Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 348/16.2BELSB |
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Secção: | CA |
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Data do Acordão: | 04/10/2025 |
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Relator: | LUÍS BORGES FREITAS |
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Descritores: | AMNISTIA INFRAÇÕES DISCIPLINARES ÂMBITO DE APLICAÇÃO PODERES DOS TRIBUNAIS |
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Sumário: | I - Relativamente às infrações disciplinares a Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto, não prevê qualquer restrição relativamente à idade. II - Impende sobre os tribunais o poder-dever de aplicarem a lei da amnistia aos casos que reúnam os respetivos pressupostos e que se repercutem na subsistência da relação processual. |
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Votação: | Unanimidade |
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Indicações Eventuais: | Subsecção Administrativa Social |
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Aditamento: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na Subsecção Social do Tribunal Central Administrativo Sul: I J........ intentou, em 10.2.2016, no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, ação administrativa contra a ORDEM DOS MÉDICOS DENTISTAS, impugnando o ato que lhe aplicou a pena disciplinar de censura. Por sentença de 28.5.2024 o tribunal a quo declarou «amnistiada a alegada infração disciplinar em apreciação nos presentes autos e, em consequência, [declarou] extinta a responsabilidade disciplinar do Autor». Inconformada, a Ordem dos Médicos Dentistas interpôs recurso daquela decisão, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões, que se transcrevem: 1ª - NO QUE TANGE A INFRACÇÕES DISCIPLINARES A LEI DA AMNISTIA TEM TAMBÉM UM TETO ETÁRIO IGUAL A 30 ANOS À DATA DA PRÁTICA DA INFRACÇÃO, POIS A MESMA É JUSTIFICADA PELA JUVENTUDE DOS INFRATORES A PROPÓSITO DA VINDA DO PAPA POR OCASIÃO PRECISAMENTE DA JORNADAS DA JUVENTUDE, PELO QUE SÓ PODEM ESTAR NO ESPETRO DA AMNISTIA AQUELES SUJEITOS QUE À DATA DA INFRAÇCÃO NÃO ULTRAPASSASEM, COMO É O CASO DO AQUI RECORRIDO, A IDADE DE 30 ANOS. 2ª - NO MAIS, O ENTENDIMENTO CONTRÁRIO DETERMINA A INCONSTITUCIONALIDADE DA LEI DA AMNISTIA, UMA VEZ QUE VIOLA O PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DE PODERES E O PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. 3ª – A VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DE PODERES DÁ-SE NA MEDIDA EM QUE O ENTENDIMENTO SUFRAGADO PELO TRIBUNAL A QUO SEMPRE DETERMINARÁ QUE A LEI DA AMNISTIA SE CONFIGURE COMO UMA POSIÇÃO POLÍTICA ARBITRÁRIA VISTO NÃO TER COMO ESCOPO OS JOVENS, MAS, ANTES, TODA A POPULAÇÃO, INDEPENDENTEMENTE DA IDADE. 4ª – ACRESCE QUE A DECISÃO DE NÃO DECIDIR A IMPUGNAÇÃO PENDENTE POR INUTILIDADE SUPERVENIENTE JUSTIFICADA PELA APLICAÇÃO DA LEI DA AMINISTIA VIOLA O PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DE PODERES, POIS CONSTITUI UMA DECISÃO EX NOVUM SEM INTERVENÇÃO PRÉVIA DA ADMINISTRAÇÃO, CABENDO APENAS AOS TRIBUNAIS APENAS E TÃO SÓ SINDICAR E EVENTUALMENTE ANULAR OU VALIDAR A DECISÃO ADMINISTRATIVA. 5ª – POR SUA VEZ, VERIFICA-SE A VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE VISTO QUE APLICAR A LEI DA AMNISTIA A TODA A POPULAÇÃO LEVA A UMA RESTRIÇÃO INJUSTIFICADA – E, POR ISSO, DESPROPORCIONAL – DOS PODERES DISCIPLINARES DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. 6º - ALÉM DISSO, O ADVÉRBIO “IGUALMENTE” UTILIZADO PELO LEGISLADOR NO Nº2 DO ART.2º DA LEI DA AMNISTIA REFORÇA A IDEIA QUE A LIMITAÇÃO ETÁRIA EXPRESSAMENTE APLICÁVEL ÀS SANÇÕES PENAIS É IGUALMENTE APLICÁVEL À AMNISTIA DAS SANÇÕES DISCIPLINARES. 7º- A DECISÃO RECORRIDA INCORRE EM ERRO DE JULGAMENTO DE DIREITO POR ERRADA INTERPRETAÇÃO DA LEI DA AMNISTIA DESIGNADAMENTE DO ARTIGO 2º Nº 2 AL. B) E ARTIGO 6º E, CONSEQUENTEMENTE, TAMBÉM, VIOLA A COMPETÊNCIA DA ENTIDADE ADMINISTRATIVA RECORRIDA EM TERMOS DE PODERES DISCIPLINARES QUE LHE FORAM CONFERIDOS POR LEI. NESTES TERMOS E NOS MELHORES DE DIREITO, DEVE O PRESENTE RECURSO SER JULGADO PROCEDENTE NOS TERMOS SUPRA EXPOSTOS E, CONSEQUENTEMENTE, SER REVOGADA A DECISÃO RECORRIDA. O Recorrido não apresentou contra-alegações. O Ministério Público emitiu parecer no sentido de não dever ser dado provimento ao recurso. * Com dispensa de vistos, mas com envio prévio do projeto de acórdão aos Juízes Desembargadores adjuntos, vem o processo à conferência para julgamento. II Sabendo-se que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões do apelante, as questões que se encontram submetidas à apreciação deste tribunal de apelação consistem em determinar se existe erro de julgamento por: a) Existir limite etário na aplicação da Lei da Amnistia às infrações disciplinares; b) Estar vedado aos tribunais aplicarem a Lei da Amnistia. III Do alegado limite de idade relativamente às infrações disciplinares 1. A Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto, estabeleceu «um perdão de penas e uma amnistia de infrações por ocasião da realização em Portugal da Jornada Mundial da Juventude». Por outro lado, consta do seu artigo 2.º o seguinte: «Artigo 2.º 1 — Estão abrangidas pela presente lei as sanções penais relativas aos ilícitos praticados até às 00:00 horas de 19 de junho de 2023, por pessoas que tenham entre 16 e 30 anos de idade à data da prática do facto, nos termos definidos nos artigos 3.º e 4.ºÂmbito 2 — Estão igualmente abrangidas pela presente lei as: a) Sanções acessórias relativas a contraordenações praticadas até às 00:00 horas de 19 de junho de 2023, nos termos definidos no artigo 5.º; b) Sanções relativas a infrações disciplinares e infrações disciplinares militares praticadas até às 00:00 horas de 19 de junho de 2023, nos termos definidos no artigo 6.º». 2. À luz desta norma defende a Recorrente que «a aplicação do limite de idade imposto no art. 2.º n.º 1 da Lei da Amnistia não é somente aplicável aos ilícitos penais como sufraga o Tribunal a quo ao omitir a existência deste requisito (e, por consequência, ao permitir aplicar ao aqui recorrido a Amnistia), visto que o motivo da existência do limite de idade é também o motivo da existência da própria Lei da Amnistia», sendo «igualmente aplicável às infrações disciplinares (e às sanções acessórias relativas a contraordenações)». Por outro lado, entende ainda a Recorrente, «[a]plicar a Amnistia às sanções disciplinares por qualquer pessoa independentemente da idade levaria à palpável violação do princípio da separação de poderes uma vez que a Lei n.º 38-A/2023 de 2 de agosto passaria a se consubstanciar num ato político sem fundamento contextual e, portanto, uma posição política arbitrária assumidamente contrária às decisões tomadas pela Administração Pública no âmbito dos seus poderes disciplinares». 3. Precisamente no âmbito de um recurso de revista interposto pela Ordem dos Médicos Dentistas, a questão suscitada foi apreciada pelo Supremo Tribunal Administrativo em acórdão de 24.10.2024, processo n.º 01619/23.7BEPRT. Do referido acórdão extrai-se, nomeadamente, o seguinte: « (…) Nos termos do art. 9.º do Código Civil: 1 - A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada. 2 - Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso. 3 - Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados. 20. Assim, em conformidade com aquele número 2, a letra é não só o ponto de partida da interpretação, mas, também, o seu limite. 21. Ora, decorre da interpretação literal do art. 2.º, n.º 2, al. b) e do art. 6.º da Lei da Amnistia, que as infrações disciplinares e as infrações disciplinares militares, praticadas até às 00h00 horas de 19 de junho de 2023, que não constituam simultaneamente ilícitos penais não amnistiados pela mesma lei e cuja sanção aplicável, em ambos os casos, não seja superior a suspensão ou prisão disciplinar, são também amnistiadas. Aqui não se prevendo qualquer restrição relativa à idade. 22. Com efeito, lendo o disposto nos números 1 e 2 do art. 2.º da Lei, verifica-se o seguinte: 1 - Estão abrangidas pela presente lei as sanções penais relativas aos ilícitos praticados até às 00:00 horas de 19 de junho de 2023, por pessoas que tenham entre 16 e 30 anos de idade à data da prática do facto, nos termos definidos nos artigos 3.º e 4.º [sublinhados nossos] 2 - Estão igualmente abrangidas pela presente lei as: a) Sanções acessórias relativas a contraordenações praticadas até às 00:00 horas de 19 de junho de 2023, nos termos definidos no artigo 5.º; b) Sanções relativas a infrações disciplinares e infrações disciplinares (…) (…) 23. Da leitura de ambas as normas acabadas de transcrever, facilmente sobressai o seguinte aspeto: a norma contida no n.º 1, por referência às sanções penais, consagra na sua previsão um elemento relativo à idade do agente (entre 16 e 30 anos de idade), enquanto que as normas contidas nas alíneas a) e b) do n.º 2, por referência às sanções acessórias relativas a contraordenações e às infrações disciplinares e infrações disciplinares, não contêm qualquer elemento relativo à idade do agente infrator. 24. Por outro lado, o art. 6.º da Lei n.º 38-A/2023, que estabelece que “[s]ão amnistiadas as infrações disciplinares e as infrações disciplinares militares que não constituam simultaneamente ilícitos penais não amnistiados pela presente lei e cuja sanção aplicável, em ambos os casos, não seja superior a suspensão ou prisão disciplinar”, não faz qualquer menção ao âmbito etário da aplicação subjetiva. 25. Por outro lado ainda, também do art. 7.º da mesma Lei não resulta qualquer limitação quanto à possibilidade da sua aplicação ao caso concreto dos autos. 26. Na verdade, o legislador da Assembleia da República, na sua ampla liberdade de conformação neste domínio - é o que resulta do art. 161.º, alínea f) da CRP -, como já reconhecido pelo Tribunal Constitucional no seu acórdão de n.º 348/00, proc. n.º 533/99 [“(…) larga margem de conformação legislativa da Assembleia da República na escolha dos casos a que se aplica a amnistia e o perdão genérico (…)”; idem o acórdão n.º 42/95, in DR-II Série, de 13.04.1995], entendeu consagrar este regime dual, o que ao intérprete-aplicador cabe tão-somente respeitar. De igual modo, face a este ampla liberdade de fixação dos parâmetros normativos que é concedida ao Parlamento em matéria de leis de amnistia e de perdões genéricos, considerando os fins visados pela lei e por si identificados, não se vislumbra qualquer inconstitucionalidade que exigisse a sua desaplicação no caso concreto (v. infra 28). 27. Reitera-se que de acordo com a doutrina e jurisprudência maioritária, tratando-se a amnistia e o perdão de providências de exceção, não comportam, por essa mesma razão, aplicação analógica (art. 11.º do C.Civil), nem sequer admitem interpretação extensiva ou restritiva. Assim sendo, devem ser interpretadas nos exatos termos em que estão redigidas, com respeito pelo preceituado no artigo 9.º do CC (v. supra; idem, na Doutrina, i.a., FRANCESCO FERRARA, Interpretação e Aplicação das Leis, 1978, p. 147). 28. De resto, também como afirmado no acórdão recorrido, “o nº 2 alíneas a) e b) do artigo 2º e o artigo 6º sejam inovadores relativamente à proposta de Lei do Governo, dado que autonomizam as sanções penais das sanções acessórias de contraordenação e das infrações disciplinares, incluindo as militares, sendo que apenas é restringida às pessoas que tenham entre 16 e 30 anos de idade a amnistia das sanções penais”. O que resulta claro dos trabalhos preparatórios do diploma e, em especial, do Texto Final e relatório da discussão e votação na especialidade da Proposta de Lei n.º 97/XV /1.ª (in “Debates Parlamentares”), onde expressamente se destaca, desde logo, que o título do diploma deveria ser “Perdão de penas e amnistia de infrações”, com o fundamento de que “a amnistia abrange também as sanções acessórias relativas a contraordenações e a infrações disciplinares e disciplinares militares, sem limite de idade”. Isto é – e para que dúvidas não subsistam -, não só a letra da lei é clara, como corresponde exatamente à mens legislatoris subjacente; os efeitos normativos que se extraem da letra da lei, coincidem integralmente com o sentido legislativo que presidiu à sua redação». 4. Este entendimento – que já constava do acórdão de 12.9.2024 do mesmo supremo tribunal proferido no processo n.º 0164/23.5BCLSB – é, evidentemente, de subscrever, pelo que, e por aqui, não assiste razão à Recorrente (Ordem dos Médicos Dentistas). Da alegada impossibilidade de aplicação, pelos tribunais, da Lei da Amnistia 5. De acordo com a Recorrente (Ordem dos Médicos Dentistas), «a aplicação direta por parte de um Tribunal Administrativo da Lei da Amnistia num processo administrativo-disciplinar consubstancia numa violação clara do princípio da separação de poderes». Admitir essa aplicação direta «levaria igualmente à violação do princípio da proporcionalidade uma vez que se passaria a existir uma restrição colossal dos poderes disciplinares dos mais variados e numerosos órgãos da Administração Pública – designadamente da aqui Recorrente – sem para isso existir qualquer justificação para o efeito uma vez que as Jornadas Mundiais da Juventude foi um evento para jovens entre 16 e 30 anos e não para todas as pessoas». 6. Também esta questão já foi apreciada pelo Supremo Tribunal Administrativo. Foi o caso do acórdão de 16.5.2024, processo n.º 01043/20.3BEPRT, no qual se pode ler, nomeadamente, o seguinte: «29.Como bem escreveu a Senhora Procuradora-Geral Adjunta no parecer junto a estes autos, com o qual aquiescemos integralmente e que por isso passamos a transcrever: «[…] na afirmativa, tal amnistia extingue a respetiva responsabilidade disciplinar, tendo como efeito a extinção do procedimento disciplinar e, como tal o ato sancionatório impugnado (cujos efeitos condenatórios não se encontram, por isso, consolidados na ordem jurídica) perde o seu objeto. O que, por consequência, determina, a nosso ver, que a lide impugnatória fique despojada do seu próprio objeto, tornando absolutamente inútil o seu prosseguimento. Assim, salvo o devido respeito, divergindo-se do entendimento sufragado pelo Exmo. Senhor Juiz Desembargador Relator do TCA Norte, no seu despacho de 19/10/2023, afigura-se-nos que caberá nesta instância conhecer e apreciar dessa questão, que contende com a própria utilidade da lide, sem depender do entendimento e de uma eventual atuação da Entidade Administrativa Demandada nessa matéria, que, a nosso ver, não detém o exclusivo da aplicação da lei da amnistia. Na verdade, e como decorre do próprio art. 14º, da Lei nº 38-A/2023, de 02/08, a aplicação da lei da amnistia pode/deve (também) ser efetuada nos processos judiciais, competindo, designadamente, ao juiz da instância do julgamento. Como, de resto, tem vindo a ser entendido neste Supremo Tribunal Administrativo. Assim, e designadamente, no âmbito do proc. nº 171/22.5BCLSB, em que, por despacho de 02/10/2013 da Exma. Senhora Juiz Conselheira Relatora, e por aplicação do disposto nos arts. 2º, nº 2, alínea b), e 6º, da Lei nº 38-A/2023, de 02/08, foi julgada extinta a instância por impossibilidade legal da lide, nos termos do disposto no art. 277º, alínea e), do C.P.Civil. O mesmo sucedeu no âmbito do proc. nº 262/12.0BELSB, em que, por despacho de 03/10/2023 do Exmo. Senhor Juiz Conselheiro Relator, foi considerado que: “(…) estão reunidos os pressupostos para que se possa declarar amnistiada a infração disciplinar aplicada pelo ato impugnado nos presentes autos”. (…) Assim, 2. Ao abrigo do disposto no artigo 14.º da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto, declaro amnistiada a pena disciplinar de 3 dias de multa aplicada ao Autor. 3. A amnistia da referida infração determina a inutilidade superveniente da respetiva lide, que tem por objeto o despacho do Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Administração Interna, de 31 de outubro de 2011, que a confirmou, pelo que extingo a presente instância – cfr. artigo 277.º, alínea e) do CPC, aplicável ex vi do artigo 1.º do CPTA. 4. Sendo inútil o prosseguimento da lide, por se encontrar amnistiada a infração que lhe deu causa, inútil é também o conhecimento do presente recurso de revista, dado que o mesmo, sendo um recurso ordinário, que visa a revogação das decisões proferidas pelas instâncias, não se destina a fixar uma orientação jurisprudencial e não tem autonomia em relação ao processo de que emerge. (…)”. Despacho que, tendo sido objeto de reclamação para a conferência, veio a ser confirmado pelo Ac. do STA de 16-11-2023, proc. 0262/12.0BELSB, com o seguinte sumário: I - A amnistia faz cessar a responsabilidade disciplinar do arguido, pelo que, salvo disposição legal em contrário, tem eficácia ex-tunc, e faz desaparecer o objeto da ação que visa a anulação ou declaração de nulidade do ato que aplicou a pena disciplinar, determinando a inutilidade da respetiva lide. II – Embora também tenha uma função objetiva, de orientação da jurisprudência dos tribunais inferiores, nomeadamente nas matérias de maior importância que preenchem os respetivos pressupostos de admissão, o recurso de revista é um recurso ordinário e não tem autonomia em relação à lide de que emerge, extinguindo-se com a extinção daquela. Considerando-se na respetiva fundamentação, designadamente, que: 4. Não se ignora que o recurso de revista tem, também, uma função objetiva, de orientação da jurisprudência dos tribunais inferiores, nomeadamente nas matérias de maior importância que preenchem os respetivos pressupostos de admissão, mas isso não lhe confere autonomia em relação ao litígio de que emerge, razão pela qual a sua decisão produz efeitos, exclusivamente, no caso concreto. Isso significa que, sem prejuízo do seu valor de referência jurisprudencial, da mesma resultará, ou a confirmação da decisão proferida em segundo grau de jurisdição, ou a sua revogação, e a sua substituição por outra que promova a resolução definitiva do litígio. 5. Do exposto resulta que o recurso de revista, sendo uma última e decisiva instância do processo, tem o mesmo objeto das instâncias que o precederam, e não vive para além do processo de que emerge. Se o respetivo objeto, entretanto, desapareceu, nomeadamente porque se extinguiram os efeitos do ato punitivo que nele foi impugnado, a instância – todas as instâncias do processo - extinguem-se por inutilidade superveniente da lide. 6. O Reclamante não tem razão quando alega que a amnistia apenas produz efeitos para futuro, pelo que subsiste o interesse no julgamento da questão da eventual prescrição da responsabilidade disciplinar, que determinou a admissão do recurso de revista. Sem prejuízo dos efeitos de facto que, entretanto, se tenham consumado, nomeadamente os relativos ao cumprimento da pena, é entendimento dominante na jurisprudência e na doutrina que a amnistia faz cessar a responsabilidade disciplinar do arguido, pelo que, salvo disposição legal em contrário, determina o «esquecimento» da infração, extinguindo os respetivos efeitos com eficácia ex-tunc. Daqui decorre, necessariamente, que a amnistia faz desaparecer também – retroativamente – o objeto da ação que visa a anulação ou declaração de nulidade do ato que aplicou a correspondente pena disciplinar. Ora, se cessou a responsabilidade disciplinar do arguido, extinguindo-se os efeitos do ato que a efetivou, não subsiste nenhum interesse em determinar se o poder disciplinar prescreveu ou não antes da prática daquele ato, porque não existem outros efeitos jurídicos a extinguir para além daqueles que são extintos pela própria amnistia. 7. Acresce, aliás, que o ora Reclamante não tem interesse em agir, para promover o prolongamento da lide a pretexto de que subsistem efeitos jurídicos não extintos pela amnistia que, a existirem, apenas lesariam a esfera jurídica do ora Reclamado. 8. Assim, e sem mais considerações, conclui-se que, ao decidir que, «sendo inútil o prosseguimento da lide, por se encontrar amnistiada a infração que lhe deu causa, inútil é também o conhecimento do presente recurso de revista», o despacho reclamado não fez errada interpretação dos artigos 1, n.º 1 do ETAF, 152.º, n.º 1, e 652º, nº 2, do CPC. No mesmo sentido foram emanados os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 07-12-2023, proc. 02460/19.7BELSB, e, da mesma data, no proc. 01618/19.3BELSB.» 30.O entendimento expendido não pode deixar de ser por nós acolhido. Nesse sentido, veja-se o que se escreveu no recente Acórdão deste STA, de 29.02.2024, proferido no processo n.º 0300/14.5BELSB, de que foi relator o Cons. PEDRO MACHETE: “A precedência do conhecimento da amnistia prevista nos artigos 2.º, n.º 2, alínea b), 6.º e 7.º, n.º 1, alíneas j) e k), todos da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto, sobre a questão da prescrição do procedimento disciplinar – ou sobre outras questões que se tenham suscitado no âmbito da ação administrativa de impugnação de atos administrativos de aplicação de sanções disciplinares – resulta de a aplicação daquela impedir «que o agente agraciado sofra a sanção a que poderia vir a ser (ou a que já foi) condenado» (cfr. Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, 4.ª reimpr., Coimbra Editora, Coimbra, p. 691), podendo conduzir, por isso, à extinção da instância por inutilidade superveniente da lide. Assim, perante o objeto do presente recurso de revista – saber qual o momento exato em que o poder disciplinar se extingue por prescrição, de modo a impedir a aplicação da sanção disciplinar considerada devida –, a eventual aplicação da amnistia pode tornar a discussão inútil se, independentemente do momento considerado relevante para efeitos de prescrição, tornar inaplicável a sanção disciplinar. De resto, tem sido esta a orientação seguida pela jurisprudência recente deste Supremo Tribunal (v., por exemplo, os Acs. STA, de 16.11.2023, P. 262/12.0BELSB; de 7.12.2023, P. 1618/19.3BELSB; e de 7.12.2023, P. 2460/19.7BELSB)”. 7. Por isso se sumariou, no referido acórdão, que «[o] artigo 14.º da Lei de amnistia, ao estabelecer que “Nos processos judiciais, a aplicação das medidas previstas na presente lei, consoante os casos, compete ao Ministério Público, ao juiz de instrução criminal ou ao juiz da instância do julgamento ou da condenação “, obsta a qualquer dúvida sobre o poder-dever que impende sobre os tribunais de aplicarem a lei da amnistia aos casos que reúnam os pressupostos para a sua aplicação. A Entidade Administrativa Demandada não detém o exclusivo da aplicação da lei da amnistia». 8. Tal entendimento foi reiterado pelo mesmo supremo tribunal, em acórdão de 18.12.2024, processo n.º 0269/17.1BEMDL, nos termos do qual «[o] artigo 14.º da Lei de Amnistia impõe aos Tribunais o dever de aplicarem essa Lei aos processos de natureza disciplinar que reúnam os respetivos pressupostos legais, não pertencendo à Entidade Administrativa o exclusivo da sua aplicação, a qual, aliás, opera ope legis». Desse acórdão extrai-se ainda, e em especial, o seguinte: «23. Sem grandes considerações sobre esta questão, sobre a qual o STA já teve a oportunidade de se pronunciar, escreveu-se no sumário do Acórdão deste STA, de16/05/2024, proferido no processo n.º 01043/20.3BEPRT, que: « I- O artigo 14.º da Lei de amnistia, ao estabelecer que “Nos processos judiciais, a aplicação das medidas previstas na presente lei, consoante os casos, compete ao Ministério Público, ao juiz de instrução criminal ou ao juiz da instância do julgamento ou da condenação “, obsta a qualquer dúvida sobre o poder-dever que impende sobre os tribunais de aplicarem a lei da amnistia aos casos que reúnam os pressupostos para a sua aplicação. A Entidade Administrativa Demandada não detém o exclusivo da aplicação da lei da amnistia.» 24. Nem poderia ser de outra forma, uma vez que, este tipo de Lei opera “ope legis" o que «confere ao poder jurisdicional a obrigação de conhecer e aplicar essa mesma lei nas ações administrativas que visam a anulação de atos administrativos que aplicaram sanções disciplinares, com a consequente impossibilidade da lide, conducente à extinção da instância – art. 277º alínea e) do CPC» - neste sentido, cfr. Acórdãos do STA, de 26/09/1989, proferido no proc. n.º 020144; de 04/04/1989, proferido no proc. n.º 021252; de 11/02/1993, proferido no processo n.º 023964 e, de 24/11/1989, proferido no proc. n.º 029796. 25.Ou, em termos mais incisivos, como se asseverou no sumário do acórdão do STA, de 15/11/2001, proferido no proc. n.º 041693: “I - Os Tribunais Administrativos têm o poder e o dever de aplicar normas da lei da amnistia, que se repercutam na subsistência da relação processual, instaurada com a interposição de recurso contencioso tirando as necessárias consequências dos mesmos. II - O cumprimento da pena disciplinar não obsta à aplicação das leis da amnistia.”». 9. Subscrevendo este entendimento, também aqui se terá de concluir no sentido de que não procede o alegado pela Recorrente (Ordem dos Médicos Dentistas). IV Em face do exposto, acordam os Juízes da Subsecção Social do Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e, em consequência, confirmar a sentença recorrida. Custas da apelação a cargo da Recorrente (Ordem dos Médicos Dentistas) (artigo 527.º/1 e 2 do Código de Processo Civil). Lisboa, 10 de abril de 2025. Luís Borges Freitas (relator) Rui Fernando Belfo Pereira Teresa Caiado |