Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2072/21.5BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:06/18/2025
Relator:JOANA COSTA E NORA
Descritores:PRAZO DO RECURSO
REAPRECIAÇÃO DA PROVA GRAVADA
NULIDADE DA SENTENÇA POR OMISSÃO DE PRONÚNCIA
FACTOS ALEGADOS NÃO CONSIDERADOS
REGULAÇÃO PROVISÓRIA DO PAGAMENTO DE QUANTIAS
SITUAÇÃO DE GRAVE CARÊNCIA ECONÓMICA
Sumário:I - Constando da alegação de recurso a referência ao facto não provado que o recorrente considera que deveria ter sido dado como provado, com a indicação dos depoimentos testemunhais que sustentam essa prova, o recurso contém a exigível indicação dos concretos pontos de facto que o recorrente entende padecerem de erro de julgamento, bem como a factualidade que, com a prova testemunhal identificada, entende dever ser considerada provada, estando, assim, verificado o pressuposto de aplicação do prazo complementar de 10 dias a que se reporta o artigo 144.º, n.º 4, do CPTA.
II - A circunstância de alguns dos factos alegados não constarem do elenco dos factos provados e não provados da sentença não constitui nulidade da sentença por omissão de pronúncia (nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC), respeitando esta às questões cujo conhecimento se impõe, e não aos factos alegados pelas partes.
III - Pressupondo o decretamento da regulação provisória do pagamento de quantias que a “situação de grave carência económica” “Esteja adequadamente comprovada” (artigo 133.º, n.º 2, alínea a), do CPTA), não bastam indícios, exigindo-se a prova de factos, sem a qual não se comprova adequadamente uma situação de grave carência económica.
IV - Para se apurar a situação económica é essencial saber os rendimentos disponíveis e as despesas regulares a cargo, de modo a apurar se aqueles são ou não suficientes para fazer face a estas, pois só se forem insuficientes é que poderemos estar perante uma situação de carência económica.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção Administrativa Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO

Acordam, em conferência, os juízes da subsecção comum da secção administrativa do Tribunal Central Administrativo Sul:

I – RELATÓRIO

Sindicato dos Trabalhadores Consulares, das Missões Diplomáticas e dos Serviços Centrais do Ministério dos Negócios Estrangeiros, com sede em Lisboa, em representação da sua associada A…, intentou processo cautelar contra o Estado Português. Pede o pagamento à sua associada da quantia mensal de € 1.581,44, correspondente à última remuneração base mensal por aquela auferida em Março de 2020, em ordem à superação da situação de grave carência económica em que a mesma se encontra.
Pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa foi proferida sentença a julgar improcedente o pedido por falta de verificação do requisito do periculum in mora.
O requerente interpôs o presente recurso de apelação, cujas alegações contêm as seguintes conclusões:
“A) Os factos alegados nos artigos 3.º, 19.º, 20.º, 21.º, 22.º, 41.º e 43.º do Requerimento Inicial, estruturantes da pretensão cautelar deduzida, são notoriamente relevantes para a decisão da causa, para efeitos, designadamente, da emissão do juízo conclusivo relativo à verificação ou não dos requisitos previstos nas alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 133.º do CPTA.
B) Tais factos, por força do disposto no n.º 2 do artigo 608.º do CPC, deveriam ter sido conhecidos, apreciados e valorados, como provados ou não provados, pela Senhora Juíza de Direito que prolatou a decisão recorrida.
C) O que não sucedeu no caso em apreço.
D) Tal omissão é geradora da nulidade da sentença ora impugnada, conforme prescreve a alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC.
Para além disso,
E) A referida Senhora Juíza de Direito, na apreciação da prova produzida, ignorou, em absoluto, a prova testemunhal acima referenciada, sobre a situação económica de A…, associada do Sindicato Recorrente.
E
F) Com fundamento exclusivo na ausência de prova documental, deu como não provado a inexistência de outros rendimentos, por parte da associada do Sindicato Recorrente, para além dos proporcionados pelo investimento financeiro contratualizado com as seguradoras O… e A….
G) Considerando que o grau de exigência probatória, no âmbito de uma providência cautelar, não deve ultrapassar o plano indiciário, e tendo em conta que, no caso em apreço, se trata de demonstrar um facto negativo, é de concluir que a sentença recorrida, ao dar como não provado o mencionado facto, padece de erro na apreciação da prova.
Na verdade,
H) A prova testemunhal produzida, com sujeição ao contraditório, em audiência de discussão e julgamento, permite dar como provada, para além de toda a dúvida razoável, uma efetiva situação de “grave carência económica”, necessitada da adoção urgente da medida cautelar requerida, sob pena da associada do STCDE ficar privada, a muito curto prazo, de qualquer meio de subsistência.”
Notificado das alegações apresentadas, o requerido, ora recorrido, apresentou contra-alegações, as quais contêm as seguintes conclusões:
“1. O art.147.º, n.º 1, do CPTA estabelece, que nos processos urgentes, os recursos são interpostos no prazo de 15 dias.
2. A decisão sobre o decretamento da providência cautelar foi proferida em 24 de janeiro de 2025 e notificada ao ora recorrente, por ofício de 27 de janeiro de 2025, ou seja, o ora recorrente apresentou o recurso muito depois do prazo de 15 dias concedidos pela lei.
3. Assim, as alegações de recurso mostram-se apresentadas fora de prazo, pelo que o presente recurso deve ser indeferido.
4. A douta sentença recorrida não padece de nulidade por omissão de pronúncia, conforme invocado pelo Recorrente.
5. Atendendo à motivação suscitada pelo Recorrente, verificamos que a alegada nulidade, por omissão de pronúncia tem por fundamento a circunstância de a sentença recorrida não ter conhecido um conjunto de factos alegados pelo próprio, em sede de requerimento inicial.
6. Nos termos do artigo 607.º, n.º 4 do CPC, o juiz deve declarar quais os factos que julga provados e não provados. Contudo, não se exige que se faça constar da fundamentação de facto toda a matéria de facto alegada, mas tão somente os factos que se mostrem relevantes para a resolução do litígio, o que foi feito na douta sentença recorrida.
7. A não tomada em consideração de um facto alegado não será de qualificar juridicamente como uma nulidade, especialmente, como nulidade de omissão de pronúncia, uma vez que não está em causa a violação de qualquer norma processual que vise regular a estrutura da sentença ou o seu conteúdo e limites.
8. O Recorrente alega que a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento, por erro na apreciação da prova, ao ter julgado como não provado a inexistência de outros rendimentos, por parte da associada do Recorrente, para além dos proporcionados pelo investimento financeiro contratualizado pelas seguradoras O… e A…– cf. conclusões F) e G).
9. No seu entender, foi ignorada a prova testemunhal indicada no artigo 22.º das alegações de recurso e esta permitia dar como provada, para além de toda a dúvida razoável, uma efetiva situação de grave carência económica – cf. conclusões E) e H).
10. Conforme dimana do teor das conclusões de recurso, o Recorrente pretende impugnar o julgamento da matéria de facto, sendo necessário averiguar, num primeiro momento, se estão cumpridos os ónus previstos no artigo 640.º, n.º 1 do CPC, aplicável por via do artigo 1.º do CPTA.
11. Contudo, é patente pela leitura das suas alegações, que o Recorrente não cumpriu os ónus previstos nas alíneas b) e c) do artigo 640.º, n.º 1 do CPC.
12. A mera indicação, sem mais, de meios de prova constantes do processo ou de gravação que possam sugerir um julgamento diverso da matéria de facto, traduz-se numa discordância genérica, por parte de quem pretenda impugnar o julgamento da matéria de facto, colidindo com a ratio que subjaz aos ónus previstos nas alíneas a) a c) do artigo 640.º, n.º 1 do CPC.
13. A… tal como ficou demonstrado por prova documental e testemunhal optou por não se inscrever na segurança social do seu país de origem e optou por fazer um seguro/fundo de reforma privado.
14. In casu, a prova produzida permite antes afirmar que foi A… que nunca quis que o MNE fizesse um seguro de reforma, nem que tivesse qualquer envolvimento com ela para além do mero e estrito pagamento do vencimento e da contribuição para a sua pensão que o MNE pagava.
15. A… nunca quis que o MNE fizesse quaisquer descontos sobre a sua remuneração (exceto a quotização sindical); e no que se refere à contribuição para o seu seguro/fundo de reforma que o MNE fez para uma pensão, sempre insistiu em receber diretamente o dinheiro.
16. A… não justificava ao MNE o que fazia com esse dinheiro.
17. O MNE procedeu ao pagamento dos referidos valores de comparticipação de fundo de reforma para a conta de A…, desde 2004 até 2020.
18. No que respeita aos pagamentos efetuados pelo MNE, em 3.08.2020 e 21.08.2020, A… devolveu esses montantes, em data imprecisa, mas até 7.09.2020 (v. pontos 19 a 20 da sentença).
19. O Recorrente não colocou em crise a fundamentação dada pelo Tribunal a quo ao indicar, a folhas 16 da douta sentença, que o facto de a associada não dispor de outros rendimentos para além dos proporcionados pelo investimento financeiro, pela sua natureza, carecia de prova documental que não pode ser suprida pela prova testemunhal.
20. Sendo que, na parte em que conclui que a prova testemunhal produzida permite dar como provada uma efetiva situação de grave carência económica, não se trata de um facto, mas antes de um juízo de direito que haveria de resultar da matéria de facto produzida
21. Consequentemente, deve ser rejeitada a presente impugnação da matéria de facto, porquanto, conforme resulta do n.º 1 do artigo 640.º do CPC, o não cumprimento dos respetivos ónus implica a rejeição do recurso, não havendo lugar a despacho de aperfeiçoamento.
22. Acresce ainda, que o Recorrente afirma que, por se tratar de prova produzida em sede de procedimento cautelar, a mesma pode ser sumária, perfunctória, meramente indiciária.
23. Ao contrário do que é afirmado pelo recorrente, nenhum facto relevante deixou de ser apreciado e valorado para efeitos de preenchimento dos requisitos previstos no art.º 133.º, n.º 2, do CPTA.
24. Sobre os requisitos e verificação dos pressupostos do artigo 133.º, n.º 2, alínea a), CPTA no que respeita à situação de "grave carência económica", esta tem de se verificar e ser adequadamente comprovada, o que entendemos não ter sido feito.
25. Efetivamente, não basta alegar grave carência económica, tem de ser demonstrada a situação de grave carência, por forma a ser possível determinar a sua amplitude.
26. Será legítimo questionar em que medida existirá, verdadeiramente, carência económica grave, quando a associada do Recorrente, tendo a oportunidade de continuar a trabalhar e a manter o seu rendimento, veio posteriormente, recusar tal possibilidade, conseguiu realizar dinheiro com a venda de bens herdados, devolveu ao MNE quantias que havia recebido.
27. Ao contrário do que a antiga trabalhadora do MNE afirmava, também não foi feita prova de que o seu estado de saúde exigisse assistência domiciliária permanente, até porque as testemunhas apresentadas pelo Autor referiram, que A… vivia sozinha e sem empregada ou qualquer outro tipo de assistência no domicílio (artigo 39 da sentença).
28. Dos depoimentos prestados pelas testemunhas do Autor e da testemunha do Réu, Exm.º Senhor Embaixador da Embaixada de Portugal, em Pretória foi possível apurar, que A… reside num dos melhores bairros de África do Sul e que provém de uma família sem dificuldades económicas, sendo que para além do imóvel onde reside possui outro.
29. Apesar de viver sozinha, A… continua a residir numa casa de grandes dimensões, num dos melhores e mais conceituados bairros, em África do Sul, que segundo o depoimento do Exm.º Embaixador equivaleria a viver no Restelo, ou mesmo no Estoril, em Portugal.
30. O Tribunal a quo considerado que o balanço entre rendimentos e despesas não poderá ser feito dado que não foi possível apurar o rendimento efetivamente disponível, logo ficando prejudicada a contabilização das despesas apuradas – sendo certo que o Tribunal a quo deu como não provadas as despesas com regularidade mensal alegadas.
31. A fundamentação de facto e de direito apresenta-se, assim, lógica e coerente, estando a decisão legalmente fundamentada, não sendo exigível ao Tribunal que explane exaustiva e pormenorizadamente a razão pela qual não valorou determinadas partes dos depoimentos no sentido defendido pelo Recorrente.
32. Resulta ainda da douta sentença recorrida que os depoimentos sobre a situação económica da associada do Recorrente teriam de ser sempre conjugados com prova documental que, a final, não foi feita pelo Recorrente, sendo certo que tal prova não era de realização impossível, dependendo apenas do impulso da sua associada a obtenção dessa documentação – junto da autoridade fiscal, de bancos, seguradoras, e quaisquer outras entidades sul-Africanas.
33. Face ao teor de todos os depoimentos prestados e ainda à prova documental reunida no processo, entendemos não se mostrar preenchido o requisito do fumus boni iuris, legalmente exigido.
34. Como os requisitos são cumulativos, a falta do fumus boni iuris conduz necessariamente à improcedência da providência, pelo que, muito bem andou a Mma. Juiz ao decidir pelo seu indeferimento.
35. Tudo ponderado, o Tribunal a quo não poderia ter decidido de outro modo, devendo, em consequência, o recurso improceder.
36. Face a todo o exposto, entende-se não assistir qualquer razão ao Recorrente, devendo ser, consequentemente, julgado improcedente na totalidade o presente recurso.”
Notificado o recorrente para se pronunciar sobre a extemporaneidade do recurso, invocada nas contra-alegações do recorrido, veio o mesmo pugnar pela sua improcedência, nos termos do despacho sobre a mesma proferido pelo Tribunal a quo em 03.04.2025.
Sem vistos dos juízes-adjuntos, por se tratar de processo urgente (cfr. n.º 2 do artigo 36.º do CPTA), importa apreciar e decidir.


II – QUESTÕES A DECIDIR

Face às conclusões das alegações de recurso – que delimitam o respectivo objecto, nos termos do disposto nos artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.ºs 1 e 2, do CPC -, as questões que ao Tribunal cumpre solucionar são as de saber:
a) Se a sentença padece da nulidade a que se reporta a alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC;
b) Se há erro de julgamento de facto;
c) Se há erro de julgamento de direito.

Como questão prévia, cumpre decidir da extemporaneidade do recurso.


III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A sentença recorrida fixou os seguintes factos, que considerou indiciariamente provados:
1. A…, portadora do documento de identificação Sul Africano n.º 5… é sócia aposentada desde Março 2020, com o n.º 1…, do Requerente (doc. 1 da PI; doc. a fls.: 79 do pdf da certidão da Direcção de Serviços de Recursos Humanos datada de 29-07-2020, junta aos autos a fls.: 729 a 859 do SITAF);
2. A…, cidadã sul-africana, nasceu a … de 1… (doc. 2 da PI e não controvertido);
3. Em 01-07-1973 A… foi admitida ao serviço do Estado Português, na Embaixada de Portugal em Pretória (EPP), África do Sul, como secretária de terceira classe, funções que exerceu até 31-07-1980 (doc. 3 da PI e não controvertido);
4. De 01-08-1980 a 13-03-1994, A…, exerceu as funções de secretária de segunda classe (doc. 3 da PI e não controvertido);
5. De 14-03-1994 a 31-12-2000, A…, exerceu as funções de secretária de primeira classe (doc. 3 da PI e não controvertido);
6. De 01-01-2001 a 30-04-2013, A…, exerceu as funções de assistente administrativa especialista (doc. 3 da PI e não controvertido);
7. Em 03-03-2004 A… emitiu um “RECIBO” referente ao pagamento efetuado pela Embaixada de Portugal em Pretória, constando do seu teor o seguinte: (cfr. doc. a fls.: 65 a 68 do pdf da certidão da Direção de Serviços de Recursos Humanos datada de 29-07-2020, junta aos autos a fls.: 729 a 859 do SITAF) “Eu, A…, Assistente Administrativa Especialista, declaro para os devidos efeitos, que recebi da Embaixada de Portugal em Pretória o montante de R13.499-68 referente ao pagamento dos fundos de reforma de 2003-2004 e 2004- 2005.”
8. Por declaração datada de 27-07-2005, A… autorizou que o valor da sua quota sindical fosse deduzida no seu vencimento, por referencia à sua inscrição no Sindicato dos Trabalhadores Consulares e das Missões Diplomáticas no Estrangeiro com o n.º 1… (doc. a fls.: 32 do pdf da certidão da Direção de Serviços de Recursos Humanos datada de 24-07-2020, junta aos autos como doc n.º4 da resposta da Requerida; depoimento da testemunha M…);
9. Em 22-12-2005 A… emitiu um “RECIBO” referente ao pagamento efetuado pela Embaixada de Portugal em Pretória, constando do seu teor o seguinte: (cfr. doc. a fls.: 77 e 78 do pdf da certidão da Direção de Serviços de Recursos Humanos datada de 29-07-2020, junta aos autos a fls.: 729 a 859 do SITAF) “Eu, A…, Assistente Administrativa Especialista, declaro para os devidos efeitos, que recebi da Embaixada de Portugal em Pretória o montante de R26.999,36 referente ao pagamento dos fundos de reforma de fevereiro de 2005- 2006, fevereiro de 2006-2007, fevereiro de 2007-2008 e fevereiro 2008-2009.”
10. A partir de 01-05-2013, A…, passou a exercer as funções de assistente técnico (doc. 2 da PI e não controvertido);
11. Em 23-06-2015 a Embaixada de Portugal em Pretória efetuou o pagamento da quantia de R6.750-00 a favor de A…, mencionando no respetivo documento de pagamento “S. social” (cfr. doc. a fls.: 80 do pdf da certidão da Direção de Serviços de Recursos Humanos datada de 29-07-2020, junta aos autos a fls.: 729 a 859 do SITAF);
12. Em 21-04-2016 a Embaixada de Portugal em Pretória efetuou o pagamento da quantia de R6.749-84 a favor de A…, mencionando no respetivo documento de pagamento “Reforma” (cfr. doc. a fls.: 81 do pdf da certidão da Direção de Serviços de Recursos Humanos datada de 29-07-2020, junta aos autos a fls.: 729 a 859 do SITAF);
13. Em 21-07-2018 a Embaixada de Portugal em Pretória efetuou o pagamento da quantia de R6.750-00 a favor de A…, mencionando no respetivo documento de pagamento “Seg. Social” (cfr. doc. a fls.: 82 do pdf da certidão da Direção de Serviços de Recursos Humanos datada de 29-07-2020, junta aos autos a fls.: 729 a 859 do SITAF);
14. Em 21-11-2018 a Embaixada de Portugal em Pretória efetuou o pagamento da quantia de R6.749-85 a favor de A…, mencionando no respetivo documento de pagamento “S. Social” (cfr. doc. a fls.: 83 do pdf da certidão da Direção de Serviços de Recursos Humanos datada de 29-07-2020, junta aos autos a fls.: 729 a 859 do SITAF);
15. Em 20-01-2020 A… remeteu por email dirigido ao sr embaixador da Embaixada de Portugal em Pretória, declaração a comunicar pretender manter-se no exercício das mesmas funções públicas após completar 70 anos de idade (cfr. doc. a fls.: 84 a 89 e 100 a 105 do pdf da certidão da Direção de Serviços de Recursos Humanos datada de 29-07-2020, junta aos autos a fls.: 729 a 859 do SITAF; depoimento das testemunhas J…, M…);
16. Em 03-03-2020, A…, cessou a sua atividade profissional na Embaixada de Portugal em Pretória, auferindo, à data, a remuneração base mensal de 1.581,44€ (doc. 4 da PI e não controvertido);
17. Em 11-05-2020 por despacho proferido pelo Ministro de Estado e das Finanças n.º 325/2020/MEF, foi autorizada a continuidade no exercício de funções publicas de A… na embaixada de Portugal em Pretória, após completar 70 anos de idade (doc. a fls.: 130 do pdf da certidão da Direção de Serviços de Recursos Humanos datada de 24-07-2020, junta aos autos como doc n.º4 da resposta da Requerida; depoimento das testemunhas J…, M…);
18. Por escrito datado de 21-07-2020, A… comunicou ao Sr Embaixador da Embaixada de Portugal em Pretória não pretender continuar ao serviço do Ministério dos Negócios Estrangeiros (doc. a fls.: 123 do pdf da certidão da Direção de Serviços de Recursos Humanos datada de 29-07-2020, junta aos autos a fls.: 729 a 859 do SITAF; depoimento das testemunhas J…, M…);
19. Em 03-08-2020 a Embaixada de Portugal em Pretória procedeu à transferência da quantia de R7.199,82 para a conta privada de A… (doc. a fls.: 130 do pdf da certidão da Direção de Serviços de Recursos Humanos datada de 29-07-2020, junta aos autos a fls.: 729 a 859 do SITAF; doc. n.º 6, [fls.: 5 do pdf], da resposta; depoimento das testemunhas J…, M…);
20. Em 21-08-2020 a Embaixada de Portugal em Pretória procedeu à transferência da quantia de R7.199,82 para a conta privada de A… (doc. n.º 6 [fls.: 5 do pdf] da resposta; depoimento das testemunhas J…, M…);
21. Em data imprecisa, mas até 07-09-2020 A… procedeu à restituição dos valores transferidos mencionados nos pontos 19 e 20 (doc. n.º 6 [fls.: 7 e 8 do pdf] da resposta; depoimento das testemunhas J…, M…);
22. Em 14-10-2020, a South African Social Security Agency, elaborou uma declaração referente a A…, com o seguinte teor traduzido (doc. n.º 5 da PI e n.º 1 da resposta);”

23. A… não se encontra inscrita no Sistema de Segurança Social português (doc. a fls.: 116 do pdf da certidão da Direção de Serviços de Recursos Humanos datada de 24-07-2020, junta aos autos como doc n.º 4 da resposta da Requerida; depoimento das testemunhas A…, H…, J…)
24. A… subscreveu um “South African Retirement Annuity fund”, titulada pela Apólice n.º 12290394, junto da entidade O…, com início a 01-01-1973 e fim a 01-01-2010 (doc. 6 da PI);
25. A… subscreveu um “private Allan Gray Retirement Annuity”, titulada pela conta n.º AGRA504213, junto da entidade A…, com início a 02-01-2010 e término a 26-05-2020, por transferência pela O…, de 100% do investimento realizado, no valor total de R 924 104,86 (doc. 7 e 9 da PI);
26. Em 23-04-2021 foi efetuado o pagamento da quantia líquida R 23.961,61 do fundo “Just annuity fund” para a conta detida por A… junto do A… Bank (doc. 10 da PI);
27. Em data imprecisa, A… vendeu vários objetos que herdou do espólio do seu pai E…, historiador sul-africano (doc. n.º 8 e 18 da Pi; depoimento das testemunhas S…, S…, V…);
28. Por referência ao período compreendido entre maio e junho de 2021, foram liquidadas as seguintes despesas relativas ao imóvel sito em A… Road, Constantia: (doc. n.º 11 da PI) 28.1 taxa municipal no valor de R3186,94; 28.2 eletricidade no valor de R746,66; 28.3 Água no valor de R119,60; 28.4 Lixo no valor de R137,22 28.5 Sistema de esgotos no valor de R9,29 Totalizando a quantia R4.351,62
29. Em 29-03-2021 foi emitida em nome de A… a fatura da quantia a pagar R7.650,54 correspondente ao pagamento anual dos serviços de segurança prestados pela empresa F… (doc. n.º 12 da PI);
30. Por referência ao período de 01-03-2021 a 31-12-2021 foi liquidada a quantia de R17.700,00 relativa ao seguro de saúde sendo beneficiária A… (doc. n.º 13 da PI);
31. No dia 01-07-2021 foi efetuado um débito direto na conta titulada por A… da quantia de R2.376,00, tendo por descrição “Liquidação/C hospitalização” (doc. n.º 14 da PI);
32. Por referência ao mês de agosto de 2021 foi liquidada, em nome de A…, a quantia de R273,98 relativa ao serviço de telefone fixo (doc. n.º 15);
33. A… sofre de ansiedade com instabilidade emocional e nervosismo, humor deprimido e falta de sono (doc. n.º 16 da PI; depoimento das testemunhas S…, S… e V…);
34. Em 24-11-2021 deu entrada, através do SITAF, o requerimento inicial com que se iniciaram os presentes autos (cfr. fls.: 25 do SITAF)

Factos não provados:
35. O investimento financeiro subscrito junta da seguradora O…, e posteriormente, junto da seguradora A…, apartir de abril de 2020, tornou-se a única fonte de rendimento que a associada A… do Requerente tem vindo a dispor;
36. A A… despende com a sua alimentação a quantia mensal de R123,77;
37. O acervo de despesas básicas suportadas por A… corresponde a um montante global total de 1,549,30€ por mês, ao câmbio do dia 23-11-2021, por referência ao período compreendido entre abril de 2020 a agosto de 2021;
38. Durante o período compreendido entre abril de 2020 a agosto de 2021 a A… retirou do fundo do seu PPR a quantia de 407347,37 ZAR, correspondente ao câmbio de 23-11-2021 ao valor de €22.916,60, pelo que restam cerca de 29.000€ (51.998,40 – 22.916,60 = 29.081,80) para a exaustão do referido fundo de poupança reforma;
39. A partir de setembro de 2021 A… deixou de poder estar sozinha em casa, pelo que passou a ter necessidade de assistência domiciliária permanente de dia e de noite.

Não há mais factos que cumpra julgar não provados com interesse para a decisão da causa, de acordo com as várias soluções plausíveis de direito.

Motivação da decisão de facto:
O Tribunal alicerçou a sua convicção relativamente à matéria de facto provada, na análise critica da globalidade da prova, nomeadamente, no teor dos documentos juntos aos autos, em conjugação com a posição assumida pelas partes nos seus articulados e com os depoimentos prestados pelas testemunhas abaixo identificadas, conforme discriminado em cada um dos pontos do probatório.
Especificadamente, em relação aos factos julgados provados em 15), 17) a 21), formouse a convicção com base no teor dos documentos aí referidos, corroborados com o depoimento claro e coerente das testemunhas J… e M…, que revelaram ter conhecimento directo sobre os referidos factos.
Para julgamento do facto descrito em 23) foi relevado o depoimento das testemunhas A…, H… e J…, as quais pelo exercício das funções que desempenhavam à data confirmaram a não inscrição da associada no Sistema de Segurança Social português.
Relativamente aos factos julgados provados em 27) e 33) as testemunhas S…, S… e V… relataram de forma coerente e coincidente a venda de objetos herdados pela associada do Requerente e o seu estado emocional nos contactos telefónicos que foram mantendo com a Sr.ª A….
Relativamente aos factos dados como não provados, a asserção do Tribunal deriva da ausência de prova documental tendente a demonstrá-los, sendo certo que, pela sua natureza, relativamente aos factos não provados em 35) 37) e 38) os mesmos carecem de prova documental que não pode ser suprida pela produção de prova testemunhal.
Em concreto:
Sobre o facto indicado como não provado em 35): da prova documental junta apenas permite concluir pela existência de tais rendimentos, porém, não se pode extrair dos mesmos pela inexistência de outras fontes de rendimentos. Pese embora, tratar-se de prova de um facto negativo e como tal reconhecida a dificuldade na sua obtenção, não significa que se esteja perante uma situação de impossibilidade prática de provar o facto necessário para o reconhecimento do direito alegado, sendo que, em tais situações, o que ocorre é uma menor exigência probatória, dando relevo a provas menos relevantes e convincentes que as que seriam exigíveis se tal dificuldade não existisse.
Ora, a prova da inexistência de outras fontes de rendimentos sempre seria possível, por exemplo, através da junção de uma declaração de rendimentos no qual permitisse aferir da inexistência de quaisquer outros rendimentos, nomeadamente, rendas, juros e outros; extratos bancários, e/ou declaração do banco a atestar as contas bancarias existentes, movimentos bancários e a inexistência de quaisquer outros investimentos/aplicações financeiras. Porém, tal não foi sequer alegado.
Para além de que, conforme resulta provado, a associada do Requerente vendeu diversos bens herdados do seu pai, desconhecendo-se, no entanto, o produto da venda dos mesmos, assim como, foi referido pela testemunha S… que a srª A… herdou duas casas, sendo que uma delas terá sido vendida. Tal depoimento coincide com o depoimento prestado pela testemunha M… que referiu que a srª A… herdou duas casas, uma na cidade e outra na praia. O depoimento das testemunhas S…, S… e M… foram ainda coincidentes ao referir que a Sr.ª A… provinha de uma família de classe média/alta, referindo inclusivamente esta última testemunha, que teria “mais património do que era normal para a maior parte dos funcionários”. Ora, perante tais relatos, a prova produzida, se revela insuficiente para a aferir da real dimensão económico-financeira da associada do Requerente e concluir que a sua única fonte de rendimento provem do PPR subscrito.
Sobre o facto não provado em 36) não foi produzida qualquer prova.
Sobre o facto não provado em 37): a quantia referida de 1.549,30€ resulta do somatório das despesas elencadas nos artigos 29, 30, 31, 32, 33 e 34 da petição inicial, porém da prova documental junta, não permite dar como provado este facto. As despesas elencadas a titulo de habitação respeitam apenas ao período de Maio/junho de 2021, não se podendo aferir quais os valores despendidos nos restantes meses nem aferir uma média mensal; na determinação do valor da despesa com o seguro de saúde foi considerado pelo Requerente a quantia mensal de R17.700,00 no entanto do documento junto (n.º 13) consta que a referida quantia corresponde ao total cobrado por 10 meses e não por mês; as despesas de saúde fixadas (2.376zar) resulta de um débito direto efetuado em julho de 2021, transação esta isolada, não resultando dos autos qualquer prova complementar que permita aferir da natureza destas despesas e concluir que a mesma é suportada mensalmente. Desta forma, não pode o Tribunal considerar como provado que a associada do Requerente tem uma despesa mensal de €1.549,30 nos termos alegados.
Sobre o facto não provado em 38): não foi produzida prova sobre tal facto, não se podendo concluir pela verificação do mesmo pelo mero cálculo matemático que resulta da multiplicação por 17 meses da quantia retirada do fundo no valor de 23961,61ZAR, referido no artigo 28 da PI (23.961,61zar x 17 meses = 407.347,37zar), pois do doc. n.º 10 da PI somente resulta provado que no dia 23-04-2021 foi transferido para a conta titulada por A… junto do A… Bank a quantia R23.961,61, não resultando demonstrado quais as quantias que efetivamente foram transferidas nos 17 meses alegados e por consequência concluir que o saldo existente do referido fundo, à data, era no montante referido. Refira-se aliás, que não foi sequer junto um extrato ou outra prova documental de forma a poder-se aferir dos respetivos movimentos e saldo final atualizado.
Por fim, sobre o facto não provado em 39): da prova testemunhal produzida, nomeadamente do depoimento das testemunhas S…, S… e V…, resultou que a associada do Requerente vive sozinha, não tendo qualquer assistência domiciliária nos termos alegados, fazendo no dia-a-dia as suas lides domésticas sem ajuda. De resto, o doc. n.º 16 junto com a PI não permite concluir que em resultado das patologias aí descritas resulta a necessidade de assistência domiciliária permanente, assim como não é possível concluir que o valor aí indicado é efetivamente suportado pela associada, pois conforme resulta expresso do mesmo “posteriormente, uma fatura semanal será enviada ao cliente, que deverá ser imediatamente liquidada, logo após a receção”; ora dos autos não resulta demonstrada a respetiva fatura e comprovativo de pagamento.


IV – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Da questão prévia da extemporaneidade do recurso

O recorrido alega que a sentença recorrida foi notificada ao recorrente por ofício de 27.01.2025, tendo o recurso sido apresentado para além do prazo de 15 dias, previsto no n.º 1 do artigo 147.º do CPTA.
Contrapõe o recorrente que o recurso foi apresentado dentro do prazo legalmente previsto, considerando o prazo complementar de 10 dias previsto no n.º 4 do artigo 144.º do CPTA, e tendo o presente recurso por objecto a reapreciação da prova gravada.
Vejamos.

Com relevância para a decisão da questão da tempestividade do recurso, enunciam-se as seguintes ocorrências processuais:
A. Em 24.01.2025, foi proferida sentença nos presentes autos;
B. Em 27.01.2025, foi remetido ao requerente, via electrónica, ofício de notificação da sentença;
C. Em 23.02.2025, o requerente apresentou requerimento para interposição de recurso da sentença.

A questão que se coloca agora é a de saber se, no caso em apreço, ao prazo de interposição do recurso em 15 dias (artigo 147.º, n.º 1, do CPTA) acresce o prazo complementar de 10 dias, nos termos do n.º 4 do artigo 144.º do CPTA. Segundo esta norma, decalcada do n.º 7 do artigo 638.º do CPC, tal só acontece “Se o recurso tiver por objeto a reapreciação da prova gravada”, isto é, se for impugnada a decisão da matéria de facto dada como provada com base em meios de prova gravados (declarações de partes e prova testemunhal).
É certo que o acréscimo de 10 dias ao prazo de recurso não depende do preenchimento dos requisitos previstos no artigo 640.º do CPC, cuja falta determina a rejeição da impugnação da decisão da matéria de facto. Todavia, “(…) está inviabilizada a consideração da existência de alguma impugnação da matéria de facto com base em prova gravada num caso em que o recorrente se tenha limitado a invocar uma divergência quanto à apreciação de determinados depoimentos testemunhais, sem a mínima indicação dos pontos de facto que reflectiriam um erro de julgamento e sem indicação da resposta alternativa que, com base em tais depoimentos, deveriam ter sido dadas.” – neste sentido, ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES, Recursos em Processo Civil, 7.ª Edição, Almedina, 2022, p. 176.
Em suma, ao prazo legalmente previsto para a interposição de recurso acrescem 10 dias se o recurso tiver por objecto a reapreciação da prova gravada (artigo 144.º, n.º 4), só podendo o recorrente “beneficiar deste prazo alargado se integrar no recurso conclusões que envolvam efetivamente a impugnação da decisão da matéria de facto tendo por base depoimentos gravados, nos termos do art. 640.º, n.º 2, al. a)”idem, ibidem, p. 173.
Se o recurso for apresentado para além do prazo normal sem que o seu objecto contenha a impugnação da decisão da matéria de facto com base na reapreciação daquela prova, o recurso é extemporâneo, circunstância que determina a respectiva rejeição.
Volvendo ao caso sub judice, a alegação de recurso contém, designadamente, e no que importa à decisão da questão em apreço, o seguinte:
“22. Importa recuperar, sobre a matéria em apreço, as seguintes passagens dos depoimentos das testemunhas, apresentadas pelo Sindicato Recorrente, constantes do registo de gravação áudio junto aos autos:
A – M…
Mandatário/STCDE [M]: 16:10 - E quando cessou as suas funções, na Embaixada por ter atingido os 70 anos, e isso está aqui documentado no processo, sabe se ela passou a auferir alguma pensão de reforma?
Testemunha [T]: 16:26 - Através do Estado? (...) Nada, zero. Nada, ela nunca teve direito a nada. Eu tenho a certeza que através do Estado (...) que eu saiba não.
M: 16:46 - Então, nesse caso, quando ela cessou funções, e isto está aqui documentado, e está assente que foi em março de 2020, por ter atingido os tais 70 anos, e uma vez que me está a dizer que não auferiu ou que não passou a auferir nenhuma pensão de reforma, sabe se ela tinha alguma fonte de rendimento para acorrer aos encargos normais da sua vida?
T: 17:19 - Eu sei que ela tinha, que ela uma vez falou-me nisso (...), a reforma que ela.. ela, um género de PPR, uma coisa qualquer que ela é que constituiu, portanto é uma coisa privada, e deve ser relativamente pequena, era o que ela podia pagar (...), e acho que é disso que ela vive. (...) Ela tem muitos problemas de saúde (...)
M: 18:44 - Tirando esse rendimento, não tem conhecimento de ela ter outro, outras fontes de rendimento?
T: 18:54 - Nada, eu acho que tem rigorosamente nada. (...)
M: 19:17 - Relativamente à sua situação económica, depois de ter saído da embaixada, como é que, se é que sabe, como é que a classificaria? Era uma situação estável, segura? Que lhe permitia suportar os encargos normais da sua vida? Ou era uma situação difícil que se foi agravando com o tempo? (...) O que sabe disto (...)?
T: 19:56 - Quando ela me ligou, quando falamos (...) ela estava numa situação muito complicada, porque não tinha direito a uma reforma do estado sul africano, não tinha nada do Estado Português, embora tivesse trabalhado 43 anos para o Estado Português e estava com um problema de saúde, grave, que entretanto deve ter agravado e está com imensa dificuldade a tentar desfazer-se de algumas coisas que tinha, para fazer face à despesas com a saúde dela, que obviamente não tinha apoio nenhum na saúde e inclusivamente (...) podia ficar desalojada, porque a única coisa que ela tem é a casa onde vive, que era do pai dela (...) Ela herdou a casa, mas nem sequer tem para pagar as despesas da casa onde ela vive. (...) Mas ela estava muito doente e muito preocupada.
M: 21:36 - Esse contacto foi quando?
T: 21:40 - Já foi, eu diria…, foi depois de ela se reformar, portanto.., ela reformou-se em 2020, eu acho que foi em 2021, talvez. Foi pouco depois, 21-22 o máximo. (...) Acho que foi na altura ainda do COVID.
B – S…
M: 54:45 - Se sabe quando, portanto nessa data, que aliás, está assente, março de 2020, se quando a Sra. A… deixou de exercer funções na Embaixada, se ela passou a auferir alguma pensão de reforma? Se sabe disso?
T: 56:06 - A senhora, nessa altura sabe que ela não tinha nenhuma pensão, que estava muito aborrecida com essa situação, e que depois de tantos anos a trabalhar e a exercer essas funções acabou por não ter nenhuma pensão.
M: 56:31 - Se a testemunha sabe, face a essa situação de não ter nenhuma pensão de reforma, se a Sra. A… tinha alguma fonte de rendimento que lhe permitisse suportar os encargos da sua vida?
T: 58:07 - Então basicamente a Sra. apenas tinha o salário quando acabou de trabalhar, não tinha outras fontes de rendimento e estava preocupada em relação ao seu futuro e aquilo que ia acontecer.
T: 01:00:38 - Sim, tinha então essa fonte de rendimento de onde podia retirar algum dinheiro para viver.
M: 01:00:47 - Se sabe se a fonte de rendimento ainda existe ou se já se extinguiu?
T: 01:01:43 - Essa parte desse fundo já se extinguiu, (...).
T:01:02:35 - A senhora então não tinha vendido a casa mas estava a pensar em vender a casa para poder ter esse rendimento.
M: 01:02:52 - A senhora A… deixou de receber o seu salário, não recebia nenhuma pensão de reforma, o tal fundo tinha-se extinto, a Sra. A… vivia como? e de que? Como é que pagava as suas despesas?
T: 01:05:14 - Então eram as anuidades desse fundo que a permitiam continuar a sobreviver.
C – S… (01:44:00)
M: 01:52:01 - Se a testemunha sabe, quando a Sra. A… deixou de trabalhar na Embaixada, se recebeu alguma pensão de reforma?
T:01:52:47 - Daquilo que a Senhora sabe, não recebeu nenhuma pensão.
M: 01:52:59 - (...) Deixou de receber o salário, não tem nenhuma pensão de reforma, como é que a Sra. A… vivia? Como é que acorria ao pagamento das suas despesas normais?
T: 01:54:29 - (...) Tem vendido coisas do pai para fazer frente às despesas e tem estado muito em baixo e aborrecida com a situação, e assustada também
D – V…
M: 19:56 - Se sabe no momento em que a Sra. A… terminou na Embaixada, se sabe que a Sra. D A… ficou a receber alguma pensão de reforma?
T: 20:44 - A Senhora diz que daquilo que sabe ou tem conhecimento, que a Sra. reformou-se em 2020 e daquilo que sabe, que não recebia nenhuma pensão.
M: 20:57 - Sendo assim, a partir de março de 2020, não auferindo salário, não auferindo nenhuma pensão de reforma, como é que a Sra. A… sobreviveu? Designadamente tinha outras fontes de rendimento?
T: 22:11 - Então, a Senhora refere que a Sra. A… teve que lutar um bocado para ganhar algum dinheiro, para obter algum dinheiro, e que nomeadamente vendia livros, vendia alguma mobília e também algumas joias para poder viver.
M: 23:35 - A situação económica da Sra. D. A…, particularmente desde 2020 até hoje, é uma situação económica difícil? muito difícil? Como é que ela tem conseguido sobreviver durante este período, uma vez que não tem fontes de rendimento conhecidas?
T: 24:56 - A Sra. diz que a Sra. A… está muito ansiosa e muito desesperada e que o facto de ter vendido algumas coisas foi para poder comprar alimentos, comprar comida.
23. Toda esta matéria, coerente e consistentemente afirmada pelas quatro testemunhas indicadas pelo STCDE, foi desvalorizada, em absoluto, pela Senhora Juíza de Direito que prolatou a decisão recorrida.
24. A invocada ausência de prova documental relativa à inexistência de outros rendimentos, por parte da associada do Sindicato Recorrente, para além dos proporcionados pelo investimento financeiro contratualizados com as seguradoras O… e A…, não permite, por si só, ignorar a prova testemunhal produzida a tal respeito, incompatível com o facto, não provado, consignado no n.º 35 da decisão recorrida (fls. 15).”
As conclusões, na parte em causa, têm o seguinte teor:
“E) A referida Senhora Juíza de Direito, na apreciação da prova produzida, ignorou, em absoluto, a prova testemunhal acima referenciada, sobre a situação económica de A…, associada do Sindicato Recorrente.
E
F) Com fundamento exclusivo na ausência de prova documental, deu como não provado a inexistência de outros rendimentos, por parte da associada do Sindicato Recorrente, para além dos proporcionados pelo investimento financeiro contratualizado com as seguradoras O… e A….
G) Considerando que o grau de exigência probatória, no âmbito de uma providência cautelar, não deve ultrapassar o plano indiciário, e tendo em conta que, no caso em apreço, se trata de demonstrar um facto negativo, é de concluir que a sentença recorrida, ao dar como não provado o mencionado facto, padece de erro na apreciação da prova.
Na verdade,
H) A prova testemunhal produzida, com sujeição ao contraditório, em audiência de discussão e julgamento, permite dar como provada, para além de toda a dúvida razoável, uma efetiva situação de “grave carência económica”, necessitada da adoção urgente da medida cautelar requerida, sob pena da associada do STCDE ficar privada, a muito curto prazo, de qualquer meio de subsistência.”
Assim, na sua alegação, o recorrente dedica os pontos 22. e 24 à transcrição de depoimentos de determinadas testemunhas, considerando sustentarem os mesmos a prova do facto dado como não provado no ponto 35, insurgindo-se contra a sua desvalorização na sentença; e nas conclusões, o recorrente reitera que o Tribunal a quo, ao dar como não provada a inexistência de outros rendimentos (para além dos proporcionados pelo investimento financeiro contratualizado com as seguradoras), ignorou a prova testemunhal produzida, a qual permite dar como provada uma situação de “grave carência económica”.
O facto dado como não provado no ponto 35 da matéria de facto tem o seguinte teor: “O investimento financeiro subscrito junto da seguradora O…, e posteriormente, junto da seguradora A…, a partir de abril de 2020, tornou-se a única fonte de rendimento que a associada A… do Requerente tem vindo a dispor;”.
Constando da alegação de recurso a referência ao facto não provado que o recorrente considera que deveria ter sido dado como provado, com a indicação dos depoimentos testemunhais que sustentam essa prova, o recurso contém a exigível indicação dos concretos pontos de facto que o recorrente entende padecerem de erro de julgamento, bem como a factualidade que, com a prova testemunhal identificada, entende dever ser considerada provada, estando, assim, verificado o pressuposto de aplicação do prazo complementar de 10 dias a que se reporta o artigo 144.º, n.º 4, do CPTA.
Sendo de 15 dias o prazo para interposição do recurso (artigo 147.º, n.º 1), e acrescendo ao mesmo 10 dias, nos termos referidos, o recurso apresentado em 23.02.2025 é tempestivo, uma vez que a sentença foi notificada ao recorrente por ofício datado de 27.01.2025.
Ante o exposto, improcede a invocada extemporaneidade do recurso.


A. Da nulidade da sentença

Nos termos do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, “É nula a sentença quando: a) Não contenha a assinatura do juiz; b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível; d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento; e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.”
Alega a recorrente que sentença padece da nulidade a que se reporta a alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC por os factos alegados nos artigos 3.º, 19.º, 20.º, 21.º, 22.º, 41.º e 43.º do r.i. não constarem como provados ou não provados, sendo os mesmos estruturantes da pretensão cautelar deduzida e, portanto, notoriamente relevantes para a emissão do juízo conclusivo relativo à verificação ou não dos requisitos previstos nas alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 133.º do CPTA.
Nos termos da primeira parte da alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, a sentença é nula quando “O juiz deixe de pronunciar-se [total ou parcialmente] sobre questões que devesse apreciar”, devendo ser decididas na sentença “todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação” (artigo 95.º, n.º 1, primeira parte, do CPTA), aqui se incluindo todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e excepções (invocadas e de conhecimento oficioso), “cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão (não a fundamentação jurídica adrede invocada por qualquer das partes)”, não se confundindo “questões com razões, argumentos ou motivos invocados pelas partes para sustentarem e fazerem vingar as suas posições (jurídico-processuais ou jurídico-substantivas); só a omissão da abordagem de uma qualquer questão temática central integra vício invalidante da sentença, que não a falta de consideração de um qualquer elemento da retórica argumentativa produzida pelas partes.” – cfr. Francisco Manuel Lucas Ferreira de Almeida (in Direito Processual Civil, Volume II, 2.ª Edição, Almedina, 2015, p. 371).
Ademais, se é certo que “Na exposição dos fundamentos, a sentença deve discriminar os factos que julga provados e não provados” (artigo 94.º, n.º 3, primeira parte, do CPTA), é também inquestionável que os factos que devem ser discriminados são os factos relevantes para a decisão da causa, e não necessariamente todos os factos alegados pelas partes.
Nestes termos, a circunstância de alguns dos factos alegados não constarem do elenco dos factos provados e não provados da sentença não constitui nulidade da sentença por omissão de pronúncia (nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC), respeitando esta às questões cujo conhecimento se impõe, e não aos factos alegados pelas partes.
Assim sendo, improcede a invocada nulidade da sentença.


B. Do erro de julgamento de facto

Sobre o ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, dispõe o artigo 640.º do CPC, nos seus n.ºs 1 e 2, que deve o mesmo “obrigatoriamente” e “sob pena de rejeição”, especificar: a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; e c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. Quanto à especificação dos concretos meios probatórios que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.
Feito o enquadramento dos termos em que é admissível a alteração da matéria de facto, importa analisar a impugnação do recorrente.
Pugna o recorrente pelo aditamento ao probatório do seguinte facto, dado como não provado na sentença recorrida sob o n.º 35: “O investimento financeiro subscrito junta da seguradora O…, e posteriormente, junto da seguradora A…, a partir de abril de 2020, tornou-se a única fonte de rendimento que a associada A… do Requerente tem vindo a dispor;” Considera que a prova do mesmo assenta nos depoimentos (que transcreve na sua alegação de recurso) das testemunhas M…, S…, S… e V….
O Tribunal a quo deu como não provado tal facto com a seguinte fundamentação:
“Sobre o facto indicado como não provado em 35): da prova documental junta apenas permite concluir pela existência de tais rendimentos, porém, não se pode extrair dos mesmos pela inexistência de outras fontes de rendimentos. Pese embora, tratar-se de prova de um facto negativo e como tal reconhecida a dificuldade na sua obtenção, não significa que se esteja perante uma situação de impossibilidade prática de provar o facto necessário para o reconhecimento do direito alegado, sendo que, em tais situações, o que ocorre é uma menor exigência probatória, dando relevo a provas menos relevantes e convincentes que as que seriam exigíveis se tal dificuldade não existisse.
Ora, a prova da inexistência de outras fontes de rendimentos sempre seria possível, por exemplo, através da junção de uma declaração de rendimentos no qual permitisse aferir da inexistência de quaisquer outros rendimentos, nomeadamente, rendas, juros e outros; extratos bancários, e/ou declaração do banco a atestar as contas bancarias existentes, movimentos bancários e a inexistência de quaisquer outros investimentos/aplicações financeiras. Porém, tal não foi sequer alegado.
Para além de que, conforme resulta provado, a associada do Requerente vendeu diversos bens herdados do seu pai, desconhecendo-se, no entanto, o produto da venda dos mesmos, assim como, foi referido pela testemunha S… que a srª A… herdou duas casas, sendo que uma delas terá sido vendida. Tal depoimento coincide com o depoimento prestado pela testemunha M… que referiu que a srª A… herdou duas casas, uma na cidade e outra na praia. O depoimento das testemunhas S…, S… e M… foram ainda coincidentes ao referir que a Sr.ª A… provinha de uma família de classe média/alta, referindo inclusivamente esta última testemunha, que teria “mais património do que era normal para a maior parte dos funcionários”. Ora, perante tais relatos, a prova produzida, se revela insuficiente para a aferir da real dimensão económico-financeira da associada do Requerente e concluir que a sua única fonte de rendimento provem do PPR subscrito.”
Dos depoimentos transcritos pelo recorrente e ouvidos por este Tribunal, através de gravação, relativamente às fontes de rendimento de A…, apenas se retira o seguinte: (i) a testemunha M… afirmou que não tinha conhecimento de que A… tenha recebido alguma pensão de reforma, que esta lhe havia dito que tinha “um género de PPR”, achando que a mesma viveria de tais rendimentos e que não teria quaisquer outras fontes de rendimento; (ii) a testemunha S… declarou que A… não auferia qualquer pensão, não tinha outras fontes de rendimento e sobrevivia com as anuidades do fundo que havia constituído; (iii) a testemunha S… asseverou que A… tem vendido coisas do pai para fazer face às despesas e que não recebia qualquer pensão; (iv) e a testemunha V… referiu não ter conhecimento de que A… receba alguma pensão, e que a mesma vendia livros, alguma mobília e algumas joias para poder viver.
Tais depoimentos, ainda que conjugados entre si, não são suficientes para concluir que o investimento financeiro subscrito por A… junto de seguradoras, a partir de Abril de 2020, se tornou a única fonte de rendimento de que a mesma tem vindo a dispor. Com efeito, as referidas testemunhas relatam somente as suas percepções relativamente à situação económica de A…, sem demonstrarem um conhecimento minimamente certo ou seguro acerca da mesma, designadamente sobre a existência de outras fontes de rendimento, resultando tais impressões mais do desconhecimento da situação, do que propriamente do seu conhecimento por parte das testemunhas. De resto, os depoimentos em análise retratam um cenário que, como as testemunham referem, lhes terá sido transmitido pela própria A…, o que fragiliza a força dos depoimentos neste ponto. Ademais, embora tal não tenha sido referido pelo recorrente, o certo é que a testemunha S… afirmou ainda que A… herdou duas casas, uma das quais vendeu (conforme, aliás, ficou provado), afirmação esta que se mostra contraditória com a de que A… não tinha outras fontes de rendimento e sobrevivia com as anuidades do fundo que havia constituído, na medida em que a venda de um imóvel gera rendimento, o que foi desconsiderado por esta testemunha.

Alega ainda o recorrente que tal facto deve ser dado como provado com base em tais depoimentos, dado que o grau de exigência probatória, no âmbito de uma providência cautelar, não deve ultrapassar o plano indiciário, além de que está em causa um facto negativo.
Mas não lhe assiste razão neste ponto.
O facto que o recorrente pretende que seja dado como provado é o de que o investimento financeiro subscrito pela associada do requerente junto de seguradoras se tornou a única fonte de rendimento de que a mesma tem vindo a dispor, com o qual pretende demonstrar que a sua associada se encontra numa “situação de grave carência económica”. Ora, conforme resulta da alínea a) do n.º 2 do artigo 133.º do CPTA, o decretamento da regulação provisória do pagamento de quantias pressupõe que essa “situação de grave carência económica” “Esteja adequadamente comprovada”, sendo, assim, claro, que não bastam indícios, exigindo-se a prova de factos. E, nos termos acima referidos, os depoimentos das testemunhas invocados pelo recorrente são insuficientes para concluir pela prova do facto alegado para sustentar uma situação de grave carência económica. Não estando provado tal facto, não está adequadamente comprovada uma situação de grave carência económica.

Relativamente ao argumento da negatividade do facto, começamos por clarificar que, ao contrário – aliás – do que afirma o Tribunal a quo na motivação da matéria de facto, não está em causa um facto negativo. Efectivamente, é a seguinte a redacção do facto que está em causa, enunciado sob o n.º 35 no elenco dos factos dados como não provados na sentença recorrida: “O investimento financeiro subscrito junta da seguradora O…, e posteriormente, junto da seguradora A…, a partir de abril de 2020, tornou-se a única fonte de rendimento que a associada A… do Requerente tem vindo a dispor;” Tal formulação do facto – tal como foi alegado no r.i. - não contém qualquer ideia de negação, o que afasta a qualificação do facto como negativo. De todo o modo, sempre se dirá que não decorre da lei que a prova dos factos negativos é menos exigente do que a dos positivos, carecendo, assim, de fundamento esta alegação do recorrente.
Ante o exposto, improcede o invocado erro de julgamento de facto.


C. Do erro de julgamento de direito

A sentença recorrida julgou improcedente o processo cautelar por falta de verificação do requisito do periculum in mora, por não ter sido demonstrada uma situação de grave carência económica, a qual teria de resultar do balanço entre rendimentos e despesas, não tendo sido provada a inexistência de outras fontes de rendimento para além do PPR subscrito pela associada do requerente, nem sequer qual o montante deste disponível, nem o montante das despesas mensais suportadas pela mesma.
Pugna o recorrente pela verificação de tal requisito, alegando que a factualidade provada é suficiente para o efeito.
Vejamos.
Nos termos do n.º 2 do artigo 133.º do CPTA, a regulação provisória do pagamento de quantias é decretada quando “a) Esteja adequadamente comprovada a situação de grave carência económica; b) Seja de prever que o prolongamento dessa situação possa acarretar consequências graves e dificilmente reparáveis; c) Seja provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente.”, respeitando os critérios das referidas alíneas a) e b) ao requisito do periculum in mora, em causa na alegação em análise. Assim, a verificação de tal requisito pressupõe, não só que esteja adequadamente comprovada a situação de grave carência económica, mas também que seja de prever que o prolongamento de tal situação pode acarretar consequências graves e dificilmente reparáveis.
Atenta a matéria de facto provada nos presentes autos, desde já adiantamos que a mesma não é apta a sustentar uma situação de grave carência económica, como passamos a explicar.
Efectivamente, e como bem se refere na sentença recorrida, para se apurar a situação económica é essencial saber os rendimentos disponíveis e as despesas regulares a cargo, de modo a apurar se aqueles são ou não suficientes para fazer face a estas, pois só se forem insuficientes é que poderemos estar perante uma situação de carência económica, a qual – note-se – terá ainda de ser grave para que a providência cautelar aqui requerida seja decretada. Ora, o probatório não nos dá tais elementos.
No que concerne aos rendimentos, embora se tenha provado que a associada do requerente não se encontra inscrita nem no sistema de segurança social sul africano nem no sistema de segurança social português, tal não significa que não tenha rendimentos. Ademais, apesar de se ter provado que A… recebeu um pagamento com origem em fundos de reforma sul africanos, subscritos pela mesma entre 01.01.1973 e 26.05.2020, daí não se pode retirar que a mesma não tenha recebido quaisquer outros pagamentos com a mesma origem. Acresce que, tendo-se provado que A… vendeu vários objectos que herdou do espólio do seu pai, não só não se provou a data em que tal aconteceu, como não se provou o montante do produto da venda, muito menos como é que tal montante foi aplicado, o que teria grande relevância na aferição da sua situação económica, sendo certo que a venda tem, necessariamente, que ter gerado um rendimento. Além do mais, não se provou que o investimento financeiro subscrito junto de seguradoras se tornou a única fonte de rendimento da associada do requerente.
Quanto às despesas a cargo da associada da requerente que se provaram, referem-se as mesmas a um imóvel, a serviços de segurança, a um seguro de saúde, a uma hospitalização e ao serviço de telefone fixo, não se tendo provado o carácter regular das mesmas, algumas das quais são, pela sua natureza (como é o caso da hospitalização), despesas esporádicas. Ora, a falta de prova de despesas correntes inviabiliza o apuramento da situação económica.
Não se tendo apurado a situação económica da associada do requerente, não se pode concluir no sentido da existência de uma situação económica grave e, por conseguinte, bem andou a sentença ao considerar não verificado o requisito do periculum in mora.
Ante o exposto, improcede o invocado erro de julgamento.
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Vencido, é o recorrente responsável pelo pagamento das custas, nos termos dos artigos 527.º do CPC, aplicável ex vi artigo 1.º do CPTA.


V – DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes da subsecção comum da secção administrativa do Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso.

Custas pelo recorrente.

Lisboa, 18 de Junho de 2025

Joana Costa e Nora (Relatora)
Marcelo Mendonça
Marta Cavaleira