Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:30/17.3BELSB-A
Secção:JUÍZA PRESIDENTE
Data do Acordão:03/26/2025
Relator:TÂNIA MEIRELES DA CUNHA
Descritores:ESCUSA DE JUIZ
IMPARCIALIDADE
Sumário:É de deferir pedido de escusa formulado por Juiz escusante em ação respeitante a R. contra o qual a escusante tem litígio judicial, existindo motivo sério e grave apropriado a gerar a desconfiança ou suspeição sobre a imparcialidade do julgador.
Votação:DECISÃO SINGULAR
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: Decisão

[art.º 119.º n.º 5, do Código de Processo Civil (CPC)]


I. A Senhora Juíza de Direito T …………………….., a exercer funções no Juízo Administrativo Comum do Tribunal Administrativo de Círculo (TAC) de Lisboa, veio, ao abrigo do disposto no art.º 119.º, n.ºs 1 e 2, 1.ª parte, e n.º 3, 2.ª parte, do CPC, aplicável ex vi art.º 1.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), apresentar pedido de escusa de intervir nos autos n.º 30/17.3BELSB, por entender que tal intervenção, a manter-se, é suscetível de criar desconfiança acerca da sua imparcialidade.

Sustenta o seu pedido, fundamentalmente, no seguinte:

“… i) no processo que se nos encontra distribuído e que corre os seus termos no juízo administrativo comum do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, sob o n.º30/17.3BELSB, é Ré a Faculdade ………………………;

ii) a Ré Faculdade …………………. e a ora signatária mantiveram uma relação laboral até finais de 2020, data em que esta última ingressou na formação inicial do Centro de Estudos Judiciários, concretamente no 7.º Curso dos Tribunais Administrativos e Fiscais;

iii) em 27.07.2023, a ora signatária intentou ação administrativa contra a Faculdade de ……………………., a qual corre os seus termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, no juízo administrativo social, sob o n.º 785/23.6BESNT;

iv) existindo, assim, na presente data, litígio pendente entre a Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa e a ora signatária;

Por conseguinte, do ponto de vista objetivo entendo que a minha intervenção nos presentes autos é amplamente suscetível, do prisma das partes, muito em particular da Ré Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, de motivar desconfiança sobre a minha imparcialidade para julgar a mesma, decorrente da existência de litígio pendente com a ora signatária.

Pelo que, à luz do contexto supra descrito e ao abrigo do disposto nos artigos 119.º, n.ºs 1 e 3, e 120.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil ex vi artigos 1.º e 35.º, n.º 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, cumpre:

Requerer junto da Exma. Senhora Juiz Presidente do Tribunal Central Administrativo Sul, que se digne dispensar-me de intervir nos presentes autos…”.

II. Apreciando.

O pedido de escusa do juiz, previsto no art.º 119.º do CPC, visa dotar o julgador de um instrumento que lhe permita ser dispensado de intervir na causa, quando considere que se verificam algumas das circunstâncias elencadas como motivadoras do incidente de suspeição, previsto no art.º 120.º do CPC, ou quando entenda que há outras circunstâncias ponderosas que conduzem à conclusão de que se pode suspeitar da sua imparcialidade (cfr. n.º 1 do mencionado art.º 119.º).

A escusa, tal como a suspeição, é um dos meios instrumentais da garantia da imparcialidade.

Nos termos do art.º 120.º, n.º 1, do CPC, ex vi n.º 1 do art.º 119.º do mesmo código, é suscetível de sustentar um pedido de escusa o seguinte leque de situações:

“a) Se existir parentesco ou afinidade, não compreendidos no artigo 115.º, em linha reta ou até ao 4.º grau da linha colateral, entre o juiz ou o seu cônjuge e alguma das partes ou pessoa que tenha, em relação ao objeto da causa, interesse que lhe permitisse ser nela parte principal;

b) Se houver causa em que seja parte o juiz ou o seu cônjuge ou unido de facto ou algum parente ou afim de qualquer deles em linha reta e alguma das partes for juiz nessa causa;

c) Se houver, ou tiver havido nos três anos antecedentes, qualquer causa, não compreendida na alínea g) do n.º 1 do artigo 115.º, entre alguma das partes ou o seu cônjuge e o juiz ou seu cônjuge ou algum parente ou afim de qualquer deles em linha reta;

d) Se o juiz ou o seu cônjuge, ou algum parente ou afim de qualquer deles em linha reta, for credor ou devedor de alguma das partes, ou tiver interesse jurídico em que a decisão do pleito seja favorável a uma das partes;

e) Se o juiz for protutor, herdeiro presumido, donatário ou patrão de alguma das partes, ou membro da direção ou administração de qualquer pessoa coletiva parte na causa;

f) Se o juiz tiver recebido dádivas antes ou depois de instaurado o processo e por causa dele, ou se tiver fornecido meios para as despesas do processo;

g) Se houver inimizade grave ou grande intimidade entre o juiz e alguma das partes ou seus mandatários”.

No caso dos autos, a Senhora Juíza escusante é a autora da ação administrativa, que corre termos no TAF de Sintra sob o n.º 785/23.6BESBT, intentada contra a Faculdade …………………….

Com efeito, da consulta ao SITAF, resulta que a Senhora Juíza escusante intentou, em 25.07.2023, no TAF de Sintra, uma ação administrativa contra a Faculdade ………………….., à qual coube o referido número, ainda pendente de decisão na presente data.

A este propósito, é de chamar à colação a decisão deste TCAS de 07.06.2024 (Processo: 405/24.1BESNT-A), relativa a situação em tudo idêntica. Ali se escreveu:

“(…) impõe-se apurar se há algo nos factos alegados pela Senhora Juíza, constitutivos do fundamento do seu pedido de escusa, que irrefutavelmente denunciem - aos olhos da comunidade em geral- que deixou de oferecer garantias de imparcialidade e de isenção.

Recorde-se que a Senhora Juíza escusante indica, como motivos do pedido de escusa, a circunstância de ter mantido com a Ré da ação principal, a Faculdade de …………………., uma relação laboral /profissional até ao ano de 2020, bem como o facto de ter intentado contra aquela Entidade uma ação administrativa, que corre termos no mesmo Tribunal e Juízo onde exerce funções, sob o nº785/23.6BESNT.

É evidente que, do ponto de vista subjetivo, não está em causa a imparcialidade subjetiva da Senhora Juíza requerente, a qual, aliás, se presume, como também não se põe em dúvida que, se porventura viesse a julgar a ação (de que o presente incidente é apenso), o faria de modo independente e imparcial.

Mas o circunstancialismo descrito pela Senhora Juíza escusante, concretamente o de figurar como Ré na ação que lhe foi distribuída a mesma Entidade contra a qual a Senhora Magistrada havia interposto uma ação administrativa (relevando que ambas as ações correm termos no juízo onde exerce funções), é o bastante para se poder concluir que existe motivo sério e grave apropriado a gerar, na comunidade em geral e na Ré em particular, a desconfiança ou suspeição sobre a imparcialidade da Senhora Magistrada.

É que na perspetiva do cidadão comum e dos destinatários da administração da justiça no caso concreto, a intervenção da Senhora Juíza escusante no julgamento da causa poderia ser alvo de suspeições, face à situação de litigar também- embora noutros autos-, contra a Ré da ação que lhe foi distribuída.

É, pois, a imparcialidade objetiva que aqui se impõe salvaguardar, afastando a Senhora Juíza do processo, porque importa garantir a imparcialidade mas, também, a sua aparência, libertando o julgamento de motivos que possam perturbar a imagem de equidistância.

Podemos dizer, que a Senhora Juíza escusante está colocada no mesmo plano que a mulher de César: não lhe basta ser e saber que é séria e imparcial tem também de parecer neutra, isenta e justa aos olhos da comunidade em nome da qual tem o poder de julgar.

Há, pois, razão para afastar o “juiz natural”.

Aderindo integralmente a esta fundamentação, o pedido formulado tem de ser deferido, nos termos do disposto nos art.ºs 119.º, n.ºs 1 e 4 e 120.º, n.º 1, alínea b), do CPC.

III. Face ao exposto e decidindo:

Defere-se o pedido de escusa apresentado pela Senhora Juíza de Direito Tânia Maria Brás Clérigo Fernandes, para intervir nos autos, como titular do processo em causa.

Sem custas.

Registe e notifique.

Baixem os autos.


Lisboa, d.s

A Juíza Desembargadora Presidente,

(Tânia Meireles da Cunha)