Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 30946/24.4BELSB |
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Secção: | CA |
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Data do Acordão: | 04/10/2025 |
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Relator: | JOANA COSTA E NORA |
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Descritores: | PEDIDO DE PROTECÇÃO INTERNACIONAL PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO URGENTE CONTAGEM DO PRAZO DE DECISÃO DEFERIMENTO TÁCITO |
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Sumário: | I - Nada referindo a Lei n.º 27/2008, de 30 de Junho, acerca da contagem dos prazos a que a mesma se reporta – designadamente o prazo de decisão do pedido de protecção internacional, a que alude o n.º 1 do artigo 20.º -, é aplicável a norma do artigo 87.º do CPA, que rege sobre a contagem dos prazos. II - A tal não obsta a circunstância de o procedimento em causa ter carácter urgente, nos termos do artigo 84.º da Lei n.º 27/2008, de 30 de Junho, não prevendo o CPA um regime de contagem de prazos diferente para os procedimentos administrativos urgentes. III - Estando em causa um procedimento administrativo especial (o de protecção internacional), previsto e regulado na Lei n.º 27/2008, de 30 de Junho, e estipulando este diploma, nos n.ºs 1 e 2 do seu artigo 20.º, como se forma o deferimento tácito do pedido, não há que recorrer, para o efeito, ao n.º 2 do artigo 130.º do CPA, que, enquanto lei geral, apenas é aplicável subsidiariamente. |
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Votação: | Unanimidade |
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Indicações Eventuais: | Subsecção Administrativa Comum |
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Aditamento: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | ACÓRDÃO Acordam, em conferência, os juízes da subsecção comum da secção administrativa do Tribunal Central Administrativo Sul: I – RELATÓRIO C… veio instaurar acção administrativa urgente contra a AIMA-AGÊNCIA PARA A INTEGRAÇÃO, MIGRAÇÕES E ASILO, I. P.. Pede a admissão do seu pedido de protecção internacional por falta de decisão do mesmo no prazo legal e, subsidiariamente, a anulação da decisão proferida pelo Conselho Directivo da AIMA, de 12.09.2024, que considerou o seu pedido de protecção internacional infundado. Pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa foi proferida sentença a julgar improcedente a acção e, em consequência, a absolver a entidade demandada do pedido. O autor interpôs o presente recurso de apelação, cujas alegações contêm as seguintes conclusões: “1. O autor requereu pedido de protecção internacional ao Estado Português, em 31 de Julho de 2024, que foi registado sob o número de processo 1856/24. Prestou declarações no dia 5 de Setembro de 2024 e foi notificado da decisão do conselho directivo da AIMA, I.P., em 18 de Setembro de 2024 (embora a decisão tenha sido efectivamente proferida em 12 de Setembro de 2024). 2. Cabe ao conselho directivo da AIMA, I.P., proferir decisão fundamentada sobre os pedidos infundados e inadmissíveis no prazo de 30 dias a contar da data da apresentação do pedido de protecção internacional, de acordo com o disposto no nº 1 do artigo 20 da Lei nº 27/2008, de 30 de Junho, na sua actual redacção. No caso em apreço, foi proferida decisão, decorridos mais de 30 dias. 3. Entendeu o Tribunal a quo que estamos ante um prazo procedimental, cuja contagem é feita nos termos do artigo 87º do CPA, pelo que no caso em apreço, o prazo terminava no dia 12 de Setembro de 2024, data em que foi proferida a decisão. 4. O pedido de protecção internacional está sujeito a um procedimento especial, possuindo carácter urgente – v.g. artigos 19º e 84º da LPI. Entendemos, salvo melhor opinião, que no caso em apreço não se aplica a regra geral da contagem de prazos prevista no artigo 87º do CPA, uma vez que a mesma não é compatível com os trâmites de um processo de carácter urgente. Assim, perante toda a factualidade melhor descrita no procedimento, o pedido considera-se admitido, nos termos do nº 2 do artigo 20º da LPI. 5. Sem prescindir, sempre se dirá que nos termos do disposto no nº 3 da referida disposição legal, a decisão sobre o pedido, é notificada ao requerente no prazo de dois dias. No caso em apreço, a decisão foi notificada ao autor, volvidos seis dias. Em suma, o pedido formulado pelo autor deve ser considerado admitido. A decisão do Conselho Directivo da entidade demandada, padece do vicio de violação de lei. O Tribunal a quo fez uma errada interpretação da lei. 6. O autor logrou invocar e provar motivos válidos que lhe conferem o direito à protecção internacional, embora o Tribunal a quo, infundada e inexplicavelmente, não os tivesse valorado. A decisão de que se recorre não procedeu a uma correcta e exaustiva apreciação dos factos e à sua subsunção ao Direito. 7. O autor relatou agressões, ameaças, tentativa de sequestro dos filhos. O autor alegou factos relevantes (dados como provados) em matéria de necessitar asilo em Portugal e as suas declarações não foram contraditórias. O autor chegou a Portugal no dia 30 de Julho de 2024, com a mulher e os dois filhos, sendo um deles menor de idade. O autor e a família encontram-se a viver em São Pedro do Sul. O aqui recorrente demonstrou que a sua esfera pessoal poderá vir a ser afectada por uma situação violadora dos direitos fundamentais de modo a o impossibilitarem, assim como à sua família, de regressarem ao seu país. Não obstante, o Tribunal a quo em clara violação das regras de valoração de prova, fez improceder a pretensão do autor. 8. O autor tem direito a pedir que a entidade demandada lhe conceda protecção internacional. O autor pediu que fosse declarado admitido o pedido de protecção internacional, por si formulado, de acordo com o disposto no nº 2 do artigo 20º da LPI ou, em alternativa, a decisão que considerou infundado o pedido de protecção internacional que apresentou e a condenação da entidade demandada a conceder-lhe protecção internacional. Pese embora a entidade demandada não tenha apontado qualquer falta de pertinência por parte do autor e nem indicado fontes terceiras credíveis que tornem evidente a falta de verosimilhança dos factos relatados por aquele, o Tribunal a quo fez tábua rasa de tamanha evidência. O autor invocou motivos pertinentes e relevantes para a concessão da protecção internacional, pelo que não está preenchido o disposto na alínea e) do do nº 1 do artigo 19º da LPI, como se pretende fazer crer. 9. A decisão do conselho Directivo da AIMA, I.P., ora em crise, é omissa quanto aos motivos pelos quais entende que o pedido de protecção internacional é infundado, limitando-se a transcrever disposições legais. A referida decisão é igualmente omissa quanto à análise casuística da segurança da Colômbia para o autor e família, bem como das regras e funcionamento do sistema de protecção internacional neste país. A entidade demandada não invocou motivos suficientes para se poder concluir que o autor não é alvo de ameaças à sua vida e liberdade, assim como à da sua família. O Tribunal a quo, para além de ter feito tábua rasa das referidas omissões, concluiu, infundada e inexplicavelmente, que a alusão às guerrilhas, é “assaz vaga”, o autor foi “subjectivamente perseguido” e o pedido de ajuda para viver numa outra zona qualquer zona da Colômbia, seria a solução. A situação de segurança na Colômbia tem-se vindo a deteriorar, com o aumento da violência nos territórios mais periféricos e da criminalidade nas principais cidades. São evidentes as crescentes redes criminosas. Nos territórios fora das principais cidades, existem vários grupos armados, para além das FARC (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia). O recrutamento forçado de crianças pelas FARC, é uma realidade de todos conhecida. 10. À luz do disposto no artigo 14º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, “em caso de perseguição, toda a pessoa tem direito a buscar asilo e de receber o beneficio dele em qualquer país”. De acordo o artigo 3º da LPI, é garantido o direito de asilo a estrangeiros e apátridas que “receando com fundamento ser perseguidos em virtude da sua raça, religião, nacionalidade, opiniões públicas ou integração em grupo social, não possam ou, por esse receio, não queiram voltar ao Estado da sua nacionalidade ou da sua residência habitual”. 11. Sem prejuízo do aduzido, sempre se dirá que o autor pode beneficiar da protecção subsidiária prevista no artigo 7º da LPI. Dispõe a referida disposição legal que “É concedida autorização de residência por protecção subsidiária aos estrangeiros e aos apátridas a quem não sejam aplicáveis as disposições do artigo 3º e que sejam impedidos ou se sintam impossibilitados de regressar ao país da sua nacionalidade ou da sua residência habitual, quer atendendo à sistemática violação dos direitos humanos que aí se verifique, quer por correrem o risco de sofrer ofensa grave”. 12. No que tange à autorização de residência por protecção subsidiária, o Tribunal a quo não se pronunciou sobre uma questão que devia apreciar, o que conduz à nulidade da sentença.” Notificada das alegações apresentadas, a entidade demandada não apresentou contra-alegações. O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado nos termos e para efeitos do disposto no artigo 146.º, n.º 1, do CPTA, pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso. Sem vistos dos juízes-adjuntos, por se tratar de processo urgente (cfr. n.º 2 do artigo 36.º do CPTA), importa apreciar e decidir. II – QUESTÕES A DECIDIR Face às conclusões das alegações de recurso – que delimitam o respectivo objecto, nos termos do disposto nos artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.ºs 1 e 2, do CPC -, as questões que ao Tribunal cumpre solucionar são as de saber se a sentença recorrida padece de: a) Nulidade por não se ter pronunciado sobre a requerida autorização de residência por protecção subsidiária; b) Erro de julgamento de direito por: a. Não ser aplicável a regra geral da contagem de prazos prevista no artigo 87.º do CPA e ter sido violado o n.º 2 do artigo 20.º da Lei n.º 27/2008, de 30 de Junho; b. A decisão impugnada padecer de falta de fundamentação; c. O autor ter invocado e provado motivos válidos que lhe conferem o direito à protecção internacional. III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO Considerando que não foi impugnada, nem há lugar a qualquer alteração da matéria de facto, remete-se para os termos da decisão da 1.ª instância que decidiu aquela matéria, nos termos do n.º 6 do artigo 663.º do CPC. IV – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO A. Da nulidade da decisão recorrida Alega o recorrente que a sentença recorrida é nula por não se ter pronunciado sobre a requerida autorização de residência por protecção subsidiária. Nos termos do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, “É nula a sentença quando: a) Não contenha a assinatura do juiz; b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível; d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento; e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.” Nos presentes autos, o autor pede a admissão do seu pedido de protecção internacional por falta de decisão do mesmo no prazo legal e, subsidiariamente, a anulação da decisão proferida pelo Conselho Directivo da AIMA, de 12.09.2024, que considerou o seu pedido de protecção internacional infundado. A sentença recorrida julgou a acção improcedente, tendo considerado que não se havia formado deferimento tácito do pedido, e que o autor não havia invocado qualquer motivo válido que lhe confira o direito à requerida protecção internacional, nem para efeitos de concessão de asilo (por não estar em causa uma situação de perseguição, nos termos do artigo 5.º), nem para efeitos de concessão de protecção subsidiária. Assim sendo, não há dúvidas de que a sentença recorrida se pronunciou sobre a pretensão do requerente de beneficiar de protecção subsidiária, o que fez considerando não terem sido alegados nem provados factos aptos a alcançar tal desiderato. Deste modo, não se mostra verificada a invocada nulidade da sentença. B. Do erro de julgamento de direito Alega o recorrente que a sentença recorrida errou, não só ao aplicar ao caso em apreço a regra geral da contagem de prazos prevista no artigo 87.º do CPA, uma vez que a mesma não é compatível com os trâmites de um processo de carácter urgente, mas também ao desconsiderar o desrespeito pelo prazo de dois dias para a notificação da decisão ao requerente, nos termos dos n.ºs 2 e 3 do artigo 20.º da Lei n.º 27/2008, de 30 de Junho. A sentença concluiu que não se formou o deferimento tácito do pedido de protecção internacional apresentado pelo autor, dado que a decisão do mesmo foi proferida dentro do prazo de 30 dias previsto no artigo 20.º, n.º 1, da Lei n.º 27/2008, de 30 de Junho, considerando que se tratava de um prazo procedimental, contado nos termos previstos no artigo 87.º do CPA, pelo que, tendo o pedido sido apresentado em 31.07.2024, o prazo terminou em 12.09.2024 (dado o feriado de 15.08.2024), data em que a decisão foi proferida. Mais se considerou que não assumia relevância, para efeitos de formação do acto tácito, a notificação dessa decisão ao requerente, nos termos do n.º 2 do artigo 130.º do CPA, pois que tal norma não seria aplicável ao caso, atenta a aplicação do regime especial contido na referida norma do n.º 2 do artigo 20.º da Lei n.º 27/2008, de 30 de Junho. E o assim decidido, por ser acertado, é para manter. Em primeiro lugar, nada referindo a Lei n.º 27/2008, de 30 de Junho, acerca da contagem dos prazos a que a mesma se reporta – designadamente o prazo de decisão do pedido de protecção internacional, a que alude o n.º 1 do artigo 20.º -, é aplicável a norma do artigo 87.º do CPA, que rege sobre a contagem dos prazos, pois que o CPA é, nos termos do n.º 5 do seu artigo 2.º, a legislação subsidiariamente – i. é, na falta de um regime especial - aplicável aos procedimentos administrativos. A tal não obsta a circunstância de o procedimento em causa ter carácter urgente, nos termos do artigo 84.º da Lei n.º 27/2008, de 30 de Junho. Com efeito, o próprio CPA prevê a urgência do procedimento administrativo, estipulando, na alínea a) do n.º 1 do artigo 124.º, que o responsável pela direcção do procedimento pode não proceder à audiência dos interessados quando a decisão seja urgente, deste modo tornando o procedimento mais célere em função da sua urgência. Mas não prevê o CPA que a contagem dos prazos nos procedimentos administrativos urgentes é feita de forma diferente da prevista no seu artigo 87.º, não se prevendo um regime de contagem de prazos diferente para os procedimentos administrativos urgentes. Em segundo lugar, embora o n.º 2 do artigo 130.º do CPA disponha que se considera que há deferimento tácito se a notificação do acto não for expedida até ao primeiro dia útil seguinte ao termo do prazo da decisão, a Lei n.º 27/2008, de 30 de Junho, estabelece especificamente, nos n.ºs 1 e 2 do artigo 20.º, que, na falta de decisão dentro do prazo 30 dias a contar da data de apresentação do pedido de protecção internacional, considera-se admitido o pedido. Ora, nos termos do n.º 5 do artigo 2.º do CPA, as disposições do CPA, designadamente as garantias nele reconhecidas aos particulares, aplicam-se subsidiariamente aos procedimentos administrativos especiais. Estando em causa um procedimento administrativo especial (o de protecção internacional), previsto e regulado na Lei n.º 27/2008, de 30 de Junho, e estipulando este diploma como se forma o deferimento tácito do pedido, não há que recorrer, para o efeito, à lei geral – o CPA –, que apenas é aplicável subsidiariamente, ou seja, na falta de regulação especial – neste sentido, cfr. o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 04.04.2019, proferido no Processo n.º 0394/17.9BEALM, in www.dgsi.pt. Alega ainda o recorrente que a decisão impugnada é omissa quanto aos motivos pelos quais entende que o pedido de protecção internacional é infundado, limitando-se a transcrever disposições legais, e quanto à análise casuística da segurança da Colômbia para o autor e família, bem como das regras e funcionamento do sistema de protecção internacional neste país. O acto impugnado é a decisão proferida pelo Conselho Directivo da AIMA, de 12.09.2024, que considerou o seu pedido de protecção internacional infundado. Como decorre do probatório, tal decisão assentou na Informação/Proposta/n.º 1864/CNAR-AIMA/2024, da qual resulta que o fundamento jurídico da decisão é a norma da alínea e) do n.º 1 do artigo 19.º da Lei n.º 27/2008, de 30 de Junho, que prevê a consideração do pedido como infundado quando se verifique que “Ao apresentar o pedido e ao expor os factos, o requerente invoca apenas questões não pertinentes ou de relevância mínima para analisar o cumprimento das condições para ser considerado refugiado ou pessoa elegível para proteção subsidiária;”. Mais resulta da mesma informação/proposta que o ora recorrente não relata detalhes do episódio de sequestro que descreve, nem dá conta da sua repetição, e que decorreu mais de um ano após o mesmo até à sua saída da Colômbia, não tendo sido demonstrado que o grupo alegadamente agressor integra as FARC, resultando de fontes internacionais consultadas pela Administração que tal grupo não se encontra disseminado por todo o país, e considerando que o incidente relatado não se pode considerar um acto de perseguição. Assim, concluímos que o acto impugnado se mostra fundamentado, de facto e de direito, também não assistindo razão ao recorrente neste ponto. Finalmente, alega o recorrente que errou a sentença recorrida ao considerar que o mesmo não havia invocado motivos válidos para lhe ser concedida a protecção internacional. Entendeu-se na sentença que o autor não invocou qualquer motivo válido que lhe confira o direito à requerida protecção internacional, sustentando o seu pedido de protecção internacional no facto de ter sido agredido, ameaçado e perseguido por três pessoas, cuja identidade associa a um “grupo armado”, supostos “dissidentes das FARC”, alegação que não se reconduz a uma situação de perseguição, nos termos do artigo 5.º da Lei n.º 27/2008, de 30 de Junho, e para os efeitos da concessão de asilo, nem traduz um qualquer impedimento ou impossibilidade de o autor regressar à Colômbia por existência de “sistemática violação dos direitos humanos”, que justifique ser-lhe atribuída protecção subsidiária. Vejamos. No n.º 8 do artigo 33.º da Constituição da República Portuguesa, “É garantido o direito de asilo aos estrangeiros e aos apátridas perseguidos ou gravemente ameaçados de perseguição, em consequência da sua actividade em favor da democracia, da libertação social e nacional, da paz entre os povos, da liberdade e dos direitos da pessoa humana.” Tal direito de asilo mostra-se concretizado na Lei n.º 27/2008, de 30 de Junho, que estabelece as condições e procedimentos de concessão de asilo ou protecção subsidiária e os estatutos de requerente de asilo, de refugiado e de protecção subsidiária, transpondo para a ordem jurídica interna as Directivas n.ºs 2004/83/CE, do Conselho, de 29 de Abril, e 2005/85/CE, do Conselho, de 1 de Dezembro. Sob a epígrafe “Concessão do direito de asilo”, dispõe o artigo 3.º, nos seus n.ºs 1 e 2, que têm direito à concessão de asilo os estrangeiros e apátridas (i) perseguidos ou gravemente ameaçados de perseguição, em consequência de actividade exercida no Estado da sua nacionalidade ou da sua residência habitual em favor da democracia, da libertação social e nacional, da paz entre os povos, da liberdade e dos direitos da pessoa humana; (ii) e os que, receando com fundamento ser perseguidos em virtude da sua raça, religião, nacionalidade, opiniões políticas ou integração em certo grupo social, não possam ou, por esse receio, não queiram voltar ao Estado da sua nacionalidade ou da sua residência habitual. Para o efeito, estabelecem os n.ºs 1 e 2 do artigo 5.º que “os atos de perseguição suscetíveis de fundamentar o direito de asilo devem constituir, pela sua natureza ou reiteração, grave violação de direitos fundamentais, ou traduzir-se num conjunto de medidas que, pelo seu cúmulo, natureza ou repetição, afetem o estrangeiro ou apátrida de forma semelhante à que resulta de uma grave violação de direitos fundamentais.”, podendo assumir, nomeadamente, as seguintes formas: “a) Atos de violência física ou mental, inclusive de natureza sexual; b) Medidas legais, administrativas, policiais ou judiciais, quando forem discriminatórias ou aplicadas de forma discriminatória; c) Ações judiciais ou sanções desproporcionadas ou discriminatórias; d) Recusa de acesso a recurso judicial que se traduza em sanção desproporcionada ou discriminatória; e) Ações judiciais ou sanções por recusa de cumprir o serviço militar numa situação de conflito na qual o cumprimento do serviço militar implicasse a prática de crime ou ato suscetível de provocar a exclusão do estatuto de refugiado, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 9.º; f) Atos cometidos especificamente em razão do género ou contra menores.” São agentes de perseguição “a) O Estado; b) Os partidos ou organizações que controlem o Estado ou uma parcela significativa do respetivo território; c) Os agentes não estatais, se ficar provado que os agentes mencionados nas alíneas a) e b) são incapazes ou não querem proporcionar proteção contra a perseguição”, considerando-se “que existe proteção sempre que os agentes mencionados nas alíneas a) e b) do número anterior adotem medidas adequadas para impedir, de forma efetiva e não temporária, a prática de atos de perseguição por via, nomeadamente, da introdução de um sistema jurídico eficaz para detetar, proceder judicialmente e punir esses atos, desde que o requerente tenha acesso a proteção efetiva.” – cfr. artigo 6.º. Sob a epígrafe “Protecção subsidiária”, dispõe o artigo 7.º, nos seus n.ºs 1 e 2, que “É concedida autorização de residência por proteção subsidiária aos estrangeiros e aos apátridas a quem não sejam aplicáveis as disposições do artigo 3.º e que sejam impedidos ou se sintam impossibilitados de regressar ao país da sua nacionalidade ou da sua residência habitual, quer atendendo à sistemática violação dos direitos humanos que aí se verifique, quer por correrem o risco de sofrer ofensa grave.” E que, para o efeito, “considera-se ofensa grave, nomeadamente: a) A pena de morte ou execução; b) A tortura ou pena ou tratamento desumano ou degradante do autor no seu País de origem; ou c) A ameaça grave contra a vida ou a integridade física do autor, resultante de violência indiscriminada em situações de conflito armado internacional ou interno ou de violação generalizada e indiscriminada de direitos humanos.” Na p.i., o autor (ora recorrente) remete a sua alegação para as declarações que prestou no âmbito do procedimento em que pediu protecção internacional, nos seguintes termos: em 05.12.2022, foi capturado e agredido por três pessoas armadas, que tentaram obrigá-lo a dizer que pertencia ao grupo de dissidentes das FARC, tiraram-lhe a carteira e, quando viram o seu cartão profissional, do qual constava que trabalhava para o Governo, cuspiram-lhe na cara e disseram-lhe que ia ser pior porque trabalhava para o Governo, e que, dali a 8 dias, deveria entregar-lhes 4000,000 pesos todas as sextas feiras, ou matavam-no. Mais refere que foi ameaçado, assim como a sua família, de violação e morte, tendo a sua casa passado a ser vigiada, tiraram-lhe o carro e tentaram sequestrar os seus filhos para os recrutar para serem combatentes do grupo armado. Em Fevereiro de 2024, veio com a sua família para Portugal por ser um país seguro. Do episódio assim descrito pelo autor ressalta que o mesmo data de 2022 e que o autor apenas terá abandonado a Colômbia em 2024, sem que se perceba a razão dessa demora na saída do país. Acresce que também não se mostra minimamente concretizada nem fundamentada a conclusão a que chega de que os alegados agressores seriam membros das FARC. Ademais, o autor não faz referência a qualquer pedido de ajuda que tenha dirigido ao Estado colombiano para obter protecção em face dos supostos agressores. Para efeitos de concessão de asilo, a situação de perseguição que o recorrente invoca reduz-se a um episódio, nada sendo alegado que o mesmo se relacione com qualquer actividade exercida em favor da democracia, da libertação social e nacional, da paz entre os povos, da liberdade e dos direitos da pessoa humana, nem sequer com a raça, religião ou opinião política do autor, e a ligação dos supostos agressores às FARC não se mostra segura, decorrendo de uma conjectura do autor. Deste modo, tal como se concluiu na sentença recorrida, não se mostram verificados os requisitos legais para a concessão de asilo. Quanto à também requerida protecção subsidiária, o autor não alegou qualquer factualidade apta a concluir pela impossibilidade de regresso à Colômbia, desde logo porque não descreve qualquer situação de sistemática violação dos direitos humanos. Aqui chegados, concluímos que o autor não logrou sequer alegar – muito menos provar – factos concretos consubstanciadores das situações legalmente previstas como pressupostos para a concessão do direito de asilo e/ou de protecção subsidiária. Termos em que se impõe julgar o presente recurso improcedente. * Sem custas, nos termos do artigo 84.º da Lei n.º 27/2008, de 30 de Junho.V – DECISÃO Pelo exposto, acordam os juízes da Subsecção comum da Secção administrativa do Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso interposto. Sem custas. Lisboa, 10 de Abril de 2025 Joana Costa e Nora (Relatora) Marcelo Mendonça Ana Lameira |