Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 499/13.5BESNT |
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Secção: | CT |
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Data do Acordão: | 04/03/2025 |
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Relator: | ISABEL VAZ FERNANDES |
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Descritores: | EXECUÇÃO FISCAL REVERSÃO GERÊNCIA EFECTIVA PROVA |
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Sumário: | I - A responsabilidade subsidiária dos gerentes, por dívidas da executada originária, tem por pressuposto o exercício efectivo do cargo de gerente; II - O n.º 1 do artigo 24.º da LGT exige, para que possa efectivar a responsabilidade subsidiária, a gerência efectiva ou de facto, ou seja, o efectivo exercício de funções de gerência, não se satisfazendo com a mera gerência nominal ou de direito; III - É à Administração Tributária, na qualidade de exequente, que cabe demonstrar a verificação dos pressupostos da reversão da execução fiscal. |
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Votação: | Unanimidade |
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Indicações Eventuais: | Subsecção de Execução Fiscal e Recursos Contraordenacionais |
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Aditamento: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais do Tribunal Central Administrativo Sul
I – RELATÓRIO M... , nos autos melhor identificada, deduziu oposição à execução fiscal n.º 1503201001024272 e apensos, instaurada no Serviço de Finanças de Cascais-1, originariamente contra a sociedade D. ...., Unipessoal, Lda., para cobrança coerciva de dívida de IRS (retenção na fonte) e IRC do ano de 2010, no montante total de € 8.238,72 euros, e contra si revertida. O Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, por decisão de 30 de setembro de 2021, julgou procedente a oposição e, em consequência, determinou a extinção da execução na parte revertida contra a Oponente. «I. Vem o presente recurso interposto da Sentença proferida pelo Tribunal a quo, que julgou procedente a oposição apresentada por M... , NIF 11.... veio deduzir, ao abrigo do disposto no artigo 204.º do CPPT, à execução fiscal n.º 1503201001024272 e apensos, instaurada originariamente contra a sociedade D. ...., Unipessoal, Lda., para cobrança coerciva de dívida de IRS (retenção na fonte) e IRC do ano de 2010, no montante total de € 8.238,72 euros, e contra si revertida. II. A Fazenda Pública considera que a douta decisão do Tribunal a quo ora recorrida, não faz, salvo o devido respeito, uma correcta apreciação da matéria de facto relevante no que concerne à aplicação do artigo 24.º, n.º 1, aliena b) da LGT. III. Vem a douta sentença dizer que dos factos provados nos autos não é possível afirmar o exercício da gerência de facto por parte do Oponente no termo do prazo para pagamento voluntário dos impostos em cobrança coerciva, não obstante este até admitir que se encontrava para tal designado desde a constituição da sociedade. E tal impossibilidade decorre de a Administração Tributária não ter alegado como pressuposto da reversão, em momento prévio à alteração subjetiva da instância executiva, nem demonstrado em momento algum no processo de execução fiscal, antes da reversão, nem na fundamentação daquele ato, vertida na carta de citação, qualquer facto que indiciasse o exercício da gerência de facto pela ora recorrida. IV. Ora, e salvo o devido respeito, perante a prova documental junta aos autos, parece-nos que a Mma Juiz a quo errou na apreciação da prova e, além disso, fez errada interpretação dos artigos 24.°, n.° 1, al. b), da LGT e 204.°, n.° 1 al. b) do CPPT; V. Entre o mais, deveria, ainda, ter sido dada como provada a seguinte factualidade: m) Resulta da Certidão do Registo Comercial que a sociedade se obrigava mediante a assinatura da única gerente designada, ou seja, da Oponente n) Sendo a ora oponente única gerente designada daquela sociedade, na continuação do prosseguimento da sua atividade comercial era absolutamente imprescindível que a oponente exteriorizasse e representasse a vontade social, mediante a sua única e exclusiva intervenção. VI. Ficou, todavia, provado nos autos que, “Em 2006 foi constituída a sociedade unipessoal D. ...., Unipessoal, Lda., com o NIF 507....., que tinha como única sócia e gerente, a ora Oponente, M... , com o NIF 116.... ” – Facto a) do probatório. VII. É certo, que provada que esteja a nomeação da oponente para a gerência de direito, pode o juiz, com base nesse facto e noutros revelados pelos autos, e fundando-se nas regras da experiência, de que deverá dar devida conta, presumir que o oponente exerceu de facto a gerência. VIII. Ora a nomeação do gerente de uma sociedade, baseada na experiência comum, resulta que o mesmo exercerá as suas funções, por ser conatural de que quem é nomeado para um cargo o exerça na realidade. Tanto mais que sendo a recorrida única gerente, a forma de obrigar e vincular a sociedade perante terceiros carecia da sua assinatura e estando à data a sociedade a laborar e a cumprir as suas obrigações declarativas, deveria a ora recorrida provar como funcionou a sociedade a seu encargo, no seu giro comercial, sem a assinatura de um gerente, o que não se encontra provado nos autos. IX. Pelo que, tendo em conta esta forma de obrigar a sociedade, ou seja, tendo em consideração que a sua assinatura obrigava a mesma, será legítimo presumir (presunção judicial baseada nas regras da experiência – artigo 350.º do Código Civil), o exercício efetivo e continuado dos poderes de gerência e representação de que era titular face à mesma sociedade. X. Efetivamente, tendo em consideração esta forma de obrigar a sociedade, não pode a Fazenda Pública conformar-se com a decisão ora recorrida porquanto é forçoso de se concluir que a oponente possuía uma intervenção pessoal e ativa na sua vinculação, uma vez que a viabilidade funcional da devedora originária só podia ser concretizada com a sua intervenção, o que se subsume integralmente à noção de gerência de facto. XI. Note-se, ainda, que, conforme informação prestada pelo órgão de execução fiscal nos termos do disposto no artigo 208.º do CPPT, e prints anexos, foi a oponente, na qualidade de representante legal da devedora originária, que assinou a declaração de início de atividade da sociedade, a citação da sociedade no âmbito do PEF 1503200901169246 e apensos, e apresentou as declarações relativas àquela sociedade. XII. Da mesma forma, constata-se que no processo falimentar que correu termos contra a executada originária, a respetiva Sentença proferida em 30-01-2012 reconheceu a ora recorrida como gerente daquela sociedade. E também se diga, por perscrutação da petição inicial subscrita pela oponente, que esta assume expressamente e confessa que procedeu à aposição da sua assinatura em vários documentos que vinculam e exteriorizam a vontade social da originária executada. XIII. E nunca é demais salientar os termos em que se desenha o pacto social da devedora originária, pois que do mesmo se retira a imposição de vinculação da sociedade perante terceiros mediante a intervenção da sua única gerente, aqui recorrida. XIV. Foi dado como provado o facto de “A Oponente assinou, na qualidade de gerente da sociedade referida em A., a declaração de início de actividade da sociedade, o documento particular de constituição da sociedade (por confissão)” – facto i). Note-se, igualmente, ao que se encontra vertido no § 61.º da mesma petição, onde se atestou que “A OPONENTE recorda-se, vagamente, de ter chegado a assinar um ou outro documento referente à D. ...., UNIPESSOAL, LDA.” XV. Portanto, por confissão, resulta provado que é a própria Oponente a assumir, de forma cabal e contundente, o comando dos destinos da sociedade originária executada. XVI. Devendo valer aqui o entendimento consagrado no Acórdão do TCA Sul de 21-05-2015, proc. n.º 08445/15, segundo o qual “(…) reconhecendo o opoente e ora recorrido que sempre exerceu as funções de gerente da sociedade "......................., Lda." (cfr.artº.3 da p.i.; nº.8 do probatório) a Fazenda Pública estava legitimada para operar o mecanismo de reversão por responsabilidade subsidiária do opoente, ao abrigo do artº.24, nº.1, da L.G.T., perante a verificação da gerência de facto, ou seja, do exercício real e efectivo do cargo por parte do mesmo (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 11/3/2009, rec.709/08; ac.T.C.A.Sul 2ª. Secção, 27/11/2012, proc.5979/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6732/13)…”. XVIII. Sendo este testemunho perfeitamente revelador, em nosso modesto entendimento, de uma gestão exercida em conjunto pela Oponente e por D.... , na medida em que afirma que as tarefas eram divididas entre ambos, ficando o D.... responsável por ir às compras, por transferir os ordenados, enquanto a Oponente era a relações públicas, atendia quem quisesse trabalhar no restaurante, estava presente à noite nos jantares e tratava de assuntos de escritório, cfr. ficheiro digital da audiência de inquirição de testemunhas, a 22m:38s, a 24m:50s e de 25m:20s até 28m:23s, aproximadamente. XIX. Não é o facto de as testemunhas inquiridas reconhecerem que D.... exercia, efetivamente, algumas funções de gerente da sociedade executada originária que impedia a oponente de tomar decisões, porventura até em conjunto com aquele, necessárias à gestão do estabelecimento. Como sempre teria que ser, pois o pacto social assim o exigia. XX. Importa ter presente que a gerência é, por força da lei e salvo casos excecionais, o órgão da sociedade criado para lhe permitir atuar no comércio jurídico, criando, modificando, extinguindo, relações jurídicas com outros sujeitos de direito. Estes poderes não são restritos a alguma espécie de relações jurídicas; compreendem tantas quantas abranja a capacidade da sociedade (cfr. objeto social) XXI. O n.º 1 e 4 do artigo 260.º do mesmo diploma, sobre a vinculação da sociedade, estabelecem que esta se efetiva através dos atos praticados pelos gerentes, em nome da sociedade e dentro dos poderes que a lei lhe confere, vinculando-a perante terceiros, mediante atos escritos apondo a sua assinatura com a indicação dessa qualidade. O que sucedeu in casu, tal como provou a AT pela junção aos autos dos respetivos documentos assinados pela recorrida, em nome e em representação da sociedade devedora originária. XXII. Na esteira deste entendimento, o acórdão do TCA Sul, de 03-09-2010, proferido no Proc. N.º 02486/08 “…desde logo, da circunstância de o oponente apenas ter sido nomeado gerente a 21.3.2000, sucede que, em face do documento fotocopiado a fls. 11/12 dos autos (Matrícula da “B...”, depositada na Conservatória do Registo Comercial de Alpiarça), podemos colher o facto de que a sociedade devedora se obrigava com e pela assinatura de um gerente. Assim, na medida em que, após a indicada data, o oponente passou a ser o único gerente designado, pelo funcionamento das regas da experiência, nos termos supra apontados, é forçoso concluir que este tinha de exercer de facto, com efectividade, a gerência, porquanto a sociedade continuou em funcionamento e o exercício da sua actividade impunha, necessária e obrigatoriamente, a intervenção daquele, seu exclusivo responsável pela gestão diária. Deste modo, sempre para o ano de 2000, em que se constituiu a dívida exequenda, a gerência de facto do oponente foi uma realidade incontornável, suporte bastante para a legal efectivação da sua responsabilidade subsidiária”. XXIII. Se uma sociedade tem um único gerente, e se é sabido que a sociedade se vincula pela intervenção obrigatória desse mesmo gerente único, não se alcança como decidiu a sentença ora recorrida, afastando a responsabilidade da recorrido, considerando que a vontade daquela sociedade se exteriorizava precisamente pela vontade daquele concretizada, nomeadamente, na assinatura de documentos ou na celebração de contratos. XXIV. E, para lá de tudo quanto já se alegou em sede de contestação e alegações o que a Fazenda Pública entende que é importante sublinhar centra-se na parte ainda não escalpelizada de a própria recorrida se assumir como gerente de facto da sociedade devedora originaria no período correspondente ao termino do prazo legal de pagamento da divida exequenda, conforme posição assumida e documentos pela mesma assinados. XXV. Assim, considerando provados os factos enunciados e apreciando essa prova de acordo com as regras da experiência comum, tudo indica que o Recorrido era o gerente efetivo da executada originária. Até porque a douta sentença refere que “Não há factos relevantes para a discussão da causa que, em face das possíveis soluções de direito, importe registar como não provados” (Negrito nosso) XXVI. Face ao exposto, salvo o devido respeito que é muito, entendemos que a douta sentença recorrida ao julgar procedente a presente oposição judicial, enferma de erro de apreciação da prova, de erro de interpretação de lei. TERMOS EM QUE, CONCEDENDO-SE PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO, DEVE A DOUTA SENTENÇA, ORA RECORRIDA, SER REVOGADA, ASSIM SE FAZENDO A COSTUMADA JUSTIÇA!» * A Recorrida, apresentou contra-alegações, que não tendo apresentando conclusões termina nos termos seguintes: «Assim, e considerando que: proferidos nos Processos 1770/09.6BELRS, A) É à Autoridade Tributária, como exequente, que compete demonstrar a verificação dos pressupostos da reversão da execução fiscal; B) Não há uma presunção legal que imponha a conclusão de que quem assumiu a qualidade de gerente de direito exerceu a gerência de facto. Não merece a Decisão recorrida qualquer reparo. Face ao supra exposto, requer a V. Exas. se Dignem julgar totalmente improcedentes por não provadas as Alegações de Recurso apresentadas pela Recorrente Autoridade Tributária, mantendo-se a Douta Sentença proferida pelo Tribunal a quo absolvendo-se in totum a Oponente do pedido de reversão fiscal instaurado pela Autoridade Tributária, não dando provimento ao Recurso interposto. Fazendo-se assim a costumada Justiça!» * O DMMP junto deste Tribunal Central Administrativo emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso. * Com dispensa de vistos, vem o processo submetido à conferência da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais do Tribunal Central Administrativo Sul para decisão. * - De facto A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos: «Com relevo para a decisão a proferir, julgo provados os seguintes factos: a) Em 2006 foi constituída a sociedade unipessoal D. ...., Unipessoal, Lda., com o NIF 507....., que tinha como única sócia e gerente, a ora Oponente, M... , com o NIF 116.... . – (cfr. AP. 32/20060105, da Certidão Comercial da matrícula com o NIPC 507.....); b) A sociedade referida na alínea antecedente explorava um restaurante mexicano, na praia de Carcavelos, designado por “E... ” (cfr. depoimento de D.... , F... ); c) A decisão de abertura do restaurante dedicado à cozinha mexicana surgiu porque era um negócio da família da Oponente, tendo o irmão desta transmitido o know how à Oponente e marido (cfr. depoimento de D.... e A... ); d) A Oponente foi designada gerente da sociedade descrita na alínea A) supra porque, à data da constituição, o seu marido, D... , era Director-Geral do Grupo V... e não podia exercer uma actividade concorrencial com a daquele grupo. – cfr depoimento de D.... ); e) A gestão da sociedade e restaurante ficou a cargo de D.... , que tratava de todos os assuntos relacionados com a contabilidade, aprovisionamento, contratação de pessoal, movimentos bancários, pagamentos aos trabalhadores, à Segurança Social e Finanças (cfr. depoimento de D.... , V... e A... ); f) Até finais de 2011/início de 2012, o marido da Oponente nunca a pôs a par da situação financeira da sociedade, nem a informou sobre a existência de dívidas fiscais ou a terceiros, o que levou a uma quebra de confiança e ao seu divórcio (cfr. depoimento de D.... e A... , e por documento, a fls. 115 dos autos); g) A Oponente manteve-se como única gerente da sociedade, mesmo após cessação de funções do marido no Grupo V... , que ocorreu em Abril de 2006, pela relação conjugal e de confiança mútua, mas também por ser um negócio da sua família (provado por testemunhas – cfr. depoimento de D.... e A... ); h) A Oponente era dona de casa e, esporadicamente, ia ao restaurante, onde desempenhava funções de relações públicas (cfr. depoimento de D.... , V... e A... ); i) A Oponente assinou, na qualidade de gerente da sociedade referida em A., a declaração de início de actividade da sociedade, o documento particular de constituição da sociedade (por confissão); j) Em 27.02.2012, foi proferida sentença que decretou a insolvência da sociedade D. .... Unipessoal, Lda., a qual foi qualificada como fortuita (cfr. fls.116 dos autos - numeração do processo físico); k) No Serviço de Finanças de Cascais-1, foi autuado em nome da sociedade referida em a), o processo de execução fiscal n.º 1503201001024272, e apensos, para cobrança coerciva de dívidas provenientes de a IRS e IRC, por retenções na fonte, do exercício de 2010, no valor total de € 8.238,72(cfr. fls. 119 a 129 dos autos – numeração do processo físico); l) O processo referido na alínea antecedente foi revertido conta a aqui Oponente, na qualidade de responsável subsidiária (cfr. por acordo).» * Factos não provados «Não se provou que: * Motivação da decisão de facto «A convicção do tribunal formou-se com base no teor dos documentos juntos aos autos bem como do depoimento das testemunhas inquiridas, conforme referido em cada uma das alíneas do probatório. O depoimento das testemunhas inquiridas foi relevante para a fixação dos factos consignados nas alíneas b) a h) supra, as quais corroboraram as alegações da Oponente e, não obstante as relações familiares com a Oponente, D.... , exmarido, e A... , filha, prestaram depoimentos credíveis, evidenciando o conhecimento directo e pessoal dos factos relatados. Em relação à matéria de facto não provada, a sua falta de prova deveu-se ao facto de não terem sido juntos aos autos pela Fazenda Pública quaisquer documentos demonstrativos de que a Oponente actuou, efectivamente perante terceiros e AT, em actos ou contratos vinculativos para a sociedade, sendo que, pelo contrário, a este respeito, a testemunha D.... afirmou categoricamente que foi o próprio, pela sua experiência na área de negócio, que assumiu a gestão corrente da sociedade devedora originária, tratando de todos os assuntos relacionados com pessoal, pagamentos a fornecedores e preparação da contabilidade. Disse também que decidia a quem pagar e se eram efectuados os pagamentos às Finanças, tendo esclarecido que, perante as dificuldades, optou por pagar aos funcionários, para assegurar o funcionamento do restaurante.» * Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respectiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objecto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer. Ora, lidas as conclusões das alegações de recurso, resulta que está em causa saber se o Tribunal a quo errou no seu julgamento ao considerar procedente a oposição por ter concluído não se ter provado que a Recorrida exerceu a gerência efectiva da sociedade devedora originária, pressuposto da responsabilidade subsidiária. A sentença recorrida considerou o seguinte: “(…)in casu a oposição deve proceder por não se mostrar comprovado o exercício da gerência por parte da Oponente, uma vez que a Fazenda Pública, sobre a qual recaía o ónus da prova, não produziu qualquer prova sobre o exercício de tal gerência. Limitou-se a invocar a qualidade de única gerente da Oponente e a circunstância de a mesma ter reconhecido que assinou, na qualidade de gerente, a declaração de início de actividade da sociedade e o documento particular de constituição da sociedade, factos que por si só são manifestamente insuficientes para demonstar a gerência efectiva da sociedade originariamente devedora. Pelo contrário, logrou a Oponente fazer prova de que, não obstante ser nominalmente a única gerente da sociedade originariamente devedora, a gestão da sociedade e restaurante ficou a cargo de D.... , seu ex-marido, sendo este quem tratava de todos os assuntos relacionados com a contabilidade, aprovisionamento, contratação de pessoal, movimentos bancários, pagamentos aos trabalhadores, à Segurança Social e Finanças, nunca pondo a Oponente a par da situação financeira da sociedade, nem a tendo informado sobre a existência de dívidas fiscais ou a terceiros (cfr. al. e) e f) do probatório) Seja como for, não tendo a Fazenda Pública, onerada no caso com o ónus da prova, carreado para os autos qualquer elemento de prova donde se possa inferir o exercício efectivo das funções de gerência no decurso do período a que respeitam as dívidas exequendas, a dúvida sobre tal facto tem de ser valorada em seu desfavor. Pelo que, não se provando a gerência efectiva, está afastada a conexão pessoal necessária para fundar a presunção legal de culpa por parte do gerente. Assim, não se mostrando reunidos no caso em apreço os pressupostos da responsabilidade subsidiária da Oponente, relativamente a qualquer uma das dívidas exequendas, esta é parte ilegítima, o que constitui fundamento da oposição previsto na al. a), do nº 1, do artº 204º do CPPT.(…)” Sobre esta matéria, com as mesmas partes e relativamente às mesmas questões (sendo que, aqui, as dívidas se reportam a IRS e IRC de 2010), foi já proferido Acórdão neste TCAS, em 09/06/2022, no âmbito do processo nº 511/13, do qual nos permitimos transcrever o seguinte, cujo teor acompanhamos: “(…) A recorrente censura o veredicto que fez vencimento na instância. Imputa-lhe erro na determinação da matéria de facto, porquanto existem elementos nos autos que suportam a asserção do exercício efectivo da gerência, por parte da recorrida, no período relevante. Dispõe o artigo 24.º, n.º1, da LGT, que «[o]s administradores, directores e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si: // a) Pelas dívidas tributárias cujo facto se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação». A este propósito cumpre referir que «[c]omo resulta da regra geral de que quem invoca um direito tem que provar os respectivos factos constitutivos – artigo 342.º, n.º 1, do código Civil e artigo 74.º, n.º 1, da LGT, é à AT, enquanto exequente, que compete demonstrar a verificação dos pressupostos que lhe permitam reverter a execução fiscal contra o gerente da sociedade originária devedora e, entre eles, os respeitantes à existência de gestão de facto. Por outro lado, não há presunção legal que faça decorrer da qualidade de gerente de direito o efectivo exercício da função. Ora, só quem tem a seu favor uma presunção legal escusa de provar o facto a que ela conduz (artigo 350.º, n.º 1, do CC)» (1). O que importa não é a relação jurídico-civil entre o oponente e a sociedade, mas antes a relação entre ele e a vida da sociedade, a ponto de se poder comprovar a imediação entre a vontade por si externada e a vontade imputável à sociedade e, como consequência, aferir do grau de censurabilidade que a sua actuação implicou para a garantia patrimonial dos credores da mesma. Por outras palavras, o que releva é o exercício de representação da empresa face a terceiros (credores, trabalhadores, fisco, fornecedores, entidades bancárias) de acordo com o objecto social e mediante os quais o ente colectivo fique vinculado. Se é verdade que «[d]a nomeação para gerente ou administrador (gerente de direito) de uma sociedade resulta uma parte da presunção natural ou judicial, baseada na experiência comum, de que o mesmo exercerá as correspondentes funções, por ser co-natural que quem é nomeado para um cargo o exerça na realidade; // Contudo, desde a prolação do acórdão do Pleno da Secção de CT do STA de 28-2-2007, no recurso n.º 1132/06, passou a ser jurisprudência corrente de que para integrar o conceito de tal gerência de facto ou efectiva cabia à AT provar para além dessa gerência de direito assente na nomeação para tal, de que o mesmo gerente tenha praticado em nome e por conta desse ente colectivo, concretos actos dos que normalmente por eles são praticados, vinculando-o com essa sua intervenção, sendo de julgar a oposição procedente quando nenhuns são provados» (2). A recorrente não impugna a matéria de facto assente, nem a sua fundamentação. Não indica os concretos pontos da mesma que pretende reverter e qual os meios de suporte da referida reversão (artigo 640.º do CPC). Ouvida a inquirição de testemunhas, verifica-se que as testemunhas arroladas, quer pela oponente, quer pela oponida confirmam que a primeira não tomava decisões sobre o destino da sociedade, não assumindo a vinculação externa da mesma, dado que essa era a função de D........ ……….., seu marido. Este não podia assumir, formalmente, a gerência da sociedade, dado ser trabalhador de empresa hoteleira e, por isso, concorrente da sociedade devedora originária. As testemunhas, D........ …………., F ……………., M ………………… tinham conhecimento directo do funcionamento do restaurante, dado que aí trabalharam, confirmando que a recorrida exercia no mesmo funções de relações públicas. Do probatório resultam os elementos seguintes: i) A Oponente foi designada gerente da sociedade referida em A. porque, à data da constituição, o seu marido, D........ ………………, era Director-Geral do Grupo …………. e não podia exercer uma actividade concorrencial (provado por testemunha – (alínea C). iii) A gestão da sociedade e restaurante ficou a cargo de D........ ………., que tratava de todos os assuntos relacionados com a contabilidade, aprovisionamento, contratação de pessoal, movimentos bancários, pagamentos aos trabalhadores, à Segurança Social e Finanças (alínea E). iv) Até finais de 2011/início de 2012, o marido da Oponente nunca a pôs a par da situação financeira da sociedade, nem a informou sobre a existência de dívidas fiscais ou a terceiros, o que levou a uma quebra de confiança e ao seu divórcio (alínea F). v) A Oponente manteve-se como única gerente da sociedade, mesmo após cessação de funções do marido no Grupo ……………, que ocorreu em Abril de 2006, pela relação conjugal e de confiança mútua, mas também por ser um negócio da sua família (alínea G). vii) A Oponente assinou, na qualidade de gerente da sociedade referida em A., a declaração de início de actividade da sociedade, o documento particular de constituição da sociedade e, em 17.12.2009, a citação da sociedade no âmbito do PEF ………………..246 e apensos, e as declarações modelo 22 de IRC, dos exercícios de 2006, 2010 e 2011 (alínea I). ix) Não se provou que a Oponente contratou pessoal, contactou ou negociou com fornecedores, assinou ou emitiu facturas, efectuou pagamentos e recebimentos em nome e por conta da sociedade devedora originária. Em face dos elementos coligidos nos autos, verifica-se que a recorrente não logrou demonstrar, através da prova da prática de actos concretos, de vinculação externa, por parte da oponente, que a mesma exerceu a gerência da sociedade devedora originaria. Não basta para este efeito, a invocação da inscrição no registo comercial como única gerente ou a assinatura, pela mesma, de declarações em nome da sociedade perante o Fisco. Importaria, para este efeito, a demonstração de que a recorrida interveio no “giro” da sociedade, através da prática de actos concretos de vinculação externa da sociedade perante terceiros. Tais actos devem corresponder a decisões gestionárias que vinculem a sociedade perante terceiros. Tal prova no caso não logrou ser feita. Termos em que se julgam improcedentes as presentes conclusões de recurso.(…)” Acolhemos o entendimento vertido no Acórdão transcrito, sem necessidade de outras considerações, para evitar repetições, e concluímos, como a sentença recorrida, que a AT não logrou demonstrar e provar que a Recorrida exerceu, efectivamente, as funções de gerente da sociedade devedora originária, pelo que será de negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida, que bem decidiu. * III- Decisão Face ao exposto, acordam, em conferência, os Juízes da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso. Custas pela Recorrente. Registe e Notifique. Lisboa, 3 de Abril de 2025 (Isabel Vaz Fernandes) (Lurdes Toscano) (Filipe Carvalho das Neves) |