Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:123/24.0BEPDL
Secção:CA
Data do Acordão:05/29/2025
Relator:ANA CARLA TELES DUARTE PALMA
Descritores:ESCLARECIMENTO PEÇAS PROCEDIMENTO
ALTERAÇÃO
ESPECIFICAÇÕES TÉCNICAS
COMPETÊNCIA DO JÚRI.
Sumário:I - O princípio da estabilidade das peças do procedimento, que determina que as mesmas não possam ser alteradas no decurso do procedimento, após a sua publicitação ou disponibilização aos concorrentes, no caso de procedimentos não abertos à concorrência, é expressão do princípio da igualdade de tratamento, vertente do princípio da concorrência, e visa assegurar que todos acedem e participam no procedimento em condições de igualdade.

II - Entre os desvios ao princípio da estabilidade das peças do procedimento estão os que resultam da possibilidade, consentida pelo CCP, no artigo 50.º, de as peças serem objeto de retificação de erros e suprimento de omissões, a par com a prestação de esclarecimentos, desde que verificados os limites temporais aí previstos;

III - Os esclarecimentos e as retificações passam a integrar as peças do procedimento, prevalecendo sobre elas em caso de divergência, nos termos do n.º 9, do artigo 50.º, do CCP;

III – O suprimento de omissões verificadas nas peças do procedimento deve observar os limites, temporais e de competência, previstos nos artigos 50.º e 69.º, n.º 2, do CCP, e, bem assim, os decorrentes da relevância do suprimento para a execução do contrato a celebrar, a apurar no quadro, designadamente, do princípio da proporcionalidade;

IV – A disposição contida no artigo 69.º, n.º 2, do CCP, afasta a competência do júri para a retificação das peças do procedimento e para a decisão sobre erros e omissões identificados pelos interessados;

Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção de Contratos Públicos
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: *

Relatório

F....................... – Comércio …………….-Farmacêuticos ……….., S.A, intentou contra o Hospital ……………………….., EPER, ação administrativa urgente de contencioso pré-contratual na qual formulou os seguintes pedidos:
a) Ser anulada a deliberação do Conselho de Administração da Entidade Demandada de 12 de setembro de 2024 na parte em que, ao aprovar o relatório final do júri, exclui a proposta da Autora e adjudica a proposta da Contrainteressada D………….; e
b) Ser a Entidade Demandada condenada a adjudicar a proposta da Autora;
Subsidiariamente, mas sem conceder,
c) Ser anulada a deliberação do Conselho de Administração da Entidade Demandada de 12 de setembro de 2024 na parte em que, ao aprovar o relatório final do júri, admite as propostas das Contrainteressadas D……………… e S…………..e adjudica a proposta da Contrainteressada …………; e
d) Ser a Entidade Demandada condenada a excluir a proposta da Contrainteressada D………… e a proposta da Contrainteressada S ……………. e a lançar novo procedimento para aquisição das 70 camas hospitalares em causa nestes autos, sem incorrer nas ilegalidades aqui imputadas;
Em qualquer caso,
e) Se já tiver sido celebrado o contrato entre a Entidade Demandada e a Contrainteressada D…………….na sequência do ato de adjudicação referido na alínea a), ser o mesmo anulado.”

Indicou como contrainteressadas a D ………….. & Filhos, Lda., (“D i…………”), e a S …………., Unipessoal, Lda., (“S ………..”).

O Tribunal Administrativo e Fiscal de Ponta Delgada julgou a ação procedente, com o seguinte segmento decisório:

a) Anulo a deliberação do Conselho de Administração da Entidade Demandada de 12 de setembro de 2024, de exclusão da proposta da Autora e adjudicação da aquisição de camas hospitalares para o Hospital ………………………..Delgada, E.P.E.R. à proposta da Contrainteressada D……………… & Filhos, Lda., bem como o eventual contrato celebrado entre a Entidade Demandada e a mencionada Contrainteressada;

b) Condeno a Entidade Demandada a retomar o procedimento pré-contratual, e, no contexto do dever de reconstituição da situação jurídica, admitir a proposta da F....................... – Comércio de …………-Farmacêuticos …………, S.A., ora Autora, e adjudicar o procedimento à proposta da mencionada Autora;
c) Julgo prejudicado o conhecimento dos pedidos subsidiários formulados pela Autora nas alíneas c) e d).”.

Inconformada com o assim decidido, a Entidade Demandada, Hospital …………………, EPER, interpôs recurso para este Tribunal Central Administrativo, tendo concluído a alegação nos termos seguintes:

«1. Vem o presente recurso interposto da douta Sentença que julgou a ação procedente por entender que o esclarecimento prestado pelo Júri deste procedimento foi ilegal e que, consequentemente, foi ilegal a exclusão da proposta da recorrida;

2. Ora, com o presente procedimento concursal com n.°70011524, para a celebração de contrato de "Aquisição de camas Hospitalar para o Hospital ………………., EPER", pretendia-se a aquisição de setenta camas hospitalares;

3. E a Parte II do Caderno de Encargos relativo às especificações técnicas para a aquisição dessas camas hospitalares, obrigava a que estas tivessem determinados requisitos obrigatórios, bem como a que fossem fornecidos com essas camas um total de três acessórios obrigatórios, no que aqui importa, um colchão;

4. Sendo que, é sobre este acessório obrigatório que a presente ação de contencioso pré-contratual se ocupa;

5. Uma vez que, o caderno de encargos deste procedimento não foi claro ao definir as características destes setenta colchões a fornecer com essas camas;

6. Ora, foi precisamente por isso que a contrainteressada D……………… & Filhos, Lda. solicitou esclarecimentos relativamente a este acessório obrigatório, entre outros, sobre qual a altura mínima que esse colchão teria de ter;

7. Isto é, perante um infindável leque de possibilidades disponíveis de mercado era necessário tornar claro, para uma correta formulação das propostas, qual a altura mínima aceitável para estes colchões;

8. Assim, entre outros, esse esclarecimento foi respondido no sentido de que o colchão a fornecer teria de ter, pelo menos, quinze centímetros de altura, tendo esse esclarecimento passado a fazer parte integrante das peças do procedimento, nos termos do artigo 50.° n.° 9 do Código dos Contratos Públicos;

9. Ora, este esclarecimento, porque foi solicitado e respondido em tempo, porque foi publicado na plataforma pela qual tramitou este procedimento e notificado a todos os interessados, não viola o princípio da concorrência, nem o princípio da estabilidade das peças do procedimento;

10. Acresce que, não se trata aqui de uma retificação das peças do procedimento, pois de facto não houve nenhuma deliberação do júri ou do R. nesse sentido, nem os concorrentes foram notificados de qualquer retificação das peças do procedimento;

11. Aliás, tal esclarecimento nunca poderia ser considerado uma retificação das peças do procedimento, por não se ter alterado qualquer aspeto ou dado que estivesse desconforme com a realidade, ou qualquer espécie ou quantidade de prestações necessárias à integral execução do contrato;

12. Neste caso, aqui tratou-se apenas de esclarecer uma característica destes colchões que não estava clara nas peças do procedimento, sendo a altura de um colchão uma característica intrínseca ao mesmo;

13. A resposta a esse esclarecimento foi disponibilizada na plataforma do AcinGov, a todos os interessados, passou a fazer parte integrante das peças de procedimento e obrigatório para todos os concorrentes (artigo 50.° n.° 9 do Código dos Contratos Públicos);

14. Assim, não merece qualquer censura a exclusão desta proposta da recorrente pelo que deve a Sentença proferida ser substituída por outra que absolva a recorrente dos pedidos, com todas as consequências legais;

15. Acresce que, a recorrida não peticionou que fosse anulado o relatório final produzido neste procedimento, nem que fosse produzido novo relatório final pelo qual, avaliada a proposta da recorrente, se propusesse a adjudicação desta;

16. Ora, não tendo estes pedidos sido deduzidos, nunca poderia o Tribunal a quo ter apreciado o pedido de "condenação" da aqui recorrente em adjudicar a proposta da recorrente;

17. Isto é, não pode o Tribunal substituir-se à administração na verificação dos requisitos técnicos das propostas;

18. Pelo que, sempre seria necessário retomar o procedimento sem a alegada ilegalidade - no caso a exclusão da proposta da recorrente;

19. Posto isto, sempre teria de ser produzido um novo relatório preliminar, sendo concedida nova audiência prévia aos interessados, seguido de um novo relatório final, com a ordenação dos candidatos que inclua a proposta da recorrida e da consequente homologação desse relatório final, com deliberação de adjudicar este procedimento contratual ao candidato que cumpra com todos esses requisitos técnicos e apresente o melhor preço;

20. Só assim, poderá eventualmente ser este procedimento adjudicado à recorrida;

21. Pelo que, também por aqui deverá a Sentença recorrida ser substituída por outra que absolva a recorrente deste pedido.

Nestes termos e nos melhores de Direito, deverá o presente recurso ser julgado procedente por provado e, em consequência, deve a Sentença proferida ser substituída por outra que absolva a recorrente dos pedidos, por assim ser de JUSTIÇA!»

A Recorrida apresentou contra-alegações e requereu a ampliação do objeto do recurso (ao abrigo do disposto no artigo 636.°, n.°1 do CPC), apresentando as seguintes conclusões:

«A. Não tendo o Tribunal a quo apreciado uma das causas de invalidade da decisão impugnada, alegada pela ora Recorrida na Petição Inicial, entende esta que, caso venha a ser concedido provimento ao recurso interposto pelo Recorrente, na parte em que põe a crise a decisão de anulação do ato de exclusão da proposta da F......................., deverá o Tribunal ad quem conhecer da referida causa de invalidade adicional, e julgar, a final, procedente o pedido de anulação do ato impugnado.

B. A decisão de exclusão da proposta da Recorrida baseou-se no entendimento de que o colchão a fornecer não cumpria o requisito da altura mínima de 15 cm, introduzido pelo esclarecimento do júri no dia 17 de julho.

C. A Recorrida não cuidou de especificar qual a altura do colchão a fornecer, uma vez que não era obrigada a fazê-lo à luz do Caderno de Encargos.

D. No entanto, na sua proposta, a Recorrida declarou expressamente que o colchão a fornecer se encontrava de acordo com o previsto no Caderno de Encargos.

E. O júri fez, porém, tabula rasa desta declaração negocial — expressa e inequívoca — constante da proposta da Recorrida e centrou a sua análise num outro documento, que só lateralmente faz referência a colchões.

F. O júri inferiu a referida desconformidade da proposta com as peças do procedimento a partir de um documento facultativo da Recorrida (a ficha técnica do modelo de cama hospitalar a fornecer), o qual apresentava os colchões tipicamente utilizados com a referida cama, mas que não correspondiam necessariamente aos colchões que a Recorrida iria fornecer.

G. Em relação ao acessório colchão, o que o Recorrente declarou é que “O Colchão encontra-se de acordo com o caderno de encargos”, o que sempre incluiria as medidas que o caderno de encargos impusesse para o mesmo.

H. Tendo o júri dúvidas quanto à altura do acessório colchão constante da proposta da F......................., deveria ter solicitado a esta concorrente os esclarecimentos necessários (cfr. artigo 72.°, n.os 1 e 2, do CCP).

I. Assim, o Recorrente procedeu à exclusão da proposta da F......................., com base numa errada aplicação do artigo 70.°, n.° 2, alínea b), 2a parte, do CCP, não tendo, portanto, qualquer fundamento legal ou contratual para o fazer — o que determina a anulação da decisão de exclusão da proposta da Recorrida.

Nestes termos, e nos melhores de Direito, deve este Venerando Tribunal:
a) Negar provimento ao recurso apresentado pelo Recorrente;
Subsidiariamente, mas sem conceder,
b) Ser ampliado o âmbito do presente recurso, ao abrigo do disposto no artigo 636.°, n.° 1, do CPC, aplicável ex vi do artigo 1.° do CPTA, à apreciação dos fundamentos adicionais para a anulação da decisão de exclusão da proposta da ora Recorrida;
Subsidiariamente ao pedido anterior, mas sem conceder,
c) Ser dado provimento aos pedidos subsidiários formulados pela Recorrida na Petição Inicial, nos termos do disposto no artigo 149.°, n.° 2, do CPTA, em particular:
i. Ser anulada a deliberação do Conselho de Administração da Entidade Demandada de 12 de setembro de 2024 na parte em que, ao aprovar o relatório final do júri, admite as propostas das Contrainteressadas D……………… e S …………. e adjudica a proposta da Contrainteressada D………………; e
ii. Ser a Entidade Demandada condenada a excluir a proposta da Contrainteressada D……………… e a proposta da Contrainteressada S …………… e a lançar novo procedimento para aquisição das 70 camas hospitalares em causa nestes autos, sem incorrer nas ilegalidades aqui imputadas.».


*

A recorrente pronunciou-se sobre a ampliação do objeto do recurso, tendo formulado as seguintes conclusões:

«1. A recorrida vem requerer a ampliação do objeto do recurso, alegando que da sua proposta não resulta qual a altura dos colchões que ia fornecer;

2. Entende que, por isso, não poderia a sua proposta ter sido excluída pois se obrigou a fornecer um colchão de acordo com o caderno de encargos;

3. Acontece que, o que resulta das fichas técnicas que a recorrida junto com a sua proposta, é que esta pretendia fornecer um colchão com 12 cm de altura;

4. Perante isto, restava apenas excluir a proposta da recorrente, por esta não cumprir com as peças do procedimento e com o esclarecimento que delas passou a fazer parte integrante;

Nestes termos e nos melhores de Direito, deverá o recurso ampliado ser rejeitado, por não provado e por assim ser de JUSTIÇA!»


*

O Ministério Público foi notificado para os efeitos previstos no artigo 146.º, n.º 1, do CPTA, mas não emitiu pronúncia.

Sem vistos, dada a natureza urgente do processo, foi o processo submetido à conferência para julgamento.


*

O objeto do presente recurso, delimitado pelas conclusões das alegações apresentadas (cfr. artigos 635º nº 4, 637º n.º 2 e 639º, nº 1, do CPC), é a sentença proferida pelo TAF, sendo as questões a decidir, no recurso interposto pela recorrente, as de saber se a declaração do júri, durante o prazo de apresentação das propostas, a respeito da altura dos colchões a fornecer com as camas, observou a disciplina prevista nos artigos 50.º e 69.º, do CPP e passou a integrar as peças do procedimento e, no recurso ampliado, a de saber se dos documentos juntos com a proposta apresentada pela autora, aqui recorrida, resultava que os colchões a fornecer não cumpriam a altura mínima de 15 centímetros.

*

Fundamentação

O tribunal a quo, na sentença recorrida, considerou provados os seguintes factos:

«1. Em 21/06/202, a Entidade Demandada tomou a decisão de contratar relativa ao procedimento denominado “Ajuste Direto N.° 70011524 - Aquisição de camas Hospitalares para o Hospital ……………, EPER”. [cfr. processo administrativo - fls. 266 e ss. do processo eletrónico].

2. No Caderno de Encargos do procedimento identificado em 1., cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, estabelece-se, entre o mais, o seguinte:

«(...)

« TEXTO NO ORIGINAL»

(...)». [cfr. processo administrativo - fls. 266 e ss. do processo eletrónico].

3. O Convite do procedimento referido em 1., cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, estabelece, entre o mais, o seguinte:

«(...)
Data de apresentação e manutenção das propostas

1. As propostas e os documentos que as acompanham são apresentadas até às 23:59 horas UTC

do dia 20 de julho de 2024, através da plataforma eletrónica de contratação no site https://www.acingov.pt/,disponibilizada pela empresa acinGov.

(…)

Proposta

A proposta é a declaração pela qual o concorrente manifesta à entidade adjudicante a sua vontade de contratar e o modo pelo qual se dispõe a fazê-lo, devendo ser constituída pelos seguintes documentos:

- Declaração do concorrente de aceitação do conteúdo do caderno de encargos, elaborada em conformidade com o modelo constante do Anexo I ao DLR n.º 27/2015/A, de 29 de dezembro, que deve ser assinada pelo concorrente ou por representante que tenha poderes para o obrigar;

- A proposta e seus documentos devem ser redigidos em língua portuguesa, com indicação dos seguintes elementos:

1. O preço unitário líquido (inclui todos os custos, encargos e despesas), por algarismos e por extenso;

2. Para todos os efeitos o preço indicado por extenso prevalece sobre o preço indicado em algarismos e com menção de que acresce o IVA, e indicando-se o respetivo valor e taxa legal aplicável, entendendo-se, na falta destas indicações, que o preço apresentado não inclui o citado imposto;

3. Na proposta o concorrente pode especificar aspetos que considere relevantes para a apreciação da mesma.

A não apresentação dos documentos solicitados é motivo de exclusão da proposta.

(…)

Preço Base

Nos termos do artigo 47.º do Código dos Contratos Públicos, alterado pelo Decreto-Lei n.º 111- B/2017, de 31 de agosto do CCP, o preço base deste procedimento é de 150.000,00€ (cento e cinquenta mil euros), acrescido de IVA à taxa legal em vigor.

Critérios de Adjudicação

O critério de adjudicação será o da proposta economicamente mais vantajosa determinado através da modalidade monofator, densificado por um fator correspondente a um único aspeto da execução do contrato a celebrar, designadamente, o preço, de acordo com o disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 74º do CCP ex vi artigo 38.º do RJCPRAA.

(...)». [cfr. processo administrativo - cfr. fls. 266 e ss. do processo eletrónico].

4. No dia 11 de julho de 2024, a Entidade Demandada dirigiu convite às seguintes entidades: F....................... - Comércio ……………..-Farmacêuticos dos Açores, S.A, D……………… & Filhos, Lda., S……………., Unipessoal, Lda. e A ………….., Lda.

[cfr. processo administrativo - cfr. fls. 266 e ss. do processo eletrónico].

5. No dia 12 de julho de 2024, a Contrainteressada D……………… & Filhos Lda, pediu os seguintes esclarecimentos:

« TEXTO NO ORIGINAL»

(...)”. [cfr. fls. 47 do processo administrativo - cfr. fls. 266 e ss. do processo eletrónico].

6. No dia 17/07/2024, o júri do procedimento respondeu aos pedidos de esclarecimentos apresentados pela Contrainteressada D ………….. & Filhos, Lda. nos seguintes termos:

« TEXTO NO ORIGINAL»

(...)’’. [cfr. fls. 49 do processo administrativo - cfr. fls. 266 e ss. do processo eletrónico].

7. A Contrainteressada S……….., Unipessoal, Lda. apresentou proposta no âmbito do procedimento em apreciação, no valor de 148.524,00 EUR, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido. [cfr. fls. 50-80 do processo administrativo - cfr. fls. 266 e ss. do processo eletrónico].

8. A A…………, Lda. apresentou proposta no âmbito do procedimento em apreciação, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido. [cfr. fls. 81-148 do processo administrativo - cfr. fls. 266 e ss. do processo eletrónico].

9. A Autora apresentou proposta no âmbito do procedimento em apreciação, no valor de 109.830,00 EUR, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido. [cfr. fls. 149-159 do processo administrativo - fls. 266 e ss. do processo eletrónico].

10. A Contrainteressada D ……….. & Filhos, Lda. apresentou proposta no âmbito do procedimento em apreciação, no valor de 127.610,00 EUR, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido. [cfr. fls. 160-174 do processo administrativo - cfr. fls. 266 e ss. do processo eletrónico].

11. Em 25/07/2024, o júri do procedimento elaborou Relatório Preliminar, cujo teor se dá por aqui integralmente reproduzido, tendo proposto que a adjudicação recaísse sob a proposta da Autora. [cfr. fls. 175-178 do processo administrativo - cfr. fls. 266 e ss. do processo eletrónico].

12. Em 29/07/2024, a Contrainteressada D…………… & Filhos, Lda. pronunciou-se em sede de audiência prévia sobre o teor do Relatório Preliminar, na qual pugnou pela exclusão da proposta da Autora referindo, entre o mais, que o colchão apresentado na proposta da Autora não cumpre o requisito da altura mínima de 15 cm, conforme esclarecimentos prestados pelo júri, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido. [cfr. fls. 185-187 do processo administrativo - cfr. fls. 266 e ss. do processo eletrónico].

13. Em 08/08/2024, o júri do procedimento elaborou novo relatório preliminar, 2.° Relatório Preliminar, no qual rejeitou todos os argumentos invocados pela Contrainteressada D …………… & Filhos, Lda. para pedir a exclusão da proposta da Autora, com exceção do relativo à altura do colchão, referindo que o colchão proposto pela Autora não cumpre a altura mínima de 15 cm conforme esclarecimento prestado pelo júri, pelo que propôs a exclusão da proposta da Autora e a adjudicação da proposta à Contrainteressada D ………….. & Filhos, Lda. [cfr. fls. 179-184 do processo administrativo - fls. 266 e ss. do processo eletrónico, cujo teor se dá por integralmente reproduzido].

14. Em 19/08/2024, a Autora pronunciou-se sobre o teor do 2.° Relatório Preliminar, apresentando as razões pelas quais entende que a sua proposta cumpre todos os requisitos do Caderno de Encargos e pugnou pela exclusão da proposta da Contrainteressada D ……………… & Filhos, Lda. por esta não cumprir com as características obrigatórias impostas pelo Caderno de Encargos. [cfr. fls. 188-202 do processo administrativo - fls. 266 e ss. do processo eletrónico, cujo teor se dá por integralmente reproduzido].

15. Em 27/08/2024, o júri do procedimento elaborou Relatório Final, constando do mesmo, entre o mais o seguinte:
«(...)

« TEXTO NO ORIGINAL»

(...)

« TEXTO NO ORIGINAL»

(...)». [cfr. fls. 203-217 do processo administrativo - fls. 266 e ss. do processo eletrónico, cujo teor se dá por integralmente reproduzido].

16. Em 12/09/2024, o Conselho de Administração da Entidade Demandada aprovou o Relatório Final elaborado pelo júri do procedimento. [cfr. fls. 218 do processo administrativo - fls. 266 e ss. do processo eletrónico, cujo teor se dá por integralmente reproduzido].

17. Em 13/09/2024, a decisão de adjudicação tomada a favor da proposta da Contrainteressada D ………. & Filhos, Lda. foi comunicada, pela plataforma Acingov, à Autora, bem como às Contrainteressadas. [cfr. fls. 366-368 do processo administrativo - fls. 266 e ss. do processo eletrónico].

18. Em 20/09/2024, a Autora apresentou impugnação administrativa. [cfr. fls. 240-303 do processo administrativo - fls. 266 e ss. do processo eletrónico].

19. Em 20/09/2024, a Autora apresentou neste Tribunal, a presente ação administrativa urgente de contencioso pré-contratual. [cfr. fls. 1 e ss. do processo eletrónico].

20. Em 23/09/2024, a Entidade Demandada notificou a Contrainteressada D ……….. & Filhos, Lda., para no prazo de 5 dias se pronunciar sobre a impugnação administrativa apresentada pela Autora. [cfr. fl. 304-305 do processo administrativo - fls. 266 e ss. do processo eletrónico].


*

Inexistem factos não provados com relevância para a decisão a proferir.

*

A matéria de facto dada como assente nos presentes autos foi a considerada relevante para a decisão da causa controvertida segundo as várias soluções plausíveis das questões de direito.

A convicção do Tribunal para a determinação da matéria de facto resultou da análise crítica e ponderada de todos os meios de prova conjugados entre si e valorados na sua globalidade à luz das regras de experiência comum, em conformidade com o disposto no artigo 94.°, n.° 4 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

A formação da nossa convicção para efeitos da fundamentação dos factos atrás dados como provados teve por base os documentos juntos aos autos pelas partes e os constantes do processo administrativo, designadamente os documentos que constituem o procedimento pré-contratual de ajuste direto, os quais não foram impugnados, e ainda a posição assumida pelas partes nos articulados.”.».


*

Nos termos do disposto no artigo 662.º, n.º 1, do CPC, adita-se ao probatório a factualidade seguinte:

21. Dá-se por reproduzido o conteúdo da proposta apresentada pela autora F......................., de fls. 150 a 159 do processo instrutor, constando da mesma que a cama cujo fornecimento propõe é uma cama hospitalar, elétrica, com colchão, da marca Stryker, de cuja ficha técnica, a fls. 160 (sitaf), constam 3 opções de colchão, com alturas de 12 ou 14 cm;

22. Da mesma proposta consta, a fls. 157, que a autora declarou, entre o mais, que «o colchão encontra-se de acordo com o caderno de encargos»;


***

Em causa no presente recurso está o procedimento de ajuste direto para aquisição de camas hospitalares para o Hospital …………………… EPE.

Nos termos do que consta do probatório (ponto 2.) foram definidas as especificações técnicas das camas a fornecer e indicados como acessórios obrigatórios, entre outros, colchão quadripartido com capa sanitária impermeável e anti estática (viscoelástico)com enchimento antifogo, anti ácaros e anti bactérias.

No convite (ponto 3. do probatório) exigiu-se aos concorrentes, quanto à proposta, que observassem o seguinte:

A proposta é a declaração pela qual o concorrente manifesta à entidade adjudicante a sua vontade de contratar e o modo pelo qual se dispõe a fazê-lo, devendo ser constituída pelos seguintes documentos:

- Declaração do concorrente de aceitação do conteúdo do caderno de encargos, elaborada em conformidade com o modelo constante do Anexo I ao DLR n.º 27/2015/A, de 29 de dezembro, que deve ser assinada pelo concorrente ou por representante que tenha poderes para o obrigar;

- A proposta e seus documentos devem ser redigidos em língua portuguesa, com indicação dos seguintes elementos:

1. O preço unitário líquido (inclui todos os custos, encargos e despesas), por algarismos e por extenso;

2. Para todos os efeitos o preço indicado por extenso prevalece sobre o preço indicado em algarismos e com menção de que acresce o IVA, e indicando-se o respetivo valor e taxa legal aplicável, entendendo-se, na falta destas indicações, que o preço apresentado não inclui o citado imposto;

3. Na proposta o concorrente pode especificar aspetos que considere relevantes para a apreciação da mesma.

A não apresentação dos documentos solicitados é motivo de exclusão da proposta.

Durante o prazo para a apresentação das propostas foram solicitados, por um dos concorrentes, os esclarecimentos mencionados em 5., do probatório, entre os quais, o de saber, quanto aos acessórios, qual seria a altura mínima pretendida para o colchão, ao que o júri respondeu serem 15 cm.

A autora apresentou proposta, a qual veio a ser excluída por o júri ter entendido que a mesma não cumpria o requisito da altura mínima do colchão.

A adjudicação recaiu sobre a proposta que, entre as não excluídas, apresentava o preço mais baixo, de acordo com o critério de adjudicação da proposta economicamente mais vantajosa na modalidade monofatorial de avaliação do preço enquanto único aspeto da execução do contrato submetido à concorrência.

Impugnadas as decisões de adjudicação e de exclusão da proposta apresentada pela autora, veio o tribunal a quo a julgar a ação procedente considerando, quanto ao requisito da altura mínima do colchão, que o mesmo não integrava as peças do procedimento por ter sido fixado pelo júri ao arrepio da disciplina prevista nos artigos 50.º e 69.º, n.º 2, do CCP, que atribui ao órgão competente para decisão de contratar a competência para retificação das peças do procedimento, sem possibilidade de delegação no júri do procedimento.

E é este o centro da controvérsia.

Importa, assim, aferir se a declaração do júri, durante o prazo de apresentação das propostas, a respeito da altura mínima dos colchoes a fornecer observou a disciplina prevista nos artigos 50.º e 69.º, n.º 2, do CCP, de forma a que requisito possa ser considerado como integrante das peças do procedimento, ou seja, das especificações técnicas previstas no caderno de encargos.

Vejamos.

O princípio da estabilidade das peças do procedimento, que determina que as mesmas não possam ser alteradas no decurso do procedimento, após a sua publicitação ou disponibilização aos concorrentes, no caso de procedimentos não abertos à concorrência, é expressão do princípio da igualdade de tratamento, vertente do princípio da concorrência, e visa assegurar que todos acedem e participam no procedimento em condições de igualdade.

Todavia, são consentidos, no CCP, desvios ao princípio da estabilidade das peças do procedimento durante o prazo de apresentação das propostas (sem prejuízo de alguma doutrina admitir a possibilidade de alteração após a apresentação das propostas, em situações limitadas e que não atinjam aspetos fundamentais das peças– cfr. Pedro Gonçalves, Direito dos Contratos Públicos, Almedina, 6.ª edição, p. 543-545 –, em casos em que a própria lei incorpora no procedimento a densificação das peças ou dá à entidade adjudicante a possibilidade de definir regras logísticas e administrativas de tramitação procedimental, no caso de não serem alterados os pressupostos essenciais do procedimento – Assis Raimundo, Direito dos Contratos Públicos, vol. 1, AAFDL, 2022, p. 449).

Entre os desvios ao princípio da estabilidade das peças do procedimento estão os que resultam da possibilidade, consentida pelo CCP, no artigo 50.º, de as peças serem objeto de retificação de erros e suprimento de omissões, a par com a prestação de esclarecimentos, desde que verificados os limites temporais aí previstos, sendo que, nesses casos, os esclarecimentos e as retificações passam a integrar as peças do procedimento, prevalecendo sobre elas em caso de divergência, nos termos do n.º 9, do artigo 50.º.

No caso dos autos, a controvérsia não se situa na questão dos limites temporais previstos no artigo 50.º para a prestação dos esclarecimentos ou da retificação - no segundo terço do prazo para apresentação de propostas ou até ao termo do prazo fixado no convite – resultando dos autos que a declaração do júri a respeito da altura mínima do colchão teve lugar no 6º dia do prazo de 9 dias concedido para a apresentação das propostas (o convite foi enviado aos concorrentes a 11.07; o prazo para apresentação das propostas terminou a 20.07 e o júri respondeu ao pedido de esclarecimentos a 17.07 – cfr. 3., 4. e 6., do probatório); a controvérsia incide sobre a questão de saber se a altura mínima do colchão configura a prestação de um esclarecimento sobre as especificações técnicas ou, pelo contrário, se consubstanciou na introdução de um novo requisito, omisso nas peças do procedimento e introduzido no quadro da retificação das mesmas, através do suprimento de omissões previsto no artigo 50.º, do CCP.

A relevância da questão assenta na circunstância de, no caso de se concluir que a aludida altura mínima extravasa o âmbito dos esclarecimentos sobre as peças e integra a sua retificação, a competência respetiva pertencer ao órgão competente para a decisão de contratar e não ao júri, atenta a norma prevista no artigo 69.º, n.º 2, do CCP, que, além do mais, afasta a possibilidade de a mesma nele ser objeto de delegação.

Segundo o entendimento preconizado pelo tribunal recorrido, a altura mínima de 15 cm exigida para os colchões a fornecer consubstanciou a introdução de um novo requisito pelo júri, o qual, por não ter respeitado as normas relativas à competência, não pode integrar as peças do procedimento e, em consequência, fundar a exclusão da proposta apresentada pela autora.

Referiu-se, a propósito, na decisão sob recurso, designadamente o seguinte:

« (…) Resulta do probatório que o Caderno de Encargos do procedimento colocado em crise, -Ajuste Direto n.° 7001154, para aquisição de camas hospitalares para o Hospital ……………., E.P.E.R.-, estabelece na "Parte II - Especificações Técnicas”, um conjunto de características que as camas devem ter, e ainda os acessórios obrigatórios que as mesmas devem possuir, entre os quais se encontra o item “Colchão quadripartido com capa sanitária impermeável e anti estática (viscoelástico) com enchimento anti fogo, anti ácaros e anti bactérias” [cfr. ponto 2 do probatório].

Na sequência de interpelação da Contrainteressada D …………….. & Filhos, Lda. ao júri do procedimento, em sede de esclarecimentos, sobre a altura mínima pretendida para o colchão [cfr. ponto 5 do probatório], veio o júri a responder que devia o sobredito acessório obrigatório ter a altura mínima de 15 cm.

Posteriormente o júri veio a considerar que o esclarecimento prestado à Contrainteressada, em 17 de julho de 2024, sobre a altura mínima que devia possuir o colchão passou a fazer parte integrante das peças do procedimento, nos termos do artigo 50.°, n.° 9 do CCP, e, incumprindo a proposta da Autora esse item ocorre fundamento para a sua exclusão. Será legalmente defensável esta interpretação do júri e da Entidade Demandada?

Desde já afirmamos que não.

No Caderno de Encargos não consta qualquer exigência ou requisito que defina a altura mínima que deveria possuir o acessório obrigatório colchão. Quanto ao colchão, o Caderno de Encargos apenas estabelecia que o mesmo tinha de ser quadripartido, com capa sanitária impermeável e anti estática (viscoelástico), com enchimento anti fogo, anti ácaros e anti bactérias [cfr. ponto 2 do probatório].

Não se pode esquecer que cada regra inserta no Caderno de Encargos constitui normativo especial que o órgão adjudicante definiu e a que se autovinculou, estando assim obrigado a respeitar. O princípio da estabilidade das peças do procedimento impõe que o fixado nesses documentos não deve ser modificado após o início da tramitação do procedimento e, mais especificamente, depois da respetiva publicitação ou disponibilização. Este princípio corresponde a uma concretização de princípios mais gerais, como sejam os da concorrência, da igualdade de tratamento e da transparência. Sem prejuízo do princípio da estabilidade das peças do procedimento, dentro de certas condições e limites é viável a introdução de alterações das peças após a publicação do anúncio, o envio do convite, admitindo-se que a entidade adjudicante corrija e até complete as disposições das peças do procedimento que necessitem de clarificação ou que exijam a correção de erros materiais manifestos.

No caso em apreciação resulta do probatório que a atuação do júri do procedimento ao “esclarecer” que o colchão tinha de ter 15 cm de altura não se circunscreveu a explicitar, a tornar claro ou inteligível o que já constava das especificações técnicas do Caderno de Encargos sobre o acessório obrigatório colchão, mas sim introduziu um novo requisito.

(…)

Acresce que não colhe o argumento expendido pelo júri, e também pela Entidade Demandada, que o esclarecimento prestado em 17/07/2024, publicitado na plataforma eletrónica e comunicado a todos os concorrentes, que fixou que a altura mínima do colchão era 15 cm passou a fazer parte integrante das peças do procedimento, conforme dispõe o artigo 50.°, n.° 9 do CCP.

Pois, se o artigo 50.°, n.° 7 do CCP estabelece que o órgão competente para a decisão de contratar pode, oficiosamente, proceder à retificação de erros ou omissões das peças do procedimento, bem como prestar esclarecimentos, o artigo 69.°, n.° 2 do mesmo Código é muito claro quando refere que o órgão competente para a decisão de contratar não pode delegar no júri a competência para a retificação das peças do procedimento.

Assim, o júri do procedimento ao ter atuado da maneira que atuou, -fixação de altura mínima do colchão 15 cm-, ofendeu o artigo 69.°, n.° 2 do CCP, bem como o princípio da estabilidade e da proteção da confiança (cfr. artigo 1.°-A, n.°s 1 e 3 do CCP).

Ora, sendo a decisão de exclusão da proposta da Autora ilegal, porquanto se sustentou numa modificação inválida do Caderno de Encargos, e numa violação dos normativos e dos princípios supramencionados, tal atuação do júri repercute-se no ato impugnado, deliberação do Conselho de Administração da Entidade Demandada de 12/09/2024 [cfr. ponto 16.], que aprovou as propostas contidas no Relatório Final, tornando-a ilegal e, como tal, impõe a sua anulação, nos termos do artigo 163, n.° 1 do Código do Procedimento Administrativo (CPA), assim como dos demais atos subsequentemente praticados, designadamente o contrato que eventualmente já se tenha celebrado, tudo nos termos do artigo 283.°, n.° 2 do CCP. (…)».

O assim decidido é de acompanhar.

Na verdade, flui do probatório que nas especificações técnicas foram indicadas as características dos colchões a fornecer - colchão quadripartido com capa sanitária impermeável e anti estática (viscoelástico)com enchimento antifogo, anti ácaros e anti bactérias – sem que das mesmas se pudesse retirar qualquer alusão à altura dos colchões, em termos mínimos ou máximos, o que quer dizer que as peças eram omissas quanto a essa característica ou especificação. Sendo omissas, a resposta à pergunta dirigida ao júri a esse respeito não visou esclarecer qualquer ambiguidade ou obscuridade, que não existia. Na verdade, o legislador não obriga a entidade adjudicante a densificar e definir, no caderno de encargos, todos os aspetos da execução do contrato, ainda que se trate, como se tratava, de aspetos não submetidos à concorrência pelo caderno de encargos. Tais aspetos da execução do contrato – não submetidos à concorrência, podem não estar definidos no caderno de encargos, cabendo ao concorrente, dentro dos limites de conformação da sua vontade contratual, definir os termos em que pretende vincular-se perante a entidade adjudicante.

Donde, da circunstância de as especificações técnicas respeitantes aos colchões serem omissas a respeito da altura pretendida para os colchões não decorre qualquer ambiguidade que careça de esclarecimento pela entidade adjudicante.

Tal não significa, porém, que tal omissão não possa ser suprida ao abrigo da disciplina prevista no artigo 50.º, do CCP, desde que respeitados os limites, temporais e de competência previstos no Código e, naturalmente, que esteja em causa uma omissão relevante para a execução do contrato a celebrar, a apurar no quadro, designadamente, do princípio da proporcionalidade, atento o impacto na preparação e elaboração das propostas e no prazo para tal disponível, aspeto sobre o qual não nos debruçaremos por não integrar as questões a decidir no âmbito do presente recurso.

Sucede que, no caso, estando em causa a retificação das peças, através da definição da altura mínima a observar no fornecimento dos colchões, não foi observada a regra de competência prevista no artigo 69.º, n.º 2, do CCP, que afasta a competência do júri para a retificação das peças do procedimento e para a decisão sobre erros e omissões identificados pelos interessados. A inobservância da competência para a retificação das peças conduz à invalidade da referida retificação e, em consequência, dos atos que a tiveram como pressuposto, como os atos impugnados – o que determinou a exclusão da proposta apresentada pela autora e o ato de adjudicação, que para além de não ter avaliado a proposta apresentada pela autora, avaliou as propostas apresentadas de acordo com uma especificação técnica invalidamente introduzida.

A respeito da questão das retificações às peças do procedimento feitas pelo júri pronunciou-se já este TCA Sul, no acórdão proferido a 8.04.2021 (P.º 947/20.8BELSB), em cujo sumário se referiu, designadamente que:

« (…)

IV - O CCP, na actual redacção, introduzida pelo Decreto-Lei n.º 111-B/2017, de 31/08, permite quer a rectificação quer a correcção de erros - ainda que manifestos e ostensivos – das peças do procedimento, desde que tais rectificações e correcções sejam feitas pela entidade competente e dentro dos prazos legais;

V- Porém, nos termos dos art.ºs 50.º, n.ºs 2, al. a), 7, 69.º, n.º 2 e 116.º, do CCP, a rectificação das peças do procedimento tem de ser efectuada pelo órgão competente para a decisão de contratar (cf. também os art.ºs 40.º, n.º 1, al. a), 2, 116.º do CCP);

(…) o destacado é nosso»

A recorrente insurge-se, ainda, quanto ao decidido a respeito da condenação a adjudicar o contrato à proposta da autora, na medida em que, por um lado, não foi pedida a anulação do relatório final e, por outro, a adjudicação tem que ser precedida da verificação dos requisitos técnicos das propostas, com elaboração de nova ordenação e posterior adjudicação.

Compulsada a sentença recorrida verifica-se que, a par com a anulação dos atos impugnados foi determinada a condenação da entidade demandada a retomar o procedimento pré-contratual e, no contexto do dever de reconstituição da situação jurídica, admitir a proposta da autora e adjudicar o fornecimento à proposta por si apresentada.

Mas este segmento não pode manter-se, desde logo em razão do fundamento que determinou a anulação dos atos de exclusão e de adjudicação – a invalidade da especificação relativa à altura mínima dos colchões; tendo os atos sido anulados com este fundamento, não pode ser determinada a adjudicação, uma vez que a execução do julgado anulatório, ao implicar a reconstituição da situação que existiria se os atos inválidos não tivessem sido praticados, incluindo-se aqui a cláusula inválida do caderno de encargos, cujo conhecimento nos presentes autos, a título incidental e enquanto fundamento dos pedidos anulatórios, não pode deixar de relevar nessa sede, determinará que o procedimento retorne ao momento da aprovação, ilegal, da retificação ao caderno de encargos relativa à altura mínima dos colchões, sanando a invalidade de que padecia ou eliminado a referida exigência, e reabrindo o momento da apresentação das propostas, pois que foram apresentadas no pressuposto da sua vigência e validade.

Assim, não pode o tribunal condenar a adjudicar o fornecimento à proposta apresentada pela autora, devendo a sentença ser revogada, nesse segmento, julgando improcedente o pedido de condenação a adjudicar o contrato à autora.

Procedendo o recurso quanto aos pedidos impugnatórios não há que conhecer da ampliação do objeto do recurso, uma vez que esta se destinava a apreciar a verificação de uma causa de invalidade adicionalmente apontada pela autora aos atos impugnados.

Deve, assim, conceder-se parcial provimento ao recurso, confirmar-se a sentença recorrida no segmento anulatório dos atos impugnados – de exclusão da sua proposta e de adjudicação à proposta apresentada pela contrainteressada – e revogar-se o segmento condenatório na admissão da proposta da autora e adjudicação do contrato a essa proposta.

As custas serão suportadas pela recorrente e pela recorrida em razão do decaimento, que foi de 1/3 e 2/3, respetivamente (cfr. artigo 527.º, n.º 1, do CPC).

Decisão

Por tudo o que vem de ser expendido, acordam em conferência os juízes que compõem a presente formação da subsecção de Contratos Públicos da secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul em conceder parcial provimento ao recurso, confirmar a sentença recorrida no segmento anulatório dos atos de adjudicação e de exclusão da proposta da autora e revogar o segmento que condenou a retomar o procedimento, admitir a proposta da autora e adjudicar-lhe o contrato.

Custas pela recorrente e pela recorrida, na proporção do decaimento, que foi de 1/3 e 2/3, respetivamente (artigo 527.º, n.º 1, do CPC).

Registe e notifique.

Lisboa, 29 de maio de 2025


Ana Carla Teles Duarte Palma (relatora)

Paula de Ferreirinha Loureiro

Jorge Pelicano