| Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Subsecção Tributária de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais do Tribunal Central Administrativo Sul: 
 
 I. RELATÓRIO
 A Autoridade Tributária e Aduaneira, veio recorrer da sentença pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou procedente a oposição à execução fiscal apresentada por F…, Limited, instaurada no Serviço de Finanças de Lisboa-8, por dívidas IVA dos períodos de novembro e dezembro de 2001 e janeiro a dezembro de 2002, no montante global de € 357.059,47.
 
 Nas alegações de recurso apresentadas, a Recorrente formulou as seguintes conclusões:
 
 I.	«Vem o presente recurso interposto da sentença proferida pelo Tribunal a quo, que julgou procedente a oposição, apresentada pela Oponente F… LIMITED, com o número de identificação fiscal 9…, à oposição à execução fiscal n.º 3107201301206451 instaurado pelo Serviço de Finanças de Lisboa – 8, para cobrança de IVA dos anos de 2001 (novembro e dezembro) e de 2002  (janeiro a dezembro), no montante total de € 357.059,47 .
 II.	Por sentença datada de 10-10-2024 ora recorrida, veio o Mm. Juiz do Tribunal a quo, estribando-se na factualidade descrita  na  secção  III,  que  aqui  se  dá  por  inteiramente reproduzida para todos os efeitos legais, conceder provimento à Oposição apresentada e, consequentemente, julgar procedente o fundamento de oposição invocado pela Oponente, enquadrável na alínea e) do n.º 1 do  artigo 204º  do  CPPT,  tendo a mesma sido notificada das liquidações adicionais de IVA referentes ao ano de 2002, para além do prazo de caducidade .
 III.	Vem a douta sentença decidir que que na ação administrativa, interposta na sequência do indeferimento liminar do pedido de revisão da matéria coletável, que correu termos sob o n.º 908.06.0BELSB, estava em causa  a  aceitação ou não aceitação do pedido de revisão da matéria coletável e não um concreto litígio judicial do qual dependia a liquidação, motivo pelo qual, não tem enquadramento na alínea a) do n.º 2 do artigo 46.º LGT .
 IV.	Entende a Fazenda Pública que mal esteve o Tribunal a quo na douta sentença proferida porquanto, existindo elementos nos autos que impunham decisão diversa na apreciação dos factos relevantes, promoveu uma errónea aplicação do direito a estes mesmos factos, ao ignorar circunstâncias factuais que, tendo sido ignoradas, impõem, salvo melhor opinião, a anulação da sentença recorrida.
 V.	Pode definir -se a caducidade como o instituto através do qual os direitos que, por força da lei ou de convenção das partes, se devem exercer dentro de certo prazo, se extinguem pelo seu não exercício durante o mesmo período. O instituto da caducidade tem por fundamentos vetores como a certeza e a ordem pública, vistos no sentido de que é necessário que, ao fim de certo lapso de tempo, as situações jurídicas se tornem certas e inatacáveis. Esta prevalência de considerações de ordem pública constitui a razão explicativa para que o prazo de caducidade corra sem suspensões e interrupções e, em princípio, que só o exercício do direito durante o mesmo impeça que a caducidade opere.
 VI.	No que diz respeito ao direito tributário, o regime da caducidade do direito à liquidação de impostos, matéria que não é de conhecimento oficioso, encontra atualmente consagração genérica no artigo 45.º da LGT. Sob a epígrafe caducidade do direito à liquidação preceitua aquele normativo que direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro. Face à redação do aludido artº.45, da LGT, é claro que, quer o exercício do direito à liquidação, quer a notificação do seu conteúdo ao contribuinte, e não apenas aquele primeiro ato, têm que ocorrer dentro do mencionado prazo de quatro anos contados do facto tributário, sob pena de operar a caducidade de tal direito.
 VII.	Voltando ao caso dos autos, estamos perante liquidações adicionais de IVA referentes a todos os meses de 2002. Ocorrendo o facto tributário gerador de imposto em 2002, o prazo de caducidade iniciou -se em 01 de janeiro de 2003, pelo que, na ausência de causas suspensivas, o prazo de caducidade conheceria o seu términus em 01 de janeiro de 2007. Atenta a factualidade assente em 28 -12- 2005 a Oponente apresentou pedido de revisão da matéria coletável junto da Direção de Finanças de Lisboa – facto 3.
 VIII.	O artigo 91.º da LGT, sob a epígrafe “Pedido de revisão da matéria colectável”, prevê no seu n.º 2 outros motivos de suspensão do prazo de caducidade do direito à liquidação, nomeadamente por efeito do pedido de revisão da matéria tributável fixada por métodos indiretos, indicando a doutrina que esta suspensão perdurará no intervalo temporal que decorre entre a apresentação do pedido de revisão e a notificação da decisão, não podendo, no entanto, decorrerem mais de 30 dias entre o início do debate contraditório entre os peritos e aquela mesma decisão, como determinam os n.ºs 1 e 2 do artigo 92.º da mesma Lei (cf. PIRES, José Maria Fernandes (Coord.); BULCÃO, Gonçalo; VIDAL, José Ramos; MENEZES, Maria João, Lei Geral Tributária, Comentada e Anotada, Almedina, 2015, pp. 424 -425).
 IX.	Temos então que a Oponente efetuou tal pedido, pelo que o prazo da caducidade se suspendeu nesta data, ainda dentro do período de quatro anos imposto pelo n.º 1 do artigo 45.º da LGT, ficando a faltar 4 (quatro) dias para o seu término. Este pedido foi liminarmente rejeitado por decisão tomada no dia seguinte, pelo que o prazo de caducidade retomou o seu curso e foram notificadas as liquidações efetuadas à Oponente, como decorre da factualidade assente em 4).
 X.	Sucede, porém, que a Oponente intentou ação administrativa especial contra a decisão de indeferimento liminar do pedido de revisão da matéria coletável, que correu termos nesse Tribunal com o n.º 908/06.0BELSB, tendo nesta ação sido decidido não só anular o despacho de 28-12-2005, que indeferiu o pedido de revisão da matéria tributável apresentado pela Oponente, como também condenar a AT a admitir o referido pedido, tudo conforme assente em 21) .
 XI.	Ora, de acordo com o artigo 127.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA), na redação do Decreto-Lei n.º 442/91, de 15 de novembro, o ato administrativo produz os seus efeitos desde a data em que for praticado, salvo nos casos em que a lei ou o próprio ato lhe atribuam eficácia retroativa ou diferida, o que não é o caso. Contudo, o artigo 173.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), na redação em vigor à data, prevê também que a anulação de um ato administrativo constitui a Administração no dever de reconstituir a situação que existiria se o ato anulado não tivesse sido praticado, bem como de dar cumprimento aos deveres que não tenha cumprido com fundamento no ato entretanto anulado.
 XII.	A jurisprudência administrativa é neste aspeto perfeitamente uniforme e pacífica, em face do que, infra se aludem alguns Acórdãos do STA e TCA, cujo sentido, naturalmente, se acompanha: 
 “anulado um ato... pode a Administração praticar outro ato com o mesmo ou diverso conteúdo dispositivo, desde que o novo ato substitutivo seja expurgado do vício que determinou a anulação anterior.
 A decisão contenciosa da anulação de um ato administrativo deve ser executada, pela Administração, reconstituindo a situação atual hipotética como se o ato anulado não tivesse existido na ordem jurídica.
 O ato renovado, emitido em execução da sentença de anulação, produz efeitos referidos ao momento da prática do ato anulado e deve tomar em consideração a situação de facto e de direito existente nesse momento.” - Acórdão do STA nº 031616 de 13/04/2000. No mesmo sentido, “a execução da sentença consiste na prática pela Administração dos atos e operações materiais necessários à reintegração efetiva da ordem jurídica violada, mediante a reconstituição da situação que existiria se o ato ilegal não tivesse sido cometido. O limite objetivo do caso julgado das decisões anulatórias de atos administrativos determina-se pelo vício que fundamenta a decisão. (Acórdão do STA nº 0261/06 de 26/09/2006)
 XIII.	“ A reconstituição da situação atual hipotética implica que, em juízo de prognose, se retroceda ao momento em que o então Autor se encontrava à data do originário requerimento, de modo a que se efetive na sua esfera jurídica a reposição da situação em que se encontraria, não fosse a prática do ato anulado, por efeito repristinatório da anulação na medida da invalidade e consequente destruição dos efeitos produzidos pelo ato  anulado.” - Acórdão do TCA Norte n.º 00301/14.0BEBRG, de 07-07-2017.  Em igual sentido o Acórdão do TCA Sul n.º 242/12.6BESNT, de 04-04- 2019.
 XIV.	Vale isto por dizer que, pela sentença proferida no processo n.º 908/06.0BELSB se reconstituiu toda a situação anterior à prolação do referido despacho de indeferimento, inclusive no que respeita ao prazo de caducidade da liquidação o qual se encontrava suspenso em virtude da apresentação do pedido de revisão da matéria coletável.
 XV.	E é exatamente isso que decorre da factualidade assente, como se transcreve:
 “Em 19.06.2013 foi emitido pela Direção de Finanças de Lisboa o documento com a referência 042412 endereçado à oponente com o assunto “pedido de revisão – IRC e IVA 2001 e 2002”, com o seguinte teor:
 “Para cumprimento da sentença proferida em 07.03.2013 no Tribunal Tributário de Lisboa – 4ª Unidade Orgânica, fica V. Exa notificado para no prazo de 10 dias, contados da data da assinatura do aviso de receção, indicar se ratifica a petição apresentada nos termos do art.º 91.º da Lei Geral Tributária, em 28.12.2005, assinada pela Dr.ª M….” – facto 22. O que veio a acontecer, em 28 -06- 2013 (facto 23) pelo  que só  a  partir  desta  é  que  se  reuniram  os  requisitos  legais  da  admissão  do  pedido  de revisão, nos termos do n.º 3 do artigo 91.º da LGT.
 XVI.	Isto Daqui decorre que, por força da referida sentença, em termos processuais não decorreu qualquer prazo entre o pedido de revisão da matéria coletável e a sua ratificação, pelo que, para todos os efeitos, entre 28 -12 -2005 e 28 -06 -2013, o prazo de caducidade do direito à liquidação ficou suspenso. Por outras palavras, em caso de obstáculo insuperável ao exercício de um direito, este só pode legalmente ser exercido quando o impedimento cessar.
 XVII.	Vale temos então que entre 28 -06 -2013, data da ratificação do pedido de revisão, e 30-07- 2013 -data em que foi determinada a matéria coletável em IVA - passaram 32 dias contados nos termos do artigo 279.º do Código Civil, aplicável por força do n.º 1  do artigo 20.º do CPPT. A este número de dias acrescem aqueles em falta para a conclusão do prazo de caducidade provenientes do facto de o pedido de revisão da matéria coletável ter sido apresentado em 28-12-2005, pelo que a AT dispunha de um ano e 36 dias após a notificação da decisão do pedido de revisão para proceder às liquidações de IVA.
 XVIII.	Deste modo, e tendo presente a realidade em análise e de todos os elementos constantes do probatório, considera a Fazenda Pública, contrariamente ao doutamente decidido, que a atuação da Administração Tributária foi no estrito cumprimento da lei.
 XIX.	Pelo que, à Fazenda Pública, não se conformando com a decisão proferida pelo Tribunal a  quo ,  não  resta  senão  concluir,  salvo  o  devido respeito,  que  a  douta  Sentença  se estribou  numa  errónea  apreciação  da  matéria  de  facto  relevante  para,  a  nosso  ver,  a boa decisão da causa, tendo violado o disposto no artigo 45.º e 91.º LGT.
 
 TERMOS EM QUE, CONCEDENDO-SE PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO, DEVE A DOUTA SENTENÇA, ORA RECORRIDA, SER REVOGADA,
 ASSIM SE FAZENDO A C OSTUMADA JUSTIÇA!»
 
 
 	Nas contra-alegações apresentadas a Recorrida conclui:
 
 A.	«A Fazenda Pública insurge-se contra a sentença ora recorrida por entender, em primeiro lugar, que o pedido de revisão da matéria tributável suspendeu o prazo de caducidade do direito à liquidação (conclusões VIII. e IX.).
 B.	Sucede, porém, que na redação do artigo 46.º da LGT anterior à introduzida pela Lei n.º 64-B/2011, de 30/12, aplicável ao caso em apreço, o pedido de revisão da matéria tributável não suspendia o prazo de caducidade da liquidação (por todos, Ac. TCAS de 04.05.2023, P 1266/10.3BELRS).
 C.	Fazenda Pública insurge - se igualmente contra a sentença por entender, em segundo lugar, que a ação deduzida contra o ato de indeferimento liminar do pedido de revisão da matéria tributável se subsume à noção de “litígio judicial de cuja resolução dependa a liquidação do tributo”, pelo que através dela se suspendeu o prazo de caducidade do direito à liquidação de IVA de 2002 (conclusões III. e X.).
 D.	Sucede que no seio dessa ação se discutiu exclusivamente a regularidade do mandato de uma das advogadas subscritoras do pedido de revisão da matéria tributável e não, na aceção do douto Acórdão do STA de 07.04.2022, processo n.º 0449/19.5BEMDL, “a situação material subjacente à própria pretensão tributária substantiva.”
 E.	Sucede também que essa ação judicial não só não impedia a AT de proceder às liquidações adicionais consequentes à decisão de fixação da matéria tributável por métodos indiretos, como destes autos se constata que efetivamente não a impediu, dado que a AT as liquidou em 17/01/2006 (ponto 5. do probatório).
 F.	As liquidações adicionais não dependiam da resolução desse concreto pleito judicial, posto que a simples pendência de ação para apreciação da legalidade do despacho de indeferimento liminar do pedido de revisão da matéria tributável não comporta efeitos suspensivos ou paralisantes sobre a decisão de fixação da matéria coletável por métodos indiretos.
 G.	Sendo o pedido de revisão da matéria tributável objeto de indeferimento liminar, a decisão de fixação da matéria coletável por métodos indiretos produz de imediato todos os seus efeitos, definindo a situação tributária e determinando as consequentes liquidações de imposto, como sucedeu no caso destes autos.
 H.	Sendo o pedido de revisão da matéria tributável objeto de indeferimento liminar, nada impede, pois, a liquidação do tributo por métodos indiretos, posto que não há que aguardar pelo acordo a que alude o n.º 3 do artigo 92.º da LGT, ou pela decisão a que alude o respetivo n.º 6 : justamente os desfechos possíveis do procedimento administrativo previsto no artigo 92.º da LGT que justificam o efeito suspensivo da liquidação do tributo previsto no n.º 2 do artigo 91.º do mesmo diploma até que um deles se verifique.
 I.	A FP insurge - se finalmente contra a douta sentença recorrida por entender, em último lugar, que as a liquidações de IVA 2002, emitidas em pleno ano de 2013, constituem o corolário do dever de reconstituição da situação atual hipotética do julgado na ação administrativa n.º 908/06.0BELSB , beneficiando por isso da renovação do prazo de caducidade que faltava completar à data do indeferimento liminar do pedido de revisão da matéria coletável fixada por métodos indiretos.
 J.	Trata - se de defesa nova, que não foi apreciada pelo douto tribunal recorrido – nunca foi suscitada pela Fazenda Pública em momento anterior ao do presente recurso – , sendo por isso insuscetível de ser conhecida, pela primeira vez, em sede de recurso.
 K.	Ainda assim, apelemos ao julgado no processo n.º 190/14.5BELRS, e em especial às passagens do douto aresto do STA de 10/11/2021 nele proferido que, a respeito de IRC 2001 emergente da mesma decisão de fixação da matéria coletável por métodos indiretos em c ausa nos presentes autos, esclareceu que “a liquidação dos autos não teve por objetivo a execução de decisão de anulação de liquidação anterior: teve em vista a decisão de fixação da matéria tributável por métodos indiretos e executou o poder primário de tributação que deriva dessa decisão.”
 L.	Mais esclareceu que “a decisão da ação administrativa especial n.º 908/06.0BELSB, para ser executada, não necessitava da elaboração de nenhuma liquidação corretiva, visto que do que se tratava ali não era de refazer a liquidação anulada, mas de praticar certos atos no procedimento de revisão da matéria tributável, qualquer que fosse o sentido da decisão que ali fosse proferida e dessem ou não lugar a uma liquidação subsequente.”
 M.	Concluindo, de modo inteiramente transponível para o caso dos presentes autos, que “se, na sequência da anulação da decisão do indeferimento liminar do pedido de revisão vier a ser proferido despacho de fixação da matéria tributável por métodos indiretos, a liquidação adicional que lhe suceda deve ser efetuada no prazo de caducidade da liquidação anteriormente anulada.”
 N.	Não pode assim proceder o entendimento da recorrida arvorado na tese de que o prazo de caducidade do direito à liquidação como que se repristinaria por efeito do dever de reconstituição da situação atual hipotética decorrente do julgado na ação administrativa especial n.º 908/06.0BELSB.
 O.	De resto, a proceder esse entendimento, constatar-se-ia que a ilegalidade cometida pela administração, e declarada no seio da ação administrativa especial n.º 908/06.0BELSB, teria conferido à mesma administração um prazo de caducidade muito mais alargado do que aquele que seria aplicável caso a ilegalidade não tivesse sido cometida.
 P.	Esse alargamento traduz um benefício ao infrator e um incentivo à infração que a unidade do nosso sistema jurídico não tolera.
 Q.	Não merece, pois, qualquer censura a sentença ora recorrida, que, solidamente ancorada no Direito e em sintonia com o julgado pelo STA no processo n.º 190/14.5BELRS, concluiu que a notificação das liquidações exequendas, em 2013, ocorreu muito depois de corrido o prazo de caducidade que correu ininterruptamente e cujo términus ocorreu em 31.12.2006.
 
 Termos em que, com o douto suprimento de V. Exas, deve ser negado provimento ao recurso interposto pela Fazenda Pública e confirmada a douta sentença recorrida, com as consequências legais inerentes, como é de justiça!»
 
 	O recurso foi admitido com subida imediata nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.
 Os autos foram com vista ao Ministério Público, que emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
 
 Colhidos os vistos legais e nada mais obstando, vêm os autos à conferência para decisão.
 
 
 II – Fundamentação
 
 Cumpre, pois, apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, as quais são delimitadas pelas conclusões das respetivas alegações, que fixam o objeto do recurso.
 
 Assim, na falta de especificação no requerimento de interposição do recurso, nos termos do artigo 635/3 do Código de Processo Civil, deve-se entender que este abrange tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao Recorrente. O objeto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (artigo 635/4 CPC). Assim, todas as questões de mérito que tenham sido objeto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do recorrente, mostrando-se objetiva e materialmente excluídas dessas conclusões e devem considerar-se definitivamente decididas e, consequentemente, delas não pode conhecer o Tribunal de recurso.
 
 Atento o exposto, e tendo presentes as conclusões de recurso apresentadas, importa decidir se a sentença padece de erro de julgamento, por errónea aplicação do regime de caducidade previsto no artigo 45º da LGT.
 
 
 II.1- Dos Factos
 
 O Tribunal recorrido considerou como provada a seguinte factualidade:
 1.	«Oponente foi sujeita a procedimento inspetivo levado a cabo pela inspeção tributária da Direção de Finanças de Lisboa a coberto das Ordens de Serviço n.°s 01200504109 e 01200504110, emitidas na sequência de uma Informação da Direção de Finanças de Faro, incidente sobre IVA e IRC dos exercícios de 2001 e 2002, na qual foram fixadas correções à matéria coletável por métodos indiretos - cf. relatório inspeção tributária a fls. 213 a 222 do processo físico;2.	O procedimento inspetivo identificado no ponto antecedente decorreu entre 06.09.2004 e 28.11.2005 — doc. 5 junto com a p.i. a fls. 102 a 129 do processo físico e facto não controvertido;
 3.	Em 28.12.2005 a Oponente apresentou pedido de revisão da matéria coletável junto da Direção de Finanças de Lisboa — doc. 6 junto com a p.i. a fls. 130 do processo físico;
 4.	Em 29.12.2005 foi proferido despacho pelo Diretor Adjunto da Direção de Finanças de Lisboa de indeferimento liminar do pedido de revisão da matéria coletável por falta de mandato de uma das advogadas subscritoras do pedido — (acordo);
 5.	Na sequência das correções efetuadas no âmbito do procedimento inspetivo identificado no ponto 1, foram emitidas em 17.01.2006, em nome e dirigidas à Oponente, liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios para o ano de 2001 (liquidações n.°s 06008539 a 06008562) e para o ano 2002 (liquidações n.°s 06008563 a 06008586) — doc.7 junto com a p.i. a fls 144 a 167 do processo físico e doc. 8 junto com a p.i. a fls. 168 a 191 do processo físico;
 6.	Em 31.01.2006 tomou a Oponente conhecimento das liquidações identificadas no ponto antecedente (acordo);
 7.	Em 06.02.2006 interpôs recurso hierárquico contra a decisão identificada no ponto 4 — (acordo);
 8.	Em 05.04.2006 apresentou ação administrativa especial contra o indeferimento tácito do recurso hierárquico identificado no ponto 7, que correu termos no Tribunal Tributário de Lisboa sob o n.° 908/06.0BELSB — fls. 655 a 665 da numeração SITAF;
 9.	Em 31.05.2006 a Opoente apresentou reclamações graciosas contra as liquidações identificadas no ponto 5, que assumiram o n.° 3107200604000935 (2001) e 3107200604000927 (2002) — doc. 9 e 10 a fls. 441 a 463 da numeração SITAF;
 10.	Em 06.06.2006 foi instaurado o PEF 3107200601076493 pelo Serviço de Finanças de Lisboa - 8 para cobrança da dívida referente às liquidações identificadas no ponto 5 — Cfr. Sentença da Oposição à execução fiscal n.° 2448/06.8BELSB a fls. 675 a 680 da numeração SITAF;
 11.	Em 09.08.2006 apresentou oposição ao PEF n.° 3107200601076493 que correu termos no Tribunal Tributário de Lisboa sob o n.° 2448/06.8BELSB - a fls. 675 a 680 da numeração SITAF;
 12.	Em 28.11.2007 foi lavrada informação no âmbito da reclamação graciosa n.° 3107200604000935 de onde se extrata o seguinte:
 "Atendendo a que a notificação de todas as liquidações contestadas, imposto e juros compensatórios, ocorreu em 31/01/2006 e que já as liquidações tinham ocorrido em 07/01/2006, tem-se que as liquidações reclamadas de IVA e juros compensatórios associados, respeitantes aos períodos de tributação de 0101 a 0110, foram concretizadas em momento posterior ao permitido no art.° 45.° da LGT e como tal feridas de ilegalidade, sendo em consequência de anular. As liquidações de 0111 e 0112, mostram-se concretizadas em prazo, e por tal são de manter.
 (...)
 Assim sendo, constata-se que a situação tributária do contribuinte carece de correção, pelo que se propõe que a presente reclamação graciosa seja PARCIALMENTE DEFERIDA, com a consequente anulação da(s) liquidação(ões) subjacente(s), de acordo com o proposto, notificando-se o reclamante desta decisão final." — Cf. doc. 12 junto com a p.i. a fls. 195 a 199 do processo físico;
 13.	 Em 29.11.2007 foi proferido despacho pelo Diretor de Finanças Adjunto da Direção de Finanças de Lisboa sobre a informação antecedente com o seguinte teor:
 Concordo, pelo que com os fundamentos constantes da presente informação e respetivo parecer, DEFIRO PARCIALMENTE o pedido do reclamante nos termos em que vem proposto" — Cf. doc. 12 junto com a p.i. a fls. 195 a 199 do processo físico;
 14.	Em 29.11.2007 foi indeferida a reclamação graciosa n.° 31072006040000927 apresentada contra as liquidações de IVA e juros compensatórios referentes ao ano de 2002 — doc. 18 a fls. 529 a 532 da numeração SITAF;
 15.	Em 19.11.2007 foi proferida sentença pelo Tribunal Tributário de Lisboa no processo de oposição n.° 2448/06.8BELSB no qual se extrata:
 "Por tudo quanto vem de ser exposto, julgo os presentes autos de oposição deduzidos por F… LIMITED parcialmente provados e procedentes e, em consequência absolvo-o do pedido executivo quanto às liquidações de IVA e juros do ano de 2001, e julgo improcedente a oposição quanto ao IVA e juros de 2002, que a oponente terá de pagar." — Cf. doc. 15 junto com a p.i. a fls. 220 a 226 do processo físico;
 16.	Em 27.12.2007 deduziu impugnação contra as liquidações n.°s 06008559 a 06008562, relativas aos meses de novembro e dezembro de 2001, a qual correu termos no Tribunal Tributário de Lisboa sob o n° 1081/07.1BELRS — doc. 14 a fls. 488 a 503 da numeração SITAF;
 17.	Em 27.12.2007 deduziu impugnação contra as liquidações n.°s 06008563 a 06008586, relativas ao ano de 2002, a qual correu termos no Tribunal Tributário de Lisboa sob o n° 1082/07.0BELRS — doc. 18 a fls. 505 a 527 da numeração SITAF;
 18.	Em 19.02.2008 a AT anulou as liquidações n.°s 06008539 a 06008558 referentes aos períodos de janeiro a outubro de 2001 — doc. 13 junto com a p.i. a fls. 200 a 219 do processo físico;
 19.	A sentença referida no ponto 15 transitou em julgado em 13.10.2008 — cf. doc. de fls. 386 do processo físico;
 20.	Em 18.12.2008 a AT procedeu à anulação das liquidações n.°s 06008559 a 06008562 (de novembro e dezembro de 2001) - doc. 17 junto com a p.i. a fls. 228 a 231 do processo físico;
 21.	Em 07.03.2013 foi proferida sentença no âmbito do processo n° 908/06.0BELSB onde se decidiu o seguinte:
 "Em face do exposto, considero procedente a Ação e, em consequência:
 - anula-se o despacho de indeferimento liminar do pedido de revisão, por ilegal, bem como os subsequentes actos praticados que dele dependem e;
 - condena-se a Direção Distrital de Finanças de Lisboa a notificar a Autora e as advogadas M… e C…, para que, no prazo que lhes for fixado, não inferior a 10 dias, a Autora e a Advogada C… procedam à ratificação do processado (isto é, do pedido de revisão)."— Cf. doc. 19 junto com a p.i. a fls. 232 a 242 do processo físico;
 22.	Em 19.06.2013 foi emitido pela Direção de Finanças de Lisboa o documento com a referência 042412 endereçado à oponente com o assunto "pedido de revisão — IRC e IVA 2001 e 2002", com o seguinte teor:
 "Para cumprimento da sentença proferida em 07.03.2013 no Tribunal Tributário de Lisboa — 4a Unidade Orgânica, fica V. Exa notificado para no prazo de 10 dias, contados da data da assinatura do aviso de receção, indicar se ratifica a petição apresentada nos termos do art.° 91.° da Lei Geral Tributária, em 28.12.2005, assinada pela Dra M…." — doc. 20 junto com a p.i. a fls. 243 do processo físico;
 23.	Em 28.06.2013 a oponente ratificou o pedido de revisão da matéria coletável apresentado em 28.12.2005 — doc. 21 junto com a p.i. a fls. 245 e 246 do processo físico;
 24.	Em 22.07.2013 e 25.07.2013 reuniu a comissão de revisão não tendo havido acordo — Cf. atas 30/2013 e 31/2013 juntas como doc. 22 a fls. 247 a 265 do processo físico;
 25.	Em 30.07.2013 foi determinada a fixação da matéria coletável em IVA e IRC para os anos de 2001 e 2002 - doc. 22 a fls. 266 a 278 do processo físico;
 26.	Na sequência da revisão da matéria coletável identificada no ponto antecedente, em 09.08.2013 foram emitidas em nome e dirigidas à oponente, as liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios referentes aos meses de novembro e dezembro de 2001 identificadas com os n.°s 13028792M, 13028806M, 13028793M e 13028807M, bem como as liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios referentes a janeiro a dezembro de 2002, a seguir identificadas:
 
 
  – cf. doc. 3 e 4 junto com a p.i. a fls. 72 a 101 do processo físico;
 
 27.	Em 09.08.2013 foram anuladas as liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios n.°s 06008563 a 06008586, referentes ao ano de 2002, identificadas no ponto 5, dando-se por anulado o processo de execução fiscal n° 3107200601076493 identificado no ponto 10 - cf. doc. 23 junto com a p.i. a fls. 279 a 302 do processo físico;
 28.	Em 12.08.2013, a Oponente acedeu à caixa postal eletrónica e procedeu à leitura das liquidações descritas no ponto 26 (cf. relatório de acesso a documentos juntos à p.i. a fls. 76);
 29.	Em 19.11.2013 foi decretada a inutilidade superveniente da lide no processo de impugnação n.° 1082/07.0BELRS, por terem sido anuladas as liquidações impugnadas.
 30.	Em 26.11.2013 foi instaurado pelo Serviço de Lisboa — 8 o PEF n.° 3107201301206451 para cobrança das dividas de IVA e juros compensatórios dos meses de novembro e dezembro de 2001 e meses de janeiro a dezembro de 2002, no montante total de € 352.221,35 referentes às liquidações identificadas no ponto 26 — fls. 1 a 57 do PA anexo ao processo físico;
 31.	Em 10.12.2013 apresentou a Opoente reclamação graciosa contra as liquidações de IVA de 2001 (novembro e dezembro) identificadas no ponto 26, que assumiu o n.° 3107201304007077 - cf. fls. 630 a 636 da numeração SITAF;
 32.	Em 09.01.2014 foi a Oponente citada para o processo de execução fiscal n.° 3107201301203754 — fls. 58 a 61 do PA anexo ao processo físico e admitido por acordo;
 33.	A presente Oposição deu entrada junto do serviço de finanças em 07.02.2014 e foi remetida a este Tribunal em 19.02.2014 (cf. fls. 2 e 4 do processo físico).
 34.	No âmbito da reclamação graciosa n.° 3107201304007077 foi proferida informação em 11.12.2017 da qual se extrata o seguinte:
 "5 - Dado que, conforme exposto acima nos pontos 2 e 3, a reclamante não poderia ter sido notificada das primeiras liquidações adicionais de IVA dos períodos 2001/11 e 2001/12 e dos respetivos juros compensatórios (emitidas em 07.01.2006) em data anterior à da emissão das mesmas e esta só ocorreu em data posterior àquela em que caducou o direito à liquidação do imposto (em 31.12.2005), tendo essa caducidade sido verificada e reconhecida por sentença judicial, propõe-se o deferimento do pedido, anulando-se as liquidações objeto de reclamação, identificadas no início." - cf. fls. 630 a 636 da numeração SITAF;
 35.	Em 21.12.2017 foi proferido despacho pela Chefe de Divisão da Divisão da Justiça Tributária da Direção de Finanças de Lisboa, sobre a informação antecedente com o seguinte teor:
 "Concordo, pelo que, de acordo com a informação prestada infra, com o parecer que antecede e com os demais elementos integrantes dos autos, defiro o pedido da reclamante nos termos e com os fundamentos propostos na informação prestada." — cfr. fls. 630 da numeração SITAF;
 
 
 Quanto a factos não provados, na sentença exarou-se o seguinte:
 «Não resultam provados quaisquer outros factos, com relevância para a decisão da causa, tendo em conta as várias soluções de direito plausíveis.»
 E quanto à Motivação da Decisão de Facto, consignou-se:
 «A decisão da matéria de facto provada, consoante ao que acima ficou exposto, efetuou-se com base nos documentos , designadamente o relatório de inspeção e os respetivos anexos, cópias dos processos judiciais e do procedimento de revisão, e informações constantes do processo, referidos em cada uma das alíneas do elenco dos factos provados, os quais não foram impugnados e que, dada a sua natureza e qualidade, mereceram a credibilidade do tribunal.»
 
 II.2 Do Direito
 A Opoente e ora Recorrida, deduziu oposição à execução fiscal instaurada por dívidas de IVA dos anos de 2001 e 2002, com fundamento em caducidade do direito à liquidação, por ter sido notificado para além do prazo de caducidade.
 Notificado da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente a oposição por si deduzida, veio a Autoridade Tributária e Aduaneira dela interpor o presente recurso jurisdicional, restrito ao segmento que julgou procedente a oposição para cobrança coerciva de dívidas de IVA, dos períodos de janeiro a dezembro de 2002.
 
 Nas conclusões das alegações de recurso, em suma, a ora Recorrente imputa à sentença, erro de julgamento por errónea aplicação do regime de caducidade previsto no artigo 45º da LGT.
 
 Nas contra-alegações a ora Recorrida pugna pela manutenção do julgado.
 
 Não vem impugnada a matéria de facto fixada na sentença que se considera assim estabilizada.
 
 Como vimos supra, estava, pois, em causa nos presentes autos, saber se a liquidação foi validamente notificada à Opoente e ora Recorrida em prazo e a decisão recorrida deu-lhe razão.
 
 A sentença recorrida considerou, e bem, que estando em causa dívidas de IVA do ano de 2002, ao abrigo do disposto no artigo 88º do CIVA na redação dada pelo nº 1 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 472/99, de 8 de novembro, o imposto só poderia ser liquidado nos prazos e nos termos previstos nos artigos 45º e 46º da Lei Geral Tributária (LGT).
 
 Sobre a aplicação do prazo de caducidade de 4 anos previsto no nº 1 do artigo 45º da LGT e que este prazo começou a correr em 1 de janeiro de 2003, não é, aliás, objeto de controvérsia.
 
 Com efeito, nos termos do artigo 45º da LGT, o direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, contados a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou respetivamente, a exigibilidade do imposto ou o facto tributário.
 
 Sobre a suspensão do prazo de caducidade dizia artigo 46º da LGT:
 1 - O prazo de caducidade suspende-se com a notificação ao contribuinte, nos termos legais, da ordem de serviço ou despacho no início da acção de inspecção externa, cessando, no entanto, esse efeito, contando-se o prazo desde o seu início, caso a duração da inspecção externa tenha ultrapassado o prazo de seis meses após a notificação.
 2 - O prazo de caducidade suspende-se ainda:
 a) Em caso de litígio judicial de cuja resolução dependa a liquidação do tributo, desde o seu início até ao trânsito em julgado da decisão;
 b) Em caso de benefícios fiscais de natureza contratual, desde o início até à resolução do contrato ou durante o decurso do prazo dos benefícios;
 c) Em caso de benefícios fiscais de natureza condicionada, desde a apresentação da declaração até ao termo do prazo legal do cumprimento da condição;
 d) Em caso de o direito à liquidação resultar de reclamação ou impugnação, a partir da sua apresentação até à decisão.
 3 -Em caso de aplicação de sanções da perda de benefícios fiscais de qualquer natureza, o prazo de caducidade suspende-se desde o início do respectivo procedimento criminal, fiscal ou contra-ordenacional até ao trânsito em julgado da decisão final.
 
 
 Vejamos, então:
 
 Alega a ora Recorrente que a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento porquanto não atendeu a que a Opoente e ora Recorrida formulou pedido de revisão da matéria coletável antes de se completar o prazo de caducidade do direito à liquidação e que esse pedido suspendeu a contagem do prazo.
 
 Nos termos do nº 2 do artigo 91º da LGT: «[o] pedido de revisão da matéria tributável tem efeito suspensivo da liquidação do tributo.»
 
 Temos assim que o pedido de revisão da matéria coletável tem efeito suspensivo da liquidação, mas contrariamente ao alegado, não constava do elenco das causas de suspensão do prazo de caducidade do direito à liquidação.
 
 Só com a alteração introduzida pela Lei nº 64-B/2011, de 30 de dezembro, que aditou a alínea e) do nº 2 do artigo 46º da LGT, é que o pedido de revisão passou a determinar a suspensão do prazo de caducidade.
 
 Alega, ainda, a ora Recorrente que a liquidação em causa foi emitida na sequência da decisão do pedido de revisão da matéria coletável e é fruto do dever de reconstituir a situação que existiria se não se tivesse incorrido na ilegalidade e a reposição da situação em que se encontraria, não fosse a prática do ato anulado, citando abundante jurisprudência no sentido propugnado.
 
 Mas sem razão, como veremos.
 
 Na solução a dar ao caso chamamos à colação o decidido no Acórdão STA de 2021.11.10, no processo nº 0190/14.5BELRS (disponível em www.dgsi.pt), invocado pela Recorrida nas contra-alegações e em que as partes são as mesmas, mas em que em causa estava a liquidação adicional de IRC com origem na mesma ação de inspeção à qual a contribuinte foi submetida, acórdão do qual, com a devida vénia transcrevemos:
 
 «(…)
 [o] regime da caducidade do direito à liquidação (que é, ele próprio uma garantia do contribuinte contra o poder de determinação administrativa do montante do imposto) não pode colidir com a garantia de acesso aos meios de impugnação administrativa e à execução das decisões que ali sejam proferidas em sentido favorável aos administrados – cfr. artigo 100.º da Lei Geral Tributária.
 Assim, o prazo de caducidade do direito a liquidar não pode contender com o direito do contribuinte à correção das ilegalidades de liquidação anterior.
 É por isso que se entende que o prazo de caducidade do direito à liquidação não obsta a emissão de uma liquidação que derive de decisão de deferimento de reclamação graciosa ou do pedido de revisão de ato de liquidação anterior.
 É que, nestes casos, não está sequer em causa o poder de liquidar administrativamente o imposto devido, mas o dever de reconstituir a situação que existiria se não se tivesse incorrido na ilegalidade.
 Só que a situação dos autos não tem nada a ver com aquela que é considerada nessa jurisprudência.
 Em primeiro lugar, porque a liquidação dos autos não derivou de nenhum procedimento administrativo de segundo grau. Derivou da decisão de um procedimento administrativo que opera numa fase do próprio procedimento de liquidação e precede a liquidação propriamente dita: o procedimento de revisão da matéria tributável por métodos indiretos.
 Em segundo lugar, porque a liquidação dos autos não teve por objetivo a execução de decisão de anulação de liquidação anterior: teve em vista a decisão de fixação da matéria tributável por métodos indiretos e executou o poder primário de tributação que deriva dessa decisão.
 Em terceiro lugar, porque a liquidação dos autos não é favorável ao sujeito passivo: é uma liquidação adicional de conteúdo equivalente a liquidação anteriormente anulada. Não destrói (total ou parcialmente) os efeitos de ato anterior: renova-os. E é, nesse sentido, um ato inovador.
 Diz a Recorrente, a este propósito, que a liquidação em apreço [a que alude a alínea “R)” dos factos provados] «já se encontrava estabelecida na ordem jurídica» por liquidação anterior [a que alude a alínea “F)” dos factos provados].
 Não é assim, claro. Como deriva da alínea “L)” dos factos provados, a referida liquidação [e aquela que a substituiu – ver a alínea “J)”] tinha sido removida da ordem jurídica pela decisão da ação administrativa especial n.º 908/06.0BELSB, que anulou o despacho de indeferimento liminar do pedido de revisão da matéria tributável e os subsequentes aos que dele dependem [ver a alínea “M)”].
 Sendo que, ao contrário do que alega e conclui a Recorrente, a anulação do despacho de indeferimento liminar do pedido de revisão da matéria tributável implica a anulação das liquidações que lhe sucederam, já que o pedido de revisão suspende o procedimento de liquidação – artigo 91.º, n.º 2, da Lei Geral Tributária.
 Ora, a decisão da ação administrativa especial n.º 908/06.0BELSB, para ser executada, não necessitava da elaboração de nenhuma liquidação corretiva, visto que do que se tratava ali não era de refazer a liquidação anulada, mas de praticar certos atos no procedimento de revisão da matéria tributável, qualquer que fosse o sentido da decisão que ali fosse proferida e dessem ou não lugar a uma liquidação subsequente.
 Pelo que a decisão recorrida não padece do vício que lhe é imputado e deve ser confirmada.
 (…)»
 
 
 Como resulta cristalino da jurisprudência citada, também nos presentes autos a liquidação em causa não resulta do dever de reconstituir a situação que existiria se não se tivesse incorrido na ilegalidade.
 
 Com efeito, e tal como decidido naquele Acórdão, naquela ação estava em causa a anulação do despacho de indeferimento liminar do pedido de revisão da matéria tributável e a consequente anulação das liquidações de IVA emitidas, porquanto o pedido de revisão formulado, nos termos do artigo 91/2 da LGT, suspende o procedimento de liquidação.
 
 E, a decisão da ação administrativa especial n.º 908/06.0BELSB, impunha sim a prática de atos no procedimento de revisão da matéria coletável.
 
 Termos em que, sem necessidade de mais fundamentar, improcedem as alegações de recurso nesta parte.
 
 Prosseguindo:
 
 Recapitulemos dos factos assentes, com interesse para a decisão:
 
 - A Opoente e ora Recorrida foi sujeita a procedimento inspetivo incidente sobre IVA e IRC, dos exercícios de 2001 e 2002, na sequência da qual foram fixadas correções à matéria coletável por métodos indiretos;
 - Este procedimento inspetivo decorreu entre 06.09.2004 e 28.11.2005;
 - Em 28.12.2005 a Oponente apresentou pedido de revisão da matéria coletável;
 - Em 29.12.2005 o pedido de revisão da matéria coletável foi liminarmente indeferido;
 - Em 17.01.2006, foram emitidas as liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios respeitantes ao ano 2002 (liquidações n.ºs 06008563 a 06008586);
 - Em 06.02.2006 interpôs recurso hierárquico contra o despacho que indeferiu liminarmente o pedido de revisão.
 - Em 05.04.2006 a opoente e ora Recorrente apresentou ação administrativa especial contra o indeferimento tácito do recurso hierárquico que correu termos no Tribunal Tributário de Lisboa sob o n.º 908/06.0BELSB;
 - Em 07.03.2013 foi proferida sentença no âmbito do processo nº 908/06.0BELSB onde se decidiu anular o despacho de indeferimento liminar do pedido de revisão e condenar a ora Recorrente a notificar a Opoente e ora Recorrida a ratificar o processado;
 - Em 22.07.2013 e 25.07.2013 reuniu a comissão de revisão não tendo havido acordo;
 -  Em 30.07.2013 foi determinada a fixação da matéria coletável em IVA e IRC para os anos de 2001 e 2002;
 - E em 09.08.2013 foram emitidas as liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios referentes aos meses de janeiro a dezembro de 2002;
 - Em 12.08.2013, a Oponente acedeu à caixa postal eletrónica e procedeu à leitura das liquidações;
 -  Em 26.11.2013 foi instaurado pelo Serviço de Lisboa – 8 o PEF n.º 3107201301206451 para cobrança das dividas de IVA e juros compensatórios dos meses de novembro e dezembro de 2001 e meses de janeiro a dezembro de 2002.
 
 Como reconhece a ora Recorrente e não é controvertido, quando em 29 de dezembro de 2005, deu entrada o pedido de revisão da matéria coletável faltavam 4 dias para se completar o prazo de caducidade.
 
 A decisão do procedimento de revisão foi proferida em 30 de julho de 2013 e a liquidação do tributo emitida em 9 de agosto de 2013 e a ora Recorrida acedeu à caixa postal eletrónica em 12 de agosto do mesmo ano.
 
 Como decidido no citado Acórdão, decisão com a qual concordamos: [s]e, na sequência da anulação da decisão do indeferimento liminar do pedido de revisão vier a ser proferido despacho de fixação da matéria tributável por métodos indiretos, a liquidação adicional que lhe suceda deve ser efetuada no prazo de caducidade da liquidação anteriormente anulada
 
 Assim sendo e mesmo que seguíssemos a tese propugnada pela Fazenda Publica quanto ao efeito suspensivo do pedido de revisão, feitas as contas, quando a liquidação foi notificada à contribuinte, já o prazo de caducidade do direito à liquidação se tinha completado, pelo que sempre o presente recurso estava condenado ao insucesso.
 
 Estando assim demonstrada a falta de notificação da liquidação dos tributos no prazo de caducidade, subsumível ao fundamento de oposição a que se refere a alínea e) do nº 1 do artigo 204º do CPPT, nada há a censurar à decisão.
 
 Em face do exposto, será de negar provimento ao recurso.
 
 
 Sumário/Conclusões:
 
 I - O ato de liquidação que seja praticado antes de estar definitivamente decidido o pedido de revisão da matéria coletável fixada por métodos indiretos é ilegal – artigo 91.º, n.º 2, da Lei Geral Tributária;
 II - Pelo que a anulação da decisão de indeferimento liminar do pedido de revisão da matéria tributável por métodos indiretos implica a anulação da liquidação subsequente;
 III - Se, na sequência da anulação da decisão do indeferimento liminar do pedido de revisão vier a ser proferido despacho de fixação da matéria tributável por métodos indiretos, a liquidação adicional que lhe suceda deve ser efetuada no prazo de caducidade da liquidação anteriormente anulada.
 
 
 III – Decisão
 
 Termos em que, face ao exposto, acordam em conferência os juízes da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida.
 
 Custas pela Recorrente que decaiu.
 
 Lisboa, 16 de outubro de 2025
 
 
 Susana Barreto
 Isabel Vaz Fernandes
 
 Luísa Soares
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