Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 23701/25.6BELSB-A |
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Secção: | JUIZ PRESIDENTE |
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Data do Acordão: | 06/04/2025 |
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Relator: | TÂNIA MEIRELES DA CUNHA |
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Descritores: | PEDIDO DE ESCUSA ESCUSA DE JUIZ IMPARCIALIDADE |
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Sumário: | I.A escusa, tal como a suspeição, é um meio instrumental da garantia da imparcialidade. No entanto, tratando-se de um desvio ao princípio do juiz natural, deve ser usado com ponderação e cautela.
II. Sendo a A. médica assistente da escusante e considerando as específicas caraterísticas de relação médico-doente, é razoável admitir que existe uma efetiva suscetibilidade de, na comunidade em geral, se poderem suscitar dúvidas e desconfianças sobre a isenção e imparcialidade. |
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Votação: | DECISÃO SINGULAR |
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Aditamento: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | Decisão
[art.º 119.º n.º 5, do Código de Processo Civil (CPC)] I. A Senhor Juíza de Direito ………….., a exercer funções no Tribunal Administrativo de Círculo (TAC) de Lisboa, veio, ao abrigo do disposto no art.º 119.º, n.º 1, e do n.º 1 do art.º 120.º, ambos do CPC, ex vi art.º 1.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), apresentar pedido de escusa de intervir nos autos n.º 23701/25.6BELSB, por entender que tal intervenção, a manter-se, é suscetível de criar desconfiança acerca da sua imparcialidade. Sustenta o seu pedido, fundamentalmente, no seguinte: “Considerando que, nos presentes autos, é Autora T ……………….., a qual é médica assistente da ora signatária, tendo prestado duas consultas médicas à signatária em 2024, e atendendo à relação de confiança entre médico e paciente já estabelecida e à circunstância de a Autora se encontrar na disposição de dados pessoais da signatária relativos à sua saúde, entende a signatária que a sua intervenção nos presentes autos é amplamente suscetível de motivar desconfiança sobre a imparcialidade da Juíza Titular para julgar a presente causa, em face da relação entre médico e paciente preexistente. Pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 119.º e do n.º 1 do artigo 120.º do CPC, aplicáveis por remissão do artigo 1.º do CPTA, considera a signatária que existe fundamento para apresentar pedido de escusa de intervenção nos autos. Nestes termos, e à luz do n.º 3 do artigo 119.º do CPC, aplicável por remissão do artigo 1.º do CPTA, com as necessárias adaptações, requer-se junto da Exm.ª Senhora Juíza Presidente do Tribunal Central Administrativo Sul que se digne dispensar a signatária de intervir na presente causa”.
II. Apreciando. O pedido de escusa do juiz, previsto no art.º 119.º do CPC, visa dotar o julgador de um instrumento que lhe permita ser dispensado de intervir na causa, quando considere que se verificam algumas das circunstâncias elencadas como motivadoras do incidente de suspeição, previsto no art.º 120.º do CPC, ou quando entenda que há outras circunstâncias ponderosas que conduzem à conclusão de que se pode suspeitar da sua imparcialidade (cfr. n.º 1 do mencionado art.º 119.º). A escusa, tal como a suspeição, é um meio instrumental da garantia da imparcialidade. No entanto, tratando-se de um desvio ao princípio do juiz natural, deve ser usado com ponderação e cautela. No caso, a Senhor Juíza escusante invoca a suscetibilidade de ser posta em causa a sua imparcialidade, baseando-se na circunstância de a Autora nos autos principais ser sua médica assistente desde 2024, com a qual tem uma relação de confiança, e de a Autora se encontrar na disposição de dados pessoais da signatária relativos à sua saúde. Considera-se que os factos invocados são suscetíveis de pôr em causa as garantias de imparcialidade a que já nos referimos. Com efeito, sendo certo que nem todas as interações sociais que um juiz tenha são suscetíveis de justificar o deferimento de um pedido de escusa [cfr., v.g., as decisões deste TCAS de 27.04.2022 (Processo: 204/22.5BELLE-A) e de 03.02.2025 (Processo: 352/23.4BELRS-A)], a relação social que ora é chamada à colação tem uma natureza tal que sustenta o nosso entendimento de que a pretensão da escusante merece procedência. Com efeito, a relação médico-doente tem ínsita a existência de mútua confiança [cfr., a este respeito, o art.º 139.º do Estatuto da Ordem dos Médicos (DL n.º 282/77, de 05 de julho) e o art.º 29.º Regulamento de Deontologia Médica (Regulamento n.º 707/2016, de 21 de julho)]. Da mesma forma, tal relação pressupõe o acesso por parte do médico assistente a um conjunto de informação sensível do seu doente. Ou seja, e retornando ao caso em análise, há aqui uma específica ligação que, sendo do foro profissional, tem inerente uma relação de mútua confiança, que implica, aliás, o acesso a dados sensíveis e da esfera íntima da escusante. Face a este contexto e considerando as específicas caraterísticas atinentes a esta relação, é razoável admitir que existe uma efetiva suscetibilidade de, na comunidade em geral, se poderem suscitar dúvidas e desconfianças sobre a isenção e imparcialidade da Senhora Juíza escusante na apreciação e julgamento dos autos principais. É certo que, do ponto de vista subjetivo, não existe notícia de que o comportamento da escusante possa inculcar uma possível falta de imparcialidade, bem pelo contrário, tendo sido o presente incidente suscitado pela própria magistrada, atitude que só pode ser qualificada de escrupulosa. Não estando, pois, em causa qualquer prevenção quanto à garantia de imparcialidade subjetiva, o certo é que pode estar criado um quadro de aparências capaz de sustentar, no juízo público conhecedor daquela situação de relacionamento, dúvidas, desconfianças ou suspeitas sobre a indispensável imparcialidade do julgador e sobre o modo de funcionamento da Justiça. Como tal, o pedido formulado tem de ser deferido, nos termos do disposto no art.º 119.º, n.ºs 1 e 4, do CPC.
III. Face ao exposto e decidindo: Defere-se o pedido de escusa apresentado pela Senhora Juíza de Direito …………….., para intervir nos autos, como titular do processo em causa. Sem custas. Registe e notifique. Baixem os autos.
Lisboa, d.s. A Juíza Desembargadora Presidente,
(Tânia Meireles da Cunha) |