Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:496/16.9BESNT-A
Secção:CA
Data do Acordão:07/15/2025
Relator:ANA CRISTINA LAMEIRA
Descritores:PRESCRIÇÃO; ARTIGO 323º DO CC
(NÃO) INTERRUPÇÃO PRAZO
Sumário:I. A interrupção do prazo prescricional, em data anterior à realização da citação ou notificação, por força do benefício previsto no n.º 2 do artigo 323.º do CC, só operará se a citação ou notificação tiver sido requerida, pelo menos, cinco dias antes do termo do prazo de prescrição e não tiver sido efectuada por causa não imputável ao requerente.
II. Além de que o efeito interruptivo apenas ocorre caso o prazo prescricional se mantenha em curso nos cinco dias posteriores à propositura da acção.
IV. Em todo o caso, não foi requerida e citação urgente e sobretudo, nessa data (14.11.2014, envio da p.i. por fax) foi invocado justo impedimento, o que sempre dependeria de despacho e diligências prévias – vide artigo 140º do CPC situação que só viria a ser estabilizada, conforme despacho de 11.12.2014, em que foi admitida a apresentação da peças processuais por fax após despacho de rejeição da p.i. datado de 9.12.2014 (vide fls. 38 e 51 do processo 2181/14.7T8CSC/petição inicial SITAF no processo electrónico principal) -, ainda assim sempre ficaria prejudicada a pretendida interrupção uma vez que o prazo prescricional se esgotaria no decurso dos cinco dias, ou seja em 18.11.2014.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção Administrativa Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul
(Subsecção Administrativo Comum)
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I. RELATÓRIO


AdC-ÁGUAS de CASCAIS, Ré e A..... – SUCURSAL EM PORTUGAL, Interveniente principal, vieram cada uma, separadamente, interpor recurso jurisdicional do Despacho Saneador proferido pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, em sede de audiência prévia, que julgou improcedente a excepção peremptória de prescrição do direito indemnizatório reclamado pelos Autores no presente processo.

A AdC, Ré nos autos à margem referenciados, ora Recorrente, na sua Alegação recursiva formulou as seguintes conclusões:
“a) O prazo prescricional do direito dos Autores, ora recorridos, é de 3 anos (cfr. artigo 5.º da Lei n.º 67/2007, de 31/12, que remete para o artigo 498.°, nº 1, do Código Civil);
b) Os Autores, ora recorridos, formularam pedido indemnizatório por factos alegadamente ocorridos em 18 de Novembro de 2011, cuja ocorrência imputam à Ré, ora recorrente;
c) Sendo que o mencionado n.º 1 do artigo 498.º do Código Civil estipula que o "direito de indemnização prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos (...)";
d) Tal significa que, tendo os factos, cuja ocorrência os Autores imputam à Ré, ora recorrente, alegadamente ocorrido em 18 de Novembro de 2011, é a partir desta data que se conta o prazo prescricional de 3 anos previsto no n.1 do artigo 498.º do Código Civil;
e) A acção dos autos deu entrada em juízo, no Tribunal Judicial de Cascais, em 17 de Novembro de 2014;
f) Os Autores não requereram a citação urgente (prevista no artigo 561.º do Código do Processo Civil);
g) A Ré, ora recorrente, foi citada nos autos, para contestar, em 19 de Maio de 2015, conforme aviso de recepção junto aos autos;
h) A Ré, ora recorrida, na sua contestação - bem como a Interveniente A..... , Sucursal em Portugal, na respectiva contestação - invocou a excepção de prescrição de 3 anos, do direito de indemnização dos Autores, ora recorridos;
i) Na decisão proferida, constante do despacho saneador, na qual a Meritíssima Juíza do tribunal "a quo" declarou a inexistência de prescrição, no fundo, constituindo decisão sobre o mérito da causa, aquela magistrada não teve em consideração o artigo 323.º, n.º 1, do C. Civil estabelece que "a prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente";
j) Igualmente, a decisão ora recorrida, não teve em conta o n.º 2 daquele artigo 323.º do C. Civil, estipulando que "se a citação ou notificação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias";
k) Nos termos do n.º 2 do artigo 323.ª do C. Civil, considera-se a prescrição interrompida no 6.º dia após a citação ter sido requerida (isto é, no caso dos autos, em 23 de Novembro de 2014);
1) Pelo que, mesmo que se considere que a data relevante para a interrupção da prescrição é anterior à do recebimento pela Ré, da citação, é a de 23 de Novembro de 2014, como esta última data é posterior ao último dia do prazo de prescrição de 3 anos, previsto no artigo 5.º da Lei n.º 67/2007, de 31/12, que remete para o artigo 498.°, nº 1, do Código Civil, aplicável aos autos (ou seja, é posterior à data de 17 de Novembro de 2014, último dia do prazo prescricional de 3 anos), a data de 23 de Novembro de 2014 não podia ser considerada como data de interrupção da prescrição, em virtude de nessa data já se encontrar prescrito o direito dos Autores;
m) Visto o prazo de prescrição já ter decorrido na sua totalidade, produzindo prescrição efeitos a partir de 18 de Novembro de 2014 (1.º dia após o prazo de 3 anos de prescrição);
n) Mesmo que, por hipótese, se considere que só haveria interrupção da prescrição no 6.º dia após ter sido requerida a citação, caso esta última tivesse sido requerida no prazo de 5 dias antes do decurso do prazo prescricional, nos termos do art.º 323, n.º 2, do Código Civil, nesse caso, como a citação só foi requerida no último dia do prazo de prescrição de 3 anos - em 17 de Novembro de 2014 - não se poderia considerar o 6.° dia como dia de interrupção da prescrição;
o) Inexistindo qualquer interrupção do prazo de prescrição, em apreço;
p) Pelo que, em qualquer dos entendimentos, que, eventualmente, se possam considerar para o caso dos autos, não existiu qualquer interrupção do prazo de prescrição, em apreço;
q) A prescrição estava já consumada quando ocorreu a citação, e o requerimento para tal, da Ré, ora recorrente;
r) Foram violados os n.ºs 1 e 2 do artigo 323.º do Código Civil;
s) Sobre matéria relacionada com a matéria da interrupção da prescrição em conexão com a entrada da petição inicial/ requerimento de citação em juízo, existe Jurisprudência vária, apontando no sentido de que quem pretenda beneficiar do n.º 2 do artigo 323.º do Código Civil tem de requerer a citação antes de cinco dias do termo do prazo prescricional e evitar que o eventual retardamento da citação lhe seja imputável;
t) Jurisprudência de que são exemplo os acórdãos seguintes: Acórdão do STJ de 14/05/2002, Proc. n.º 1159/02; o Acórdão do STJ, de 30/04/96, Proc. n.º 087981; Acórdão da Relação do Porto de 27/11/2008, Proc. nº 0836327; o Acórdão da Relação de Lisboa de 29/06/2006, Proc. nº 5202/2006-6; o Acórdão da Relação de Évora, de 27/03/2014, Proc. n.º 2452/11.4TBSTR; e o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 15/10/2015, Proc. n.º 05487/09 todos disponíveis em www.dgsi.pt ;
u) Ao decidir como decidiu, o Tribunal "a quo", não interpretou correctamente e não teve, em conta, como devia - para poder retirar as devidas ilações, com interesse para uma boa decisão dos autos as normas contidas nos n.ºs 1 e 2 do artigo 323.º e n.º 1 do artigo 498.º, todas do Código Civil;
v) Mais, o mesmo Tribunal "fez tábua rasa", violando o consignado nesses preceitos legais;
w) O entendimento do Tribunal "a quo" não foi o correcto e adequado a um bom julgamento, resultando tal entendimento, claramente, de um erro de julgamento, de apreciação e de aplicação do Direito ao caso vertente;
x) Pelo supra exposto, deverá o presente Recurso merecer provimento e, em consequência, deve ser revogado o despacho recorrido, substituindo-se este por Acórdão que, decidindo que se verifica a prescrição, absolva do pedido a Ré, ora recorrente, bem como a Interveniente A..... , Sucursal em Portugal.
Termos em que deve ser revogado o despacho recorrido, substituindo-se este por Acórdão que, decidindo que se verifica a prescrição, absolva do pedido a Ré, ora recorrente, bem como a Interveniente A..... , Sucursal em Portugal”.

Por seu turno, a Interveniente A..... – SUCURSAL EM PORTUGAL, também recorrente, nas suas Alegações formulou as seguintes conclusões:
“ A responsabilidade civil que está em causa nos autos é a responsabilidade civil extracontratual ou aquiliana;
O sinistro ocorreu, alegadamente, no dia 18 de Novembro de 2011;
A citação ocorreu no dia 19 de Maio de 2015;
Nos termos do artigo 498º do Código Civil, o direito de indemnização prescreve no prazo de três anos a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete;
A acção foi proposta no dia 17 de Novembro de 2014;
Contudo, o prazo prescricional interrompe com a citação e não com a mera interposição da acção em juízo;
Nesse sentido dispõe o artigo 323º do Código Civil;
E caso assim não fosse, esvaziar-se-ia de conteúdo e sentido útil a citação urgente, prevista no artigo 561º n 2 do Código Civil;
Aliás, a citação urgente é uma faculdade concedida aos Autores, a qual não foi requerida pelos mesmos;
A interrupção da prescrição tem uma função dupla, isto é, por um lado, o credor exerce o seu direito ou exprime a intenção de o fazer e por outro, tem o devedor conhecimento daquele exercício ou desta intenção;
A interrupção da prescrição não se basta com a introdução da acção em juízo, torna-se necessário a prática de actos judiciais que revelem a intenção do credor de exercer a sua pretensão e que a levem ao conhecimento do devedor;
Assim, deverá o direito dos Autores considerar-se prescrito!
Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso”.

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Os Autores, nas suas Contra-Alegações contra o Recurso da Ré, AdC, e da Interveniente, formularam as seguintes conclusões:
“1. 1º 0s recurso das RR assentam única e exclusivamente na invocação da prescrição dos direitos invocados pelos AA., e tal invocação assenta, por sua vez, em pressupostos errados.
2. Os factos ocorreram a 18 de Novembro de 2011, ou melhor, na madrugada de 18 para 19 de Novembro de 2014.
3. As Recorrentes afirmam falsamente que a acção dos autos deu entrada em juízo, no Tribunal Judicial de Cascais, em 17 de Novembro de 2014,
4. Quando, na verdade, a entrada em juízo da petição inicial ocorreu a 14 de Novembro de 2014.
5. Uma mentira contada muitas vezes corre o risco de se transformar em verdade, mas analisando as verdadeiras datas em causa, nomeadamente a da entrada da ação em juízo, verifica-se, com facilidade, que o prazo prescricional foi interrompido dentro dos 5 dias determinado no artº 323º, nº 2 do Código Civil.
6. Este facto é do pleno conhecimento das Recorrentes, pois já foi explicado, demonstrado, invocado e plasmado em pelo menos duas peças processuais anteriores,
7. Mais concretamente na resposta às exceções, apresentada em juízo a 16 de Outubro de 2015,
8. E mais recentemente, no requerimento apresentado nos autos em 27 de Novembro de 2017.
9. Sendo que, quer numa, quer na outra peça processual referida, nunca as Rés e ora Recorrentes responderam a esses factos e invocações, vindo agora recorrer, como se não soubessem da verdade.
10. Sendo verdade que na Ata de Audiência prévia se refere a data de 17 de Novembro como data de entrada da ação em juízo, há todavia que considerar que os ora Recorridos, através de requerimento dirigido a juízo em 27/11/2017, requereram a necessária retificação das datas nos seguintes termos:
11. Está comprovado nos autos que a Pl deu entrada no dia 14 de Novembro de 2014 às 18:44h via fax,
12. Está igualmente comprovado, que, por mail datado de 9 de Dezembro de 2014 e emanado pelo "IGFEJ - Serviço Apoio" existiu incidente registado com o nº ID.... onde se refere que "Confirma-se que de facto existiu uma anomalia técnica no dia 14 de Novembro, à hora em que tentou dar entrada da peça processual, que o impediu de efectuar a remessa electrónica da referida peça. Mais se informa que foi sugerido que enviasse a peça por outros meios para ultrapassar a questão".
13. A entrada 567108 (entrada da PI em juízo) ocorreu, como da mesma consta, no dia 14 de Novembro de 2014 às 18:44h (6ª feira).
14. Os AA. requereram assim nos presentes autos a retificação da menção da data de entrada em juízo, de 17 para dia 14 de Novembro, conforme suportado pelos documentos juntos aos autos.
15. Pelo exposto, tendo a ação dado entrada em juízo a 14 de Novembro, verifica-se que foi cumprido o disposto no nº 2 do artº 323º do Código Civil, quanto ao pedido de citação nos 5 dias anteriores ao término do prazo.
16. Ainda que assim não fosse, os ora AA e Recorridos, por diversas vezes, ao longo da sua PI, referem a catastrófica inundação do dia 18 de Novembro de 2011 (ou melhor, de 18 para 19), como causa dos prejuízos verificados;
17. Ainda que essa fosse a data relevante para a contabilização dos 3 anos mencionados e não contando o próprio dia do facto para esse prazo (18), teríamos que a demanda deveria ser proposta em juízo até 19 de Novembro de 2014,
18. Pois o próprio dia do facto não conta como início do prazo, mas sim o dia imediatamente seguinte, conforme é aceite e defendido quase unanimemente pela jurisprudência (a título meramente indicativo, a Ac. STJ.13-7-2004:AD, 521º 868), sendo assim o dia 19 de Novembro de 2014 considerado como último dia de prazo.
19. Por outro lado e tendo em conta a forma como a demanda é configurada pelos AA., os mesmos colocam o diferendo o núcleo essencial das obrigações da Ré AdC ao abrigo do contrato que outorgaram.
20. Ou seja no domínio da responsabilidade contratual.
21. Tal basta para que o citado prazo de 3 anos da responsabilidade extracontratual mencionado pela 1ª Ré no seu artº 16º da sua aliás douta contestação não tenha aplicação no presente caso,
22. Sendo aplicável, outrossim, o prazo da responsabilidade contratual.
23. Ainda que estivéssemos no domínio da responsabilidade extracontratual e segundo o artº 498º, nº 1 do CPC "O direito de indemnização prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respectivo prozo a contar do facto danoso".
24. Ora numa inundação como a que ora se reporta, não é sequer no dia seguinte à mesma que se tem conhecimento do direito que se lhes compete:
25. Só no dia 23 de Novembro os AA. puderam apurar esse direito que lhes competia, sendo que a 28 procederam à reclamação já com os valores, pelo que se entende que só a partir do dia 23 de Novembro de 2011 se iniciaria o prazo prescricional.
26. Pelo que o mesmo apenas terminaria em 24 de Novembro de 2014, sendo que a Pi deu entrada a 14 de Novembro.
27. Muito embora ambas as Rés fujam a essa realidade, o contrato outorgado entre ela e os AA. não se resume ao abastecimento de água, mas também à drenagem de águas residuais, como aliás consta até do próprio cabeçalho do mencionado contrato.
28. Na cláusula 2.1 refere-se, nomeadamente, que "A .... , SA presta aos clientes os serviços de fornecimento de água e de drenagem de Águas Residuais”,
29. Pelo que não é admissível que se considere a matéria dos presentes autos como um caso de responsabilidade extracontratual.
30. Acresce que, pela análise dos documentos dos autos, se verifica que a 1ª Ré Edc sempre dificultou e omitiu e escondeu informação relevante para o exercício do direito dos AA.;
31. A 1ª Ré até prestou informação falsa e deturpada aos AA., como fez com a indicação aos AA. da seguradora A.... como seguradora responsável, isto é, por indicação expressa da própria Ré AdC (vide artigos 7º a 10º da PI).

32. Sendo a 1ª Ré useira e vezeira em omitir e esconder informação, como sucedeu com a solicitada cópia do contrato outorgado com os AA., com a indicação das obras realizadas na Rua .... ou até na solicitada indicação (nunca fornecida) da composição do seu conselho de administração.
TERMOS EM QUE deverá ser negado provimento aos presentes recursos e ser mantido na íntegra o douto despacho recorrido, prosseguindo os autos os seus normais trâmites”.
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I. 1 – Do objecto do recurso/ das questões a decidir

Em conformidade com o disposto nos artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (CPC) ex vi artigo 140º, nº 3, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), é pelas conclusões do recorrente jurisdicional que se define o objecto e se delimita o âmbito do presente recurso, sem prejuízo das questões de que este tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, que inexistem, estando apenas adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.

Das conclusões do Recorrente resulta que a questão essencial a resolver é a de saber se o Tribunal a quo laborou em erro quanto ao modo de contagem do prazo prescricional a considerar.

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II – Fundamentação
II. 1 - De facto:

O Tribunal a quo selecionou os seguintes factos relevantes para a decisão:
1. Nos presentes autos, os AA formulam pedido indemnizatório por factos alegadamente ocorridos em 18 de Novembro de 2011, cuja ocorrência imputam à ré – cf. artº 18º a 20º e 28º a 31º da p.i.

2. A presente acção deu entrada em juízo, no Tribunal Judicial de Cascais, em 17 Novembro 2014 – resulta dos autos.

3. Na data dos factos, a Ré tinha transferido a responsabilidade civil por danos ocorridos na sua actividade para a seguradora C..., nos termos da Apólice de fls. 283 e ss. dos autos.


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II.2 De Direito

Cumpre apreciar conforme delimitado em I.1.
Contestam os Recorrentes o juízo do Tribunal a quo quanto à improcedência da excepção peremptória de prescrição do direito à indemnização por responsabilidade civil extracontratual peticionada nos presentes autos, contra a Águas de Cascais e a seguradora Interveniente A..... - Sucursal em Portugal.
Na situação sub iudice importa trazer à colação duas premissas que determinarão a sorte do presente recurso.
A primeira é a de que os factos que foram fixados pelo Tribunal a quo para decidir a presente excepção não foram impugnados por qualquer das partes, seja a título de recurso principal ou ampliação do objecto do recuro.
Por outro lado, entendeu o Tribunal a quo, e aceitam os Recorrentes, que nos presentes autos se discute o direito indemnizatório em matéria atinente à responsabilidade civil de uma concessionária a quem é de aplicar o regime previsto na Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro.
Apesar de os Recorridos/Autores, em sede de contra-alegações, para afastar o prazo prescricional previsto no artigo 498º do Código Civil, virem invocar a natureza contratual do pedido de indemnização, mas sem que impugnassem o entendimento sufragado pelo Tribunal a quo neste ponto, o que significa que nos termos do artigo 635º, nº 5 do CPC, “Os efeitos do julgado, na parte não recorrida, não podem ser prejudicados pela decisão do recurso nem pela anulação do processado”.
Em todo o caso, a existir responsabilidade da co-Ré AdC pela produção dos factos invocados e pelos danos sofridos pelos Recorridos/Autores, a mesma, no entanto, configurar-se-ia como responsabilidade extracontratual, inclusive, da forma como é configurada pelos Autores, pelos danos causados derivados da omissão da co-Ré AdC na actualização, manutenção e conservação do colector municipal de esgotos com diâmetro suficiente por forma a evitar entupimentos (vide artigos 67.º a 73.º da petição inicial), bem como à omissão da mesma co-Ré de proceder, com regularidade, à conservação e limpeza da rede de esgotos, bem como a limpeza periódica da referida rede (vide artigo 72.º e 73.º da p.i.). Tal omissão da conduta devida (de acordo com os Autores) da co-Ré AdC constituiria desrespeito desta relativamente a obrigações a que a mesma se teria obrigado, por força da celebração do contrato de concessão, e não do contrato indicado nos artigos 4º a 10º da p.i.
Em todo o caso, como se aludiu, os Recorridos/Autores não impugnaram o julgamento do Tribunal a quo quanto ao tipo de responsabilidade em causa, designadamente através de ampliação do objecto do recurso.
Prosseguindo;
No âmbito do regime da responsabilidade civil extracontratual em que nos movemos, a Lei 67/2007 e no que ao prazo de prescrição concerne, dispõe o artigo 5.º que “O direito à indemnização por responsabilidade civil extracontratual do Estado, das demais pessoas coletivas de direito público e dos titulares dos respetivos órgãos, funcionários e agentes bem como o direito de regresso prescrevem nos termos do artigo 498.º do Código Civil, sendo-lhes aplicável o disposto no mesmo Código em matéria de suspensão e interrupção da prescrição”, remetendo, assim, este preceito para o Código Civil (doravante, CC), mormente para o vertido no artigo 498.º, n.º 1 segundo o qual “o direito de indemnização prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respetivo prazo a contar do facto danoso”.

Tal prazo, por remissão do citado artigo 5º da Lei nº 67/2007, está sujeito às vicissitudes estabelecidas nos artigos 318º e seguintes do Código Civil, e concretamente, ao regime de interrupção estabelecido nos artigos 323º e seguintes do mesmo diploma.

Para determinar o termo a quo do prazo de prescrição previsto no artigo 5.º da Lei n.º 67/2007, importa reiterar a necessidade de ponderar a factualidade provada nos presentes autos, bem como o facto de tal início corresponder ao conhecimento empírico (e não efetivo) dos pressupostos da responsabilidade civil, não assumindo qualquer relevância a identificação concreta da pessoa do responsável ou o conhecimento da extensão dos danos.
Pois bem, o conhecimento exigido pelo artigo 498.º do CC e pelo artigo 5.º da Lei n.º 67/2007, pressupõe que o interessado adquira o conhecimento, pelo menos, empírico, dos factos e pressupostos da existência de responsabilidade civil extracontratual, ainda que não se exija um conhecimento jurídico e integral dos mesmos. Significa que para se verificar a previsão dos aludidos normativos, o interessado deve saber que tem direito a uma indemnização, ainda que não seja conhecida a pessoa do responsável e a extensão integral dos danos. Basta, assim, que aquele se aperceba de que existiu uma conduta ilícita que provocou danos e que seja suscetível de originar uma obrigação indemnizatória.
De acordo com a situação descrita pelos Recorrentes/Autores, os factos que deram origem ao presente pedido indemnizatório ocorreram no dia 18.11.2011 (ponto 1 do probatório).
Considerou, de seguida, o Tribunal a quo que, como a petição inicial da presente acção tinha dado entrada em 17.11.2014 (vide ponto 2 do probatório), não se mostrava excedido o prazo de 3 anos previsto no nº 1 do artigo 498º do CC.
Do que discordam, com razão, os Recorrentes.
Com efeito, cumpre sublinhar a remissão operada pelo artigo 5.º da Lei n.º 67/2007 para as causas de suspensão e interrupção da prescrição previstas no CC, destacando-se, com especial relevo, o disposto no artigo 323.º, nos termos do qual:
1. A prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente.
2. Se a citação ou notificação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias.
3. A anulação da citação ou notificação não impede o efeito interruptivo previsto nos números anteriores.
4. É equiparado à citação ou notificação, para efeitos deste artigo, qualquer outro meio judicial pelo qual se dê conhecimento do acto àquele contra quem o direito pode ser exercido.”

Em anotação ao preceito, explica Júlio Gomes (Comentário ao Código Civil: Parte Geral, Coord. Luís Carvalho Fernandes/José Brandão Proença, Lisboa, Universidade Católica Editora, 2014, págs. 772-773) o seguinte: “(…) no nosso regime, apenas a prática de atos judiciais (citação, notificação judicial ou qualquer outro meio judicial pelo qual se dá conhecimento ao ato àquele contra quem o direito pode ser exercido) pode operar a interrupção da prescrição. (…) Sublinhe-se que do mesmo modo que a mera propositura da ação não é, em si mesma, suficiente para interromper a prescrição – ao contrário do que sucede em matéria de caducidade em que a propositura da ação impede a caducidade, face ao disposto no artigo 331.º – também não o serão atos que sejam legalmente equiparados à propositura da ação”.
Do que se extrai que o Tribunal a quo laborou em erro ao considerar como facto interruptivo da prescrição a propositura da acção, ou seja no dia 17.11.2014.
O que conduz a presente discussão para o vertido no artigo 323.º, n.º 2 do CC, nos termos do qual, se a citação ou a notificação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias. Decorrendo, desde logo, do citado preceito que o efeito interruptivo nele previsto apenas opera mediante a verificação de três requisitos, a saber:
1º- que o prazo prescricional ainda esteja a decorrer e assim se mantenha nos cinco dias posteriores à propositura da acção;
2º- que a citação não tenha sido realizada nesse prazo de cinco dias;
3º- que o retardamento na efectivação desse acto não seja imputável ao autor – (Cfr. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 12 de janeiro de 2017, proferido no processo n.º 14143/14.0T8LSB.L1.S1 e, no mesmo sentido, do Tribunal da Relação de Lisboa, de 12 de fevereiro de 2020, proferida no processo n.º 1274/18.6T8VFX.L1-4).


Afirma Rita Canas da Silva (CÓDIGO CIVIL: Anotado, Coord. Ana Prata, volume I, Coimbra, Almedina, 2017, pág. 395): «Porque a interrupção da prescrição só opera por esta forma e porque se trata de atos judiciais que poderão registar atrasos, a posição do credor é acautelada, considerando-se a prescrição interrompida no prazo indicado no n.º 2».
Esclarece António Menezes Cordeiro (CÓDIGO CIVIL COMENTADO, Coord. António Menezes Cordeiro, I – Parte Geral, Faculdade de Direito Universidade de Lisboa, Almedina, 2020, pág. 910) o seguinte: «As citações ou notificações podem demorar dias ou semanas a efetivar: por sobrecarga dos tribunais ou por razões atinentes ao próprio devedor. Resolve o 323.º/2: se a citação ou notificação não se fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias».
A interrupção da prescrição em data anterior à realização da citação ou notificação, por força do benefício previsto no n.º 2 do artigo 323.º do CC, só operará se a citação ou notificação tiver sido requerida pelo menos cinco dias antes do termo do prazo de prescrição e não tiver sido efetuada por causa não imputável ao requerente. Sendo certo que o efeito interruptivo apenas ocorre caso o prazo prescricional se mantenha em curso nos cinco dias posteriores à propositura da acção, também é certo que ao autor não é exigido que proponha a ação “em momento precedente ao 5º dia anterior” ao prazo de prescrição atingir o seu termo, por forma a fazer funcionar o mecanismo da interrupção da prescrição constante do nº 2 do artigo 323.º do Código Civil.
Deve fazê-lo por uma questão de cautela.
Mas, não o fazendo, tal não significa que a citação do Réu não possa realizar-se ainda dentro do prazo prescricional em curso.
Daí a pertinência da citação urgente, dependendo, neste caso, a produção do efeito interruptivo de o autor ter agido com diligência e não lhe poder ser imputável a citação em momento posterior ao decurso do prazo prescricional.

Reportando-nos ao caso dos autos e, atendendo a que os factos que sustentam a pretensão dos autores, ocorreram no 18 de Novembro de 2011 - v.g. artigos 12º, 18º, 28º, entre outros da p.i -, é desta data que tem início o prazo de prescrição previsto no artigo 498.º do Código Civil, não se podendo, contudo, olvidar, a existência de causas suspensivas e interruptivas de tal prazo.
Como já vimos supra, preceitua o artigo 323.º, n.º 1 do CC que “A prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente”, no entanto, importa, ainda chamar à colação o vertido no nº 2 do mesmo preceito legal, de que “Se a citação ou notificação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias”.
Assim é que nele se estabelece um prazo de cinco dias - desde a propositura da acção -, que se ficciona legalmente como necessário para a realização da citação ou notificação: mas, para poderem beneficiar desse prazo, os autores, para além de evitarem que o retardamento da citação lhes possa ser imputável, teriam que requerer a citação (seja prévia ou não) antes de cinco dias do termo do prazo de prescricional - Cfr. o Acórdão da TRE de 08.03.2018, proc. 1187/17.7T8PTM.E1, in www.dgsi.pt -, no qual está em causa uma situação em que a acção foi intentada sem que tivesse sido respeitado o prazo de cinco dias relativamente ao termo do prazo prescricional, e a citação não ocorreu dentro do mesmo, apesar de se ter requerido a citação urgente.
Neste se refere que «[a] lei ao permitir que a citação seja urgente/prévia, aumenta a probabilidade de concretizá-la antes do fim do prazo prescricional, mas não a garante»: e, acrescentamos nós, a lei ao permitir que seja requerida a citação urgente (cfr. artigo 561.º do Código de Processo Civil) não atribui a tal facto o efeito interruptivo da prescrição».
Temos, assim, que no caso concreto a prazo de prescrição teve início no dia 18 de Novembro de 2011, o termo ad quem do prazo prescricional de 3 anos verificou-se no correspondente dia, 18 de Novembro de 2014 (cfr. regime de contagem do art. 279º, alínea c) do CC).
Entendeu o Tribunal a quo que o prazo precricional não se mostrava excedido atendendo à data em que fora proposta a presente acção de indemnização (nos tribunais comuns), ou seja, no dia 17.11.2014. Acontece que, tal entendimento contraria as citadas normas relativas à interrupção da prescrição com a citação contidas nos n.ºs 1 e 2 do artigo 323.º e n.º 1 do artigo 498.º, todas do Código Civil.
Assim, tendo a presente acção dado entrada no dia 17.11.2014 (vide ponto 2 do probatório), a prescrição sempre ocorreria no aludido prazo de 5 dias, ou seja, no dia 18.11.2014, pelo que fica prejudicada uma das condições para que se opere a aludida interrupção, ou seja que a prescrição não decorra no prazo de 5 dias.
Mesmo na hipótese de se atender à data de 14.11.2014, que foi sexta-feira (envio da p.i. por fax), é perfeitamente pertinente o sumário do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de Maio de 2006, Recurso n.º 142/06 - 4.ª Secção:
«I - Para que o Autor de uma acção, em que se peçam créditos remuneratórios e ressarcitórios de uma relação laboral, se possa socorrer plenamente da ficção legal consignada no artigo 323.º, n.º 2 do CC, respeitante à interrupção da prescrição creditícia, é necessário que a acção dê entrada em juízo por forma a que decorram, pelo menos, cinco dias completos entre a propositura daquela e o termo do prazo prescricional das obrigações pecuniárias que se pedem.
II - Não cumpre tal exigência e é, portanto, responsável pelo atraso na citação, aquele que, embora requeira a citação prévia do demandado, introduz a acção em juízo, por fax, a quatro dias do termo do prazo prescricional, sem ter em atenção que esse dia é uma quinta-feira e, por conseguinte, os dois dias intermédios do prazo, por serem sábado e domingo, são dias em que não há actividade judiciária, e que o natural fosse, como veio a suceder, que o envio, pelo Correio, da correspondência destinada à efectivação da notificação do réu só pudesse ter sido enviada na segunda-feira, data do termo do prazo prescricional, e que a citação do demandado só viesse a verificar-se na terça-feira, ou seja, um dia depois do termo daquele prazo.
III - É exclusivamente imputável ao Autor a responsabilidade pela circunstância de a citação do Réu ocorrer depois do prazo de cinco dias previsto no artigo 323.º, n.º 2 do CC, quando a propositura da acção, com o pedido de citação prévia, tiver lugar a menos de cinco dias do termo do prazo prescricional do direito que se pretende fazer valer.».



Em todo o caso, não foi requerida e citação urgente e sobretudo, nessa data (14.11.2014) foi invocado justo impedimento, o que sempre dependeria de despacho e diligências prévias – vide artigo 140º do CPC situação que só viria a ser estabilizada, conforme despacho de 11.12.2014, em que foi admitida a apresentação da peças processuais por fax após despacho de rejeição da p.i. datado de 9.12.2014 (vide fls. 38 e 51 do processo 2181/14.7T8CSC/petição inicial SITAF no processo electrónico principal) -, ainda assim sempre ficaria prejudicada a pretendida interrupção uma vez que o prazo prescricional se esgotaria no decurso dos cinco dias, ou seja em 18.11.2014.
Verifica-se, assim, que o prazo de prescrição decorreu sem que tenha sido praticado qualquer acto com a virtualidade de o interromper em momento anterior, o que impõe se considere verificada a prescrição invocada pelos Recorrentes.
A prescrição consiste numa excepção peremptória, a qual importa a absolvição do pedido nos termos do artigo 89º, nº 3 do CPTA (576.º, n.º 3, do CPC).
Nesta conformidade, na procedência do argumentário recursivo, cumpre revogar o despacho saneador recorrido e, em consequência, julgar procedente a excepção de prescrição invocada, absolvendo a Ré e o Interveniente dos pedidos dos pedidos formulados pelos Autores/Recorridos, como se decidirá a final.


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Face ao exposto, deverão as custas ser integralmente suportadas pelos Recorridos/Autores, tanto na 1.ª instância, como em sede de recurso.

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III. Decisão

Em conformidade com o precedentemente expendido, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Sul, em:
i) conceder provimento aos recursos,
ii) revogar o despacho saneador recorrido, e, em consequência,
iii) julgar procedente a excepção peremptória de prescrição, absolvendo a Ré e a Interveniente dos pedidos.
As custas serão integralmente suportadas pelos Autores/Recorridos em ambas as instâncias.
Registe e notifique.
Lisboa, 15 de Julho de 2025

Ana Cristina Lameira, relatora,
Marcelo Mendonça
Ricardo Ferreira Leite