Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os juízes desembargadores da Subsecção Administrativa Comum, do Tribunal Central Administrativo Sul:
1. Relatório
E… (doravante A. ou Recorrida) instaurou, no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, ação administrativa urgente de impugnação de ato contra a Agência para a Integração, Migrações e Asilo – AIMA, I.P. (doravante Entidade Demandada ou Recorrente), peticionando a “anulação da decisão, de 11/11/2024, do Presidente do Conselho Diretivo da entidade demandada, que considerou infundado o pedido de proteção internacional que apresentou em Portugal e a condenação da entidade demandada a admitir o pedido prosseguindo com o procedimento para instrução”.
Por sentença proferida em 18 de março de 2025, o referido Tribunal, após ter suscitado oficiosamente a incompetência do Presidente do Conselho Diretivo da AIMA para a prática do ato, “anulo[u] o ato, datado de 18/11/2024, do Presidente do Conselho Diretivo da entidade demandada descrito em 4), da matéria de facto”.
Inconformada, a AIMA, I.P. interpôs recurso jurisdicional dessa decisão para este Tribunal Central Administrativo, concluindo nos seguintes termos:
“A. Entendeu o Tribunal "a quo", por Sentença datada de 18 de março de 2025, "anular o ato, datado de 18/11/2024, do Presidente do Conselho Diretivo da entidade demandada.", estribando-se na fundamentação que aqui se dá por integralmente reproduzida, e se considera parte integrante das presentes alegações, mormente considerando que:
"A competência é um pressuposto do ato administrativo atinente à formação da vontade da administração, logo, ao conteúdo do ato impugnado, pelo que, sendo controvertida a verificação de um vício pertinente à competência, o conhecimento do mesmo precede logicamente os demais e a sua procedência preclude o conhecimento dos demais vícios.
O art.° 24, n° 4, da LPI - aplicável porque o pedido de proteção internacional foi apresentado num posto de fronteira - atribui competência para a prática do ato impugnado ao Conselho Diretivo da entidade demandada. O ato foi praticado pelo Presidente do conselho Diretivo da entidade demandada ..., sem invocar qualquer instituto que permita derrogar a norma prevista no artigo 24, n° 4, da LPI
Deste modo, o ato deve ser anulado e, em sede de execução, cabe ao Conselho Diretivo da entidade demandada praticar novo ato.
Em sentido idêntico e numa situação semelhante o Tribunal Central Administrativo Sul, no acórdão tirado no processo n° 1723/21.6BELSB, explica que a administração: "(...) não pode (...) sucessiva e sistematicamente ser desresponsabilizada pelo incumprimento das regras aplicáveis á delegação de competência e suplência a pretexto da suposta das invalidades praticadas em meras irregularidades"
Finalmente, não é possível concluir pelo preenchimento das previsões normativas do art.° 163°, n° 4, do CPA2015, uma vez que as relevantes normas exigem o preenchimento valorativo dos conceitos jurídicos indeterminados, os quais acarretam uma margem de livre apreciação, a qual permite asseverar que o ato teria o mesmo conteúdo caso tivesse sido praticado pelo órgão competente, o qual é um órgão colegial e, portanto, cuja vontade decisória depende n de um conjunto de vontades individuais - cf., neste sentido, acórdão do tribunal Central Administrativo Sul, processo 1723721.6BELSB.
(...)
Anulo o ato, datado de 18/11/2024, do Presidente do Conselho Diretivo da entidade demandada descrito em 4), da matéria de fato."
B. Concluindo-se então na douta Sentença que:
"Anulo o ato, datado de 18/11/2024, do Presidente do Conselho Diretivo da entidade demandada descrito em 4), da matéria de fato."
C. Não se conformando com a decisão proferida, a aqui recorrente vem interpor o presente recurso para esse douto Tribunal, apresentando, com a devida vénia as competentes alegações.
D. Efetivamente, a Lei de Asilo, prevê no seu articulado, nomeadamente no art.° 24° n° 4, para os pedidos de proteção internacional efetuados nos postos de fronteira que "O conselho Diretivo da AIMA, IP, profere decisão fundamentada sobre os pedidos...".
E. No caso dos autos, a decisão foi assinada pelo Presidente do Conselho Diretivo da AIMA, e posteriormente notificada ao recorrido, nos termos legais.
F. Sendo certo, que a lei determina que a competência para a prática do ato em causa é o do órgão colegial, a verdade é que tal obrigação não se compadecia com a prática diária e sucessiva de assinatura de decisões/deliberações que envolvesse todos os elementos do Conselho Diretivo, tendo-se assim optado pela aposição de uma assinatura certa, in casu a do Presidente do Conselho, fato que levou o douto Tribunal a anular o ato administrativo por observância do vício de incompetência.
G. Porém, atualmente o vício apontado, encontra-se sanado, em virtude de ter sido publicado em Diário da República n° 65, Série II de 2025-04-02, a Deliberação n° 490/2025, de 7 de março de 2025 (cfr. Doc.1) com o Sumário: Delegação de competências do conselho diretivo da Agência para a Integração, Migrações e Asilo, I.P, e ratificação de atos individualmente praticados.
H. Foi publicado em Diário da República n.° 111/2022, Série II de 2024-06-11 a Deliberação n° 772/2024 de 26 de janeiro, com a epígrafe «Nova Delegação de Competências do Conselho Diretivo da AIMA, I.P. (AIMA, I.P.)».
I. Na referida Deliberação consta expressamente no seu parágrafo 2° que "delibera o Conselho Diretivo da AIMA, IP, proceder à delegação de poderes necessários á prossecução das responsabilidades em matéria de proteção internacional, no Vogal do conselho Diretivo, M…, podendo nas suas ausências e impedimentos ser substituído pelo Presidente do Conselho Diretivo, P…, (...) com a faculdade de delegar e subdelegar, para a pratica dos atos relativos: 1) à Atuação do centro nacional para o Asilo e refugiados, AIMA, designadamente: (...) iii) decidir sobre a inadmissibilidade dos pedidos de asilo apresentados nis postos de fronteira, prevista no n° 4 do art° 24 da Lei n° 27/2008, de 30 de junho, republicada pelas Leis n° 26/2014 de 5 de maio, n° 18/22 de 25 de agosto, Decreto-Lei n° 41/2023 de 2 de julho, Leis 41/2023 de 10 de agosto e n° 53/2023 de 31 de Agosto."
J. No ponto 2) da referida deliberação é referido que "Todos os atos individualmente praticados no âmbito da Lei n° 27/2008, de 30 de junho, republicada pelas Leis n° 26/2014 de 5 de maio, n° 18/22 de 25 de agosto, Decreto-Lei n° 41/2023 de 2 de julho, Leis 41/2023 de 10 de agosto e n° 53/2023 de 31 de Agosto, pelos membros do Conselho Diretivo, desde o dia da sua nomeação, quer no âmbito das competências próprias do Conselho Diretivo, quer no âmbito das competências ora delegadas, que não possam ter eficácia retroativa, consideram-se ratificados ao abrigo do disposto no n° 3 do artigo 164° do CPA."
K. Por sua vez o despacho de nomeação do atual Conselho diretivo da Agência para a Integração, Migrações e Asilo, foi objeto de publicação em Diário da República n.° 153/2024, Série I de 2024-08-08, que integrou a Resolução do Conselho de Ministros n.° 103/2024.
L. Daqui se infere que o ato administrativo, em crise, praticado pelo Presidente do Conselho Diretivo em 14 de novembro de 2024, encontra, por via da ratificação, sanado do vicio de incompetência, prevendo-se, s.m.o. desse douto Tribunal, que o mesmo possa produzir todos os seus legais efeitos.
M. Assim, reiterando tudo quanto foi vertido em sede de contestação, a qual se alicerçou nos argumentos ínsitos na Informação/Proposta 2536/CNAR-AIMA/2024 de 11 de novembro de 2024, bem como no processo administrativo que aqui se dá por integralmente reproduzido e se considera parte integrante das presentes alegações, entende a aqui recorrente que se encontram reunidas as condições para análise do mérito, devendo para tal ser determinada a baixa dos presentes autos à primeira instância, por forma a prosseguir os seus tramites, nomeadamente concluir pela improcedência do peticionado pelo A. em sede de impugnação da decisão de não admissibilidade do pedido de proteção internacional.
N. Termos em que se roga a esse Douto Tribunal seja revogada a Sentença ora recorrida, uma vez que se encontra sanado o vício de incompetência por meio de ratificação do ato administrativo em crise, no Diário da República n° 65, Série II de 2025-04-02, Deliberação n° 490/2025, de 7 de março de 2025, e bem assim baixem os autos à primeira instância para aferição da inadmissibilidade do pedido de proteção internacional.
Nestes termos, e no mais de direito, deve o presente recurso e pedido formulado ser julgados procedentes com todas as legais consequências.”
A Recorrida, notificada para o efeito, não apresentou contra-alegações.
O recurso foi admitido com subida imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo.
O Ministério Público junto deste TCA Sul, notificado nos termos e para efeitos do disposto no n.º 1, do artigo 146.º do CPTA, emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
Notificadas do aludido parecer, as partes nada disseram.
Prescindindo-se dos vistos legais, atento o carácter urgente do processo, mas com envio prévio do projeto de acórdão aos juízes desembargadores adjuntos (em turno), foi o processo submetido à conferência para julgamento.
2. Delimitação do objeto do recurso
Considerando que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do apelante, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (cfr. artigos 144.º, n.º 2 e 146.º, n.º4 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), 608.º, n.º2, 635.º, nºs 4 e 5 e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC ex vi artigos 1.º e 140.º do CPTA), a questão que a este Tribunal cumpre apreciar é a de saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de direito quanto a considerar verificado o vício de incompetência relativa.
3. Fundamentação de facto
3.1. Na decisão recorrida deram-se como provados os seguintes factos:
“1) Em 07/11/2024, quando da segunda linha de controlo documental na fronteira do aeroporto de Lisboa, a requerente pediu proteção internacional em Portugal [cf. fls. 3-55, do processo administrativo].
2) Em 11/11/2024 a requerente prestou declarações perante um funcionário da entidade demandada, em português, as quais se encontram documentadas a fls. 58 a 62, do processo administrativo, que se dão aqui por integralmente reproduzidas.
3) Em 14/11/2024 os serviços da entidade demandada elaboraram a informação/proposta com o n.º 2536/CNAR-AIMA/2024, com o teor de fls. 64 a 70, do processo administrativo, da qual consta o seguinte:
«(…)
(…)».
4) No campo superior direito do documento descrito no ponto anterior no campo “Despacho” foi aposta a palavra “Concordo” seguida da assinatura digital de P…, datada de 18/11/2024, sem mencionar delegação de competências, suplência, substituição ou razões de urgência [cf. fls. 64, do processo administrativo].”
3.2. Consignou-se na sentença a respeito dos factos não provados,
“Inexistem outros factos com relevância para a decisão da causa.”
3.3. Com vista à apreciação do recurso, e ao conhecimento em substituição, alteram-se os pontos 1 a 3 da matéria de facto nos seguintes termos,
1. Em 07/11/2024 é cidadã de Angola e chegou a território nacional proveniente de Washington Dulle, tendo-lhe sido recusada, na linha de controlo documental na fronteira do aeroporto de Lisboa a entrada em território nacional por falta de documento de viagem reconhecido como válido, tendo aí a requerente pedido proteção internacional em Portugal [cf. fls. 3-55, do processo administrativo].
2) Em 11/11/2024 a requerente prestou declarações perante um funcionário da entidade demandada, em português, lavrando-se auto de que se extrai,
«Imagem em texto no original»
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- fls. 58 a 62 do p.a.
3) Em 14/11/2024 os serviços da entidade demandada elaboraram a informação/proposta com o n.º 2536/CNAR-AIMA/2024, com o teor de fls. 64 a 70, do processo administrativo, da qual consta o seguinte:
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- fls. 64 e ss. do p.a.
4. Fundamentação de direito
4.1. Da junção de documentos com o recurso
A Recorrente juntou às suas alegações um documento, correspondente à Deliberação n.º 490/2025, de 7.3.2025, publicitada no Diário da república, 2.ª Série, n.º 65 de 2.4.2025.
Como resulta do n.º 1 do artigo 651.º do CPC “as partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o artigo 425.º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância.”
Prevendo-se no art.º 425.º do CPC que “Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento”.
A respeito destes normativos sumariou-se no Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra de 18.11.2014, proc. 628/13.9TBGRD.C1 que,
«I – Da articulação lógica entre o artigo 651º, nº 1 do CPC e os artigos 425º e 423º do mesmo Código resulta que a junção de documentos na fase de recurso, sendo admitida a título excepcional, depende da alegação e da prova pelo interessado nessa junção de uma de duas situações: (1) a impossibilidade de apresentação do documento anteriormente ao recurso; (2) ter o julgamento de primeira instância introduzido na acção um elemento de novidade que torne necessária a consideração de prova documental adicional.
II – Quanto ao primeiro elemento, a impossibilidade refere-se à superveniência do documento, referida ao momento do julgamento em primeira instância, e pode ser caracterizada como superveniência objectiva ou superveniência subjectiva.
III – Objectivamente, só é superveniente o que historicamente ocorreu depois do momento considerado, não abrangendo incidências situadas, relativamente a esse momento, no passado. Subjectivamente, é superveniente o que só foi conhecido posteriormente ao mesmo momento considerado.
IV – Neste caso (superveniência subjectiva) é necessário, como requisito de admissão do documento, a justificação de que o conhecimento da situação documentada, ou do documento em si, não obstante o carácter pretérito da situação quanto ao momento considerado, só ocorreu posteriormente a este e por razões que se prefigurem como atendíveis.
V – Só são atendíveis razões das quais resulte a impossibilidade daquela pessoa, num quadro de normal diligência referida aos seus interesses, ter tido conhecimento anterior da situação ou ter tido anteriormente conhecimento da existência do documento.
VI – Quanto ao segundo elemento referido em I deste sumário, o caso indicado no trecho final do artigo 651º, nº 1 do CPC (a junção do documento ter-se tornado necessária em virtude do julgamento proferido na primeira instância), pressupõe a novidade da questão decisória justificativa da junção do documento com o recurso, como questão operante (apta a modificar o julgamento) só revelada pela decisão recorrida, o que exclui que essa decisão se tenha limitado a considerar o que o processo já desde o início revelava ser o thema decidendum.»”
Resulta do exposto que a junção de documento em sede de recurso só pode admitir-se a título excecional, quando a sua apresentação não tiver sido possível até àquele momento (cfr. artigo 425.º do CPC) ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância, devendo aquele que pretende a junção, para o efeito, alegar e provar a verificação das referidas condições.
Ora, o Recorrente, nas suas alegações, sustenta que foi deliberada pelo seu Conselho Diretivo a ratificação dos atos praticados pela referida deliberação de 7.3.2025 publicitada no Diário da República, 2.ª Série, n.º 65 de 2.4.2025, razão pela qual o ato não padece do vício de incompetência relativa.
Não está em causa a superveniência objetiva, porque a referida deliberação, apesar de apenas publicitada em 2.4.2025, foi tomada em 7.3.2025, ou seja, antes de proferida a sentença (em 18.3.2025).
Contudo, tendo o Tribunal a quo concluído pela incompetência relativa - exceção que, oficiosamente, suscitou -, sem atender ao ato de ratificação entretanto praticado, cremos que a alegação é suficiente para consubstanciar a necessidade da junção em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância.
Admite-se, pois, a junção do documento.
4.2. Da incompetência relativa
Insurge-se a Recorrente, AIMA, contra a sentença que, julgando verificado o vício de incompetência relativa decorrente do facto de, prevendo-se no artigo 24.°, n.° 4, da Lei n.º 27/2008, de 30.6, que a competência para a prática do ato impugnado é do Conselho Diretivo da AIMA, este ter sido praticado pelo Presidente do Conselho Diretivo da entidade demandada “sem invocar qualquer instituto que permita derrogar a norma prevista no artigo 24.°, n.° 4, da LPI.”. Alega, no essencial, que por força da Deliberação n° 490/2025, de 7 de março de 2025, publicada no Diário da República n° 65, Série II de 2025-04-02 e da Deliberação n° 772/2024 de 26 de janeiro, publicada Diário da República n.° 111/2022, Série II de 2024-06-11, que procedeu à delegação de competências do Conselho Diretivo e ratificação de atos, o ato impugnado, praticado pelo Presidente da AIMA, foi ratificado pelo Conselho Diretivo da AIMA, suprindo assim a incompetência daquele.
E assiste-lhe, efetivamente, razão, não se podendo manter o julgado.
Uma das condições de validade dos atos administrativos reside em que ele seja praticado por quem tem competência para o efeito. Entendendo-se por incompetência “a prática de ato por órgão que, para efeito, não dispõe de poder legal e pode ser absoluta ou relativa. A incompetência absoluta consubstancia-se na prática por um órgão de uma pessoa colectiva pública de um acto incluído nas atribuições de outra pessoa colectiva pública ou de um ministério, no caso da pessoa colectiva Estado. Se é um órgão que pratica um acto administrativo da competência de outro órgão da mesma pessoa colectiva estamos perante a hipótese de incompetência relativa.” (Ac. do STA de 15.11.2012, proferido no processo 0450/09, disponível em https://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/7736b394d840980f80257abf0055e468?OpenDocument&ExpandSection=1).
Sem prejuízo, prevê-se no artigo 44.º, n.º 1 do CPA que “[o]s órgãos administrativos normalmente competentes para decidir em determinada matéria podem, sempre que para tal estejam habilitados por lei, permitir, através de um ato de delegação de poderes, que outro órgão ou agente da mesma pessoa coletiva ou outro órgão de diferente pessoa coletiva pratique atos administrativos sobre a mesma matéria.”. Resultando, ainda, da conjugação dos n.ºs 3 e 4 desse normativo que mediante um ato de delegação de poderes, os órgãos colegiais para decidir em determinada matéria podem sempre permitir que o respetivo presidente pratique atos de administração ordinária nessa matéria, salvo havendo lei de habilitação especifica que estabeleça uma particular repartição de competências entre os diversos órgãos.
Daí que, salvo poderes ou competências indelegáveis por natureza ou por lei (artigo 45.º do CPA), o órgão competente pode delegar a sua competência noutro órgão ou agente, devendo o ato de delegação obedecer aos requisitos previstos no artigo 47.º do CPA e estando sujeito a publicação.
Como deu nota o Tribunal recorrido, porque estamos perante pedido de proteção internacional apresentado em posto de fronteira [facto 1)], dispõe-se no n.º 4 do artigo 24.º da Lei n.º 27/2008, que “[o] conselho diretivo da AIMA, I. P., profere decisão fundamentada sobre os pedidos no prazo máximo de sete dias”.
Mas, como resulta do facto 4, o ato que considerou infundado o pedido de proteção internacional da A. foi praticado em 18.11.2024 pelo Presidente do Conselho Diretivo da AIMA, sem que aí se mencionasse a delegação de competências em conformidade com o artigo 48.º, n.º 1 do CPA, nem se evidenciando, por via da publicação, que previamente à sua prática o Conselho Diretivo tenha delegado no seu Presidente a competência para proferir decisão no âmbito dos pedidos de proteção internacional.
O que significaria, portanto, que, tal como concluiu o Tribunal a quo, o ato se encontraria viciado por incompetência relativa.
Sucede que pela Deliberação n.º 490/2025 do Conselho Diretivo da AIMA, de 7 de março de 2025, publicada no Diário da República, 2.ª série, n.º 65 de 2 de abril de 2025, foi deliberado considerar ratificados, ao abrigo do artigo 164.º, n.º 3 do CPA, “todos os atos individualmente praticados no âmbito da Lei n.º 27/2008, de 30 de junho, republicada pelas Leis n.º 26/2014 de 5 de maio, n.º 18/22 de 25 de agosto, Decreto-Lei n.º 41/2023 de 2de julho, Leis n.º 41/2023 de 10 de agosto e n.º 53/2023 de 31 de Agosto, pelos membros do Conselho Diretivo, desde o dia da sua nomeação, quer no âmbito das competências próprias do Conselho Diretivo, quer no âmbito das competências ora delegadas, que não possam ter eficácia retroativa”.
Ou seja, antes da prolação da sentença (embora apenas publicitada após esta) foi proferido ato de ratificação(-sanação) «pelo qual o órgão competente decide sanar um acto anulável antes praticado, mantendo o seu conteúdo decisório, mas suprindo as ilegalidades formais ou procedimentais que o viciam, inclusivamente quanto à competência, assim transformando um acto ilegal noutro válido perante a ordem jurídica.» (Marcelo Caetano, in Manual de Direito Administrativo, volume I, 10.º Edição, 1965, Coimbra Editora, pág. 557).
Assim, impunha-se considerar o ato pelo qual o órgão competente – Conselho Diretivo da AIMA - sanou o vício de incompetência (relativa) do ato praticado pelo seu Presidente e que, à data da sua prática, não dispunha para o efeito de competência.
Daí advindo que a sentença que anulou o ato impugnado por vício de incompetência (relativa) não se pode manter.
* Cumpre, pois, ao abrigo do disposto no artigo 149.º, n.º 1 do CPTA, conhecer em substituição do mérito da ação.
4.3. Do conhecimento em substituição
A A. insurge-se contra o ato que considerou infundado o seu pedido de proteção internacional sustentando, em síntese, que a sua situação tem enquadramento no direito à concessão de asilo nos termos do artigo 3.º da Lei n.º 27/2008, de 30 de junho, e 1.º da convenção de Dublin, devendo beneficiar do estatuto de refugiada porquanto alegou como motivos do seu pedido o facto de ser vítima de perseguição por um polícia, por motivos relacionados com a sua religião e origem e não ter cidadania americana, sofrendo de racismo e xenofobia no país onde reside e sendo os Estados Unidos incapazes de dar resposta à situação dos refugiados. Mais aduz que o seu país de origem – Angola – é um dos mais perigosos do mundo.
Sustenta que a decisão incorre em défice instrutório porquanto cabia à AIMA indagar junto das autoridades americanas se o polícia tem histórico de crimes e o estado dos processos criminais que denunciou, instruindo oficiosamente o procedimento com informação atualizada sobre se no estado americano existem indícios de estar a ser perseguida. Incumbindo ainda à AIMA averiguar junto das autoridades angolanas se estavam reunidas as condições para que não tenha que voltar a um dos países com mais criminalidade do mundo.
Considera que a decisão impugnada nada refere a propósito das diligências tomadas na averiguação concreta da situação da requerente no estado americano, não sendo possível aferir da existência ou não de um risco atual, direto ou indireto, de ser sujeita a tratamento desumano ou degradante.
Aduz que a decisão é omissa quanto à situação concreta da Requerente e de atos legalmente obrigatórios. Devendo ser ponderado concretamente o risco de refoulement de molde a aferir se a sua situação tem enquadramento na previsão do artigo 3.º, n.º 2, 2.º parágrafo do Regulamento de Dublin.
A AIMA, em sede de resposta, pugnou pela improcedência da ação aduzindo que a Requerente não aduziu factos que conduzissem ao reconhecimento do estatuto de refugiado, pois que não demonstra, relativamente ao país de origem, ter sido perseguida, ameaçada, discriminada ou vitima de atos com carácter persecutório individual, por motivos relacionados com a raça, nacionalidade, credo religioso, opinião política ou pertença étnica ou a qualquer grupo social, nem que tenha desenvolvido qualquer atividade em favor da democracia, libertação social e nacional, da paz entre os povos, da liberdade e dos direitos da pessoa humana. Não tendo, ainda, a Requerente demonstrado a existência de qualquer circunstância alheia à sua vontade que a impossibilitasse de se valer da proteção das autoridades do seu país ou invocado que a referida proteção lhe tivesse sido negada.
Afirmou, ainda, que recolhida informação quanto à situação atual do país e as declarações da Requerente, estas eram insuscetíveis de preencherem os requisitos para a proteção subsidiária.
Donde, preenchidos os pressupostos das alíneas e) e f) do n.º 1 do artigo 19.º e do n.º 4 do artigo 24.º da Lei 27/08, de 30 de junho, o pedido é de considerar infundado.
Vejamos.
Do erro nos pressupostos (direito a proteção internacional e violação do princípio do non refoulement)
Resulta do ato impugnado que o pedido de proteção internacional formulado pela Requerente foi considerado infundado ao abrigo do artigo 19.º, n.º 1 da Lei n.º 27/2008, de 30 de junho e por isso sujeito a tramitação acelerada da “análise das condições a preencher para beneficiar do estatuto de proteção internacional”, por se verificar que “[a]o apresentar o pedido e ao expor os factos, o requerente invoca apenas questões não pertinentes ou de relevância mínima para analisar o cumprimento das condições para ser considerado refugiado ou pessoa elegível para proteção subsidiária” [al. e)] e que “o requerente provém de um país de origem seguro” [al. f)].
Para tanto considerou-se que as declarações por si prestadas são pouco coerentes e plausíveis, não apresentando uma explicação satisfatória para os factos alegados, porquanto as alegações da Requerente respeitam a uma alegada perseguição por parte de um polícia nos Estados Unidos da América na sequência da denúncia que fez quanto à inércia das autoridades policiais na abertura de processo criminal após ter sido vítima do crime de violação, sem que, contudo, tenha apresentado qualquer documento comprovativo. E que, não obstante declarar que o polícia a perseguia e pretendia matar após tal denúncia, não indica nenhuma situação que revele tal intencionalidade, nem tão pouco que o polícia a tenha abordado diretamente, mas apenas situações que respeitam a violação de domicílio e privacidade, não apresentando qualquer prova que permita relacionar tais atos com o referido polícia.
Mais se entendeu que tudo aponta para que as queixas que apresentou às entidades policiais estejam a ter andamento, pois continuou a recorrer a tais entidades, não resultando que não tivesse proteção interna ou que os EUA não tivessem capacidade para lhe conferir proteção.
Reputou-se, ainda, que não alegou nenhum ato concreto de perseguição religiosa, relatando apenas um episódio ocorrido em 2020 em que o seu chefe a questionou sobre os fundamentos da sua religião.
Entendeu-se que não invocou qualquer motivo grave para não se considerar o seu país de origem seguro. Sustentando-se que a Requerente alegou não ter família nem condições para viver em Angola, mas além de posteriormente ter indicado que o pai vive em Angola, verificou-se que o mesmo terá condições de sobrevivência condignas pois ocupou cargos de relevo no governo, é Professor na Universidade Católica de Angola e Presidente da Comissão de Direito Internacional da União Africana, o que permitiu que a requerente fosse portadora de passaporte diplomático. Nada obstando a que possa retornar a Angola, dado que, aliás, é possuidora de salvo conduto, que a própria solicitou para entrar em Angola para tratar da sua documentação.
Prevê-se no art.º 3.º da Lei n.º 27/2008 que,
“1 - É garantido o direito de asilo aos estrangeiros e aos apátridas perseguidos ou gravemente ameaçados de perseguição, em consequência de atividade exercida no Estado da sua nacionalidade ou da sua residência habitual em favor da democracia, da libertação social e nacional, da paz entre os povos, da liberdade e dos direitos da pessoa humana.
2 - Têm ainda direito à concessão de asilo os estrangeiros e os apátridas que, receando com fundamento ser perseguidos em virtude da sua raça, religião, nacionalidade, opiniões políticas ou integração em certo grupo social, não possam ou, por esse receio, não queiram voltar ao Estado da sua nacionalidade ou da sua residência habitual.
(…)
4 - Para efeitos do n.º 2, é irrelevante que o requerente possua efetivamente a característica associada à raça, religião, nacionalidade, grupo social ou político que induz a perseguição, desde que tal característica lhe seja atribuída pelo agente da perseguição.”
O art.º 5 deste diploma, epigrafado “Atos de perseguição”, estipula que,
“1 - Para efeitos do artigo 3.º, os atos de perseguição suscetíveis de fundamentar o direito de asilo devem constituir, pela sua natureza ou reiteração, grave violação de direitos fundamentais, ou traduzir-se num conjunto de medidas que, pelo seu cúmulo, natureza ou repetição, afetem o estrangeiro ou apátrida de forma semelhante à que resulta de uma grave violação de direitos fundamentais.
2 - Os atos de perseguição referidos no número anterior podem, nomeadamente, assumir as seguintes formas:
a) Atos de violência física ou mental, inclusive de natureza sexual;
b) Medidas legais, administrativas, policiais ou judiciais, quando forem discriminatórias ou aplicadas de forma discriminatória;
c) Ações judiciais ou sanções desproporcionadas ou discriminatórias;
d) Recusa de acesso a recurso judicial que se traduza em sanção desproporcionada ou discriminatória;
e) Ações judiciais ou sanções por recusa de cumprir o serviço militar numa situação de conflito na qual o cumprimento do serviço militar implicasse a prática de crime ou ato suscetível de provocar a exclusão do estatuto de refugiado, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 9.º;
f) Atos cometidos especificamente em razão do género ou contra menores.
3 – (…)
4 - Para efeitos do reconhecimento do direito de asilo tem de existir um nexo entre os motivos da perseguição e os atos de perseguição referidos no n.º 1 ou a falta de proteção em relação a tais atos.”
Nos termos da al. n) do art.º 2, n.º 1 deste diploma, os “motivos da perseguição” que fundamentam o receio fundado de o requerente ser perseguido “devem ser apreciados tendo em conta as noções de raça, religião, nacionalidade e grupo que resultam das alíneas i) a v) do normativo, considerando-se agentes de perseguição, conforme o n.º 1 do art.º 6.º, o Estado [al. a)], os partidos ou organizações que controlem o Estado ou uma parcela significativa do respetivo território [al. b)] e “os agentes não estatais, se ficar provado que os agentes mencionados nas alíneas a) e b) são incapazes ou não querem proporcionar proteção contra a perseguição” [al. c)], considerando-se “que existe proteção sempre que os agentes mencionados nas alíneas a) e b) do número anterior adotem medidas adequadas para impedir, de forma efetiva e não temporária, a prática de atos de perseguição por via, nomeadamente, da introdução de um sistema jurídico eficaz para detetar, proceder judicialmente e punir esses atos, desde que o requerente tenha acesso a proteção efetiva” (art.º 6.º, n.º 2 ).
Por seu turno o art.º 7.º prevê a proteção subsidiária, nos seguintes termos,
“1 - É concedida autorização de residência por proteção subsidiária aos estrangeiros e aos apátridas a quem não sejam aplicáveis as disposições do artigo 3.º e que sejam impedidos ou se sintam impossibilitados de regressar ao país da sua nacionalidade ou da sua residência habitual, quer atendendo à sistemática violação dos direitos humanos que aí se verifique, quer por correrem o risco de sofrer ofensa grave.
2 - Para efeitos do número anterior, considera-se ofensa grave, nomeadamente:
a) A pena de morte ou execução;
b) A tortura ou pena ou tratamento desumano ou degradante do requerente no seu País de origem; ou
c) A ameaça grave contra a vida ou a integridade física do requerente, resultante de violência indiscriminada em situações de conflito armado internacional ou interno ou de violação generalizada e indiscriminada de direitos humanos.
3 - É correspondentemente aplicável o disposto no artigo anterior.”
O princípio do non-refoulement, concretizado neste artigo 7.º da Lei n.º 27/2008, refere-se à proibição de expulsar ou repelir qualquer pessoa que fuja de um cenário de violência, perseguição e de ameaça à sua vida ou à sua liberdade, quando o país de origem não é capaz de a proteger. Este normativo deve ser interpretado tendo em conta o disposto no artigo 8.º da Diretiva n.º 2011/95/UE, do Conselho, de 13 de dezembro, que dispõe que,
«1 – Ao apreciarem o pedido de proteção internacional, os Estados-Membros podem determinar que um requerente não necessita de protecção internacional se, numa parte do país de origem, o requerente:
a) Não tiver receio fundado de ser perseguido ou não se encontrar perante um risco real de ofensa grave; ou
b) Tiver acesso a protecção contra a perseguição ou ofensa grave, tal como definida no artigo 7.º, E puder viajar e ser admitido de forma regular e com segurança nessa parte do país, e tiver expectativas razoáveis de nela poder instalar-se.»
Assim, no caso de o requerente da proteção internacional poder se deslocar para outra parte do território do país de origem, de forma regular e com segurança, e tiver expetativas razoáveis de nela poder instalar-se, verifica-se a falta de necessidade de proteção internacional, por não haver receio fundado de ser perseguido ou se encontrar perante um risco real de ofensa grave, ou tiver acesso a proteção contra a perseguição ou a ofensa grave.
Conforme emerge do n.º 2 do artigo 10.º da Lei 27/2008, na apreciação dos pedidos de proteção internacional deve ser determinado, em primeiro lugar, se o requerente preenche as condições para beneficiar do estatuto de refugiado e, caso não preencha, se é elegível para proteção subsidiária.
O artigo 19.º da Lei do Asilo prevê as situações em que a apreciação do pedido de proteção internacional não é submetido a instrução nem à apreciação do pedido de acordo com os critérios do artigo 18.º, devendo ser sujeito a tramitação acelerada por o pedido ser considerado infundado, dispondo, além do mais, o seguinte:
“1 - A análise das condições a preencher para beneficiar do estatuto de proteção internacional é sujeita a tramitação acelerada e o pedido considerado infundado quando se verifique que:
a) O requerente induziu em erro as autoridades, apresentando informações ou documentos falsos ou ocultando informações ou documentos importantes a respeito da sua identidade ou nacionalidade suscetíveis de terem um impacto negativo na decisão;
(…)
c) O requerente fez declarações claramente incoerentes e contraditórias, manifestamente falsas ou obviamente inverosímeis que contradigam informações suficientemente verificadas sobre o país de origem, retirando credibilidade à alegação quanto aos motivos para preencher os requisitos para beneficiar de proteção;
(…)
h) O requerente apresentou o pedido apenas com o intuito de atrasar ou impedir a aplicação de uma decisão anterior ou iminente que se traduza no seu afastamento;”
Prevendo-se no artigo 18.º, epigrafado “Apreciação do pedido” que,
“1 - Na apreciação de cada pedido de proteção internacional, compete à AIMA, I. P., analisar todos os elementos pertinentes, designadamente as declarações do requerente, proferidas nos termos dos artigos anteriores, e toda a informação disponível.
2 - Na apreciação do pedido, a AIMA, I. P., tem em conta especialmente:
a) Os factos pertinentes respeitantes ao país de origem, obtidos junto de fontes como o Gabinete Europeu de Apoio em matéria de Asilo, o ACNUR e organizações de direitos humanos relevantes, à data da decisão sobre o pedido, incluindo a respetiva legislação e regulamentação e as garantias da sua aplicação;
b) A situação e circunstâncias pessoais do requerente, por forma a apreciar, com base nessa situação pessoal, se este sofreu ou pode sofrer perseguição ou ofensa grave;
c) Se as atividades do requerente, desde que deixou o seu país de origem, tinham por fim único ou principal criar as condições necessárias para requerer proteção internacional, por forma a apreciar se essas atividades o podem expor a perseguição ou ofensa grave, em caso de regresso àquele país;
d) Se é razoável prever que o requerente se pode valer da proteção de outro país do qual possa reivindicar a cidadania;
e) A possibilidade de proteção interna se, numa parte do país de origem, o requerente:
i) Não tiver receio fundado de ser perseguido ou não se encontrar perante um risco real de ofensa grave; ou
ii) Tiver acesso a proteção contra a perseguição ou ofensa grave, tal como definida no artigo 5.º e no n.º 2 do artigo 7.º, puder viajar e ser admitido de forma regular e com segurança nessa parte do país e tiver expectativas razoáveis de nela poder instalar-se.
3 - Constitui um indício sério do receio fundado de ser perseguido ou do risco de sofrer ofensa grave, o facto de o requerente já ter sido perseguido ou diretamente ameaçado de perseguição ou ter sofrido ou sido diretamente ameaçado de ofensa grave, exceto se existirem motivos fundados para considerar que os fundamentos dessa perseguição ou ofensa grave cessaram e não se repetirão.
4 - As declarações do requerente devem ser confirmadas mediante prova documental ou outros meios de prova admitidos em direito, a não ser que estejam reunidas cumulativamente as seguintes condições:
a) O requerente tenha feito um esforço autêntico para fundamentar o seu pedido;
b) O requerente apresente todos os elementos ao seu dispor e explicação satisfatória para a eventual falta de outros considerados pertinentes;
c) As declarações prestadas pelo requerente forem consideradas coerentes, plausíveis, e não contraditórias face às informações disponíveis;
d) O pedido tiver sido apresentado com a maior brevidade possível, a menos que o requerente apresente justificação suficiente para que tal não tenha acontecido;
e) Tenha sido apurada a credibilidade geral do requerente.”
Refira-se, ainda, que os pedidos apresentados nos postos de fronteira obedecem ao disposto nos artigos 23.º a 25.º da Lei n.º 27/2008.
Recai sobre o requerente do pedido de asilo ou de proteção subsidiária o ónus da prova dos factos que alega, cabendo-lhe “dizer a verdade, esforçar-se para sustentar as suas declarações com todas as evidências disponíveis e dar uma explicação satisfatória em relação a qualquer falta de elementos de prova”. Por outro lado, “cabe a quem examina o pedido, designadamente, apreciar a credibilidade do requerente e avaliar os elementos de prova (se necessário, dando ao requerente o benefício da dúvida) a fim de estabelecer os elementos objetivos e subjetivos do caso” (Ac. deste TCA Sul de 26.1.2023, proferido no processo 1599/22.6BELSB).
Porque “as declarações prestadas ao SEF constituem o ponto de partida da análise que irá ser efectuada do pedido de protecção formulado” (Ac. do TCA Sul de 11.4.2024, proferido no processo 798/23.8BELSB), é à sua luz que cabe verificar se a alegação consubstancia questões pertinentes e com relevância para analisar o cumprimento das condições para ser considerado refugiado ou pessoa elegível para proteção subsidiária.
Como resulta do facto provado 2) o pedido de proteção internacional formulado pela Impugnante mostra-se assente na alegação de que é vítima de perseguição por parte de um polícia nos Estados Unidos em virtude de ter feito queixa, junto da Homeland Security e do FBI, da situação de não formalização da denúncia de violação de que fora vítima e que tinha apresentado junto das autoridades policiais e às quais estas, e concretamente o referido polícia, não deram seguimento. Sustentou que, desde aí, o polícia a persegue, referindo um episódio em que foi seguida de carro por aquele e relatando situações em que lhe furaram os pneus, assaltaram a casa, gravaram conversas, difamaram o seu nome junto de uma agência de arrendamento e em entrevista de trabalho e que este teria acedido a documentos que a levaram a pagar uma multa, mais notando que o polícia teria passado a perseguir a sua mãe em 2023, pois alguém teria entrado no apartamento e furtado documentos, dinheiro e roupa. E que, tendo mudado para a Georgia em 2024, os problemas se mantinham porque o polícia contactava as autoridades locais.
Relatou, ainda, um episódio em 2020 em que um dos seus patrões a abordou sobre a sua religião – testemunha de Jeová -, questionando-a sobre a mesma.
Referiu ter apresentado queixas junto dos assuntos internos, aí tendo sido dada a indicação de que em 6 meses lhe diriam alguma coisa, e, bem assim, no Departamento de Justiça que indicou dever contatar um advogado, e mais recentemente participou ao FBI que o polícia teria entrado no seu apartamento e furtado documentos.
Deu nota que contatou a Embaixada de Angola, obtendo salvo conduto para poder ir a Angola tratar da sua documentação.
Considerando o exposto, bem se vê que os fundamentos em que assenta a pretensão da A./Recorrente, não revelam em termos de pertinência e relevância a consubstanciação de (i) sujeição a grave ameaça ou efetiva prática de atos de perseguição nos termos do art.º 5.º da Lei n.º 27/2008, pelos agentes de perseguição identificados no art. 6.º, e (ii) que a motivação da perseguição se prenda com uma atividade a favor da democracia, da libertação social e nacional, da paz entre os povos, da liberdade e dos direitos da pessoa humana, ou, ainda, por virtude da raça, religião, nacionalidade, opiniões políticas ou integração em certo grupo social, apreciada segundo as noções elencadas nas várias subalíneas da al. n) do n.º 1, do art. 2.º, do mesmo diploma.
Com efeito, a alegada perseguição de que a Recorrente aduz ser vítima não é consubstanciada em moldes que, em conformidade com o artigo 5.º, constituam “pela sua natureza ou reiteração, grave violação de direitos fundamentais” ou que se traduzam num “conjunto de medidas que, pelo seu cúmulo, natureza ou repetição, afetem o estrangeiro ou apátrida de forma semelhante à que resulta de uma grave violação de direitos fundamentais”, nem tão pouco é, à luz do artigo 3.º, motivada pela atividade que esta desenvolve “a favor da democracia, da libertação social e nacional, da paz entre os povos, da liberdade e dos direitos da pessoa humana” (n.º 1) ou pela sua raça, religião, nacionalidade, opiniões políticas ou integração em certo grupo social (n.º 2).
Na realidade, consiste essa perseguição em alegados comportamentos intimidatórios de um polícia, decorrentes da apresentação de queixa pela Requerente quanto à sua conduta profissional – de inércia na formalização da denúncia e investigação de um crime de que foi alvo -, traduzidos em de ter sido seguida por aquele e vítima de furto incluindo de documentação, invasão de propriedade, violação de correspondência e difamação junto de terceiros. Situações essas que a Requerente relata em termos genéricos, sem concretização temporal e factual, que evidenciasse a sustentação dos episódios em causa. E que, na realidade, apenas logra atribuir diretamente àquele polícia no que respeita a ter sido seguida, não sendo o demais revelador de um circunstancialismo fáctico que sustente a imputação dos eventos que a Requerente atribui àquele.
Ora, estas declarações não revelam qualquer ativismo em prol da defesa dos princípios democráticos, da liberdade, da paz e dos direitos humanos, por motivo do qual tivesse sido sujeita ou ameaçada de perseguição. E o seu relato não revela que a Recorrente foi sujeita a ameaças ou a atos objetivos de natureza persecutória contra a sua pessoa, que traduzam de forma objetiva um receio de ser vítima de perseguição, que torne a sua permanência nos Estados Unidos insustentável a ponto de ter de abandonar o mesmo e a ele não poder regressar.
Note-se, aliás, que é a própria Autora a afirmar ter apresentado queixas junto das autoridades americanas quanto aos comportamentos que atribuiu ao polícia em causa – denúncias essas que não suporta em evidências, nem explica porque delas não dispõe -, e que, sendo para tal competentes, não tenham agido perante as denúncias que apresentou. Isto é, das suas declarações nada emerge quanto à ineficácia do sistema judiciário norte americano para prevenir e punir os alegados atos de acossamento de que a Recorrente alega ser vítima.
No que se reporta à invocada perseguição por motivos religiosos a Requerente limita-se a enunciar uma situação em que foi (apenas) questionada pela sua entidade patronal quanto à sua religião, em termos que não evidenciam qualquer grave ameaça ou efetiva prática de atos persecutórios.
As circunstâncias que a Requerente enunciou revelam, apenas, um receio de constrangimentos, fruto de um estado de temor meramente subjetivo e não assente em factos objetivos que façam com que, atentas as circunstâncias, esse receio seja plausível e razoável.
Opostamente ao alegado, o circunstancialismo fáctico que descreveu não revela estar sujeita a qualquer perseguição em virtude da sua religião e origem, por não deter cidadania americana, ou que em algum momento tenha sido vítima de atos racistas e xenófobos.
Em suma, os elementos existentes não são aptos a infirmar o entendimento contido no ato impugnado de que a A./Recorrente não aduz questões pertinentes ou de relevância mínima para analisar o cumprimento das condições para ser considerada pessoa elegível para lhe ser concedido o direito de asilo e obter o estatuto de refugiada.
Como assim sucede quanto ao direito a proteção subsidiária, dado que não se vislumbra que em causa esteja um qualquer impedimento ou impossibilidade de a Autora regressar aos Estados Unidos da América ou de ir para o país da sua nacionalidade, Angola, quer atendendo à sistemática violação dos direitos humanos que aí se verifique, quer por correr o risco de sofrer ofensa grave. Não podendo, por conseguinte, ser-lhe atribuída proteção subsidiária, por autorização de residência, por força de tal facto.
O direito à proteção subsidiária (art. 7.º) depende de o requerente sentir-se impossibilitado de regressar ao país da sua nacionalidade ou da sua residência habitual, em razão (i) da sistemática violação dos direitos humanos que aí se verifique ou (ii) por correr o risco de sofrer ofensa grave.
Ora, a situação invocada pela A. não configura, nem revela uma sistemática violação generalizada e indiscriminada dos direitos humanos nos Estados Unidos, país da sua residência, ou em Angola, país da sua nacionalidade, que permitissem sustentar o impedimento ou impossibilidade de regresso e permanência àqueles países.
Refira-se, aliás, que, considerando as fontes internacionais em matéria de asilo indicadas no ato, evidencia-se que os Estados Unidos no que respeita ao acesso a direitos políticos e liberdades individuais, apresenta um rating de 83 em 100.
Tão pouco do relatado resulta que exista risco de, ao regressar ao seu país de residência ou de origem, possa vir a Recorrente a ser sujeita a uma ofensa grave na aceção da Lei do Asilo.
Com efeito, o risco de ofensa grave assenta, como emerge do elenco exemplificativo do n.º 2 do artigo 7.º da Lei 27/2008, em hipóteses que objetiva e marcadamente se prendem com o receio pela vida ou pela segurança física do requerente, o que não se limita à circunstância de a requerente ser alvo de alegadas animosidades, sujeita a comportamentos que, pese embora de pendor intimidatório, não denunciam o grau de gravidade legalmente exigido e sem que os episódios relatados evidenciem um temor consistentemente fundado.
A ser assim, não há fundamento que justifique a concessão da proteção subsidiária à A., ou seja, nenhuma destas circunstâncias se revela bastante para ultrapassar o crivo de pertinência ou relevância mínima contido na supracitada alínea e) do n.º 1 do artigo 19.º da Lei de Asilo e que lhe permite ser concedido o direito que se arroga.
Acresce que o pedido da Recorrente foi, também, considerado infundado por aplicação da alínea f) do n.º 1 do artigo 19.º da Lei n.º 27/2008, ou seja, fruto do entendimento de que a requerente provém de um país de origem seguro.
Com efeito, nos termos do artigo 2.º, n.º 1 al. q) da Lei n.º 27/2008, entende-se como “país de origem seguro”, “o país de que o requerente é nacional ou, sendo apátrida, residente habitual, em relação ao qual o requerente não tenha invocado nenhum motivo grave para considerar que o mesmo não é seguro, tendo em conta as circunstâncias pessoais do requerente no que respeita ao preenchimento das condições para ser considerado refugiado e avaliado com base num conjunto de fontes de informação, incluindo, em especial, informações de outros Estados membros, do Alto-Comissário das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), do Conselho da Europa e de outras organizações internacionais pertinentes”.
Ora, a Recorrente nada aduz que permita considerar que Angola não dispõe de condições de segurança, incluindo em face da sua concreta situação pessoal, limitando-se a afirmar, como se de facto notório se tratasse, que assim não seria.
Mas se assim é, desde logo, mostra-se incompreensível que tenha sido a própria A. a dirigir-se à Embaixada de Angola, aí obtendo salvo conduto, com vista a deslocar-se àquele país para tratar da sua documentação. E mais, como se dá conta na decisão impugnada, o pai da Requerente não só exerceu cargos de relevo no governo de Angola entre 1996 e 1999, como é professor universitário e Presidente da Comissão de Direito Internacional da União Africana, evidenciando, pois, as fragilidades nas alegações de que não possuíra família e condições de sobrevivência em Angola e na sustentação da falta de segurança à luz da sua concreta situação pessoal.
Acrescente-se que não existem elementos que indiquem que os esforços do Estado Angolano para promover a estabilidade e segurança no país não tenham obtido sucesso, em termos que não se pode aceitar que a Recorrente provém de um país de origem não seguro e, consequentemente, que o seu pedido deveria ter sido admitido e apreciado nos termos do artigo 18.º da Lei 27/2008.
E daqui resulta, também, não assistir razão à A. quanto à ponderação do princípio do non refoulement que, como supra se indicou - consagrado no artigo 33.º da Convenção relativa ao Estatuto dos Refugiados -, refere-se à proibição de expulsar ou repelir qualquer pessoa que fuja de um cenário de violência, perseguição e de ameaça à sua vida ou à sua liberdade, quando o país de origem não é capaz de a proteger.
Dispõe-se naquele dispositivo, epigrafado “Proibição de expulsar e de repelir”, que,
“1. Nenhum dos Estados Contratantes expulsará ou repelirá um refugiado, seja de que maneira for, para as fronteiras dos territórios onde a sua vida ou a sua liberdade sejam ameaçadas em virtude da sua raça, religião, nacionalidade, filiação em certo grupo social ou opiniões políticas.
2. Contudo, o benefício da presente disposição não poderá ser invocado por um refugiado que haja razões sérias para considerar perigo para a segurança do país onde se encontra, ou que, tendo sido objecto de uma condenação definitiva por um crime ou delito particularmente grave, constitua ameaça para a comunidade do dito país.”
No artigo 2.°, n.° 1, aa) da Lei n.° 27/2008 define-se a proibição de repelir, ou princípio de não repulsão ou non-refoulement, como “o princípio de direito de asilo internacional, consagrado no artigo 33.° da Convenção de Genebra, nos termos do qual os requerentes de asilo devem ser protegidos contra a expulsão ou repulsão, direta ou indireta, para um local onde a sua vida ou liberdade estejam ameaçadas em virtude da sua raça, religião, nacionalidade, filiação em certo grupo social ou opiniões políticas, não se aplicando esta proteção a quem constitua uma ameaça para a segurança nacional ou tenha sido objeto de uma condenação definitiva por um crime ou delito particularmente grave”.
E no artigo 47.º da Lei 27/2008, prevê-se que,
“1 - Quando a perda do direito de proteção internacional determina a abertura de processo tendente ao afastamento coercivo, este obedece ao princípio da não repulsão definido na alínea aa) do n.º 1 do artigo 2.º
2 - Ninguém será devolvido, afastado, extraditado ou expulso para um país onde seja submetido a torturas ou a tratamentos cruéis ou degradantes.”
Como resulta deste quadro jurídico a proibição de não expulsão atua como forma de obstar ao afastamento para país “onde a sua vida ou a sua liberdade sejam ameaçadas em virtude da sua raça, religião, nacionalidade, filiação em certo grupo social ou opiniões políticas”.
Ora, das alegações da Autora não resulta qualquer facto do qual decorra, em face da imposição de regresso ao seu país de origem, uma ameaça para a vida com fundamento na «raça, da sua religião, da sua nacionalidade, do grupo social a que pertence ou das suas opiniões políticas», nem mesmo eventuais «torturas ou a tratamentos cruéis ou degradantes».
Realce-se que a Autora se limitou nas suas declarações a afirmar não ter família, nem condições de sobrevivência em Angola. Declarações essas que se mostram incompatíveis com a sua concreta situação familiar. E, nestes autos, afirma conclusivamente que Angola não seria um país seguro.
Ora, nada disto revela que no seu país de origem, Angola, a sua vida ou a sua liberdade estejam ameaçadas por fatores conexos com a sua raça, religião, nacionalidade, filiação em certo grupo social ou opiniões políticas.
Consequentemente, a consideração de que o seu pedido de proteção internacional é infundado, nos termos do artigo 19.º, n.º 1 als. e) e f) da Lei n.º 27/2008, não contende com princípio da não expulsão.
Em suma, a decisão de 11.11.2024, do Presidente do Conselho Diretivo da entidade demandada, considerou, com acerto, infundado o pedido de proteção internacional da A. nos termos daquelas als. e) e f) do n.º 1 do artigo 19.º da Lei n.º 27/2008, não incorrendo em erro nos pressupostos, nem tão pouco contendendo com o princípio do non refoulement.
Do défice instrutório
A A. aponta ao ato impugnado défice instrutório, sustentando caber à AIMA indagar junto das autoridades americanas se o polícia tem histórico de crimes e do estado dos processos criminais que denunciou, instruindo oficiosamente o procedimento com informação atualizada sobre se no estado americano existem indícios de estar a ser perseguida e averiguar junto das autoridades angolanas se estavam reunidas as condições para que não tenha que voltar a um dos países com mais criminalidade do mundo e, bem assim, a sua concreta da situação para aferir da existência ou não de um risco atual, direto ou indireto, de ser sujeita a tratamento desumano ou degradante.
Apresentado o pedido de proteção internacional (art.º 13.º, n.º 1), constituem deveres do requerente “apresentar os documentos de identificação e de viagem de que disponha, bem como elementos de prova, podendo apresentar testemunhas em número não superior a 10” (art.º 15.º, n.º 2) e, bem assim, “apresentar todos os elementos necessários para justificar o pedido de proteção internacional, nomeadamente:
a) Identificação do requerente e dos membros da sua família;
b) Indicação da sua nacionalidade, país ou países e local ou locais de residência anteriores;
c) Indicação de pedidos de proteção internacional anteriores;
d) Relato das circunstâncias ou factos que fundamentam a necessidade de proteção internacional;
e) Permitir a recolha das impressões digitais de todos os dedos, desde que tenha, pelo menos, 14 anos de idade, nos termos previstos no Regulamento (UE) n.º 603/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho, relativo à criação do sistema Eurodac de comparação de impressões digitais;
f) Manter a AIMA, I. P., informada sobre a sua residência, devendo imediatamente comunicar a este serviço qualquer alteração de morada;
g) Comparecer perante a AIMA, I. P., quando para esse efeito for solicitado, relativamente a qualquer circunstância do seu pedido.” (art.º 15.º, n.º 1).
Por sua vez, cabendo à AIMA a apreciação dos pedidos de proteção internacional (art.º 10.º, n.º 3), compete-lhe “solicitar e obter de outras entidades os pareceres, informações e demais elementos necessários para o cumprimento do disposto na presente lei em matéria de concessão de pedidos de proteção internacional” (art.º 10.º, n.º 4).
Refira-se, ainda, que no âmbito do procedimento de apreciação do pedido de proteção internacional, é assegurado ao requerente o direito de prestar declarações nos termos do artigo 16.º, sendo elaborada transcrição das mesmas (art.º 17.º).
No que respeita à apreciação dos pedidos de proteção internacional, da conjugação dos artigos 18.º, 19.º e 19.º-A, resulta que, no caso de o pedido de proteção internacional não ter sido, desde logo, considerado infundado (ao abrigo do disposto no artigo 19.º) ou inadmissível (ao abrigo do disposto no artigo 19.º-A), a apreciação do mesmo obedecerá ao disposto no artigo 18.º.
Assim, o artigo 19.º estabelece a tramitação acelerada da “análise das condições a preencher para beneficiar do estatuto de proteção internacional”, considerando-se o pedido infundado, quando, com relevo aos autos, se verifique que:
(i) Ao apresentar o pedido e ao expor os factos, o requerente invoca apenas questões não pertinentes ou de relevância mínima para analisar o cumprimento das condições para ser considerado refugiado ou pessoa elegível para proteção subsidiária [al. e)];
f) O requerente provém de um país de origem seguro [al. f)].
Na hipótese de o pedido de proteção internacional não ter sido considerado infundado (cf. artigo 19.º) ou inadmissível (cf. artigo 19.º-A), a sua apreciação obedecerá ao disposto no artigo 18.º da Lei n.º 27/2008, que prevê,
“1 - Na apreciação de cada pedido de proteção internacional, compete à AIMA, I. P., analisar todos os elementos pertinentes, designadamente as declarações do requerente, proferidas nos termos dos artigos anteriores, e toda a informação disponível.
2 - Na apreciação do pedido, a AIMA, I. P., tem em conta especialmente:
a) Os factos pertinentes respeitantes ao país de origem, obtidos junto de fontes como o Gabinete Europeu de Apoio em matéria de Asilo, o ACNUR e organizações de direitos humanos relevantes, à data da decisão sobre o pedido, incluindo a respetiva legislação e regulamentação e as garantias da sua aplicação;
b) A situação e circunstâncias pessoais do requerente, por forma a apreciar, com base nessa situação pessoal, se este sofreu ou pode sofrer perseguição ou ofensa grave;
c) Se as atividades do requerente, desde que deixou o seu país de origem, tinham por fim único ou principal criar as condições necessárias para requerer proteção internacional, por forma a apreciar se essas atividades o podem expor a perseguição ou ofensa grave, em caso de regresso àquele país;
d) Se é razoável prever que o requerente se pode valer da proteção de outro país do qual possa reivindicar a cidadania;
e) A possibilidade de proteção interna se, numa parte do país de origem, o requerente:
i) Não tiver receio fundado de ser perseguido ou não se encontrar perante um risco real de ofensa grave; ou
ii) Tiver acesso a proteção contra a perseguição ou ofensa grave, tal como definida no artigo 5.º e no n.º 2 do artigo 7.º, puder viajar e ser admitido de forma regular e com segurança nessa parte do país e tiver expectativas razoáveis de nela poder instalar-se.
3 - Constitui um indício sério do receio fundado de ser perseguido ou do risco de sofrer ofensa grave, o facto de o requerente já ter sido perseguido ou diretamente ameaçado de perseguição ou ter sofrido ou sido diretamente ameaçado de ofensa grave, exceto se existirem motivos fundados para considerar que os fundamentos dessa perseguição ou ofensa grave cessaram e não se repetirão.
4 - As declarações do requerente devem ser confirmadas mediante prova documental ou outros meios de prova admitidos em direito, a não ser que estejam reunidas cumulativamente as seguintes condições:
a) O requerente tenha feito um esforço autêntico para fundamentar o seu pedido;
b) O requerente apresente todos os elementos ao seu dispor e explicação satisfatória para a eventual falta de outros considerados pertinentes;
c) As declarações prestadas pelo requerente forem consideradas coerentes, plausíveis, e não contraditórias face às informações disponíveis;
d) O pedido tiver sido apresentado com a maior brevidade possível, a menos que o requerente apresente justificação suficiente para que tal não tenha acontecido;
e) Tenha sido apurada a credibilidade geral do requerente.”
Como já aqui fomos dando nota, nas situações que se enquadrem nas alíneas do n.º 1 do artigo 19.º da Lei 27/2008, “a apreciação do pedido de proteção internacional não é submetida a instrução nem à apreciação do pedido de acordo com os critérios do artigo 18.º, devendo ser sujeito a tramitação acelerada por o pedido ser considerado infundado” (Ac. deste TCA Sul de 26.1.2023, proferido no processo 1599/22.6BELSB).
Ou seja, no âmbito das situações tipificadas no n.º 1 do artigo 19.º, estamos perante circunstâncias que, com elevado grau de evidência, se entende o pedido como infundado e, consequentemente, tornando desnecessário que este seja submetido a instrução e apreciado nos termos do art.º 18.º da Lei n.º 27/2008.
E isto significa que, quando o pedido seja considerado infundado nos termos do art.º 19.º, n.º 1, não há lugar à instrução nem à aplicação do disposto no art.º 18.º, designadamente o que ali se mostra vertido nos seus n.ºs 1, 2 e 4, incluindo, pois, a averiguação de factos pertinentes respeitantes ao país de origem [n.º 2, al. a)] e da situação e circunstâncias pessoais do requerente [n.º 2 al. b)], e, bem assim, no seu n.º 4, ou seja, o “benefício da dúvida”.
Ora, o que a A. pretende é beneficiar do regime do artigo 18.º da Lei n.º 27/2008, numa hipótese em que a apreciação da sua pretensão foi submetida ao regime da tramitação acelerada do art.º 19.º do mesmo diploma e que, consequentemente, não impõe que se realizem as diligências instrutórias necessárias a apurar, junto das autoridades americanas, se a A. é vítima de perseguição, ou os factos pertinentes relativos a Angola, conforme demandam os n.ºs 1, 2 als. a) e b) e 4 do artigo 18.º da Lei n.º 27/2008.
Acrescente-se que, como resulta do ponto anterior, o pedido da A. enquadra-se nas situações em que o mesmo deveria, como foi, ser considerado infundado nos termos do art.º 19.º, n.º 1 da Lei n.º 27/2008 e, consequentemente, não havia efetivamente lugar à aplicação do disposto no art.º 18.º. Em termos tais que não ocorreu qualquer défice instrutório.
Da falta de fundamentação
Por último, denotando-se, pese embora, alguma miscigenação entre a falta de fundamentação formal e a fundamentação material, a A. alega que a decisão omite a sua situação concreta e as diligências tomadas, com vista a aferir do risco de ser sujeita a tratamento desumano ou degradante.
Estando em causa a falta de fundamentação (formal), é da diretriz constitucional prevista no art.º 268.º, n.º 3 da CRP que advém o dever de fundamentação expressa e acessível dos atos administrativos que afetem direitos ou interesses legalmente protegidos.
Dever que se mostra regulado no art.º 153.º, do CPA que prescreve que “a fundamentação deve ser expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, que constituem, neste caso, parte integrante do respetivo ato” (n.º 1), sendo que equivale “à falta de fundamentação a adoção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do ato” (n.º 2).
A fundamentação por remissão obriga a que a informação, parecer ou proposta para que se remete contenha as razões de facto e de direito, ainda que de forma sucinta, mas de modo a que se perceba por que se decidiu naquele sentido. Desta forma, o cumprimento das exigências de fundamentação há-de ser aferido em relação à motivação avançada na informação para que se remete.
A fundamentação da decisão administrativa consiste, pois, na enunciação de forma expressa das premissas fácticas e jurídicas em que a mesma assenta, visando impor à Administração que pondere antes de decidir e, assim, contribuir para uma mais esclarecida formação de vontade por parte de quem tem essa responsabilidade para além de permitir ao administrado seguir o processo intelectual que a ela conduziu. Para tanto basta uma fundamentação sucinta, mas a mesma importa que seja clara, concreta, congruente e de se mostrar contextual.
Conforme é jurisprudência uniforme e constante a fundamentação assume-se como um conceito relativo que varia em função do tipo concreto de cada ato e das circunstâncias concretas em que é praticado, cabendo ao tribunal, em face de cada caso, ajuizar da sua suficiência mediante a adoção de um critério prático que consiste na indagação sobre se um destinatário normal, face ao itinerário cognoscitivo e valorativo constante do ato em causa, fica em condições de saber o motivo porque se decidiu num sentido e não noutro.
Nestes termos, um ato estará devidamente fundamentado sempre que um destinatário normal possa ficar ciente do sentido dessa mesma decisão e das razões que a sustentam, permitindo-lhe apreender o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pela entidade administrativa, e optar conscientemente entre a aceitação do ato ou o acionamento dos meios legais de impugnação.
Considerando o teor da Informação a que se reporta o ponto 3) do probatório, e cujos fundamentos são adotados pela decisão vertida em 4), verifica-se que o pedido de proteção internacional foi considerado infundado ao abrigo das als. e) e f) do n.º 1 do artigo 19.º da Lei n.º 27/2008, ou seja, porque “ao apresentar o pedido e ao expor os factos, o requerente invoca apenas questões não pertinentes ou de relevância mínima para analisar o cumprimento das condições para ser considerado refugiado ou pessoa elegível para proteção subsidiária” e porque “o requerente provém de país de origem seguro”.
Dessa informação decorre que se considerou que “as suas alegações não se mostram pertinentes para a análise do cumprimento das condições para se ser refugiado ou pessoal elegível para proteção subsidiária”, na medida em que estas respeitam a “estar a ser perseguida por parte de um policia norte americano nos Estados Unidos na América após ter denunciado a inércia das autoridades policiais na abertura da queixa que apresentou”, não indicando qualquer ação por parte do polícia que revelasse a alegada intenção de a matar, em termos que se considerou não estarmos “perante uma perseguição motivada pela sua origem racial, religião, nacionalidade, pertença a um determinado grupo social ou opinião política”, nem se podendo inferir que exista risco de ofensa grave ou que a A. não disponha de proteção interna.
Do ato extrai-se ter-se entendido que a A. não alegou nenhum ato concreto de perseguição religiosa, pois apenas relatou um episódio ocorrido em 2020 em que o seu chefe a questionou sobre os fundamentos da sua religião.
E, bem assim, que a A. “provém de país de origem seguro”, pois apesar de ter alegado não ter família nem condições para viver em Angola, verificou-se que o mesmo terá condições de sobrevivência condignas por ter ocupado cargos de relevo no governo, é Professor na Universidade Católica de Angola e Presidente da Comissão de Direito Internacional da União Africana, o que permitiu que a requerente fosse portadora de passaporte diplomático. Nada obstando a que possa retornar a Angola, dado que, aliás, é possuidora de salvo conduto, que a própria solicitou para entrar em Angola para tratar da sua documentação.
Ora, tal motivação permite a um destinatário normal compreender de forma cabal as concretas razões fácticas pelas quais se considerou o pedido infundado. Com efeito, a decisão subsume a alegação subjacente ao pedido da autora às normas aplicáveis, referenciando-as, entendendo que aquelas declarações não configuram o preenchimento dos pressupostos de que dependeria o deferimento do pedido de proteção internacional.
Na realidade, a omissão na fundamentação que a A. imputa à decisão respeita, na realidade, às exigências vertidas no artigo 18.º, n.ºs 2, als. a) e b), da Lei 27/2008 quanto à “situação e circunstâncias pessoais do requerente, por forma a apreciar, com base nessa situação pessoal, se este sofreu ou pode sofrer perseguição ou ofensa grave” e aos “factos pertinentes respeitantes ao país de origem”.
Sucede que, como vimos no ponto anterior, quando o pedido é, como foi, considerado infundado nos termos do art.º 19.º, n.º 1, não há lugar à aplicação do disposto no art.º 18.º, designadamente o que ali se mostra vertido nos seus n.ºs 1, 2 e 4. E, assim sendo, naturalmente que não se impunha que a fundamentação formal do ato contivesse a apreciação dos factos pertinentes respeitantes ao país de origem [19.º, n.º 2, al. a)] e da situação e circunstâncias pessoais do requerente [19.º, n.º 2 al. b)], exatamente porque o pedido não preenchia os pressupostos para ser analisado à luz do regime do artigo 18.º da Lei n.º 27/2008.
Daí que a suficiência e clareza da fundamentação sejam apreciadas à luz dos pressupostos em que assentou o ato, apresentando-se esta clara, expressa e congruente, seja ao nível da factualidade que a Entidade Demandada entende constituir a falta de fundamento do pedido de proteção internacional, seja do enquadramento jurídico da negação da pretensão da A. de obter a concessão de asilo ou proteção subsidiária, em termos que permitem concluir que a decisão impugnada não padece de falta de fundamentação.
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Considerando o exposto, não padece de qualquer vício a decisão de 11.11.2024 do Presidente do Conselho Diretivo da AIMA, ratificada pelo Conselho Diretivo, que considerou infundado o pedido de proteção internacional que apresentou em Portugal e, consequentemente, não assiste à A. o direito à condenação da entidade demandada a admitir o pedido prosseguindo com o procedimento para instrução.
4.4. Das custas
Sem custas, por ser gratuito o processo, nos termos do artigo 84.º da Lei n.º 27/2008, de 30 de junho.
5. Decisão
Nestes termos, acordam os juízes desembargadores deste Tribunal Central Administrativo Sul, em,
a. Conceder provimento ao recurso e, em consequência, revogar a sentença recorrida;
b. Em substituição, julgar a ação totalmente improcedente.
Mara de Magalhães Silveira
Sara Diegas Loureiro (em turno)
Teresa Costa Alemão (em turno) |