Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:4833/23.1BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:10/23/2025
Relator:RUI PEREIRA
Descritores:INE
AVALIAÇÃO
POSICIONAMENTO REMUNERATÓRIO
Sumário:
Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção Administrativa Social
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL – SUBSECÇÃO SOCIAL

I. RELATÓRIO


1. AA, com os sinais dos autos, intentou no TAC de Lisboa contra o Instituto Nacional de Estatística uma acção administrativa, visando o “reconhecimento de situações jurídicas subjectivas directamente decorrentes de normas jurídico-administrativas”, na qual peticionou (a) o reconhecimento do seu direito aos pontos obtidos no âmbito do processo de avaliação de desempenho até ao ano de 2015 na carreira de Técnico Superior de Estatística; (b) a condenação do réu a repor e considerar os pontos acumulados pela autora até ao ano de 2015, obtidos na sequência da avaliação de desempenho realizado e considerados perdidos como decorrência da transição para a carreira especial de Técnico Superior Especialista em Estatística, decorrente da revisão da carreira efectuada por força do artigo 11º do DL nº 187/2015, de 7/9; (c) a condenação do réu a promover todos os actos materiais devidos à alteração do posicionamento remuneratório obrigatório da autora resultante da Lei e com a consideração dos pontos acumulados na sequência de avaliação de desempenho na carreira anterior até 2015 (9 pontos), com as legais consequências; e, (d) a condenação do réu a reposicionar a autora na carreira de Técnico Superior Especialista em Estatística com plena e integral consideração com os pressupostos previstos em a) e b) e a pagar todos os créditos salariais que resultem para a autora do posicionamento remuneratório incumprido, acrescidos de juros vencidos desde o vencimento de cada parcela retributiva devida, custas e demais encargos, designadamente para o respectivo regime contributivo da autora sobre as retribuições devidas, bem como repor a progressão na carreira com a consideração dos pontos considerados perdidos.


2. O TAC de Lisboa, por sentença datada de 13-12-2024, julgou a acção procedente e, em consequência, (a) reconheceu o direito da autora aos pontos obtidos no âmbito do processo de avaliação de desempenho até ao ano de 2015 na carreira de Técnico Superior de Estatística, (b) condenou o réu a repor e considerar os pontos acumulados pela autora até ao ano de 2015, obtidos na sequência da avaliação de desempenho realizado e considerados perdidos como decorrência da transição para a carreira especial de Técnico Superior Especialista em Estatística, decorrente da revisão da carreira efectuada por força do artigo 11º do DL nº 187/2015, de 7/9, (c) condenou o réu a promover todos os actos materiais devidos com vista à alteração do posicionamento remuneratório obrigatório da autora resultante da Lei nº 114/2017, de 29/12, e com a consideração dos pontos acumulados na sequência de avaliação de desempenho na carreira anterior até 2015 (9 pontos), com as legais consequências; e, (d) condeno ainda o réu reposicionar a autora na carreira de Técnico Superior Especialista em Estatística com plena e integral consideração com os pressupostos previstos em a) e b) e a pagar todos os créditos salariais que resultem para a autora do posicionamento remuneratório incumprido que venham a ser apurados em sede de execução voluntária da sentença, acrescidos de juros vencidos desde o vencimento de cada parcela retributiva devida, custas e demais encargos, designadamente para o respectivo regime contributivo da autora sobre as retribuições devidas, bem como repor a progressão na carreira com a consideração dos pontos considerados perdidos.


3. Inconformado, o Instituto Nacional de Estatística, IP, interpôs recurso de apelação para este Tribunal Central Administrativo do Sul, no qual formulou as seguintes conclusões:


A) A douta sentença recorrida está, salvo o devido respeito, que é muito, inquinada por errada decisão que se pretende impugnar com o presente recurso.


B) A alegada ilegalidade de que a autora, ora recorrida, se queixa ocorreria, se existisse, o que apenas por hipótese de raciocínio e dever de patrocínio se admite, desde o processamento e pagamento do salário de Outubro de 2015, ocorrido em 23 de Outubro de 2015.


C) O prazo de 3 meses para a impugnação da eventual anulabilidade deste acto terminou no dia 23 de Janeiro de 2016 (cfr. artigo 58º, nº 2 do CPTA e o artigo 279º do Código Civil).


D) A petição inicial da acção deu entrada no Tribunal no ano de 2023.


E) Caducou, portanto, o direito da autora, ora recorrida, a alegar a anulabilidade do referido acto, não existindo qualquer causa de nulidade.


F) Esta caducidade é uma excepção peremptória que implica a absolvição da entidade demandada, ora recorrente, do pedido da autora, ora recorrida, nos termos do artigo 89º, nº 3 do CPTA, devendo por isso a presente acção ser julgada improcedente.


G) Acresce que a autora, ora recorrida, tinha obrigatoriamente conhecimento de que os pontos anteriores a 2015 não foram contabilizados.


H) Efectivamente, a entidade demandada, ora recorrente, fez divulgar a nota informativa nº ..., de 27 de Janeiro de 2017, dirigida à Comissão de Trabalhadores do INE, no qual verteu o seu entendimento, que a autora, ora recorrida, tinha necessariamente de conhecer.


I) A autora, ora recorrida, por via da propositura da presente acção, vem tentar obter os efeitos que se produziriam com a impugnação contenciosa de acto administrativo, de acordo com a factualidade apurada, o que o artigo 38º, nº 2 do CPTA proíbe.


J) Acto este que se consolidou na ordem jurídica por não ter sido atempadamente impugnado, no prazo de 3 (três) meses, a que alude o artigo 58º, nº 1, alínea b) do CPTA.


K) Esta conclusão, por sua vez, acarreta uma outra: a de que, por força de disposição expressa (contida no artigo 38º, nº 2 do CPTA), está vedado à autora, ora recorrida, contornar os efeitos da possibilidade de instauração de uma acção administrativa para a impugnação de acto administrativo, mediante a instauração de uma acção administrativa para o reconhecimento de um direito, com idêntico objectivo, como é o caso.


L) Assim, deve proceder também esta excepção peremptória, o que implica a absolvição da entidade demandada, ora recorrente, do pedido.


M) Por outro lado, entendemos que uma parcela dos montantes exigidos à entidade demandada, ora recorrente, está prescrita, nos termos do nº 3 do artigo 34º do Decreto-Lei nº 155/92, de 28 de Julho, que estabelece o Regime da Administração Financeira do Estado.


N) Assim sendo, todos os montantes que estejam há mais de 3 anos em dívida à autora, ora recorrida, e que sejam alegadamente da responsabilidade da entidade demandada, ora recorrente, contados à data da citação, momento em que a prescrição se interrompe, nos termos do artigo 323º, nº 1 do Código Civil, devem considerar-se prescritos, e deverão ser apurados, em execução de sentença, no caso de o pedido da autora, ora recorrida, vir a ser julgado procedente.


O) A prescrição constitui uma excepção peremptória que extingue o efeito jurídico pretendido pela autora, ora recorrida, e importa a absolvição do pedido, nos termos do disposto no artigo 89º, nº 3 do CPTA e, assim sendo, deverá esta excepção peremptória ser julgada procedente e a entidade demandada, ora recorrente, parcialmente absolvida do pedido.


P) Existe uma clara aceitação por parte da autora, ora recorrida, do acto da entidade demandada, ora recorrente, de considerar perdidos os pontos do SIADAP na sequência da mudança de carreira.


Q) Conforme refere o nº 1 do artigo 56º do CPTA, “Não pode impugnar um acto administrativo com fundamento na sua mera anulabilidade quem o tenha aceitado, expressa ou tacitamente, depois de praticado”.


R) Assim, deve proceder esta excepção peremptória, o que implica a absolvição da entidade demandada, ora recorrente, do pedido, nos termos do artigo 89º, nº 3 do CPTA.


S) Quanto à questão de fundo, como expressamente previsto nos nºs 2 e 7 do artigo 156º da LTFP, aprovada pela Lei nº 35/2014, de 20 de Junho, relativamente aos trabalhadores da entidade demandada, ora recorrente, para efeitos de alteração de posicionamento remuneratório, relevam, apenas, as “avaliações do seu desempenho referido às funções exercidas durante o posicionamento remuneratório em que se encontram”.


T) Assim, sempre que o trabalhador muda de posição remuneratória, quer em resultado de alteração de posicionamento remuneratório propriamente dita, quer por qualquer outra razão, como, por exemplo, na sequência de procedimento concursal ou mudança de carreira, como é o caso destes autos, inicia-se um novo período de aferição das avaliações de desempenho relevantes para efeitos de futura alteração de posicionamento remuneratório, obrigatória (10 pontos) ou por opção gestionária (reunião das menções qualitativas legalmente exigidas).


U) É este também o entendimento da Direcção-Geral da Administração e do Emprego Público (DGAEP), expresso na sua página de FAQ’s.


V) Nesta conformidade, e reportando-nos à situação da autora, ora recorrida, entendemos que, tendo-se verificado com o Decreto-Lei nº 187/2015 uma mudança de carreira (passagem da carreira geral de técnico superior para a carreira de regime especial de Técnico Superior Especialista em Estatística do INE, IP, criada pelo Decreto-Lei nº 187/2015), com a consequente alteração do posicionamento remuneratório detido pelos trabalhadores, inicia-se, a partir dessa mudança de carreira/posicionamento remuneratório, uma nova contagem de pontos para efeitos de futura alteração de posicionamento remuneratório, tanto mais que, neste caso concreto, a mudança de carreira teve, como um dos seus princípios enformadores, uma valorização remuneratória, que se traduziu, nos termos do nº 2 do artigo 12º do Decreto-Lei nº 187/2015, “no reposicionamento dos trabalhadores na posição remuneratória correspondente ao nível remuneratório imediatamente seguinte ao nível remuneratório ou à remuneração base que detinham na data da entrada em vigor do diploma”, podendo, mesmo, ocorrer uma valorização correspondente a um “salto” de duas posições, no caso de a alteração de uma posição remuneratória se mostrar inferior à 1ª posição remuneratória da nova carreira.


W) Note-se que, comparando os boletins de retribuição mensal da autora, ora recorrida, de Setembro e Outubro de 2015, houve uma valorização remuneratória evidente com a nova carreira.


X) Assim, a entidade demandada, ora recorrente, limitou-se aplicar a lei, não havendo obviamente qualquer ilegalidade na situação retratada nos autos, conforme decorre dos nºs 2 e 7 do artigo 156º da LTFP.


Y) Independentemente de a entidade demandada, ora recorrente, assim ter considerado, conforme se pode verificar, por exemplo, pela nota informativa nº ..., de 27 de Janeiro de 2017, dirigida à Comissão de Trabalhadores do INE, este entendimento veio a ser confirmado pela DGAEP, conforme o seu parecer de 20 de Fevereiro de 2017, emitido perante questão colocada pelo INE.


Z) Sendo este o entendimento seguido pela DGAEP e aplicado por toda a Administração Pública, obviamente não pode a entidade demandada, ora recorrente, ter outro entendimento, sob pena de os membros do respectivo Conselho Directivo poderem vir a ser alvo de responsabilidade financeira se satisfizerem a pretensão da autora, ora recorrida.


AA) Nenhum trabalhador do INE, IP, foi obrigado a integrar-se na nova carreira e a perder os pontos, se atentarmos ao Decreto-Lei nº 187/2015, de 7 de Setembro, no seu artigo 11º, nº 2, visto que qualquer trabalhador podia ter optado por não fazer essa integração e manteria os pontos do SIADAP acumulados.


BB) Portanto, a perda dos pontos resultou de uma opção consciente destes trabalhadores, o mesmo tendo ocorrido com a autora, ora recorrida, o que deve ser tido em conta no presente recurso.


CC) Em diplomas recentes o legislador, em situações de valorização remuneratória resultantes de reestruturações de tabelas remuneratória e mudanças de carreira, tem introduzido normas especiais para evitar a perda de pontos do SIADAP pelos trabalhadores.


DD) O que significa que o legislador reconhece que a norma geral do artigo 156º, nºs 2 e 7 da LTFP seria aplicável a essas situações e por isso tem de criar normas especiais para evitar a sua aplicação.


EE) Fez, pois, a douta sentença recorrida uma errada interpretação e aplicação das normas dos nºs 2 e 7 do artigo 156º da LTFP.


FF) Pelo que devem improceder os pedidos da autora, ora recorrida, e ser revogada a sentença ora recorrida”.


4. A autora apresentou contra-alegação, na qual formulou as seguintes conclusões:


1. É evidente, que como a sentença correctamente interpretou, julgou e fundamentou, o que se verifica é que o objecto da acção não é a impugnação de um acto administrativo, mas sim o reconhecimento de um direito (aos pontos), não sujeito ao prazo de caducidade de 3 meses (artigo 37º, nº 1, alínea f) do CPTA).


2. De acordo com o artigo 50º CPTA: “1 – A impugnação de um acto administrativo tem por objecto a anulação ou a declaração de nulidade desse acto”, e nunca tal foi peticionado pela autora nos presentes autos.


3. De resto, de acordo com o recorrente, o acto inimpugnável seria o acto de processamento do vencimento de Outubro de 2015.


4. Sucede que este acto de processamento do vencimento da recorrida não constitui um acto administrativo impugnável para efeitos do disposto no nº 1 do artigo 50º do CPTA.


5. Desde logo, quanto à natureza jurídica dos actos processadores de vencimentos, o Supremo Tribunal Administrativo fixou jurisprudência no sentido de tais actos serem “actos administrativos, quanto às questões sobre as quais tenham tomado posição com vontade de unilateralidade decisória, enquanto consubstanciam decisões, ao abrigo de normas de direito público, produzindo efeitos em situações individuais e concretas” – cfr. acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Administrativo, de 10-4-2008, no processo nº 0544/06.


6. Para tal acontecer, tem de se traduzir numa definição inovatória e voluntária, por parte da Administração, no exercício do seu poder de autoridade, da situação jurídica do administrado relativamente ao processamento “em determinado sentido e com determinado conteúdo”. Exige-se também que “essa decisão seja comunicada de forma adequada de modo a permitir uma eficaz comunicação”, sendo que “a falha na demonstração de tais requisitos conduz à conclusão que os actos de processamento de vencimentos são inoponíveis ao autor para efeitos impugnatórios” – cfr. acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 18-12-2020, no processo nº 01484/16.0...


7. Na situação em apreço, conforme a recorrida aqui demonstrou, comparando o recibo de vencimento de Setembro com o de Outubro de 2015, percebe-se ter ocorrido a alteração da categoria referida e da remuneração base da recorrida. No entanto, não há qualquer referência aos pontos acumulados na avaliação e, muito menos, se vislumbra a existência de qualquer decisão no sentido da “perda” dos pontos acumulados até ao ano de 2015.


8. De igual modo, também a nota informativa nº ..., de 27 de Janeiro de 2017, não constitui – como, aliás, o próprio nome já deixa transparecer – um acto administrativo e nem sequer esta nota informativa foi dirigida à recorrida, mas antes à Comissão de Trabalhadores do INE.


9. Por fim, sempre se diga que o facto de não ter mudado de nível, em 2018, também não constitui um acto passível de impugnação.


10. Considerando o supra exposto, não se vislumbra a existência de qualquer acto administrativo nos termos invocados pelo recorrente que permitam concluir pela existência de qualquer ónus impugnatório que impendesse sobre a recorrida e que por esta tivesse, por conseguinte, sido incumprido relativamente às pretensões por si deduzidas nos autos.


11. Independentemente do exposto, a verdade é que a presente acção administrativa tem em vista, de forma clara e notória, o reconhecimento de um direito, pertencente à recorrida (cfr. artigo 2º, nº 2, alínea f) do CPTA).


12. Relativamente às acções administrativas em que está em causa o reconhecimento de direitos, veja-se os acórdãos do STA, de 31 de Maio de 2005, processo nº 78/04, do Tribunal Central Administrativo Norte, no seu acórdão de 29-3-2019, proferido no processo nº 01291/17.3..., e do Tribunal Central Administrativo Sul, no acórdão de 7-7-2021, no processo nº 2643/15.9..., cujos excertos se citaram no corpo destas contra-alegações.


13. É, pois, evidente, por tudo quanto se deixou exposto, por um lado, a inexistência de quaisquer actos administrativos reguladores da situação jurídica em apreço, e, por outro, que a acção administrativa intentada pela autora tem por objecto o reconhecimento de um direito assenta na existência de um facto anterior que o legitima, não podendo senão concluir-se, como fez a sentença recorrida, no sentido de que a acção intentada pela autora constitui, de facto, uma acção condenatória enquadrável no âmbito da previsão das alíneas i) e j) do nº 1 do artigo 37º do CPTA e, portanto, que podia ser proposta pela autora a todo o tempo, nos termos do artigo 41º, também do CPTA.


14. Acresce que, quanto ao argumento do recorrente de prescrição da alegada dívida da entidade demandada, por efeito do disposto no DL nº 155/92, de 28 de Julho, na situação em apreço, está em causa o direito a créditos laborais litigiosos e, como tal, nunca reconhecidos. Não estão, pois, em causa, como o recorrente alega, dívidas liquidadas em anos anteriores, ainda não pagas, pelo que não se incluem no conceito de “despesas de anos anteriores” a que se refere o referido nº 3 supra-transcrito.


15. Tem sido este, de resto, o entendimento uniforme da jurisprudência administrativa, como revela o acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 18-11-2016, proc. nº 00184/12.5..., e também o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 12-9-2018 cujos excertos se citaram no corpo destas contra-alegações.


16. Assim, contrariamente ao que o recorrente alega, aplica-se o prazo de 1 ano após a data da cessação do contrato: artigos 337º do CT e 4º LGTFP, visto que se trata de um crédito a favor do trabalhador, emergente do contrato de trabalho.


17. E, como no caso, o contrato de trabalho ainda não cessou, não há lugar à prescrição de créditos laborais.


18. Trata-se de norma especial que expressamente consagra este regime prescricional autónomo para créditos laborais.


19. Nunca ocorreu qualquer aceitação do acto, com relevância impeditiva de o recorrente prosseguir na reclamação objecto dos autos, porque a sua não oposição não se confunde com a aceitação dos efeitos que o recorrente pretende imputar a essa vicissitude.


20. A mesma transição ocorreu e implicou a alteração na relação de trabalho existente, sendo que o recorrente lhe aplicou efeito e consequências jurídicas, que violam a lei.


21. Donde dessa transição não decorre a legalização do acto ilegal praticado, mas apenas a constatação da sua ocorrência, estando a recorrida plenamente em tempo de a invocar e suscitar a sua correcção, por violador dos direitos laborais emergente para a sua posição.


22. Como a recorrida teve já oportunidade de invocar nos autos, contrariamente ao que o recorrente alega, jamais a recorrida aceitou qualquer acto de integração em nova carreira, que verdadeiramente nunca existiu, nem sequer tendo sido chamada a pronunciar-se quanto à transição ocorrida, que se lhe impôs.


23. O que ocorreu, foi que o recorrente incorreu em manifesta ilegalidade quanto aos efeitos que fez decorrer dessa transição para uma nova carreira, tratando-a como uma alteração ou progressão remuneratória no âmbito da categoria detida pela autora, que efectivamente não existe; como até decorre do artigo 10º do citado DL nº 187/2015.


24. Finalmente, quanto ao argumento da mudança de carreira da recorrida, no sentido de que deve considerar-se que esta perdeu os pontos que detinha anteriormente resultante da avaliação de desempenho realizada durante o posicionamento remuneratório anterior.


25. Tal como a douta sentença correctamente identifica, o que ocorreu no caso da recorrida foi simplesmente de um ajustamento remuneratório emergente de transição para uma nova carreira, por imperativo legal, e não de uma qualquer alteração ou progressão remuneratório no âmbito da categoria.


26. Nesse sentido é expresso o próprio DL nº 187/2015, que assim o prevê expressamente como respectivo objectivo. Igualmente assim decorre do artigo 10º do citado DL.


27. Logo, como adequadamente fundamentou a sentença recorrida, não podia ter lugar aqui a aplicação da “regra geral de alteração do posicionamento remuneratório”, prevista no artigo 156º da Lei nº 35/2014, pois como o respectivo texto expressamente enuncia, esta reporta-se exclusivamente à possibilidade de alteração do posicionamento remuneratório na categoria em que já se encontra o trabalhador com vínculo de emprego público, o que manifestamente não é o caso dos autos.


28. Além disso, conforme resulta claramente da sentença recorrida, esta questão já foi apreciada jurisprudencialmente, nomeadamente no âmbito de outras carreiras especiais, como a carreira especial de enfermagem, em que o Tribunal Central Administrativo Norte, no acórdão de 20-12-2022, seguindo também o que já havia defendido no seu acórdão anterior de 13-5-2022, se pronunciou no sentido de que: “Do que se trata aqui, portanto, é do ajustamento remuneratório emergente da transição para uma nova categoria da carreira de enfermagem e não de uma qualquer alteração ou progressão remuneratória no âmbito da categoria da categoria de enfermagem em que já se encontrava[m] o[s] enfermeiro[s].


Logo, não pode ter lugar aqui a aplicação da “Regra geral de alteração do posicionamento remuneratório” prevista no artigo 156º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, pois que esta reporta-se exclusivamente à possibilidade de alteração do posicionamento remuneratório na categoria em que já se encontra o trabalhador com vínculo de emprego público, o que não é, verdadeiramente, o caso dos autos”.


29. Nesta conformidade, é manifesto que a transição verificada para a categoria de técnico superior especialista em estatística por parte da recorrida não tem por consequência, como alegado pelo recorrente, a perda ou inutilização dos pontos obtidos pela recorrida e acumulados até à data em que ocorreu aquela transição”.


5. O Digno Procurador-Geral Adjunto junto deste TCA Sul, devidamente notificado para o efeito, emitiu douto parecer, no qual sustenta que o recurso não merece provimento.


6. Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projecto de acórdão aos Exmºs Juízes Adjuntos, vêm os autos à conferência para julgamento.


II. OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A DECIDIR


7. As questões a apreciar no presente recurso estão delimitadas pelo teor da alegação de recurso apresentada pela entidade recorrente e respectivas conclusões, nos termos dos artigos 635º, nº 4 e 639º, nºs 1 a 3, todos do CPCivil, não sendo lícito ao tribunal de apelação conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso.


8. E, face ao teor das conclusões exaradas na alegação do Instituto Nacional de Estatística, IP, importa apreciar e decidir se a decisão sob recurso padece, ou não, dos assacados erros de julgamento de direito, ao não ter reconhecido a existência das excepções de caducidade do direito de acção, nomeadamente por violação do disposto no artigo 38º, nº 2 do CPTA [conclusões B) a L)], de prescrição parcial dos créditos exigidos, nos termos do artigo 34º, nº 3 do DL nº 155/92, de [conclusões B) a L)], de impugnabilidade do acto, por aceitação dos respectivos efeitos, nos termos previstos no artigo 56º do CPTA; e, quanto ao respectivo mérito, dos demais erros de julgamento de direito imputados à decisão recorrida.


III. FUNDAMENTAÇÃO


A – DE FACTO


9. A sentença recorrida considerou assente a seguinte factualidade:


i. A autora foi admitida por conta, ao serviço e sob a direcção do réu, em 12-3-1990, através de um contrato de trabalho a termo certo, convolado em contrato de trabalho sem termo em 12-1-1993 – cfr. PA e fls. 1 a 3 e admissão por acordo;


ii. A partir de 1 de Outubro de 2015, a autora passou a deter a categoria de técnico superior de especialista em estatística, e a estar integrada na mencionada carreira de regime especial – facto não controvertido;


iii. A autora, até 1 de Outubro de 2015, auferia a retribuição mensal decomposta por € 1.558,60, paga sob a designação de “Tempo normal”, e por € 126,12, paga sob a designação de “Diuturnidades” – cfr. doc. nº 1 junto com a PI;


iv. A autora, com a transição para a nova carreira, passou a auferir do réu, uma retribuição mensal de € 1.870,88, paga sob a designação de “nível remuneratório” – cfr.


doc. nº 2 junto com a PI;


v. Pelo menos desde o ano de 2004, que a autora estava sujeita a avaliações de desempenho no âmbito da sua carreira – cfr. docs. nºs 3 e 4 juntos com a PI;


vi. Em 2015, a autora tinha acumulado 9 pontos dos anos de 2004 e seguintes no âmbito do processo Sistema Integrado de Gestão e Avaliação do Desempenho na Administração Pública – SIADAP – cfr. docs. nºs 3 e 4 juntos com a PI;


vii. O Conselho Directivo do réu veio a entender e a considerar que a autora perdera os pontos obtidos nas avaliações de desempenho na carreira anterior, deixando de reconhecer o crédito de pontos obtido à autora a partir de Outubro de 2015 para efeitos da obrigatória alteração do posicionamento remuneratório da autora – cfr. PA a fls. 8 a 12.


B – DE DIREITO


10. Comecemos por apreciar se a decisão sob recurso padece de erro de julgamento, ao não ter considerado procedentes as excepções da caducidade do direito de acção, da violação do disposto no artigo 38º, nº 2 do CPTA, da prescrição parcial dos créditos reclamados, nos termos do artigo 34º, nº 4 do DL nº 155/92, de 28/7, e da aceitação do acto, prevista no artigo 56º, nº 1 do CPTA.


11. As questões colocadas sobre a matéria das excepções invocadas pelo recorrente (caducidade do direito de acção, aceitação do acto e prescrição) foram tratadas muito recentemente em dois acórdãos do STA – no âmbito de processos em tudo semelhantes ao presente –, de 3-7-2025, proferido no âmbito do proc. nº 3807/23.7... (julgamento ampliado do recurso), e de 10-7-2025, proferido no âmbito do proc. nº 1188/24.0... BELSB, tendo as mesmas sido refutadas, com os seguintes fundamentos:


(…)


11. No acórdão recorrido foram conhecidas as excepções suscitadas de caducidade do direito de acção, de prescrição, e da aceitação da perda dos pontos do SIADAP, tendo as mesmas sido julgadas improcedentes.


12. Quanto à excepção de caducidade do direito de acção escreveu-se no acórdão recorrido:


“Em primeiro lugar, trazemos à colação que se sumaria no Acórdão do TCA Norte, Processo nº 0054/12.9..., de 18 de Novembro de 2016, in www.dgsi.pt que “O acto de processamento de vencimentos apenas pode ser considerado como um acto administrativo se traduzir uma definição inovatória e voluntária, por parte da Administração, no exercício do seu poder de autoridade, sobre um problema concretamente colocado. Não se pode, assim, considerar acto administrativo o processamento mecanizado mensal dos vencimentos, elaborados normalmente pelos serviços administrativos e financeiros, mas onde não existe uma qualquer definição sobre um problema concreto”.


Ora, verificamos que não foi mediante o processamento inscrito no recibo de vencimentos no decurso dos anos, que a recorrida foi alicerçando o pedido e a causa de pedir da acção sub juditio.


É que a sua pretensão principal foi ver reconhecido o direito à atribuição, em ordem à inerente avaliação de desempenho, dos pontos adstritos a cada ano de trabalho desde 2004 a 2015.


Em segundo lugar, a Nota Informativa nº ..., datada de 27 de Janeiro de 2017, a cargo do recorrente e dirigida à Comissão de Trabalhadores do INE, que deu conta do entendimento adoptado quanto a esta matéria, não serve de argumentação quanto a uma não oponibilidade jurisdicional.


Isto porque, como singelamente o mencionado documento se intitula “Nota Informativa”, mais não é que uma nota opinativa, logo não vinculativa, por um lado, não se caracterizando como um acto administrativo em que o recorrente imbuído de poderes de autoridade, produz definições jurídicas reguladoras de casos individuais e concretos, e por outro lado não são expectáveis sanções se as orientações não forem cursadas.


Donde, o documento em análise qualifica-se, apenas, como uma recomendação que não só não dita que a recorrida não estivesse em tempo de instaurar a acção que nos ocupa, como não serve de mote a impedir a sua materialização.


Em conclusão, não se consolidou na ordem jurídica, a não atribuição por banda do recorrente dos pontos devidos em sede de avaliação de desempenho sobre o exercício de funções da recorrida durante os anos de 2004 a 2015.


13. Toda a argumentação do INE, IP, neste ponto, parte de um pressuposto errado ao centrar a defesa da sua tese no facto de ter existido um acto administrativo sindicável pela autora/recorrida, concretamente, o acto decorrente do recibo de vencimentos do dia 23.10.2015, diverso do referente ao mês anterior (Setembro de 2015), pois que aquele suporta uma diferença remuneratória – cfr. alíneas E) e F) dos factos provados.


14. Porém, se o acto de processamento de vencimentos, em geral, não é um acto administrativo impugnável, no caso concreto dos autos, além do “Boletim Discriminativo da Retribuição Mensal”, de Outubro de 2015, não fazer referência a qualquer perda (ou não) de pontos acumulados decorrentes de anteriores “avaliações – SIADAP”, o mesmo apenas permite verificar a mudança de carreira da autora – passagem da carreira geral de técnico superior para a carreira de regime especial de Técnico Superior Especialista em Estatística do INE, IP, criada pelo Decreto-Lei nº 187/2015, de 7 de Setembro, com o consequente reajustamento do posicionamento remuneratório detido pelos trabalhadores do INE, IP.


Ou seja, não traduz qualquer definição inovatória por parte do INE, IP, no exercício do seu poder de autoridade, relativamente à situação jurídica em causa.


15. Ora, a autora alicerçou o pedido e a causa de pedir da presente acção no reconhecimento do direito à atribuição, subsequente da anual avaliação de desempenho, dos pontos adstritos a cada ano de trabalho desde 2004 a 2015 e daí obter os inerentes proventos remuneratórios.


16. Igualmente, não se pode qualificar como acto administrativo a “Nota Informativa nº ..., de 27-1-2017”, sendo antes apenas e só um documento que presta uma determinada informação – nada decide – que não é vinculativa e, aliás, nem sequer foi notificada à autora, mas antes dirigida à Comissão de Trabalhadores do INE, IP – cfr. al. G) do probatório.


17. Ou seja, a decisão do TCA Sul neste ponto é acertada, pois que inexiste qualquer acto administrativo a impugnar – artigo 50º, nº 1 do CPTA –, e, portanto, a acção não está sujeita ao prazo de propositura de 3 meses do artigo 58º, nº 1, alínea b) do CPTA. A autora utilizou – e bem – a acção de reconhecimento de direito – artigo 2º, nº 2, alínea f) do ETAF, e artigo 37º, nº 1, alíneas i) e j) do CPTA –, com possibilidade de ser proposta a todo o tempo de acordo com o artigo 41º do CPTA.


18. Sendo que, atendendo à causa de pedir e pedido apresentados, correspondendo ao meio processual efectivamente adequado, não se verifica, assim, caducidade do direito de acção, inimpugnabilidade do acto e nem sequer inidoneidade do meio processual utilizado.


19. Quanto à prescrição parcial dos créditos reclamados, também carece de razão a alegação recursória do recorrente.


20. Efectivamente, o prazo prescricional estabelecido no Decreto-Lei nº 155/92, de 28 de Julho, para a obrigatoriedade de reposição de quantias recebidas que devam entrar nos cofres do Estado, reporta-se exclusivamente à exigibilidade ou à possibilidade de cobrança de um crédito preexistente a favor do Estado (neste sentido, i.a. os acórdãos deste STA, de 5-7-2005 (Pleno), proc. nº 159/04, e de 23-5-2006, proc. nº 1024/04).


21. Na verdade, a alegada prescrição dos créditos além de três anos, contados desde a citação nos autos, nos termos previstos no Decreto-Lei nº 155/92, de 28 de Julho (Regime de Administração Financeira do Estado), não tem qualquer aplicação concreta ao caso dos autos, na medida em que este diploma legal tem a ver com dívidas liquidadas e reconhecidas em anos anteriores e ainda não pagas (nº 3 do artigo 34º do Decreto-Lei nº 155/92, de 28 de Novembro).


22. Como afirmado no acórdão recorrido, é igualmente inaplicável o artigo 337º do Cód. do Trabalho, na medida em que, além do mais, não está em causa qualquer crédito laboral de contrato que tenha cessado. A autora/recorrida continua em funções no INE, IP, apenas mudou de carreira ao abrigo do nº 3 do artigo 12º do Decreto-Lei nº 187/2015, de 7 de Setembro.


23. Com o que improcede, igualmente, este fundamento do recurso.


24. Quanto à alegada aceitação da perda dos pontos do SIADAP, sustenta o recorrente que ao aceitar mudar de carreira a recorrida, tacitamente, aceitou como perdidos os pontos acumulados, o que corresponderia à aceitação do acto com as consequências inerentes, nos termos do nº 1 do artigo 56º do CPTA. Mas sem razão.


25. Com efeito, dos autos não se evidencia que a autora, e aqui recorrida, alguma vez tenha aceitado a perda dos pontos adquiridos, nas avaliações de desempenho até 2015, na sequência da sua integração na carreira de técnico superior especialista em estatística, nos termos previstos no referido nº 2 do artigo 12º do Decreto-Lei nº 187/2015, de 7 de Setembro. Sendo que o facto de não se ter oposto à integração na nova carreira – nº 2 do artigo 11º –, se da parte da entidade pública não houve um sinal sequer que evidenciasse a perda desses pontos, também da não oposição por parte da autora à integração na nova carreira, não podemos concluir que aceitou essa perda de pontos.


26. Para que tal acontecesse, com as consequências inerentes ao artigo 56º do CPTA, tendo a transição ocorrido, ope legis, na sequência do referido artigo 11º, nº 2 do Decreto-Lei nº 187/2015, impunha-se que houvesse uma clara demonstração, por parte da autora, dessa aceitação. Algo que o INE, IP, não demonstra; e, de acordo com os factos assentes, minimamente não se pode sustentar que da actuação da trabalhadora tenha resultado um reconhecimento, sob alguma forma, de que os pontos


detidos seriam perdidos. Muito menos de que se esteja perante uma aceitação “espontânea e sem reserva” (artigo 56º, nº 2 do CPTA, não se mostrando aplicável o nº 3, dado não se estar perante situação de “oportunidade de execução” de qualquer acto).


27. Dito de outro modo, a circunstância de a autora e ora recorrida não se ter oposto à sua integração na carreira de técnico superior especialista em estatística, nos termos previstos no artigo 11º, nº 2 do Decreto-Lei nº 187/2015, de 7 de Setembro, não constitui aceitação da perda dos pontos obtidos nas avaliações de desempenho de 2004 a 2015, para efeitos do artigo 56º, nº 1 do CPTA”.


12. Por conseguinte, por não se verificarem as excepções invocadas pelo recorrente INE, IP, improcedem estes fundamentos de recurso.


* * * * * *


13. Resta então apreciar se assiste razão ao recorrente INE, IP, quanto ao mérito da pretensão deduzida pela recorrida, a qual obteve provimento na decisão recorrida, que reconheceu o direito da autora a manter os 6 (seis) pontos acumulados, atribuídos e reconhecidos até à data da transição para a carreira e categoria de técnico superior especialista em estatística, em 1-10-2015, após a referida transição e condenou o réu a considerar e relevar esses pontos acumulados na nova carreira e categoria para a qual transitou a autora, designadamente para efeitos de reposicionamento remuneratório, bem como no pagamento das diferenças remuneratórias que daí eventualmente resultem face ao que lhe foi pago, acrescidas dos juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal, desde a data em que cada uma das quantias relativas a essas diferenças remuneratórias deveriam ter sido pagas e até efectivo e integral pagamento.


14. E também aqui não deixaremos de acompanhar os acima citados acórdãos do STA, que decidiram a questão em sentido desfavorável à pretensão da aqui autora, com os seguintes fundamentos:


28. Entrando agora na questão de fundo a resolver, importa, tal como identificado no acórdão que admitiu a revista e salientado no despacho que determinou o julgamento do recurso nos termos do disposto no artigo 148º do CPTA, apreciar se a mudança de carreira importou (ou não) a perda de pontos obtidos e acumulados até à data da transição/mudança para a nova carreira, dos pontos SIADAP, entretanto acumulados, desde 2005.


29. Como já se disse, as Instâncias entenderam, de forma coincidente, que quando existe uma transição de carreira, isso não implica a perda ou destruição dos pontos obtidos até essa data para efeitos do SIADAP.


30. A recorrente alega que essa interpretação é contrária à sua e àquela que é sufragada pela Direcção-Geral da Administração e do Emprego Público (DGAEP), uma vez que houve uma mudança de carreira (passagem da carreira geral de técnico superior para a carreira de regime especial de Técnico Superior Especialista em Estatística do INE, IP, criada pelo Decreto-Lei nº 187/2015), com a consequente alteração do posicionamento remuneratório detido pelos trabalhadores, iniciando-se, a partir dessa mudança de carreira/posicionamento remuneratório, uma nova contagem de pontos para efeitos de futura alteração de posicionamento remuneratório. Mais, em diplomas recentes o legislador, em situações de valorização remuneratória resultantes de reestruturações de tabelas remuneratória e mudanças de carreira, tem introduzido normas especiais para evitar a perda de pontos do SIADAP pelos trabalhadores, o que significa que reconhece que a norma geral do artigo 156º, nºs 2 e 7 da LTFP seria aplicável a essas situações e por isso teve de criar normas especiais para evitar a sua aplicação.


Vejamos então.


31. É certo que a norma do artigo 156º da LTFP, com a redacção introduzida pelo Decreto-Lei nº 84-F/2022, de 16 de Dezembro, veio acolher no nº 8 a solução do aproveitamento dos pontos.


32. Porém, do preâmbulo do diploma resulta a sua aplicação apenas para o futuro; isso é incontornável. Veja-se que se afirma expressamente que “[é] ainda introduzida uma alteração à LTFP no sentido de acomodar solução que permita, para efeitos de alteração do posicionamento remuneratório do trabalhador, a acumulação dos pontos remanescentes obtidos em sede de avaliação do desempenho, no sentido de os fazer relevar para efeitos de futura alteração”. Ou seja, essa possibilidade – a acumulação dos pontos remanescentes – não existia anteriormente e, por isso mesmo, é que o legislador criou/introduziu a alteração (que não se aplica retroactivamente).


33. Regime jurídico novo que não é aplicável à situação dos autos, uma vez que apenas entrou em vigor no dia 1.01.2023 (artigo 24º do Decreto-Lei nº 84-F/2022, de 16 de Dezembro).


34. Por outro lado, olhando para o diploma, importa convocar e interpretar o seu artigo 20º (disposição transitória) que dispõe que “[c]om a aplicação do disposto no presente decreto-lei o trabalhador mantém os pontos e correspondentes menções qualitativas de avaliação do desempenho para efeitos de futura alteração de posicionamento remuneratório”, em conjugação com o já referido artigo 24º, nºs 1 e 2. E daí só pode resultar a conclusão, tirada em obediência aos cânones da interpretação jurídica extraídos do artigo 9º do C. Civil, que após 1 de Janeiro de 2023 (nº 1 do artigo 24º) os trabalhadores mantêm os pontos em caso de futura alteração de posicionamento remuneratório (nº 1 do artigo 20º). E neste capítulo importa ainda referir que no artigo 24º o legislador apenas salvaguardou, ao nível da produção de efeitos com retroactividade, a actualização do subsídio de refeição (aqui com produção de efeitos a 1 de Outubro de 2022).


35. Para além de que para assumir natureza interpretativa, a lei teria expressamente de o dizer ou, pelo menos, de essa natureza se retirar do seu contexto. O que manifestamente não acontece aqui.


36. Como se disse no acórdão do STJ, de 8.02.2018, proc. nº 1092/16.6..., citando a Doutrina: “para que uma lei nova possa ser realmente interpretativa são necessários dois requisitos; que a solução do direito anterior seja controvertida ou pelo menos incerta; e que a solução definida pela nova lei se situe dentro dos quadros da controvérsia e seja tal que o julgador ou o intérprete a ela poderiam chegar sem ultrapassar os limites normalmente impostos à interpretação e aplicação da lei" (Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, J. Baptista Machado, Almedina, 1993, pág. 246/247). Ora, no caso, não só não ocorria controvérsia jurídica, como foi o próprio legislador a enunciar que o regime havia sido introduzido inovatoriamente.


37. A não ser assim o legislador teria usado uma outra qualquer formulação que viesse reconhecer a validade da solução da retroactividade, quer enunciando-a no preâmbulo do diploma, quer conferindo-lhe adequada forma normativa. Mas não, antes previu a possibilidade de manutenção dos pontos, em situações análogas à presente, apenas para as situações que viessem a ocorrer após a entrada em vigor do diploma (artigos 24º, nºs 1 e 2, e 20º do Decreto-Lei nº 84-F/2022, de 16 de Dezembro). E é sabido que se a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, a verdade é que não pode ser considerada uma interpretação que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.


38. Significa isto que, contrariamente ao concluído nas Instâncias, não se poderá aplicar o Decreto-Lei nº 84-F/2022, de 16 de Dezembro, enquanto matriz normativa de apoio à tese defendida pela autora e ora recorrida.


39. Neste âmbito, como alegado pelo recorrente, também o Decreto-Lei nº 110-A/2023, de 28 de Novembro, que efectuou uma alteração da estrutura remuneratória da carreira de regime especial de técnico superior especialista em estatística do Instituto Nacional de Estatística, IP, modificando o Decreto-Lei nº 187/2015, de 7 de Setembro, e introduzindo uma melhoria remuneratória, reconheceu como necessário que as valorizações remuneratórias efectuadas na carreira geral de técnico superior tivessem idêntica tradução, ainda no ano de 2023, nas carreiras especiais de técnico superior especialista em orçamento e finanças públicas e de técnico superior especialista em estatística do Instituto Nacional de Estatística, IP. E nesse diploma, no seu artigo 4º, nº 1, foi introduzida uma disposição de salvaguarda para efeitos de manutenção dos pontos, com efeitos a partir de 1 de Janeiro de 2023 (artigo 5º). Porém, no caso dos autos, essa salvaguarda não foi prescrita pelo legislador.


40. Mantendo-se a regra geral, quando o trabalhador integrar nova carreira/categoria, os pontos acumulados nas avaliações de desempenho sobre as anteriores funções serão perdidos, não podendo relevar para efeitos de futura alteração de posicionamento na nova carreira/categoria. Regra que se compreende porque este está numa nova posição, com funções diferentes e, assim, num novo ciclo avaliativo.


41. O artigo 156º da LTFP, no seu nº 7 (e nº 2), é claro no sentido de que, para efeitos de alteração obrigatória para a posição remuneratória imediatamente seguinte àquela em que o trabalhador se encontra, só relevam os pontos “nas avaliações do desempenho referido às funções exercidas durante o posicionamento remuneratório em que se encontram”.


42. Assim, e como referem Paulo Veiga e Moura e Cátia Arrimar, em anotação a este artigo 156º (cfr. Comentários à Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, Vol. I, 2014, p. 470): “[u]ma primeira nota para realçar que as menções em causa têm todas de ser obtidas durante o mesmo posicionamento remuneratório, o que significa que se o trabalhador mudar de posição remuneratória (seja na mesma categoria, seja por promoção à categoria superior, no caso de carreiras pluricategoriais, seja por mudança de carreira) deixará de beneficiar das menções que anteriormente lhe haviam sido atribuídas, as quais se tornam irrelevantes para efeitos de futuras alterações de posicionamento remuneratório, voltando a estar obrigado a perfazer as menções referidas no nº 2 do presente artigo na nova posição remuneratória”.


43. E continuam, a propósito do nº 7 do mesmo artigo (idem, pág. 472): “[n]o nº 7 do presente artigo consagra-se a única situação em que é obrigatório o empregador público proceder a uma alteração da posição remuneratória dos seus trabalhadores, pelo que, uma vez verificado o condicionalismo previsto em tal norma, assiste a estes o direito potestativo de exigirem a mudança para aposição remuneratória imediatamente seguinte da sua categoria, a qual produzirá efeitos a partir do dia 1 de Janeiro do ano em que se alcancem 10 pontos nas sucessivas avaliações de desempenho referentes ao posicionamento remuneratório em que se encontra o trabalhador”.


44. Assim, só terão relevo os pontos acumulados a partir de 2015, ano da mudança de carreira (e de posição remuneratória – cfr. artigo 12º do Decreto-Lei nº 187/2015). Solução distinta exigiria uma norma especial, a qual foi consagrada, nomeadamente e como já referido supra, no Decreto-Lei nº 110-A/2023, com efeitos a 1.01.2023 (diploma que alterou os níveis remuneratórios das carreiras especiais, mas ressalvou que o trabalhador mantém os pontos que tem para futuras alterações de posicionamento remuneratório).


45. Não pode aceitar-se a ideia de que não se está face a uma alteração do posicionamento remuneratório na categoria, tendo ocorrido apenas uma transição de carreira que não implica a perda ou destruição dos pontos obtidos até à data em que tal sucedeu. Como se viu, está expressamente previsto nos nºs 2 e 7 do artigo 156º da LTFP, aprovada pela Lei nº 35/2014, de 20 de Junho, relativamente aos trabalhadores do recorrente, para efeitos de alteração de posicionamento remuneratório, que relevam, apenas, as “avaliações do seu desempenho referido às funções exercidas durante o posicionamento remuneratório em que se encontram [sublinhado nosso]”. Aliás, no mesmo sentido dispunham os nºs 1 e 6 do artigo 47º da Lei nº 12-A/2008, de 27 de Fevereiro, quer na sua primitiva redacção, quer na redacção dada pela Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro.


46. Assim, sempre que o trabalhador muda de posição remuneratória, quer em resultado de alteração de posicionamento remuneratório propriamente dita, quer por qualquer outra razão, como, por exemplo, na sequência de procedimento concursal ou mudança de carreira, como é o caso destes autos, inicia-se um novo período de aferição das avaliações de desempenho relevantes para efeitos de futura alteração de posicionamento remuneratório, obrigatória ou por opção gestionária.


47. Também como alegado pelo recorrente, tendo-se verificado com o Decreto-Lei nº 187/2015 uma mudança de carreira (passagem da carreira geral de técnico superior para a carreira de regime especial de Técnico Superior Especialista em Estatística do INE, IP, criada pelo Decreto-Lei nº 187/2015), com a consequente alteração do posicionamento remuneratório detido pelos trabalhadores, inicia-se, a partir dessa mudança de carreira/posicionamento remuneratório, uma nova contagem de pontos para efeitos de futura alteração de posicionamento remuneratório, tanto mais que, neste caso concreto, a mudança de carreira teve, como um dos seus princípios enformadores, uma valorização remuneratória, que se traduziu, nos termos do nº 2 do artigo 12º do Decreto-Lei nº 187/2015, “no reposicionamento dos trabalhadores na posição remuneratória correspondente ao nível remuneratório imediatamente seguinte ao nível remuneratório ou à remuneração base que detinham na data da entrada em vigor do diploma”, podendo, mesmo, ocorrer uma valorização correspondente a um “salto” de duas posições, no caso de a alteração de uma posição remuneratória se mostrar inferior à 1ª posição remuneratória da nova carreira.


48. Donde, as avaliações de desempenho e as consequentes alterações obrigatórias para a posição remuneratória seguinte, têm de ser obtidas durante o posicionamento remuneratório em que os trabalhadores se encontram (“acumulação de 10 pontos nas avaliações de desempenho referido às funções exercidas durante o posicionamento remuneratório em que se encontra”). O que significa que se o trabalhador mudou de posição remuneratória por mudança de carreira, como sucedeu com a autora e ora recorrida, deixará de beneficiar dos pontos que anteriormente lhe foram atribuídos, os quais se tornam irrelevantes para efeito de futuras alterações de posicionamento remuneratório, voltando a estar obrigado a perfazer os pontos exigidos na nova posição remuneratória [8 pontos nas avaliações do desempenho nas mesmas funções e no mesmo posicionamento remuneratório].


49. Acresce que – o que não é contestado – com a mudança de carreira ocorreu já uma valorização remuneratória da autora e ora recorrente.


50. E se posteriores diplomas legais similares entenderam salvaguardar a manutenção dos pontos acumulados – que não a sua perda – tal não releva para o caso presente (ou pelo menos não releva com o sentido que foi dado pelas Instâncias). Repete-se que não foi criada, como vimos, a imprescindível norma legal transitória ou de salvaguarda, com efeitos retroactivos.


51. A adopção – ou não – de semelhante norma legal integra a liberdade de conformação do legislador em correspondência com o desenvolvimento e concretização das opções políticas definidas, no caso em matéria de reestruturação de carreiras da Administração Pública e das respectivas valorizações remuneratórias, em momentos temporalmente distintos, não cabendo aos tribunais substituir-se ao legislador nessa função. A inexistência de norma especial de salvaguarda no caso e a sua previsão no Decreto-Lei nº 84-F/2022, de 16 de Dezembro, e, também, no Decreto-Lei nº 110-A/2023, de 28 de Novembro, consubstancia uma opção político-legislativa; como o foi a opção de não conferir efeitos retroactivos às normas que vieram permitir a manutenção dos pontos acumulados pelo trabalhador em futura alteração de posicionamento remuneratório.


52. Isto estabelecido, poderia conjecturar-se, dada a comunicação dos pontos que foi feita pelo INE, IP, à autora, se não seria de aplicar o princípio da boa-fé administrativa, na vertente da tutela da confiança (artigo 10º, nº 2 do CPA). Mas contrariamente ao que, ainda que sem o afirmarem expressamente, se retira quer da sentença do TAC de Lisboa, quer do acórdão do TCA Sul, não se pode falar da aplicação do princípio da boa-fé, na vertente da tutela da confiança.


53. Na verdade, o princípio da boa-fé não vincula contra legem. Pode ser fundamento de auto-vinculação no domínio discricionário ou de responsabilidade civil [a violação da boa-fé pode configurar um facto ilícito gerador de responsabilidade civil], mas não de soluções que não encontrem respaldo na lei positiva (a confiança administrativa só vale se for legítima; i.e., conforme à lei). Neste sentido, o acórdão deste Supremo de 9.07.2014, proc. nº 1561/13, e extensa jurisprudência e doutrina aí recenseadas.


54. De resto, cremos que nem se poderá falar sequer de um comportamento gerador de confiança ou de uma situação de confiança. Como este STA tem evidenciado, no âmbito da actividade administrativa são pressupostos da tutela de confiança um comportamento gerador de confiança, a existência de uma situação de confiança, a efectivação de um investimento de confiança e a frustração da confiança por parte de quem a gerou (cfr. o acórdão de 21.09.2011, proc. nº 753/11).


55. Se atentarmos na advertência que consta no final do ofício endereçado à autora e dado como provado sob a alínea C), deste retira-se que os pontos acumulados apenas seriam susceptíveis de relevar dentro do mesmo nível remuneratório [“Ou seja, a acumulação dos 10 pontos é feita dentro do mesmo nível remuneratório e nas mesmas funções. Sempre que ocorrer alteração da posição remuneratória, ou da categoria profissional, passarão a relevar para a nova contagem as avaliações obtidas na nova categoria ou posição remuneratória”].


O mesmo decorrendo do texto da Nota Informativa dada como assente sob a alínea G), em que se refere: “[e]m síntese, a transição para a carreira especial de ... implicou alteração de posição remuneratória e correspondente valorização, pelo que os pontos acumulados resultantes das avaliações de desempenho dos ..., ocorridas nos anos anteriores ao biénio 2015/2016, face à legislação presentemente aplicável não releva, dado que os técnicos estão a exercer funções em posicionamento remuneratório superior./ Contudo, esta questão da valorização remuneratória só se colocará efectivamente quando a lei do OE permitir o seu “descongelamento”, pelo que se desconhecem que regras serão aplicáveis na data em que tal lei for publicada”]. E o mesmo resulta do teor do ofício dado como provado sob a alínea H), em que, por referência da contagem dos pontos de 2010 a 2016, se destacou que os pontos não relevam, mas que tudo dependerá das regras que constarem da Lei do OE que proceda ao descongelamento. Em suma, não existe sequer confiança a merecer tutela.


56. Em síntese útil conclusiva, não estando previsto por norma especial qualquer regime de manutenção dos pontos acumulados, vale a regra geral de alteração do posicionamento remuneratório constante do artigo 156º da LGTFP, na versão original, a qual é aplicável às situações em que há uma mudança de carreira com a consequente alteração do posicionamento remuneratório, como no caso ocorreu. E não se poderá atribuir relevância aos princípios da boa-fé ou da confiança, quer porque no caso não se verificam os pressupostos para a sua aplicação, quer porque eles não podem prevalecer sobre o princípio da legalidade”.


Assim sendo, procede o presente recurso de revista quanto a este fundamento, pelo que deverá revogar-se o acórdão recorrido e a sentença proferida em 1ª instância na parte correspondente – conhecimento do mérito da acção – e, em consequência, julgar-se a acção improcedente, absolvendo-se o réu dos pedidos”.


15. Por conseguinte, o presente recurso procede quanto a este fundamento, com a consequente revogação da sentença do TAC de Lisboa, na parte em que reconheceu à autora – e aqui recorrida – o direito aos pontos obtidos no âmbito do processo de avaliação de desempenho até ao ano de 2015 na carreira de Técnico Superior de Estatística, condenou o réu a repor e considerar os pontos acumulados pela autora até ao ano de 2015, obtidos na sequência da avaliação de desempenho realizado e considerados perdidos como decorrência da transição para a carreira especial de Técnico Superior Especialista em Estatística, decorrente da revisão da carreira efectuada por força do artigo 11º do DL nº 187/2015, de 7/9, e ainda a promover todos os actos materiais devidos com vista à alteração do posicionamento remuneratório obrigatório da autora resultante da Lei nº 114/2017, de 29/12, e com a consideração dos pontos acumulados na sequência de avaliação de desempenho na carreira anterior até 2015 (9 pontos), julgando em consequência a presente acção improcedente, absolvendo-se o réu dos pedidos.


IV. DECISÃO


16. Nestes termos, e pelo exposto, acordam em conferência os juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo – Subsecção Social deste TCA Sul em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e, em consequência, julgar a presente acção improcedente, absolvendo o INE, IP, dos pedidos formulados.


17. Custas a cargo da autora (artigo 527º do CPCivil).


Lisboa, 23 de Outubro de 2025


(Rui Fernando Belfo Pereira – relator)


(Luís Borges Freitas – 1º adjunto)


(Maria Teresa Caiado – 2ª adjunta)