Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:746/24.8BELRA
Secção:CA
Data do Acordão:03/27/2025
Relator:JOANA COSTA E NORA
Descritores:PROIBIÇÃO DE EXECUÇÃO
ACTOS EXEQUÍVEIS
ACTOS DE EXECUÇÃO
RESOLUÇÃO DO CONTRATO
Sumário:I - Diferentemente do artigo 131.º do CPTA, o artigo 128.º não determina a suspensão provisória da eficácia do acto suspendendo, limitando-se a proibir o início ou a prossecução da execução do acto, pressupondo, assim, a exequibilidade do acto suspendendo.
II - O acto é exequível se carecer de execução, i. é, se implicar realização e concretização das determinações contidas no mesmo, o que se alcança através da prática de actos de execução.
III - Os actos de execução podem consistir em (i) meras operações materiais, no plano dos factos, ou (ii) actos jurídicos de execução que, reafirmando a decisão já contida no acto exequendo, produzem efeitos jurídicos novos, que surgem no desenvolvimento da situação jurídica definida pelo acto exequendo.
IV - O n.º 4 do artigo 128.º do CPTA apenas abrange os actos jurídicos de execução, e não também as meras operações materiais, pois que só em relação àqueles pode ser declarada a ineficácia.
V - O acto de resolução do contrato de aquisição de serviços celebrado entre o requerente e a entidade requerida reveste a natureza de acto administrativo, nos termos do artigo 307.º, n.º 2, alínea d), do Código dos Contratos Públicos.
VI - Trata-se de um acto administrativo não exequível (que não carece de execução), que se basta com a declaração jurídica de resolução nele contida, e cujos efeitos jurídicos advêm da sua prática, sem necessidade de qualquer acto jurídico de execução.
VII - Não sendo o acto suspendendo um acto exequível, e sendo a exequibilidade do acto suspendendo um dos pressupostos para a dedução do incidente de declaração de ineficácia dos actos de execução indevida, previsto e regulado no n.º 4 do artigo 128.º do CPTA, não pode o mesmo ter lugar, por falta de enquadramento em tal norma legal.
VIII - A devolução de facturas emitidas pelo prestador de serviços não configura qualquer acto jurídico (nem sequer uma operação material de execução), antes uma mera declaração, que não assume qualquer protagonismo em sede do incidente de declaração de ineficácia dos actos de execução indevida, nos termos do n.º 4 do artigo 128.º do CPTA.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção Administrativa Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO

Acordam, em conferência, os juízes da subsecção comum da secção administrativa do Tribunal Central Administrativo Sul:

I – RELATÓRIO

C… instaurou processo cautelar contra o MUNICÍPIO DA NAZARÉ, pedindo a suspensão de eficácia do acto, datado de 02.04.2024, de resolução do contrato de prestação de serviços de patrocínio judiciário, entre ambos outorgado.
Por requerimento de 26.07.2024, o requerente veio requerer a declaração de ineficácia do acto que recusou a factura emitida relativa ao mês de Junho de 2024, referente à sua contraprestação no referido contrato, considerando que “(…) o contrato de prestação de serviços cessou no dia 3 de Junho (…)”, por considerá-lo acto de execução indevida porquanto o contrato vigora até 31.12.2024 e, tendo sido requerida a suspensão da eficácia do acto de resolução do mesmo, a entidade administrativa não pode, após a citação, iniciar ou prosseguir a execução, mantendo-se tal contrato válido e eficaz, nos termos do artigo 128.º, n.º 1, do CPTA, para todos os efeitos legais, nomeadamente para as prestações a que cada parte se encontra obrigada.
Por requerimento de 18.12.2024, requereu o mesmo a declaração de ineficácia dos actos que ordenaram a devolução das facturas relativas aos meses de Julho, Agosto, Setembro, Outubro e Novembro de 2024, ao abrigo do artigo 128.º, n.º 1, do CPTA, por os considerar actos de execução indevida.
Pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria foi proferida decisão a julgar procedente o incidente, declarando a ineficácia dos actos de recusa do pagamento das facturas referentes a Junho, Julho, Agosto, Setembro, Outubro e Novembro de 2024.
O requerido interpôs o presente recurso de apelação, cujas alegações contêm as seguintes conclusões:
“1. Andou mal o Tribunal a quo ao julgar procedente o Incidente de declaração de ineficácia de actos de execução indevida, interposto pelo Recorrido, e em consequência, condenou o ora Recorrente no pagamento das facturas emitidas pelo Recorrido, ao abrigo do contrato de avença em causa nos referidos autos;
2. Ao ter o Douto Tribunal a quo acedido à pretensão do Recorrido, perfilhou uma interpretação da Lei manifestamente contra legem.
3. Entendeu o Douto Tribunal a quo que: “não tendo sido emitida uma resolução fundamentada para o efeito, impedir, após 5/6/2024, a execução do contrato ao abrigo da decisão de resolução, não procedendo ao pagamento de facturas emitidas ao abrigo de um contrato cuja decisão de resolução não podia ser executada por via da citação para a acção cautelar significa não cumprir a proibição de executar o acto de resolução cuja suspensão de eficácia foi pedida nesta ação cautelar”;
4. Salvo o devido respeito, não pode o Recorrente concordar com a conclusão adoptada pelo Tribunal a quo, pois que, a sua decisão é manifestamente contraditória com os preceitos legais que regulam esta matéria, nomeadamente o artigo 128.º do CPTA;
5. Em 02 de Abril de 2024, veio o Recorrente, através de missiva remetida ao Recorrido, nos termos e para os efeitos da alínea b) do n.º 2 do artigo 10.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (LTFP), por termo ao contrato de Avença que havia sido outorgado entre ambos, o qual iniciou em 31 de Janeiro desse ano, e teria o seu términus no dia 31 de Dezembro de 2024;
6. Por força da comunicação supra, os efeitos do aludido contrato tinham-se por integralmente cessados, 60 dias após a sua recepção, ou seja, em 03 de Junho de 2024;
7. Não concordando com a cessação contratual que se operou, o Recorrido veio intentar Providência Cautelar com vista à suspensão da eficácia do acto administrativo que pôs termo ao referido contrato, tendo a mesma dado entrada em juízo no passado dia 29 de Maio de 2024;
8. Como se retira da Petição Inicial e do artigo 3. da Matéria dada como Provada, o acto “pretendido suspender” consistia na comunicação da cessação do contrato de prestação de serviços (avença), celebrado entre Recorrente e Recorrido;
9. O Recorrente foi citado da Providência Cautelar em 05 de Junho de 2024;
10. Dispõe o n.º 1 do artigo 128.º do CPTA que: “Quando seja requerida a suspensão da eficácia de um ato administrativo, a entidade administrativa e os beneficiários do ato não podem, após a citação, iniciar ou prosseguir a execução, salvo se, mediante remessa ao tribunal de resolução fundamentada na pendência do processo cautelar, reconhecer que o diferimento da execução seria gravemente prejudicial para o interesse público” (sublinhado o bold nosso), pelo que somente após a citação é que o Recorrente estaria impedido de iniciar ou prosseguir a execução do acto;
11. A comunicação remetida pelo Recorrente ao Recorrido, operou-se em 02 de Abril de 2024, e produziu plenamente os seus efeitos em 03 de Junho de 2024;
12. O Recorrente somente foi citado dois dias após esse prazo, ou seja, em 05 de Junho de 2024, momento em que, manifestamente, o contrato já se encontrava extinto, por via da produção de efeitos da cessação do vínculo contratual;
13. Quando o Recorrente é citado da Petição Inicial do Recorrido, já não “existia” acto administrativo para ser suspenso, pois o mesmo já havia produzido efeitos em 03 de Junho!
14. A recusa em pagar as Facturas por parte do Recorrente é licita, porquanto as mesmas reportam a períodos após a cessão do contrato de avença, o qual, reitera-se, deixou de produzir os seus efeitos no dia 03 de Junho de 2024;
15. Caso o Recorrido não concordasse com a cessação do contrato de avença, querendo impedir a produção dos seus efeitos, deveria ter intentado a sua Providência Cautelar mais cedo, para que o acto resolutivo não produzisse os seus efeitos, pois só após a citação do Recorrente é que aquele estaria impedido de prosseguir a execução do acto;
16. Se o Recorrido não advogou tempestivamente o direito sobre o qual se arroga, tal comportamento é completamente alheio ao Recorrente, não podendo o Recorrido beneficiar da sua inércia;
17. Certo é que o Recorrido teve mais que tempo para “atacar” a aludida decisão, nada tendo feito dentro desse hiato temporal, sendo que quando, finalmente, decidiu reagir à cessação do contrato, já o fez tardiamente, pois a cessação contratual já se havia operado, tendo o acto, cuja suspensão aquele pretendia, produzido plenamente os seus efeitos no dia 03 de Junho;
18. Após a citação do Recorrente da Providência Cautelar – momento após o qual estava o Município da Nazaré impedido de iniciar ou prosseguir a execução do acto! – já o contrato de avença se encontrava findo, tendo deixando de produzir os seus efeitos;
19. O Recorrido, desde 03 de Junho de 2024, não mais prestou os seus préstimos ao Recorrente, pois para este, dúvidas não subsistem que o contrato de avença outorgado pelas partes, havia cessado definitivamente naquela data!
20. A sentença recorrida, por tudo o quanto se disse, está inquinada por erro na interpretação e aplicação do Direito subjacente ao caso em apreço, pelo que deverá a mesma ser revogada e substituída por outra que julgue improcedente o incidente de declaração de ineficácia de actos de execução indevida, suscitado pelo Recorrido;”
Notificado das alegações apresentadas, o requerente, ora recorrido, apresentou contra-alegações, as quais contêm as seguintes conclusões:
“6º A decisão recorrida realizou uma correta interpretação e aplicação do artigo 128º, n.º 1, do CPTA.
7º O Municipio da Nazaré continua a deduzir alegações cuja falta de fundamento não pode ignorar, porquanto, alega contra direito, a alegada existência de um contrato de avença, ao invocar a aplicação do regime previsto na Lei n.º 35/2014, de 20 de junho, Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (LTFP), verificando-se uma incompatibilidade legal, com o exercício da qualidade de Advogado, artigo 82º, n.º 1, al. a), do E.O.A., Lei n.º 145/2015, de 09 de Setembro.
8º O Municipio da Nazaré continua a deduzir alegações cuja falta de fundamento não pode ignorar, porquanto, alega que comunicação foi enviada a 02-04-2024, foi recebida a 03-04-2024, e, por força dessa comunicação, a resolução produziu efeitos em 03-06-2024.
9º Os prazos previstos na LTFP contam-se nos termos do Código do Procedimento Administrativo (CPA), artigo 3º, Lei n.º 35/2014, de 20 de junho.
10º O Municipio da Nazaré continua a deduzir alegações, de facto e de direito, cuja falta de fundamento não pode ignorar.”
O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado nos termos e para efeitos do disposto no artigo 146.º, n.º 1, do CPTA, pronunciou-se pela improcedência do recurso, nos termos da fundamentação da decisão recorrida.
Sem vistos dos juízes-adjuntos, por se tratar de processo urgente (cfr. n.º 2 do artigo 36.º do CPTA), importa apreciar e decidir.


II – QUESTÕES A DECIDIR

Face às conclusões das alegações de recurso – que delimitam o respectivo objecto, nos termos do disposto nos artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.ºs 1 e 2, do CPC -, a questão que ao Tribunal cumpre solucionar é a de saber se a decisão recorrida padece de erro de julgamento de direito por violação do artigo 128.º do CPTA.


III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A decisão recorrida fixou os seguintes factos, que considerou provados:
“1. Entre o Requerente e a Entidade Requerida foi celebrado um contrato de prestação de serviços – patrocínio judiciário, que se dá, aqui, por reproduzido, com início em 1/1/2024 e término em 31/12/2024, pelo preço global de €23988. (cfr. doc. 1 junto com o requerimento cautelar, fls. 13 a 15 do sitaf);
2. Por ofício com data de 2/4/2024, o Município da Nazaré comunicou ao Requerente a resolução do contrato com efeitos a partir de 3/6/2024, referido no ponto anterior, referindo o seguinte: “(…) Tendo sido celebrado o contrato de prestação de serviços supramencionado entre o Município da Nazaré e V. Exa. no passado dia 31.01.2024, constata-se atualmente que a necessidade de patrocínio jurídico para o ano de 2024 por parte do Município da Nazaré foi sobrestimada e, consequentemente, a entidade competente para a decisão de contratar decidiu não necessitar da continuidade dos seus serviços, nos moldes contratados.”. (cfr. doc. 2 junto com o requerimento cautelar, fls. 16 e 17 do sitaf);
3. Em 29/5/2024, o Requerente intentou a presente acção cautelar, pedindo a suspensão da eficácia do acto de resolução do contrato, comunicado através do ofício referido no ponto anterior. (cfr. fls. 1 a 5 do sitaf);
4. Em 5/6/2024, a Entidade Requerida foi citada para deduzir oposição na presente acção cautelar. (cfr. 29, 30 e 39 do sitaf);
5. Em Junho de 2024, o Requerente emitiu a factura referente ao mês de Junho, solicitando o seu pagamento à Entidade Requerida em 21/6/2024, tendo a mesma sido devolvida em 25/6/2024 pelos serviços da Entidade Requerida, com o seguinte fundamento: “(…) Em conformidade com a informação dos RH e do GJ, o contrato de prestação de serviços cessou no dia 3 de junho, pelo que se devolve a fatura, solicitando que a mesma seja anulada, e seja passada uma nova com o valor proporcional aos 3 dias de junho (199,90 €, com 45,98 € de IVA, totalizando o valor de 245,88 €). (cfr. doc. que consta de fls. 173 do sitaf; e por acordo);
6. Em 25/6/2024, foi proferida sentença, que indeferiu a providência cautelar requerida nestes autos. (cfr. fls. 76 a 95 do sitaf);
7. Em 25/6/2024, foram emitidos ofícios de notificação às partes da sentença referida no ponto anterior. (cfr. fls. 97 e 98 do sitaf); 8. Em 17/7/2024, o Requerente interpôs recurso da sentença referida no ponto 6.. (cfr. fls. 105 a 152 do sitaf);
9. Em 14/11/2024, foi proferido acórdão pelo TCAS, nos termos do qual foi anulada a sentença proferida e determinado que se procedesse à notificação ao requerente da oposição e documentos com a mesma juntos. (cfr. fls. 247 a 271 do sitaf);
10. Em 15/11/2024, foram emitidos ofícios de notificação às partes do acórdão referido no ponto anterior. (cfr. fls. 274 e 275 do sitaf);
11. Em 26/11/2024, o Requerente enviou ao Requerido as facturas relativas aos meses de Junho, Julho, Agosto, Setembro e Outubro de 2024, e em 1/12/2024 remeteu ao Requerido a factura relativa ao mês de Novembro de 2024. (cfr. docs. que constam de fls. 290 a 303 do sitaf);
12. Em 5/12/2024, o Requerido devolveu ao Requerente as facturas referidas no ponto anterior, alegando o seguinte: “(…) Conforme indicações do nosso consultor jurídico externo e mandatário judicial na ação em curso, interposta por V. Exa., que se transcreve: “… somos do entendimento que o Município não deverá proceder a qualquer pagamento ao Dr. B…, até que o Tribunal se pronuncie sobre a reclamação supra identificada, pelo que estas novas Facturas deverão também ser devolvidas, nos exactos termos em que se operou à devolução da Factura do mês de Junho. Vimos proceder à devolução das faturas relativas aos meses de junho, julho, agosto, setembro e outubro de 2024.”. (cfr. docs. a fls. 304 e 305 do sitaf).”


IV – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
A decisão recorrida declarou a ineficácia dos actos de recusa do pagamento das facturas referentes a Junho, Julho, Agosto, Setembro, Outubro e Novembro de 2024, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 128.º do CPTA, considerando que, não tendo sido emitida resolução fundamentada, a partir da data da citação da entidade requerida para a acção cautelar (em 05.06.2024), não podia a mesma executar o acto suspendendo (acto de resolução do contrato de aquisição de serviços celebrado entre o requerente e a entidade requerida), não obstante tal acto ter determinado que os seus efeitos se produziam a partir de 03.06.2024 (antes da citação), e ainda que os seus efeitos se tivessem começado a produzir a partir de 03.06.2024 (antes da citação), pois que tais efeitos abrangem todo o período de execução do contrato, não se esgotando no dia 03.06.2024. Assim, considerou o Tribunal recorrido que o não pagamento das facturas emitidas ao abrigo do contrato é impeditivo da sua execução e constitui incumprimento da proibição de executar o acto suspendendo (o acto de resolução).
O recorrente insurge-se contra o assim decidido, que considera violar a norma do artigo 128.º do CPTA, alegando que o contrato em causa terminou, com efeitos a 03.06.2024, por força da comunicação que remeteu ao recorrido em 02.04.2024, nos termos e para os efeitos previstos na alínea b) do n.º 2 do artigo 10.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, pondo termo ao contrato com efeitos 60 dias após a sua recepção, só estando o recorrente impedido de iniciar ou prosseguir a execução do contrato a partir da citação (ocorrida em 05.06.2024), e, em tal data, o contrato já se encontrava extinto, pelo que é lícita a recusa do recorrente em pagar facturas reportadas a períodos posteriores à cessação do contrato, não tendo o recorrido, desde 03.06.2024, prestado os seus préstimos ao recorrente.
Vejamos.
Sob a epígrafe “Proibição de executar o ato administrativo”, dispõe o artigo 128.º do CPTA, nos seus n.ºs 1, 2 e 3: “1 - Quando seja requerida a suspensão da eficácia de um ato administrativo, a entidade administrativa e os beneficiários do ato não podem, após a citação, iniciar ou prosseguir a execução, salvo se, mediante remessa ao tribunal de resolução fundamentada na pendência do processo cautelar, reconhecer que o diferimento da execução seria gravemente prejudicial para o interesse público. 2 - Sem prejuízo do previsto na parte final do número anterior, deve a entidade citada impedir, com urgência, que os serviços competentes ou os interessados procedam ou continuem a proceder à execução do ato. 3 - Considera-se indevida a execução quando falte a resolução prevista no n.º 1 ou o tribunal julgue improcedentes as razões em que aquela se fundamenta.”
Assim, uma vez citada, no âmbito de processo cautelar em que é requerida a suspensão da eficácia de um acto administrativo, a entidade requerida não pode iniciar ou prosseguir a execução do acto suspendendo, salvo se remeter ao processo resolução fundamentada nos termos referidos na citada norma legal.
O objectivo deste regime é acautelar a situação do requerente no próprio processo cautelar quanto à sua eventual morosidade. Todavia, diferentemente do artigo 131.º do CPTA – ao abrigo do qual pode ser decretada provisoriamente a suspensão da eficácia do acto -, o artigo 128.º não determina a suspensão provisória da eficácia do acto suspendendo, limitando-se a proibir o início ou a prossecução da execução do acto, pressupondo, assim, a exequibilidade do acto suspendendo.
O acto é exequível se carecer de execução, i. é, se implicar realização e concretização das determinações contidas no mesmo, o que se alcança através da prática de actos de execução (cfr. MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA/PEDRO COSTA GONÇALVES E JOÃO PACHECO DE AMORIM, Código do Procedimento Administrativo, 2.ª edição, Coimbra, 1997, p. 705). Os actos de execução podem consistir em (i) meras operações materiais, no plano dos factos; ou (ii) actos jurídicos de execução que, reafirmando a decisão já contida no acto exequendo, produzem efeitos jurídicos novos, que surgem no desenvolvimento da situação jurídica definida pelo acto exequendo (MÁRIO AROSO DE ALMEIDA e CARLOS ALBERTO FERNANDES CADILHA, in Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2017, 4.ª edição, pp. 362 e 363).
Nos termos do n.º 4 do artigo 128.º do CPTA, “O interessado pode requerer ao tribunal (…) a declaração de ineficácia dos atos de execução indevida.”, aqui estando abrangidos apenas os actos jurídicos de execução, e não também as meras operações materiais, pois que só em relação àqueles pode ser declarada a ineficácia (cfr. Marta Cavaleira e Ana Carla Teles Duarte Palma, O que suspende a suspensão da eficácia de um ato administrativo?, Estudos em memória do Conselheiro Artur Maurício, Coimbra Editora, p. 1088).
Acontece que “nem todos os atos administrativos carecem de execução” (idem ibidem, p. 1071). O acto administrativo não exequível basta-se com a “declaração jurídica nele contida, pois os respectivos efeitos jurídicos consomem-se na sua prática e não há quaisquer alterações ou operações materiais a realizar”, como são os actos de conteúdo negativo, os actos relativos a status e, em geral, os actos favoráveis (JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, Lições de Direito Administrativo, 4.ª edição, p. 199). Já o acto administrativo exequível produz uma “transformação jurídica” que “exige actividades subsequentes de complementação jurídica ou de adequação física das coisas, destinadas a conformar a ordem jurídica e a ordem material com o que nele se dispõe.” (cfr. MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA/PEDRO COSTA GONÇALVES E JOÃO PACHECO DE AMORIM, Código do Procedimento Administrativo, 2.ª edição, Coimbra, 1997, p. 704), sendo exequíveis os “actos impositivos de deveres ou encargos” (FREITAS DO AMARAL, in Curso de Direito Administrativo, vol. II, Almedina, 2001, p. 285).
Assim, “como este incidente pressupõe a existência de actos de execução, significa que se torna imprestável na maior parte das situações por não existirem actos de execução.” (cfr. FERNANDA MAÇÃS, O contencioso cautelar, in Comentários à Revisão do CPTA e do ETAF (coord. de Carla Amado Gomes, Ana Fernanda Neves e Tiago Serrão), Coimbra, 2014, p. 752).
Importa ainda, a propósito, fazer referência aos actos consequentes, que são aqueles cujo conteúdo pressupõe a validade de actos anteriores que lhes servem de pressuposto (Mário Esteves de Oliveira e outros, Código do Procedimento Administrativo anotado, 2.ª edição, p. 160, e FREITAS DO AMARAL, A execução das sentenças dos Tribunais Administrativos, pp. 112 a 116 e 650) - por exemplo, o acto de nomeação de um concorrente, no âmbito de um concurso de provimento, em relação ao acto de graduação dos candidatos; o acto de adjudicação de um contrato em relação ao acto que não admitiu um dos concorrentes ao concurso. Assim, “Os atos de execução são atos consequentes na medida em que são praticados tendo como pressuposto um ato administrativo decisório anterior, mas nem todos os atos administrativos consequentes são atos de execução, porquanto nem todos visam realizar ou efetivar uma situação jurídica previamente definida por outro ato administrativo.” (cfr. Marta Cavaleira e Ana Carla Teles Duarte Palma, O que suspende a suspensão da eficácia de um ato administrativo?, Estudos em memória do Conselheiro Artur Maurício, Coimbra Editora, p. 1076). Deste modo, poderão ser praticados actos consequentes do acto suspendendo que não o executam e que, por isso, não são actos de execução.

Volvendo ao caso em apreço, e com vista a aferir da conformidade da decisão recorrida com o regime previsto no artigo 128.º do CPTA, atendendo aos seus pressupostos de aplicação, acima descritos, importa começar por aferir se o acto suspendendo é um acto exequível, carente de execução, e, em caso afirmativo, se os actos cuja ineficácia foi declarada são actos jurídicos de execução.
O acto suspendendo é o acto de resolução do contrato de aquisição de serviços celebrado entre o requerente e a entidade requerida, sendo, por isso, um acto praticado no âmbito de uma relação contratual administrativa que se estabelece entre uma entidade administrativa e um particular. Nos termos do n.º 1 do artigo 202.º do CPA, “As relações contratuais administrativas são regidas pelo Código dos Contratos Públicos ou por lei especial, sem prejuízo da aplicação subsidiária daquele quando os tipos dos contratos não afastem as razões justificativas da disciplina em causa.” Acerca da “Natureza das declarações do contraente público”, dispõe o n.º 1 do artigo 307.º do Código dos Contratos Públicos (CCP) que, “Com exceção dos casos previstos no número seguinte, as declarações do contraente público sobre interpretação e validade do contrato ou sobre a sua execução são meras declarações negociais, pelo que, na falta de acordo do cocontratante, o contraente público apenas pode obter os efeitos pretendidos através do recurso à ação administrativa.”, acrescentando o n.º 2 que “Revestem a natureza de ato administrativo as declarações do contraente público sobre a execução do contrato que se traduzam em: a) Ordens, diretivas ou instruções no exercício dos poderes de direção e de fiscalização; b) Modificação unilateral das cláusulas respeitantes ao conteúdo e ao modo de execução das prestações previstas no contrato por razões de interesse público; c) Aplicação das sanções previstas para a inexecução do contrato; d) Resolução unilateral do contrato; e) Cessão da posição contratual do cocontratante para terceiro.” Nestes termos, a decisão do contraente público de resolver o contrato reveste a natureza de acto administrativo. Estamos aqui perante uma manifestação de autotutela declarativa, que dispensa o contraente público de recorrer a tribunal para resolver o contrato através da prática de um acto administrativo – o acto de resolução do contrato. E estamos também perante um acto administrativo não exequível, que se basta com a declaração jurídica de resolução nele contida, e cujos efeitos jurídicos advêm da sua prática, sem necessidade de qualquer acto jurídico de execução. Não carecendo de execução, ao acto de resolução contratual não se segue qualquer acto de execução.
Não sendo o acto suspendendo um acto exequível, e sendo a exequibilidade do acto suspendendo um dos pressupostos para a dedução do incidente de declaração de ineficácia dos actos de execução indevida, previsto e regulado no n.º 4 do artigo 128.º do CPTA – nos termos acima expostos -, não pode o mesmo ter lugar, por falta de enquadramento em tal norma legal.
Acresce que, precisamente por o acto suspendendo não ser exequível, não se seguiram à sua prática quaisquer actos de execução, cuja inexistência também inviabiliza a dedução do incidente. Com efeito, como emerge do probatório, o que se sucedeu à prática do acto suspendendo (de resolução do contrato) foi a devolução das facturas referentes a Junho, Julho, Agosto, Setembro, Outubro e Novembro de 2024, ao requerente, por parte da entidade requerida, com a justificação de que não iria proceder a qualquer pagamento no âmbito do contrato até haver uma decisão do Tribunal. Ora, tal actuação da entidade requerida não configura qualquer acto jurídico (nem sequer uma operação material de execução), antes uma mera declaração, eventualmente relevante para efeitos de cumprimento do contrato, mas que não assume qualquer protagonismo em sede do incidente de declaração de ineficácia dos actos de execução indevida, nos termos do n.º 4 do artigo 128.º do CPTA. Efectivamente, para além de constituir uma impossibilidade jurídica a declaração de ineficácia de uma actuação que não constitui um acto jurídico, nem sequer estamos perante uma operação material de execução – nem poderíamos estar, considerando que o acto suspendendo não configura um acto exequível, carente de execução -, não tendo, assim, cabimento a aplicação do disposto no artigo 128.º do CPTA.
Assim, a decisão recorrida labora em erro, não só porque assumiu que o acto suspendendo era exequível, susceptível de execução (ou, pelo menos, desconsiderou que o não era), mas também porque considerou que a devolução de facturas para pagamento de serviços, ao abrigo do contrato, era um acto de execução, e não o é. E, embalada por tais erros, resvala na (também errada) declaração de ineficácia de actos que não passam de uma actuação, sem a natureza de acto jurídico.
Pelo exposto, mal andou a decisão recorrida ao declarar a ineficácia dos actos de recusa do pagamento das facturas referentes a Junho, Julho, Agosto, Setembro, Outubro e Novembro de 2024, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 128.º do CPTA, impondo-se, assim, a respectiva revogação.

*
Vencido, é o recorrido responsável pelo pagamento das custas, no incidente e no recurso, nos termos dos artigos 527.º do CPC, aplicável ex vi artigo 1.º do CPTA.


V – DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes da subsecção comum da secção administrativa do Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso e, em consequência, revogar a sentença recorrida.

Custas do incidente e do recurso pelo recorrido.

Lisboa, 27 de Março de 2025.

Joana Costa e Nora (Relatora)
Lina Costa
Marcelo Mendonça