Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:14886/25.2BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:07/15/2025
Relator:MARIA TERESA CAIADO FERNANDES CORREIA
Descritores:ART.º 6.º N.º 5 E N.º 6 DO DL N.º 57/2016, DE 29 DE AGOSTO NA REDAÇÃO INTRODUZIDA PELA LEI N.º 57/2017, DE 19 DE JULHO
Sumário:1. O tribunal a quo, expressamente, deu a conhecer, não só a obrigatoriedade de abertura de procedimentos concursais para a contratação de doutorados nas instituições públicas, ou dotadas de financiamento público, em que os bolseiros de pós-doutoramento exerçam funções há mais de três anos, seguidos ou interpolados; como ainda, e sobretudo, que a lei foi ainda, tempestivamente, aplicada ao caso concreto, posto que a entidade recorrida abriu concurso documental internacional na área disciplinar da apelante, ao qual esta se candidatou, foi admitida e foi graduada em 4º lugar: cfr. art.º 6.º n.º 5 e n.º 6 do DL n.º 57/2016, de 29 de agosto na redação introduzida pela Lei n.º 57/2017, de 19 de julho;

2.A matéria que a apelante pretende ver assente na presente sede recursiva não se mostra invocada nos articulados e, em consequência, não foi abordada e decidida na decisão recorrida, constitui, assim, uma questão nova que não foi - como não tinha de ser -, apreciada pelo tribunal a quo e que, por isso, não pode ser agora conhecida por este Tribunal de recurso: cfr. art. 627º n.º 1, art. 635º n.º 2 e 3, art. 639º n.º 1 todos do CPC ex vi art. 140º n.º 3 do CPTA.

Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção Administrativa Social
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:EM NOME DO POVO acordam os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul – Subsecção Social:
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I. RELATÓRIO:
ANA ……………………….., com os demais sinais dos autos, intentou no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa – TAC de Lisboa, contra a Universidade de Lisboa - FACULDADE DE LETRAS DA UNIVERSIDADE DE LISBOA – UL/FLUL, ação de Intimação para Proteção de Direitos, Liberdades e Garantias, pedindo a procedência da ação e a consequente condenação da “… Ré a realizar todos os procedimentos adequados, (…) que se consubstanciam na abertura de procedimento concursal para ocupação de um posto de trabalho na carreira de investigação científica, de acordo com as funções desempenhadas pela A…”.
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O TAC de Lisboa, por decisão datada de 2025-04-24, julgou a ação totalmente improcedente e, em consequência, absolveu a entidade demandada dos pedidos formulados: cfr. fls. 130 a 140.
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Inconformada a A., ora recorrente, interpôs recurso de apelação para este Tribunal Central Administrativo do Sul -TCA Sul, no qual peticionou a revogação da decisão recorrida e a procedência da ação, apresentando as respetivas alegações e conclusões: cfr. 147 a 173.
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A entidade recorrida, apresentou contra-alegações, pugnando pela manutenção da decisão recorrida: cfr. fls. 180 a 191.
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O recurso foi admitido e ordenada a sua subida em 2025-06-16: cfr. fls. 193.
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O Digno Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal Central, de acordo com o disposto no art. 146º e art. 147º ambos do Código de Processo nos Tribunais Administrativos - CPTA, emitiu parecer, concluindo, em síntese, que: “… o presente recurso deverá improceder, devendo manter-se o julgado, por a decisão sob recurso não padecer de quaisquer vícios, nomeadamente os que lhe vêm imputados.”.: cfr. fls. 199 a 202.
E, de tal parecer, foram as partes notificadas.: cfr. fls. 203 e 204.
Respondeu tão somente a recorrente, sustentando em síntese útil, que “…o douto Parecer do Ministério Público faz errada interpretação e aplicação do n.º 5 do art. 6.º do DL n.º 57/2016”.: cfr. fls. 207 a 215.
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Com dispensa de vistos, atenta a sua natureza urgente (cfr. art. 36º nº 2 do CPTA), mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos Juízes Desembargadores Adjuntos, vem o processo à conferência para julgamento.
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II. OBJETO DO RECURSO:
Delimitadas as questões a conhecer pelo teor das alegações de recurso apresentadas pelo recorrente, e respetivas conclusões (cfr. art. 635°, n° 4 e art. 639°, n°1, nº. 2 e nº 3 todos do Código de Processo Civil – CPC ex vi artº 140° do CPTA), não sendo lícito ao Tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas - salvo as de conhecimento oficioso -, importa apreciar e decidir agora se a decisão sob recurso padece dos invocados erros de julgamento.
Vejamos:
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III. FUNDAMENTAÇÃO:
A – DE FACTO:
Remete-se para os termos da decisão da 1.ª instância que decidiu a matéria de facto: cfr. art. 663º n.º 6 do CPC ex vi art. 1.º, art. 7º-A e art. 140.º n.º 3 todos do CPTA.
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B – DE DIREITO:
DO ERRO DE JULGAMENTO DE DIREITO (v.g. art. 6.º n.º 5 do DL 57/2016, de 29 de agosto – tempus regit actum):
Principia a recorrente por concluir que: “… 2. Não teve em conta que, através da presente ação a Recorrente pretendia que a Recorrida procedesse à abertura do contrato que, na sua opinião, está obrigada a abrir e não qualquer renovação do contrato celebrado com esta entidade que, por imposição legal, não se podia renovar para além do sexto ano de vigência. Aliás o pedido formulado pela Recorrente é de condenação da Recorrida na abertura de procedimento concursal para a ocupação de um posto de trabalho na carreira de investigação científica, de acordo com as funções desempenhadas pela Recorrente, conforme decore do n°5 do art. 6.° do DL n° 57/2016.
3. A precariedade da Recorrente ao serviço da Recorrida remonta ao ano de 2013, há aproximadamente 12 anos (cfr. E) e F) da fundamentação de facto da douta sentença recorrida). Por isso, não entende que a violação do disposto no n° 5 do art. 6.° do DL n.°57/2016 não configure a violação de “… qualquer direito, liberdade ou garantia da A. ou outro de natureza análoga ...” conforme afirma a douta sentença recorrida. Nomeadamente de violação da liberdade de escolha de profissão e do direito de acesso à função pública, com consagração constitucional no art. 47° da nossa Lei Fundamental.
4. A fundamentação que a douta sentença recorrida apresenta, salvo melhor opinião, não se coaduna com o estipulado na Lei. A condenação da Recorrida na abertura de um concurso que devia ter ocorrido até 6 meses do final do contrato de trabalho celebrado com a Recorrente não é compatível com as finalidades da ação administrativa, que não permite suster os prejuízos decorrentes da falta de abertura do concurso, e não pode ser objeto de uma providência cautelar.
5. Quanto à urgência e à repercussão do decurso do tempo na ação de intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias, este tipo de ação não está subordinada a prazo, mas só deve ser usada se for o único meio que em tempo útil permita evitar a lesão do direito do autor. Para efeitos de aferição da necessidade da intimação, o autor deve demonstrar que a intimação é indispensável para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia, no sentido de não poder voltar a exercer o direito cuja efetividade está comprometida. O acórdão proferido pelo STA em 16/05/2019, processo n.°2762/17 e a doutrina ensinada por Rui Mesquita Guimarães em CJA n° 135, págs. 3 a 8, ambos supra citados, sustentam esta posição aqui apresentada pela Recorrente.
6. Como melhor descrito na petição inicial, ficou demonstrada a especial urgência na tomada de decisão judicial, mostrando-se provada a indispensabilidade do recurso a este meio processual de intimação para proteção do direito da Recorrente de acesso à função pública em condições de igualdade, consagrado no art. 47.° n.°2 da CRP, direito esse reforçado pelo Princípio da Igualdade, consagrado no art. 13.° da CRP.
7. Este entendimento foi vertido na sentença proferida no processo n.°14247/25.3BELSB, que corre termos no TAC de Lisboa, que condenou a aqui Recorrida por ter concluído que: “... a norma do supracitado n.°5 do art. 6.° do DL n.°57/2016, consagra uma obrigação vinculada da entidade empregadora pública, condicionada ao seu “interesse estratégico”, mas que não pode servir de justificação para neutralizar por completo a abertura do procedimento, quando estejam em causa funções de carácter permanente.(...) O cumprimento formal da abertura de concursos em áreas genéricas não equivale, necessariamente, ao cumprimento substancial da obrigação legal imposta pelo n.º 5 do art. 6.° do DL 57/2016. Tal interpretação desvirtuaria os objetivos da norma, comprometendo a proteção do direito de acesso à função pública e o princípio da segurança no emprego (art. 47.° e 53.° da CRP), além de abrir espaço à perpetuação da precariedade em violação da Diretiva 1999/70/CE. (...) entende este Tribunal, que a Entidade Demandada não deu integral cumprimento ao disposto no n.º 5 do art. 6.° do DL n.º 57/2016, de 29 de agosto, com a redação dada pela Lei n.º 57/2017, por não ter promovido, até seis meses antes do termo do contrato, a abertura de procedimento concursal adequado e dirigido à categoria da carreira de investigação científica compatível com as funções efetivamente desempenhadas pela A.”
8. Quanto ao “interesse estratégico”, a douta sentença recorrida faz uma errada interpretação deste conceito, plasmado no n.°5 do art. 6.° do DL n.°57/2016. Como abordado supra de forma mais alargada, este conceito aplica-se a todo o tipo de organização ou atividade humana. Através deles são definidos os objetivos e a necessidades de uma determinada organização. A investigação científica e o ensino superior, são interesses estratégicos porque, o primeiro sustenta o desenvolvimento económico e social; garante autonomia e soberania em setores-chave; projeta a influência de Portugal e das instituições de ensino superior no cenário global; e responde de forma qualificada aos grandes desafios do presente e do futuro que se colocam a Portugal e ao Mundo. Ao passo que o segundo fortalece a base científica, tecnológica, económica e social de Portugal, contribuindo de forma indispensável para o seu desenvolvimento sustentável, a sua soberania e a sua presença no palco Internacional.
9. Quanto à Recorrida, uma Universidade com elevado prestígio em Portugal e no Mundo, tem um Plano Estratégico para 2023/2027, consultável em https://www.ulisboa.pt/documento/plano-estrategico-2023-2027, que assenta em três pilares fundamentais: Ensino, Investigação e Inovação e valorização do conhecimento, cujo conteúdo se encontra supra transcrito. É ainda de acrescentar que na página 48 deste documento, nos objetivos elencados no âmbito dos recursos, é definido o combate “…à precariedade dos vínculos laborais de docentes, investigadores e trabalhadores técnicos e administrativos”.
10. Quanto à interpretação a dar à expressão “em função do seu interesse estratégico”, contida no n.º 5 do art. 6.° do DL 57/2016, o “Relatório da discussão e votação na especialidade, texto final da Comissão de Educação e Ciência e propostas de alteração apresentadas pelo PS, BE e PCP”, registado no Diário da Assembleia da República, de 1 de junho de 2017, II série B, n.º 48, págs. 7 e 8, consultável em https://debates.parlamento.pt/catalogo/r3/dar/s2b/13/02/048/2017-06-01/7?pgs=6-35&org=PLC&plcdf=true e supra transcrito na íntegra, é um bom contributo neste domínio interpretativo. De acordo com este relatório, ao introduzir esta norma o legislador teve como objetivo dar resposta ao problema criado com “... a separação entre investigação e docência, e que esta separação foi prejudicial ao conjunto do sistema do ensino superior e de ciência e tecnologia. Considera que é, portanto, necessário que haja uma melhor integração entre essas duas formas de participar no sistema de ensino superior e ciência, parecendo adequado ao seu Grupo Parlamentar o reforço da capacidade docente, uma vez que esta é vista como «primeira obrigação» das instituições, quando na verdade o reforço da capacidade docente vai a par com o reforço da capacidade de investigação, podendo estas funções ser trabalhadas lado a lado. A possibilidade que é dada na proposta de alteração do PS é necessária, pois permite ajudar as instituições a responderem à reorientação da sua forma de gestão. O Grupo Parlamentar do PS entende, assim, que uma melhor articulação entre a carreira de docente e a carreira de investigador é positiva para o sistema e para as pessoas que estão no sistema e por isso apelaram a esta abertura, reforçando que a ideia do diploma é a defesa do emprego científico digno e sustentável, tratando-se de um passo que pode ser dado, no sentido de ajudar as instituições a cumprir com o presente diploma ...”
11. Tendo em conta o conceito de interesse estratégico e as razões que levaram o legislador a criar a norma constante do n.º 5 do art. 6.° do DL n.º 57/2016, faz todo o sentido que esta norma seja interpretada do seguinte modo: Até seis meses antes do termo do prazo de seis anos do contrato de trabalho em funções públicas a termo resolutivo certo celebrado com um investigador, ao abrigo deste diploma legal, a instituição é obrigada a abrir procedimento concursal de acordo com as funções desempenhadas por este trabalhador. Em função do interesse estratégico da instituição o procedimento concursal pode ser aberto para categoria da carreira de investigação científica ou da carreira de docente do ensino superior.
12. Não podemos deixar de ter em conta que o contrato de trabalho a termo resolutivo certo foi celebrado para o exercício de atividades de investigação científica, de desenvolvimento tecnológico, de gestão e de comunicação de ciência e tecnologia em instituições do SCTN. A lei não obriga que o concurso seja aberto para a carreira de investigação científica, aquela a que correspondem as funções efetivamente prestada. Permite que a instituição, em função do seu interesse estratégico, possa optar entre a abertura de um concurso para esta carreira ou para a carreira docente…”.

Diversamente, a entidade recorrida, conclui que: “… 1- Com a apresentação do presente Recurso, pretende a Recorrente a “abertura de procedimento concursal para a ocupação de um posto de trabalho na carreira de investigação científica, de acordo com as funções desempenhadas pela Recorrente, conforme decorre do n.°5 do art. 6.° do DL n.°57/2016".
2- Ora, conforme se demonstrará, o douto Tribunal a quo, procedeu à correta aplicação do Direito ao caso em concreto -, em consonância, aliás, com outras decisões judiciais, sobre a mesma matéria -, pelo que se deverá manter a decisão recorrida, nos seus exatos termos.
Vejamos:
3- Determina o n.º 5 do art.° 6.° do DL n.º 57/2016, o seguinte: (…)
4- A este propósito e conforme resulta claro pela sentença proferida pelo Tribunal a quo, competirá às Instituições de Ensino Superior, de acordo com o seu interesse estratégico - conceito não sindicável contenciosamente -, abrir (ou não) procedimentos concursais ao abrigo do supra indicado preceito:
“Ora, como é bom de ver, não só não pode o Tribunal ingerir (determinando) naquilo que constitui o designado interesse estratégico da FLUL - cfr. art.° 6.°/5 do DL 57/2016 - (sublinhado e negrito nosso).
5- A este propósito vide decisão proferida pelo TAC de Lisboa, num outro processo: Processo n.º 15678/25.4BELSB: "Invoca a A. que o disposto no n.º 5 do art. 6.° do DL n.º 57/2016, de 29 de agosto, na redação dada pela Lei n.º 57/2017, de 19 de julho, impõe às instituições a obrigatoriedade de abertura de procedimento concursal correspondente às funções desenvolvidas pelo contratado doutorado.
Todavia, apreciado o teor daquele normativo, não pode o Tribunal concluir que dele resulte uma obrigatoriedade de abertura de procedimento concursal, pois que a norma em causa subordina a abertura do mesmo ao interesse estratégico da instituição, isto é, será em função dos objetivos visados pela instituição, conforme definidos no âmbito da respetiva autonomia pedagógica e científica, que cada instituição definirá a abertura ou não abertura de procedimento concursal.(…)"(sublinhado e negrito nosso).
6- Não obstante tal facto e conforme resulta dos factos dados como provados, no âmbito dos presentes autos, a aqui Recorrida: i) abriu procedimento concursal, no espaço temporal definido pelo n.º 5 do art.° 6.° do DL n.º 57/2016 (alínea I) dos factos dados como provados) e ii) ao qual a A. concorreu e foi admitida, mas no qual, não logrou, ficar provida no lugar posto a concurso (alínea J) dos factos dados como provados);
7- Na verdade e salvo o devido e merecido respeito que a Recorrente nos merece, o que a motiva - verdadeiramente -, na presente lide, é a sua insatisfação, perante o facto de não ter ficado provida no lugar posto a concurso, no âmbito do Concurso aberto pelo Edital n° 199/2021, de 15.02;
8- Mas, não podendo (ou não devendo), se socorrer de uma ação de intimação para a defesa de direitos, liberdades e garantias, para obter algo, que, por via de um concurso transparente (não impugnado contenciosamente), não conseguiu alcançar….
9- Os procedimentos a serem abertos pelo n.°5 do art° 6° do DL n° 57/2016, não consubstanciam procedimentos de regularização de vínculos;
10 - Tanto é que a Recorrente celebrou um contrato de trabalho a termo, insuscetível de conversão em contrato por tempo indeterminado (cláusula 1.ª, n.º 5 do Contrato - Junto ao PA), pelo que sabia e não podia ignorar, que com a verificação do seu termo, o contrato caducaria, sem que dele resultasse um direito potestativo, a ser provida, nos quadros da entidade recorrida…”.
APRECIANDO E DECIDINDO:

Ressalta do discurso fundamentador da decisão recorrida que: “ … O DL n.º 57/2016, de 29/08, veio aprovar um regime de contratação de doutorados, destinado a estimular o emprego científico e tecnológico em todas as áreas do conhecimento, estabelecendo a obrigatoriedade de abertura de procedimentos concursais para a contratação de doutorados nas instituições públicas, ou dotadas de financiamento público, em que os bolseiros de pós-doutoramento exerçam funções há mais de três anos, seguidos ou interpolados (cfr. preâmbulo).
O referido DL foi alterado pela Lei n.º57/2017, de 19/07, e para o que aqui releva, destaca-se o seguinte (...): Art. 6.º Modalidades de contratação (…) Art. 10.º Recrutamento.
Ora, resulta à saciedade do probatório que não assiste qualquer razão à A., porquanto a FLUL abriu um concurso documental para recrutamento na sua área disciplinar (Estudos Artísticos), publicitado pelo Edital n.º 199/2021, ao qual a A. foi oponente e no qual não logrou ficar classificada em 1.º lugar da lista de ordenação final (que não se sabe se impugnou, porquanto nada alegou na matéria), para ocupar a única vaga posta a concurso (cfr. als. I) e J) do probatório).
(…)
Assim sendo, não podia a A. ignorar que, não tendo sido provida na vaga posta ao concurso aberto por autorização do Reitor da UL e publicitado pelo Edital n.º 199/2021 (concurso internacional, cfr. exigido pelo art.º 10.º do DL n.º 57/2016), na pendência do seu contrato e antes de seis meses do seu terminus (em 30/04/2025), e não podendo o seu contrato a termo resolutivo certo exceder os 6 anos consecutivos, nem converter-se em contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado (sem ser precedido do competente procedimento concursal, reitera-se), o contrato em questão iria caducar em 30/Abril p.p., como lhe foi atempadamente comunicado, em Jan./2025 (cfr. al. K) do probatório), e tudo isto nos termos legais considerados.
(…)
É certo que a FLUL abriu o concurso documental internacional na área disciplinar da A. em 2021, ou seja, muito antes do prazo de seis meses antes do termo do prazo de seis anos, previsto no art.º 6.º/5 do DL n.º 57/2016, na redação dada pela Lei n.º 57/2017, mas que lhe é permitido (a todo o tempo - cfr. também o n.º 6 do referido art.º 6.º) e ali não fez menção expressa de que visava dar cumprimento ao disposto no art. 6.º, n.º 5, do DL n.º 57/2016, de 29 de agosto, na redação que lhe foi conferida pela Lei n.º 57/2017, de 19 de julho, relativamente ao contrato de trabalho, celebrado ao abrigo do referido DL, como se verifica nos Editais n.º 1150/2024, 4/2025 e 5/2025 da FCUL (cfr. als. H) e I) do probatório), todavia, tal não contende com o referido normativo, sendo que, em tudo o mais, os Editais da FCUL e da FLUL são similares, tal como a falta dessa menção expressa não foi impeditiva da candidatura da A., que reunia as condições legais para concorrer e o fez, efetivamente, ficando classificada em 4.º lugar da Lista de Ordenação Final (cfr. al. J) do probatório), tudo isto na pendência do seu contrato de trabalho a termo resolutivo certo, que termina no próximo dia 30 de abril do corrente ano, quod erat demonstratum…”.

Correspondentemente, e como resulta já do sobredito, o tribunal a quo decidiu totalmente improcedente a presente ação, absolvendo, em consequência, a entidade recorrida dos pedidos.

O assim decidido pelo tribunal a quo escora-se em tese que se acompanha.

Na exata medida em que o tribunal a quo, expressamente, deu a conhecer, não só a obrigatoriedade de abertura de procedimentos concursais para a contratação de doutorados nas instituições públicas, ou dotadas de financiamento público, em que os bolseiros de pós-doutoramento exerçam funções há mais de três anos, seguidos ou interpolados; como ainda, e sobretudo, que a lei foi ainda, tempestivamente, aplicada ao caso concreto, posto que a entidade recorrida abriu concurso documental internacional na área disciplinar da apelante, ao qual esta se candidatou, foi admitida e foi graduada em 4º lugar: cfr. art.º 6.º n.º 5 e n.º 6 do DL n.º 57/2016, de 29 de agosto na redação introduzida pela Lei n.º 57/2017, de 19 de julho.

Dito de outro modo, o tribunal a quo explicitou e pormenorizou a motivação e sentido da decisão e ainda os critérios e normas em que se fundou para decidir no sentido e no modo em que o fez, permitindo assim alcançar o inter-cognoscitivo adotado e quais as razões por que se decidiu como se decidiu, especificando ainda de forma suficientemente fundamentada de facto e de direito a decisão em crise.

Donde, diversamente do sustentado pela recorrente, foi como sobredito, no caso concreto, assegurada a abertura de procedimento concursal para a ocupação de um posto de trabalho na carreira de investigação científica, de acordo com as funções desempenhadas pela apelante: cfr. art.º 6.º n.º 5 e n.º 6 do DL n.º 57/2016, de 29 de agosto na redação introduzida pela Lei n.º 57/2017, de 19 de julho.

O que significa que os argumentos esgrimidos em torno do interesse estratégico sobre a abertura do referido procedimento concursal se mostram prejudicados pela factualidade dada por assente, posto que o referido concurso foi, como sobredito não só aberto, como ao mesmo a recorrente se candidatou e foi admitida, não logrando, todavia, ficar classificada em 1º lugar.

Ainda assim sempre se dirá que o interesse estratégico da instituição será sempre definido em função dos objetivos visados pela mesma, conforme definidos no âmbito da respetiva autonomia pedagógica e científica: cfr. art.º 6.º n.º 5 e n.º 6 do DL n.º 57/2016, de 29 de agosto na redação introduzida pela Lei n.º 57/2017, de 19 de julho.

Destarte, cada instituição de ensino superior definirá a abertura ou não abertura de cada procedimento concursal, não estando, pois, no caso, em causa a exclusão de um conjunto de cidadãos quanto ao ingresso na função pública ou em determinada função ou sequer diferenciação de tratamento da apelante (v.g. preterida face a outros candidatos sem justificação objetiva) ou sequer ainda a invocação de provimento de lugares por meio diverso do concurso: cfr. art.º 6.º n.º 5 e n.º 6 do DL n.º 57/2016, de 29 de agosto na redação introduzida pela Lei n.º 57/2017, de 19 de julho; art. 13º e art. 47º n.º 2 ambos da Constituição da República Portuguesa – CRP.

Termos em que a decisão recorrida não padece do invocado erro de julgamento.

DO ERRO DE JULGAMENTO DE FACTO:
Prossegue a apelante, concluindo que: “… 13. Quanto à matéria de facto, devia ter ficado assente que: “a celebração do contrato de trabalho da A. operou-se na sequência da aprovação e seleção no procedimento concursal para ocupação do posto de trabalho referente ao Aviso de Abertura n.º 12150/2018, publicado no DR, 2.ª série, n.°163, de 24 de agosto.”
As funções que constam do Edital n.º 12150/2018 são as seguintes: “atividades de investigação científica na área científica de Literaturas, Artes e Culturas: Estudos Comparatistas em regime de contrato de trabalho em funções públicas a termo resolutivo certo pelo prazo de três anos, com vista a: (1) desenvolver com diligência todas as atividades necessárias à concretização do projeto científico previsto na alínea d) do ponto 9.2. abaixo; (2) participar ativa e empenhadamente nas atividades do grupo de investigação do centro de Estudos Comparatistas em que venha a ficar integrado; e (3) participar na docência de unidades curriculares de graduação e/ou pós-graduação de cursos organizados ou coorganizados pela Área de Literaturas, Artes e Culturas da FLUL.”
Este concurso foi aberto “ao abrigo do art. 23.°, do DL n.º 57/2016, de 29 de agosto, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 57/2017, de 19 de julho, e legislação complementar.” Ao passo que o Edital n.°199/2021 foi aberto para as seguintes funções: “área disciplinar de Estudos Artísticos da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa” E foi aberto ao abrigo dos “art.s 37.° a 51.°, e 61.° e 62.° -A do Estatuto da Carreira Docente Universitária, republicado pelo DL n.º 205/2009, de 31 de agosto e alterado pela Lei n.º 8/2010, de 13 de maio (abreviadamente designado ECDU)”, sem fazer qualquer referência ao n.º 5 do art. 6.° do DL n.º 57/2016, de 29 de agosto.
14. Deverá assim ser considerado provado que a A. foi contratada para “atividades de investigação científica na área científica de Literaturas, Artes e Culturas: Estudos Comparatistas em regime de contrato de trabalho em funções públicas a termo resolutivo certo pelo prazo de três anos, com vista a: (1) desenvolver com diligência todas as atividades necessárias à concretização do projeto científico previsto na alínea d) do ponto 9.2. abaixo; (2) participar ativa e empenhadamente nas atividades do grupo de investigação do centro de Estudos Comparatistas em que venha a ficar integrado; e (3) participar na docência de unidades curriculares de graduação e/ou pós-graduação de cursos organizados ou coorganizados pela Área de Literaturas, Artes e Culturas da FLUL.”
15. Ao contrário do Edital n.°199/2021 que foi aberto para “área disciplinar de Estudos Artísticos da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa,” e não foi aberto para cumprir o disposto no n.º 5 do art. 6.° do DL n.º 57/2016…”

Por seu turno a recorrida, conclui que: “… 11- Dentro do quadro da sua autonomia pedagógica e interesse estratégico a aqui Recorrida, abriu 1 (um) Concurso documental internacional para recrutamento de um professor auxiliar, na área disciplinar de Estudos Artísticos da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, mais concretamente em Estudos de Cinema, onde a Recorrente desenvolveu investigação
12 - Sobre este preciso ponto entende a Recorrente que o antedito Concurso, não deu cumprimento ao n.º 5 do art.° 6.° do DL n.º 57/2016, uma vez que a Recorrente ingressou na FLUL, na área científica de Literaturas, Artes e Culturas: Estudos Comparatistas;
13 - Embora o presente ponto, seja uma inovação face ao conteúdo da petição inicial, importa, ainda que à cautela, exercer o contraditório sobre o mesmo, uma vez que o mesmo se revela desconforme com a realidade.
Vejamos:
14 - Determina o já referido preceito legal que as Instituições de Ensino Superior, em função do seu interesse estratégico, abrem (ou não), procedimento concursal para categoria da carreira de investigação científica ou da carreira de docente do ensino superior, de acordo com as funções desempenhadas pelo contratado doutorado;
Ora:
15 - Embora a Recorrida não estivesse obrigada a abrir procedimento concursal, tendo em conta o seu interesse estratégico, [O qual, ao contrário do que pretende a Recorrente, não se esgota em garantir a contratação de funcionários que façam investigação científica englobando, igualmente, outros pressupostos, tais como assegurar a sua estabilidade financeira, garantindo que os seus recursos limitados são alocados à contratação de pessoal docente e de investigação, mas também de pessoal administrativo, acudindo a todas as demais despesas correntes ou pontuais necessárias para o seu funcionamento e de o fazer sem que o crescimento anual da sua massa salarial, ultrapasse o limite de 3% a que a Administração Pública, tem estado sujeita ( sendo de referir, a este propósito, que os concursos que se prevê ficarem concluídos em 2025 comportam um crescimento esperado da massa salarial de 2,998% face ao período anterior)].a verdade é que o fez (alínea i) dos factos dados como provados);
16- Parecendo que a Recorrente de forma inadvertida (ou não), confunde funções com áreas científicas, de modo a demonstrar o incumprimento do preceito legal em crise;
17- Não pode ser.
18- Nem a Entidade Recorrida está obrigada a abrir procedimento concursal (tendo presente o seu interesse estratégico), nem é verdade que o concurso em apreço, incumpre com o n.°5 do art.°6.° do Decreto-Lei n° 57/2016;
19 - De facto, a Recorrente ignora as evidentes sobreposições possíveis entre áreas tão interdisciplinares como são, precisamente, os Estudos Artísticos e os Estudos Comparatistas;
20- Sendo importante clarificar que as funções da Recorrente, ao abrigo do seu anterior contrato, envolveram o desenvolvimento de investigação sobre cinema, sendo que o Concurso aberto pelo Edital n° 199/2021 se destinou precisamente a recrutar um especialista em Estudos de Cinema (realçando-se que dos vários concursos que a FLUL abriu na área de Estudos Artísticos, aquele a que a investigadora concorreu foi aberto precisamente para alguém especializado em Estudos de Cinema);
21- Pelo que argumentar que o âmbito da sua pesquisa não se enquadra na área científica de “Estudos Artísticos” é ilógico, como aliás comprova o facto de a Recorrente ter, ao longo do seu percurso, lecionado unidades curriculares da Licenciatura em Estudos Artísticos, bem como ter orientado e arguido trabalhos de alunos em cursos de Estudos Artísticos, de Artes e Humanidades ou de Estética e Estudos Artísticos;
22- Pelo que se contesta as alegações de recurso, sobre este ponto, por se demonstrarem enviesadas e com o propósito de induzir em erro o Julgador…”.
APRECIANDO E DECIDIDO

Tal como bem sublinhado pela entidade recorrida, sobre o alegado erro de julgamento de facto (recorde-se: pretensão de assentar que a recorrente foi contratada para “atividades de investigação científica na área científica de Literaturas, Artes e Culturas: Estudos Comparatistas em regime de contrato de trabalho em funções públicas a termo resolutivo certo pelo prazo de três anos, para assim ser possível concluir que o Edital n.°199/2021 que abriu o procedimento concursal para “área disciplinar de Estudos Artísticos da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa”, a que a apelante se candidatou, foi admitida e foi classificada em 4ª lugar, não foi a final aberto para cumprir o disposto no n.º 5 do art. 6.° do DL n.º 57/2016) claramente resulta dos autos que se trata de matéria que não foi precedentemente colocada, nem consequentemente resolvida, pelo tribunal a quo e como tal não demanda a pronúncia do tribunal ad quem sobre questão nova.

O que significa que se trata de matéria que não se mostra invocada nos articulados e, em consequência, corretamente, não foi abordada pela decisão recorrida, a qual, acertadamente, aplicou o direito aos factos assentes.

Constitui, assim, uma questão nova que não foi, como não tinha de ser, apreciada pelo tribunal a quo e que, não pode ser conhecida por este Tribunal de recurso: cfr. art. 627º n.º 1, art. 635º n.º 2 e 3, art. 639º n.º 1 todos do CPC ex vi art. 140º n.º 3 do CPTA.

Nesta medida, não podendo este Tribunal conhecer de tal questão nova, a alteração da matéria de facto pretendida pela recorrente mostra-se insuscetível de alterar a decisão recorrida e, portanto, sem necessidade de maiores considerações, ainda inútil o seu conhecimento: cfr. art. 627º n.º 1, art. 635º n.º 2 e 3, art. 639º n.º 1 e art. 130º todos do CPC ex vi art. 140º n.º 3 do CPTA.

Vale isto por dizer, tal como afirmado no Acórdão proferido por este TCAS, em 2024-04-30, no processo n.º 704/08.0BELRA, em que a ora relatora foi adjunta, que: “… a reapreciação da matéria de facto em sede de recurso não constitui um fim em si mesma, antes assume um carácter instrumental face à decisão de mérito proferida pelo Tribunal a quo, no seguinte sentido: a reapreciação da matéria de facto fixada pelo Tribunal a quo visa a modificação da decisão da matéria de facto e, consequentemente, a alteração da decisão de mérito em conformidade com essa modificação, razão pela qual é desnecessária ou inútil quando seja insuscetível de influenciar o sentido daquela decisão.
Como pode ler-se no Acórdão da Tribunal da Relação de Lisboa, de 26/09/2019, “Não se deverá proceder à reapreciação da matéria de facto quando os factos objeto de impugnação não forem suscetíveis, face às circunstâncias próprias do caso em apreciação, de ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma atividade processual que se sabe ser inútil, o que contraria os princípios da celeridade e da economia processuais (arts. 2º, nº 1, 137º e 138º, todos do C.P.C..” [no mesmo sentido, entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 09/02/2021, proferido no Processo n.º26069/18.3T8PRT.P1.S1 e o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 02/03/2023, proferido no Processo n.º189/20.2T8ALJ.G1]…”.

Termos em que não se procede à reapreciação da matéria de facto fixada na sentença recorrida, inexistindo assim outrossim o invocado erro de julgamento.
***
IV. DECISÃO:
Pelo exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Administrativo – Subsecção Social deste TCAS em negar provimento ao recurso interposto, confirmando, em consequência, a decisão recorrida.
Custas a cargo da recorrente.

15 de julho de 2025
(Teresa Caiado – relatora)
(Maria Helena Filipe – 1º adjunta)
(Rui Pereira - 2º adjunto)