Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:624/25.3 BELRA
Secção:CA
Data do Acordão:10/23/2025
Relator:JOANA COSTA E NORA
Descritores:JUNÇÃO DE DOCUMENTOS EM RECURSO
ALEGAÇÃO DE FACTOS
EXTEMPORANEIDADE
REGISTO DE APRESENTAÇÃO DE REQUERIMENTO
COMPROVATIVO DO PEDIDO
QUESTÃO NOVA
Sumário:I - Não tendo o recorrente alegado a impossibilidade de apresentação de documentos até à interposição do recurso nem a necessidade da sua junção em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância, não é admissível a respectiva junção, impondo-se o seu desentranhamento.
II - Não é admissível a junção de documentos em momento posterior à apresentação das alegações de recurso.
III - Atento o disposto no n.º 1 do artigo 105.º do CPA, o registo de apresentação ou de entrada de requerimentos é obrigatório, exigência esta que, para além de servir a organização da Administração, constitui para os particulares um meio de fazer prova da apresentação dos requerimentos.
IV - Se é certo que o requerimento do particular que inicia o procedimento administrativo pode ser apresentado através de transmissão electrónica de dados (artigo 104.º, n.º 1, alínea d), do CPA), deve o mesmo ser objecto de registo electrónico, o qual emite automaticamente um recibo comprovativo da entrega do requerimento, contendo a indicação da data e hora da apresentação e o número de registo (artigos 105.º, n.º 1, e 106.º, n.º 3, do CPA).
V - A cópia de comunicação electrónica dirigida à AIMA, solicitando autorização de residência, sem qualquer registo de apresentação, não basta para concluir que o pedido de autorização de residência constante daquela comunicação foi apresentado ou deu entrada nos serviços da AIMA, não constituindo, assim, um comprovativo do pedido.
VI - A questão invocada no recurso sem o ter sido na p.i. é uma questão nova, que logicamente que não foi apreciada pelo Tribunal a quo, e, como tal, não pode ser apreciada por este Tribunal de recurso, que não pode conhecer de questões novas, exceptuadas as que sejam de conhecimento oficioso, não sendo o caso, consubstanciando tal invocação uma ampliação da causa de pedir, sem fundamento legal, determinante da rejeição do recurso nessa parte.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção Administrativa Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO

Acordam, em conferência, os juízes da subsecção comum da secção administrativa do Tribunal Central Administrativo Sul:


I – RELATÓRIO

W… intentou intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias, contra o Instituto da Segurança Social, I.P.. Pede a intimação da entidade demandada a atribuir-lhe o Número de Identificação da Segurança Social (NISS), procedendo à sua inscrição no sistema previdencial, de modo a permitir o exercício efectivo dos seus direitos ao trabalho e à segurança social.
Pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria foi proferida sentença a julgar improcedente a acção por falta de fundamento legal.
O autor interpôs o presente recurso de apelação, cujas alegações contêm as seguintes conclusões:
“1. A sentença recorrida é nula por omissão de pronúncia, na medida em que deixou de apreciar elementos essenciais invocados pelo Recorrente — o pedido de atribuição de NISS submetido em 07/07/2025. Tal omissão viola o dever de pronúncia do tribunal (art. 615.°, n.°1, al. d) CPC), acarretando a nulidade da decisão.
2. Ao desconsiderar as referidas provas documentais e não enfrentar os argumentos do Recorrente, a decisão a quo incorreu também em cerceamento do direito de defesa, pois impediu que o Recorrente obtivesse uma apreciação judicial completa e fundamentada das suas pretensões, em prejuízo claro do contraditório e da justiça da decisão.
3. A sentença recorrida padeceu de erro de julgamento de direito ao não reconhecer validade jurídica aos requerimentos e comunicações apresentados pelo Recorrente através de meios eletrónicos. Nos termos do art. 104.° do CPA, é perfeitamente admissível a apresentação de requerimentos administrativos por transmissão eletrónica de dados (email ou plataforma digital), contando a sua data de envio como data da apresentação. O art. 105.° do CPA impõe o registo de tais requerimentos em igualdade de condições, e o art. 106.° CPA prevê a emissão de recibo automático contendo data e hora para pedidos eletrónicos, o que evidencia a equiparação legal entre requerimentos em papel e requerimentos eletrónicos.
4. Adicionalmente, o Decreto-Lei n.° 12/2021 esclarece que um documento eletrónico satisfaz o requisito de forma escrita se o seu conteúdo puder ser apresentado por escrito, equiparando a validade e eficácia de documentos eletrónicos (v.g. emails) aos tradicionais. O mesmo diploma estatui que o envio de documento por via eletrónica para o endereço oficial do serviço competente vale como entrega efetiva ao destinatário, tendo valor probatório similar a um envio postal registado. Logo, o email de 23/04/2025 enviado pelo Recorrente à AIMA constitui requerimento válido e recebido, não podendo ser ignorado.
5. Conclui-se, assim, que o Recorrente formalizou corretamente o seu pedido de autorização de residência (via email à AIMA e judicial) e requereu devidamente o seu NISS (via portal da Segurança Social), pelo que preencheu os requisitos formais e materiais para obtenção do NISS. A falta de decisão administrativa quanto a esses requerimentos configura uma omissão ilegítima da Administração, passível de controle judicial através da intimação. A sentença recorrida, ao não ter em conta esses fatos, violou os arts. 105.° e 106.° CPA e o DL 12/2021, incorrendo em erro de direito.
6. O Supremo Tribunal Administrativo, no Acórdão de 06/06/2024 (proc. 0741/23.4BELSB), confirmou a validade dos meios eletrónicos em procedimentos análogos, ao reconhecer que a "manifestação de interesse" apresentada no site da AIMA inicia validamente o processo de autorização de residência e impõe à Administração o dever de decidir no prazo legal. Nesse mesmo aresto, o STA enfatizou que a não decisão atempada pela Administração deixa o estrangeiro em situação irregular inadmissível, privando-o do gozo efetivo de direitos fundamentais, o que justifica a utilização do meio urgente de intimação para defesa desses direitos.
7. No caso dos autos, está em causa justamente evitar que o Recorrente permaneça numa "clandestinidade administrativa": sem NISS, ele não pode exercer trabalho de forma regular nem contribuir para a Segurança Social, o que não só lesa o seu direito ao trabalho e à segurança social, como contraria a lógica legal que permite a imigrantes trabalharem enquanto aguardam residência (exigindo-lhes inclusive contribuições para depois obterem autorização definitiva). Portanto, tal como no entendimento do STA, a tutela urgente é adequada e necessária para assegurar em tempo útil os direitos do Recorrente, não bastando soluções precárias.
8. A atuação do Instituto da Segurança Social, I.P. no caso concreto violou o princípio da igualdade e a proteção da confiança legítima. Ficou demonstrado que em situação idêntica (caso de T…, proc. 423/25.2BEAVR) outro centro distrital do ISS atribuiu o NISS com base nos mesmos tipos de documentos apresentados pelo Recorrente. Não existe qualquer fundamento legal para que o ISS de Leiria adotasse critério oposto, recusando o que em Aveiro foi concedido — tratou-se de diferença de tratamento arbitrária entre contribuintes, em desconformidade com os artigos 13.°, 15.° e 266.°, n.° 2 da CRP. O Recorrente tinha legítima expectativa de ser atendido nos mesmos moldes, expectativa essa frustrada sem explicação plausível, abalando a confiança nas instituições.
9. Mesmo que se alegasse alguma divergência de entendimento interno, tal não aproveita ao Recorrido: é dever dos organismos públicos agirem de modo uniforme e isonómico. A Segurança Social rege-se por regulamentação nacional única; logo, uma vez verificado que o Recorrente apresentara documentação suficiente segundo a prática de outro serviço, impunha-se acolher igual posicionamento. Ao não fazê-lo, o ISS incorreu em ilegalidade por violação de princípio geral, o que contamina a decisão judicial que a respaldou.
10.Além disso, não há impedimento legal expresso a atribuir NISS antes da concessão de autorização de residência — pelo contrário, a atribuição do NISS ao imigrante em vias de regularização é condição facilitadora do próprio procedimento de residência. Trata-se de garantir que o cidadão estrangeiro possa integrar-se e cumprir deveres enquanto aguarda a decisão final, em consonância com a política legislativa vigente. A negativa injustificada do NISS traduz-se, pois, num abuso ou desvio das competências administrativas, que não pode subsistir.
11.Diante de todos os fundamentos expostos — nulidades processuais, erros de julgamento e princípios violados — impõe-se a revogação da sentença recorrida. O Recorrente tem direito a obter decisão favorável no presente recurso, com a consequente procedência da intimação e condenação do Recorrido a emitir o NISS em falta, assegurando-se assim a tutela efetiva dos seus direitos.
12.Pelo provimento do recurso e revogação da sentença, deve ainda o Recorrido ser condenado nas custas, nos termos dos arts. 527.° do CPC e 12.°, n.° 2 do RCP, por ter dado causa à ação e ao recurso com a sua atuação ilegal, se for o caso.”.
Juntou 16 documentos.
A entidade recorrida não respondeu à alegação do recorrente.
Por requerimento de 03.10.2025, o recorrente veio juntar mais 6 documentos.
O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado nos termos e para efeitos do disposto no artigo 146.º, n.º 1, do CPTA, pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso.
Sem vistos dos juízes-adjuntos, por se tratar de processo urgente (cfr. n.º 2 do artigo 36.º do CPTA), cumpre apreciar e decidir.


II – QUESTÕES A DECIDIR

Face às conclusões das alegações de recurso – que delimitam o respectivo objecto, nos termos do disposto nos artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.ºs 1 e 2, do CPC -, as questões que ao Tribunal cumpre solucionar são as de saber:
a) Se a sentença é nula, nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC;
b) Se a sentença padece de erro de julgamento de direito.
Como questão prévia, cumpre decidir se devem ser admitidos os documentos juntos com as alegações de recurso e posteriormente.


III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Considerando que não foi impugnada, nem há lugar a qualquer alteração da matéria de facto, remete-se para os termos da decisão da 1.ª instância que decidiu aquela matéria, nos termos do n.º 6 do artigo 663.º do CPC.


IV – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Da questão prévia da admissibilidade da junção de documentos pelo recorrente

Com a sua alegação de recurso, o recorrente requereu a junção de documentos, pelo que importa aferir da respectiva admissibilidade.
Nos termos do n.º 1 do artigo 651.º do CPC, “As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o artigo 425.º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância.” Assim, a junção de documentos em sede de recurso só é admissível com as alegações e se a sua apresentação não tiver sido possível até àquele momento (cfr. artigo 425.º do CPC) ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância, sempre com vista “a fazer a prova dos fundamentos da ação ou da defesa” – cfr. n.º 1 do artigo 423.º do CPC.
O recorrente não alega qualquer uma de tais situações, limitando-se a juntar os documentos.
Não tendo o recorrente alegado a impossibilidade de apresentação de tais documentos até à interposição do recurso nem a necessidade da sua junção em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância, não é admissível a respectiva junção, impondo-se o seu desentranhamento.

O recorrente juntou ainda documentos posteriormente à alegação, alegando que tais documentos se revestem de especial importância por demonstrarem, de forma inequívoca, que o mesmo possui um processo de regularização da sua situação migratória em curso.
No Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12.09.2019, proferido no processo n.º 1238/14.9TVLSB.L1.S2 (in www.dgsi.pt) entendeu-se que “a junção de documentos, em fase de recurso, apenas é consentida com as alegações”, considerando que a aceitação de documentos após a apresentação das alegações consubstanciaria um acto não permitido por lei porque permitiria a ultrapassagem do prazo legal para o efeito, que é peremptório, dado não estar prevista a sua prorrogação, nos termos do artigo 141.º, n.º 1, do CPC. Tal entendimento foi reiterado no Acórdão do mesmo Tribunal de 29.03.2022, proferido no processo n.º 1104/19.1T8CSC.L1.S1(in www.dgsi.pt). No mesmo sentido, havia já emitido pronúncia este Tribunal Central Administrativo Sul no Acórdão de 26.03.2015, proferido no processo n.º 10221/13 (in www.dgsi.pt).
Volvendo à situação em apreço, constata-se que os documentos em causa foram apresentados pelo recorrente, não com as alegações de recurso, mas posteriormente, em requerimento autónomo (datado de 03.10.2025). Não sendo admissível a junção de documentos por parte do recorrente em sede de recurso em momento posterior à apresentação das alegações, nos termos acima explanados e seguindo a interpretação que vem sendo dada pela jurisprudência citada à norma do artigo 651.º, n.º 1, do CPC, com a qual concordamos, a apresentação dos documentos em causa mostra-se extemporânea, pelo que não pode ser admitida.
Nestes termos, indefere-se a requerida junção e determina-se o desentranhamento dos documentos.


A. Da nulidade da sentença

Nos termos da primeira parte da alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, a sentença é nula quando “O juiz deixe de pronunciar-se [total ou parcialmente] sobre questões que devesse apreciar”, devendo ser decididas na sentença “todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação” (artigo 95.º, n.º 1, primeira parte, do CPTA), aqui se incluindo todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e excepções (invocadas e de conhecimento oficioso), “cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão (não a fundamentação jurídica adrede invocada por qualquer das partes)”, não se confundindo “questões com razões, argumentos ou motivos invocados pelas partes para sustentarem e fazerem vingar as suas posições (jurídico-processuais ou jurídico-substantivas); só a omissão da abordagem de uma qualquer questão temática central integra vício invalidante da sentença, que não a falta de consideração de um qualquer elemento da retórica argumentativa produzida pelas partes.” – cfr. Francisco Manuel Lucas Ferreira de Almeida (in Direito Processual Civil, Volume II, 2.ª Edição, Almedina, 2015, p. 371).
Invoca o recorrente a nulidade da sentença por não ter apreciado o seu pedido de atribuição de NISS submetido em 07.07.2025.
Vejamos.
O autor pede a intimação da entidade demandada a atribuir-lhe o NISS, procedendo à sua inscrição no sistema previdencial, de modo a permitir o exercício efectivo dos seus direitos ao trabalho e à segurança social, alegando, para o efeito, que, em 13.05.2025, face à urgência em regularizar a sua situação contributiva, apresentou pedido de atribuição de NISS junto da Segurança Social, através do envio de comunicação escrita ao ISS, acompanhada de toda a documentação pertinente (cópia do passaporte, comprovativo do pedido de autorização de residência, contrato de trabalho, etc.), pedido que foi indeferido com base em falta de junção de comprovativo do pedido de visto de residência da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), sendo certo que (i) o autor já havia apresentado comprovativo do pedido de autorização de residência, documento que é funcionalmente equivalente ao pedido de visto de residência CPLP, conforme divulgado pelo próprio ISS; (ii) não existe base legal que exija a apresentação de um pedido de visto CPLP quando o interessado já se encontra em território nacional e optou por requerer directamente uma autorização de residência (ao abrigo do artigo 87.º-A da Lei 23/2007). Após, o autor apresentou novo pedido em 10.06.2025, o qual não foi ainda decidido, encontrando-se o autor numa situação precária e ilegal, à margem do sistema de seguridade social, apesar de estar a trabalhar e a cumprir com todas as obrigações do ponto de vista migratório, estando impossibilitado de se inscrever como contribuinte no sistema da Segurança Social e de ver vertidas as contribuições referentes ao seu salário mensal, as quais nem ele nem a sua entidade patronal conseguem entregar formalmente sem o NISS, o que coloca o autor numa posição de fragilidade pois continua a exercer a sua atividade laboral, mas sem cobertura de segurança social (por exemplo, sem acesso a baixas médicas/remuneração em caso de doença, proteção no desemprego, ou contabilização de tempo de serviço para pensão) e sem cumprir plenamente a lei fiscal/previdenciária, em situação de ameaça do direito ao trabalho e aos direitos dos trabalhadores, do direito à segurança social e do princípio da dignidade da pessoa humana, na sua vertente de acesso a condições básicas de existência condigna.
Ora, percorrida a p.i., constata-se que o recorrente nem sequer alegou a submissão de pedido de atribuição de NISS em 07.07.2025, o que apenas faz nesta sede de recurso, apesar de constar no ponto H. do probatório consta que “Em data não concretamente apurada o Requerente apresentou pedido de atribuição de NISS junto da Segurança Social com o número ID 5501, cfr. documento com a referência n.º 560526 do SITAF.”. De todo o modo, atento o pedido deduzido pelo autor, o que se impõe decidir na presente acção é se a entidade demandada deve ser intimada a atribuir-lhe NISS, não cabendo ao Tribunal apreciar o pedido que o autor dirigiu ao ISS.
Ante o exposto, não se verifica a nulidade da sentença nos termos invocados.


B. Do erro de julgamento de direito

Tendo o autor pedido a intimação da entidade demandada a atribuir-lhe o NISS, procedendo à sua inscrição no sistema previdencial, de modo a permitir o exercício efectivo dos seus direitos ao trabalho e à segurança social, a sentença recorrida fez assentar a improcedência da acção na falta de demonstração por parte do autor da aceitação do pedido de autorização de residência que dirigiu à AIMA em 23.04.2025, porquanto a sua recepção e aceitação não é certificada pela AIMA, o que faz equivaler à inexistência de dedução formal de pedido de autorização de residência.
O recorrente insurge-se contra o assim decidido, imputando erro de julgamento de direito à sentença recorrida, por não ter reconhecido validade jurídica ao email de 23.04.2025 enviado pelo recorrente à AIMA, pelo qual o recorrente formalizou o seu pedido de autorização de residência.
Vejamos.
Conforme resulta do probatório, em 13.05.2025, o requerente apresentou pedido de atribuição de NISS junto da Segurança Social, alegando que se encontrava com processo de autorização de residência em tramitação junto da AIMA e que já exercia actividade laboral em Portugal com contrato de trabalho, juntando documentos para instrução de tal pedido. Em 04.06.2025, a entidade requerida dirigiu email ao requerente a informar o recebimento do formulário com o seu pedido de atribuição de NISS, e que não era possível tal atribuição por não ter enviado visto/comprovativo do pedido do visto de residência para cidadãos de CPLP.
Quanto à junção de comprovativo do pedido de autorização de residência, o que ficou provado foi apenas que, em 23.04.2025, o requerente dirigiu comunicação electrónica à AIMA, solicitando autorização de residência com fundamento no artigo 87.º-A da Lei n.º 23/2007 (título para cidadãos da CPLP).
Sem impugnar a matéria de facto fixada pelo Tribunal a quo, o recorrente defende que tal comunicação que juntou ao pedido de atribuição de NISS corresponde a comprovativo do pedido de autorização de residência, contrariamente ao entendimento da entidade demandada, que considera que tal documento não comprova a dedução daquele pedido.
Conforme regulados nos artigos 102.º e ss. do CPA, o requerimento inicial do particular que dá início ao procedimento administrativo deve ser formulado por escrito e, designadamente, identificar o requerente e indicar o pedido e o órgão administrativo a que se dirige (cfr. artigo 102.º, n.º 1), podendo ser apresentado por uma de diversas formas, designadamente o envio por transmissão eletrónica de dados (cfr. artigo 104.º, n.º 1). Porém, dispõe ainda o artigo 105.º que “1 - A apresentação de requerimentos, qualquer que seja o modo por que se efetue, é sempre objeto de registo, que menciona o respetivo número de ordem, a data, o objeto do requerimento, o número de documentos juntos e o nome do requerente. (…) 3 - O registo é anotado nos requerimentos, mediante a menção do respetivo número e data. 4 - Nos serviços que disponibilizem meios eletrónicos de comunicação, o registo da apresentação dos requerimentos deve fazer-se por via eletrónica.” E determina o n.º 3 do artigo 106.º que “O registo eletrónico emite automaticamente um recibo comprovativo da entrega dos requerimentos apresentados por transmissão eletrónica de dados, contendo a indicação da data e hora da apresentação e o número de registo.”
Assim, o registo de apresentação ou de entrada de requerimentos é obrigatório, exigência esta que, para além de servir a organização da Administração, constitui para os particulares um meio de fazer prova da apresentação dos requerimentos.
Nestes termos, se é certo que o requerimento do particular que inicia o procedimento administrativo pode ser apresentado através de transmissão electrónica de dados, deve o mesmo ser objecto de registo electrónico, o qual emite automaticamente um recibo comprovativo da entrega do requerimento, contendo a indicação da data e hora da apresentação e o número de registo.
Sem impugnar a matéria de facto fixada pelo Tribunal a quo, o recorrente defende que tal comunicação que juntou ao pedido de atribuição de NISS corresponde a comprovativo do pedido de autorização de residência, contrariamente ao entendimento da entidade demandada, que desconsiderou tal documento junto como comprovativo daquele pedido.
Ora, o que o recorrente juntou ao pedido de atribuição de NISS foi cópia da comunicação electrónica que, em 23.04.2025, dirigiu à AIMA, solicitando autorização de residência, sem qualquer registo de apresentação. Na falta de tal registo, e considerando que nada mais se provou acerca entrega do requerimento, não podemos concluir que o pedido de autorização de residência constante daquela comunicação foi apresentado ou deu entrada nos serviços da AIMA.
Não se trata de se impor que o pedido seja recepcionado e aceite pela entidade requerida, como se afirma na sentença recorrida. Diferentemente, o que se impõe é que o requerimento no qual o pedido é feito seja objecto de registo de apresentação, de modo a garantir a sua entrada nos serviços a que se dirige, possibilitando o registo essa prova.
Deste modo, a mera cópia de comunicação dirigida à AIMA com o pedido de autorização de residência não corresponde a um comprovativo do pedido, susceptível de instruir o requerimento para atribuição do NISS, pelo que bem andou a sentença recorrida ao assim concluir, julgando-se improcedente este fundamento do recurso.

Alega ainda o recorrente que o indeferimento do seu pedido de atribuição de NISS violou os princípios da igualdade e a protecção da confiança legítima, porquanto ficou demonstrado que, em situação idêntica (caso de T…, proc. 423/25.2BEAVR), outro centro distrital do ISS atribuiu o NISS com base nos mesmos tipos de documentos apresentados pelo recorrente, sem que exista qualquer fundamento legal para que o ISS de Leiria adopte critério oposto, recusando o que em Aveiro foi concedido.
Todavia, não tendo tal questão sido invocada na p.i. – e, portanto, submetida à apreciação do Tribunal recorrido -, estamos perante uma questão nova, que logicamente que não foi apreciada pelo Tribunal a quo. E, assim sendo, não pode ser apreciada por este Tribunal de recurso, que não pode conhecer de questões novas, exceptuadas as que sejam de conhecimento oficioso, não sendo o caso. Com efeito, como anota pertinentemente ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES (Recursos em Processo Civil, 7.ª Edição, Almedina, 2022, p. 133, nota de rodapé 231), “O objeto do recurso está dependente do objeto da ação, sendo este definido essencialmente a partir da conjugação entre o pedido e a causa de pedir, elementos que, por seu lado, são submetidos a apertadas regras a respeito da sua alteração, nos termos dos arts. 264.º e 265.º. Por conseguinte, salvo nos casos em que se estabeleça acordo das partes, está afastada a possibilidade de alterar ou ampliar o pedido ou a causa de pedir em sede de recurso. Alguma iniciativa do recorrente, fora do caso previsto no art. 264.º, deve motivar a rejeição do recurso nessa parte (…).” Assim sendo, o recurso jurisdicional apenas pode ter por objecto questões que tenham sido anteriormente suscitadas, e não questões novas, salvo se forem de conhecimento oficioso – idem, ibidem, pp. 139 e 140.
Nestes termos, a invocação da questão referente à violação dos princípios da igualdade e a protecção da confiança legítima consubstancia uma ampliação da causa de pedir, possibilidade esta que carece de fundamento legal, pelo que se impõe a rejeição do recurso nesta parte, o que se determina.
*
Sem custas, nos termos do artigo 4.º, n.º 2, alínea b), do Regulamento das Custas Processuais.

V – DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes da Subsecção comum da Secção administrativa do Tribunal Central Administrativo Sul em:
a) Não admitir a junção aos autos dos documentos apresentados pelo recorrente e, consequentemente, determinar o seu desentranhamento;
b) Rejeitar o recurso na parte relativa à invocação da violação dos princípios da igualdade e da protecção da confiança legítima;
c) Negar provimento ao recurso interposto.

Sem custas.

Lisboa, 23 de Outubro de 2025

Joana Costa e Nora (Relatora) – a relatora atesta o voto de conformidade dos adjuntos
Alda Nunes
Marcelo Mendonça