| Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
| Processo: | 5202/25.4BELSB | 
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| Secção: | CA | 
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| Data do Acordão: | 10/23/2025 | 
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| Relator: | JOANA COSTA E NORA | 
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| Descritores: | PRO ACTIONE TUTELA JURISDICIONAL EFECTIVA COOPERAÇÃO PROCESSUAL CONTRADITÓRIO FALTA DE CONCLUSÕES INDEFERIMENTO DO REQUERIMENTO DE INTERPOSIÇÃO DO RECURSO DESPACHO DE APERFEIÇOAMENTO | 
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| Sumário: | I -	Os princípios pro actione, da tutela jurisdicional efectiva, da cooperação processual e do contraditório não permitem que se contrarie ou se ultrapasse normas processuais para alcançar o conhecimento de mérito da causa, o que é completamente diferente de interpretar normas processuais de modo a promover tal conhecimento. II - Apenas na específica situação prevista no n.º 4 do artigo 146.º do CPTA (em que a alegação de recurso contra sentença proferida em processo impugnatório se limita à reafirmação dos vícios imputados ao acto impugnado) há lugar a despacho de aperfeiçoamento para formulação de conclusões em falta. III - Nas demais situações, o requerimento de interposição do recurso é indeferido quando a alegação do recorrente não contenha conclusões (artigo 145.º, n.º 2, alínea b), do CPTA), regra esta que, aliás, resulta também da alínea b) do n.º 2 do artigo 641.º do CPC. IV - Assim, nem a lei processual administrativa, nem a lei processual civil deixam qualquer margem para o convite à formulação das conclusões em falta, prevendo a regra geral do n.º 3 do artigo 639.º do CPC, que só há despacho de aperfeiçoamento quando as conclusões sejam deficientes, obscuras, complexas ou nelas se não tenha procedido às especificações a que alude o n.º 2 do mesmo artigo, e não quando haja omissão de conclusões, caso em que se impõe o indeferimento do recurso. | 
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| Votação: | Unanimidade | 
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| Indicações Eventuais: | Subsecção Administrativa Comum | 
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| Decisão Texto Integral: | ACÓRDÃO Acordam, em conferência, os juízes da subsecção comum da secção administrativa do Tribunal Central Administrativo Sul: I – RELATÓRIO J…, I…, J… E O…, recorrentes nos presentes autos, vieram reclamar para a conferência da decisão proferida pela relatora, que julgou findo o recurso por falta de formulação de conclusões na alegação de recurso, pedindo que a mesma seja revogada, com a consequente apreciação do recurso e, caso se entenda existir deficiência formal, que os recorrentes sejam convidados ao aperfeiçoamento das conclusões. Para o efeito, formula as seguintes conclusões: “1. A peça de recurso apresentada pelos Reclamantes continha todos os elementos necessários à identificação do objeto do recurso e dos fundamentos da apelação, cumprindo materialmente a função das conclusões. 2. A decisão sumária de rejeição do recurso viola o princípio pro actione, consagrado no artigo 2.º do CPTA, que impõe uma interpretação das normas processuais favorável ao acesso à justiça. 3. A decisão viola o princípio da cooperação, previsto no artigo 8.º do CPTA, ao não convidar os Reclamantes ao aperfeiçoamento da alegada deficiência formal. 4. A rejeição liminar, sem convite prévio ao aperfeiçoamento, constitui uma decisão-surpresa vedada pelo artigo 3.º, n.º 3, do CPC. 5. O processo envolve menores em situação de especial vulnerabilidade, pelo que o princípio do superior interesse da criança impõe uma análise cuidada das questões processuais. 6. A decisão viola o direito fundamental a uma tutela jurisdicional efetiva, consagrado no artigo 20.º da CRP, ao impedir a apreciação do mérito por razões puramente formais. 7. Deve a presente reclamação ser julgada procedente, revogando-se a decisão sumária e admitindo-se o recurso para apreciação do mérito.” A recorrida não se pronunciou sobre a reclamação apresentada. II – FUNDAMENTAÇÃO A decisão reclamada julgou findo o recurso por falta de formulação de conclusões na alegação de recurso, nos termos e com os seguintes fundamentos: “Nos termos do despacho que antecede, foram as partes notificadas para, no prazo de dez dias, se pronunciarem sobre a questão do não conhecimento do objecto do recurso, atenta a circunstância de a alegação de recurso não conter conclusões, conforme impõe o n.º 2 do artigo 144.º do CPTA. A recorrida pronunciou-se no sentido do indeferimento do requerimento de interposição de recurso por a alegação de recurso não conter conclusões. Os recorrentes afirmam que a falta de conclusões não obsta ao conhecimento do recurso e, subsidiariamente, requerem que seja proferido despacho de convite ao aperfeiçoamento, ao abrigo dos artigos 8.º e 146.º, n.º 4 do CPTA, e do artigo 639.º, n.º 3 do CPC, concedendo-lhes um prazo para apresentar as conclusões de forma sintetizada e autonomizada. Cumpre decidir da suscitada questão do não conhecimento do objecto do recurso por falta de conclusões - artigo 652.º, n.º 1, alínea b), do CPC. Nos termos do artigo 144.º, n.º 2, do CPTA, “O recurso é interposto mediante requerimento dirigido ao tribunal que proferiu a decisão, que inclui ou junta a respectiva alegação e no qual são enunciados os vícios imputados à decisão e formuladas conclusões.” Tal requerimento é indeferido quando “Não contenha ou junte a alegação do recorrente ou quando esta não contenha conclusões, sem prejuízo do disposto no n.º 4 do artigo 146.º” – artigo 145.º, n.º 2, alínea b), do CPTA. Dispõe o n.º 4 do artigo 146.º do CPTA que “Quando o recorrente, na alegação de recurso contra sentença proferida em processo impugnatório, se tenha limitado a reafirmar os vícios imputados ao ato impugnado, sem formular conclusões ou sem que delas seja possível deduzir quais os concretos aspetos de facto que considera incorretamente julgados ou as normas jurídicas que considera terem sido violadas pelo tribunal recorrido, o relator deve convidá-lo a apresentar, completar ou esclarecer as conclusões formuladas, no prazo de 10 dias, sob pena de não se conhecer do recurso na parte afetada.” Assim, apenas nesta específica situação – em que a alegação de recurso contra sentença proferida em processo impugnatório se limita à reafirmação dos vícios imputados ao acto impugnado -, há lugar a despacho de aperfeiçoamento para formulação de conclusões em falta. Como explicam Carlos Alberto Fernandes Cadilha e Mário Aroso de Almeida, “Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, 4.ª edição, Almedina, 2017, p. 1120, “Esta regra especial dirigiu-se a contrariar jurisprudência praticamente uniforme que entendia ser de julgar improcedente o recurso jurisdicional quando o recorrente, na sua alegação, se tivesse limitado a reeditar o alegado contra o ato impugnado, não imputando quaisquer vícios à decisão judicial recorrida, a qual tinha por base o argumento meramente formal de que o objeto do recurso jurisdicional era o acórdão recorrido e não o ato administrativo contenciosamente impugnado.” Nas demais situações, é aplicável a regra geral do n.º 3 do artigo 639.º do CPC, da qual resulta que só há despacho de aperfeiçoamento quando as conclusões sejam deficientes, obscuras, complexas ou nelas se não tenha procedido às especificações a que alude o n.º 2 do mesmo artigo, e não quando haja omissão de conclusões, caso em que se impõe o indeferimento do recurso, nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo 641.º do CPC, sem qualquer convite à formulação das conclusões em falta. Nos presentes autos, com o requerimento de interposição do recurso, os recorrentes juntaram somente alegações, sem formular conclusões, sem que esteja em causa a específica situação a que se reporta o n.º 4 do artigo 146.º do CPTA. Com efeito, a alegação de recurso apresentada não se limita à reafirmação dos vícios imputados ao acto impugnado, contendo os fundamentos que sustentam o recurso, correspondentes aos erros de julgamento que os recorrentes imputam concretamente à sentença recorrida: “Errónea Valoração da Prova e Omissão de Pronúncia sobre Facto Essencial”, “Cerceamento do Direito à Produção de Prova e Violação do Princípio do Contraditório”, “Desvalorização dignidade Humana e pelos Direitos Fundamentais”, “Violação do Direito a um Processo Equitativo e à Compreensão da Língua” e “Omissão de Consideração do Interesse Superior da Criança”. Assim, na situação em apreço, a falta de formulação de conclusões obsta ao conhecimento do objecto do recurso, apesar de o mesmo ter sido admitido pelo Tribunal a quo, pois, nos termos do n.º 5 do artigo 641.º do CPC, aplicável ex vi artigo 140.º, n.º 3, do CPTA, a decisão que admita o recurso não vincula o Tribunal superior, incumbindo ao relator verificar se alguma circunstância obsta ao conhecimento do recurso - artigo 652.º, n.º 1, alínea b), do CPC.” Alegam os reclamantes que a decisão reclamada viola o princípio pro actione (artigo 2.º do CPTA) e o direito fundamental a uma tutela jurisdicional efectiva (artigo 20.º da CRP), ao impedir a apreciação do mérito da acção (que envolve menores em situação de especial vulnerabilidade) por razões puramente formais, contendo a alegação de recurso os elementos necessários à identificação do objecto do recurso e dos fundamentos da apelação, cumprindo materialmente a função das conclusões. Mais alegam que a decisão reclamada viola o princípio da cooperação (artigo 8.º do CPTA), ao não convidar os reclamantes ao aperfeiçoamento da alegada deficiência formal, constituindo uma decisão-surpresa, vedada pelo artigo 3.º, n.º 3, do CPC. Todavia, não lhes assiste razão. O princípio da “Promoção do acesso à justiça” dispõe que, “Para efetivação do direito de acesso à justiça, as normas processuais devem ser interpretadas no sentido de promover a emissão de pronúncias sobre o mérito das pretensões formuladas.” (artigo 7.º do CPTA), consagrando o princípio pro actione. O princípio da tutela jurisdicional efectiva corresponde a um direito fundamental dos cidadãos, que está consagrado nos artigos 20.º, n.º 1, e 268.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa, e surge concretizado no artigo 2.º, n.º 1, do CPTA, norma em que se estabelecem as três dimensões que o mesmo compreende: a dimensão declarativa, que se reconduz à apreciação de uma pretensão; a dimensão cautelar, que se traduz na adopção de medidas para assegurar o efeito útil da acção declarativa; e a dimensão executiva, que tem a ver com a possibilidade de execução da decisão declarativa. O princípio da cooperação processual, consagrado no n.º 1 do artigo 8.º do CPTA, tem a ver com a cooperação que deve existir entre os vários intervenientes processuais (magistrados, mandatários e partes) na condução e intervenção no processo, com brevidade e eficácia, com vista à justa composição do litígio. O princípio do contraditório, concretizado no n.º 3 do artigo 3.º do CPC, estabelece que não é lícito ao juiz “decidir questões de direito ou de facto (…) sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem”, sob pena de ser proferida uma decisão surpresa, inesperada. Sucede que tais princípios não permitem, num plano distinto, que se contrarie ou se ultrapasse normas processuais para alcançar o conhecimento de mérito da causa, o que é completamente diferente de interpretar normas processuais de modo a promover tal conhecimento. Ora, o artigo 144.º, n.º 2, do CPTA impõe ao recorrente a formulação de conclusões, determinando o artigo 145.º, n.º 2, alínea b), do CPTA que, sem prejuízo do disposto no n.º 4 do artigo 146.º, o requerimento de interposição do recurso é indeferido quando a alegação do recorrente não contenha conclusões. Como se explica na decisão reclamada, apenas na específica situação – prevista naquele n.º 4 do artigo 146.º - em que a alegação de recurso contra sentença proferida em processo impugnatório se limita à reafirmação dos vícios imputados ao acto impugnado há lugar a despacho de aperfeiçoamento para formulação de conclusões em falta, não sendo esse o caso dos autos. Nas demais situações, a lei é clara: o requerimento de interposição do recurso é indeferido quando a alegação do recorrente não contenha conclusões, regra esta que, aliás, resulta também da alínea b) do n.º 2 do artigo 641.º do CPC. Assim, nem a lei processual administrativa, nem a lei processual civil deixam qualquer margem para o convite à formulação das conclusões em falta, prevendo a regra geral do n.º 3 do artigo 639.º do CPC, que só há despacho de aperfeiçoamento quando as conclusões sejam deficientes, obscuras, complexas ou nelas se não tenha procedido às especificações a que alude o n.º 2 do mesmo artigo, e não quando haja omissão de conclusões, caso em que se impõe o indeferimento do recurso. Nos presentes autos, com o requerimento de interposição do recurso, os recorrentes juntaram somente alegações, sem formular conclusões, sem que esteja em causa a específica situação a que se reporta o n.º 4 do artigo 146.º do CPTA, omissão essa que, necessária e inevitavelmente – por aplicação do disposto no artigo 145.º, n.º 2, alínea b), do CPTA -, obsta ao conhecimento do objecto do recurso. Finalmente, tendo os reclamantes sido notificados para se pronunciarem sobre a questão de a falta de formulação de conclusões obstar ao conhecimento do recurso, mostra-se cumprido o princípio do contraditório, não sendo a decisão da reclamação uma decisão surpresa. Ante o exposto, indefere-se a reclamação para a conferência, confirmando-se a decisão sumária da relatora. *Sem custas, nos termos do artigo 84.º da Lei n.º 27/2008, de 30 de Junho. III – DECISÃO Pelo exposto, acordam os juízes da Subsecção comum da Secção administrativa do Tribunal Central Administrativo Sul em indeferir a reclamação para a conferência e confirmar a decisão sumária da relatora, que julgou findo o recurso por falta de formulação de conclusões na alegação de recurso. Sem custas. Lisboa, 23 de Outubro de 2025. Joana Costa e Nora (Relatora) Marta Cavaleira Lina Costa |