CRP e para os previstos nos Artigos 17º, 18º, 20º, nº 4 e 32º da CRP e artigos 70º nº 1, alíneas b) e f) e 72º, nº 2 da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro”;

e) “249 (…) [A] Sra. Juíza age como age por absoluta falta de isenção e imparcialidade, cujos “motivos” para tal desconhecem [e que] (...) fez criar a convicção, não só nos Requerentes, como no homem médio, de que a Sra. Juíza continuará a ter uma predisposição no sentido de prejudicar, com a sua decisão, ainda mais os Requerentes”.

Por despacho de 25.06.2025, a Senhora Juíza recusada respondeu (art.º 122.º, n.º 1, do CPC) nos seguintes termos:

“Não obstante considerar que o Requerente não alega quaisquer factos que fundamentem a suspeição, para os efeitos previstos no artigo 122.º n.º 1 – 2.ª parte do CPC, importa referir que a decisão em causa não revela quaisquer factos que constituam motivo, sério e grave, adequado a gerar a desconfiança sobre a minha imparcialidade, tendo sido proferido no estrito cumprimento da lei.

Com o que incidente deduzido pelo Requerente deve ser julgado improcedente, por não se reconduzir a qualquer dos fundamentos legalmente previstos (Cf. artigo 120.º n.º 1 do CPC)”.

II. Resulta da consulta ao processo principal, na plataforma SITAF, designadamente o seguinte:

a) Foi proferida sentença, nos autos principais, a 10.12.2023;

b) Foi apresentado requerimento pelos ora Requerentes, a 20.12.2023, no qual alegaram, designadamente, não ter sido a sentença notificada à respetiva mandatária;

c) Nessa sequência, foi proferido despacho, a 26.12.2023, ordenando a notificação à mandatária dos ora Requerentes de todo o processado a partir de 02.08.2023;

d) Desse despacho foram notificadas eletronicamente as partes, designadamente os Requerentes, a 05.01.2024.

e) A 23.01.2024, foram apresentadas, pelos Requerentes, alegações de recurso da sentença e de outros despachos de 10.12.2023;

f) A 24.01.2024, foi apresentado, pelos Requerentes, o requerimento relativo ao presente incidente.

Não se vislumbra necessidade de proceder a qualquer outra diligência.

III. Apreciando.

O incidente de suspeição do juiz (equivalente ao de recusa, na terminologia do processo penal), previsto no art.º 120.º do CPC, visa dotar as partes de um instrumento que lhes permita opor-se à intervenção de um juiz nos autos, quando se verifique alguma das circunstâncias elencadas nas diversas alíneas do n.º 1 da referida disposição legal.

A suspeição, tal como a escusa, meios instrumentais da garantia da imparcialidade, não podem ser utilizadas a todo o tempo, extinguindo-se o direito a delas se lançar mão, quando ultrapassados os prazos concretamente definidos pelo legislador.

Assim, quanto ao pedido de suspeição, há que ter em conta o disposto no art.º 121.º do CPC, nos termos do qual:

“1 - O prazo para a dedução da suspeição corre desde o dia em que, depois de o juiz ter despachado ou intervindo no processo, nos termos do n.º 2 do artigo 119.º, a parte for citada ou notificada para qualquer termo ou intervier em algum ato do processo; o réu citado para a causa pode deduzir a suspeição no mesmo prazo que lhe é concedido para a defesa”.

Por seu turno, como decorre do n.º 2 do art.º 119.º do CPC:

“O pedido é apresentado antes de proferido o primeiro despacho ou antes da primeira intervenção no processo, se esta for anterior a qualquer despacho; quando forem supervenientes os factos que justificam o pedido ou o conhecimento deles pelo juiz, a escusa é solicitada antes do primeiro despacho ou intervenção no processo, posterior a esse conhecimento”.

O prazo para a apresentação do incidente é o prazo supletivo de 10 (dez) dias, previsto no art.º 149.º, n.º 1, do CPC [cfr., v.g., a decisão deste TCAS de 19.01.2022 (Processo: 1462/21.8 BELSB-A-A) e a do Tribunal de Relação de Lisboa de 28.05.2024 (Processo: 158/24.3T8VFX-A.L1-7)]

No caso em análise, e não obstante a Senhora Juíza titular dos autos já ter intervindo em vários atos anteriormente, decorre que os Requerentes invocam que essa suspeição se revela na sentença mencionada em a) supra. Ou seja, a benefício dos requerentes, e independentemente da suscetibilidade ou não do alegado para o fim pretendido, para efeitos de apreciação da tempestividade do presente incidente, será considerada a notificação efetuada a 05.01.2024.

Assim sendo:

a) Foi notificada a sentença a 05.01.2024;

b) Tal notificação presume-se feita no terceiro dia seguinte posterior ao seu envio (cfr. art.º 248.º, n.º 1, do CPC), ou seja, a 08.01.2024;

c) O prazo de 10 dias, contados nos termos do art.º 138.º, n.º 1, do CPC, terminou a 18.01.2024;

d) O requerimento em causa foi apresentado a 24.01.2024, 6 dias depois e no 4.º dia útil seguinte, não sendo possível lançar mão do constante nos n.ºs 4 e 5 do art.º 139.º do CPC, que só abrange a prática de atos até ao 3.º dia útil seguinte.

Logo, o incidente foi apresentado fora de prazo, sendo que nada foi referido pelos Requerentes a esse respeito nem alegado qualquer justo impedimento, nos termos previstos no art.º 140.º do CPC.

Como tal, o incidente tem de ser rejeitado, por extemporâneo, resultando, por essa via, prejudicada a apreciação dos seus fundamentos. Não é, ademais, de apreciar a conduta dos Requerentes nos termos da parte final do art.º 123.º, n.º 3, do CPC, que pressupõe uma apreciação de mérito do incidente.

São responsáveis pelas custas do presente incidente os Requerentes (art.º 527.º, n.º 1, do CPC), sem prejuízo do benefício do apoio judiciário.

IV. Face ao exposto:

Rejeita-se o incidente apresentado, por extemporaneidade.

Custas do incidente pelos Requerentes, fixando-se a taxa de justiça em 2 (duas) UC, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário.

Registe e notifique.

Baixem os autos.


Lisboa, d.s.

A Juíza Desembargadora Presidente,

(Tânia Meireles da Cunha)