Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1213/19.7BESNT
Secção:CA
Data do Acordão:04/10/2025
Relator:LUÍS BORGES FREITAS
Descritores:LITISCONSÓRCIO
COLIGAÇÃO
TAXA DE JUSTIÇA
Sumário:I - No litisconsórcio (voluntário ou necessário) há unicidade da relação material controvertida.
II - Na coligação há pluralidade de relações materiais controvertidas.
III - Agem coligados ao Autores, agentes da GNR, que pretendem fazer valer, na presente ação, o seu alegado direito à realização de determinados exames médicos.
IV - Isto porque a relação material controvertida corresponde aos aspetos da relação jurídica de emprego público que os Autores submeteram à apreciação do tribunal.
V - Esse conteúdo comum é extraído de cada uma das respetivas relações jurídicas de emprego público.
VI - Portanto, no caso existirão tantas relações materiais controvertidas quantas as relações jurídicas de emprego público subjacentes.
VII - É essa diversidade das relações jurídicas subjacentes que impede, em qualquer caso, a formação de litisconsórcio.
VIII - No litisconsórcio a unicidade da relação material controvertida decorre da cotitularidade da relação jurídica entre os litisconsortes.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção Administrativa Social
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Subsecção Social do Tribunal Central Administrativo Sul:


I
A...... E OUTROS, agentes da Polícia de Segurança Pública em exercício de funções no Grupo de Operações Especiais, intentaram, em 24.10.2019, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, ação administrativa contra o MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA, pedindo:


«a) [Que seja] reconhecido aos Autores o reconhecimento do seu direito, decorrente de normas jurídicas administrativas aplicáveis à sua situação concreta, de realização periódica de exames médicos específicos e com aptidão bastante para prevenir o risco de contaminação de metais pesados, incluindo o direito a usufruírem do respetivo tratamento preventivo e profilático de doenças, tudo a expensas do Réu, e tendo em consideração as funções concretas e específicas dos AA. e o seu contacto permanente com metais pesados;
b) [Que] seja reconhecido especificamente o seu direito à realização periódica de análises clínicas aptas a detectar os níveis de metais pesados no organismo dos elementos do Grupo de Operações Especiais, aqui AA., a expensas do Réu, incluindo meios complementares de diagnóstico, de modo a assegurar as condições de saúde e de segurança no trabalho dos aqui Autores, enquanto direito constitucionalmente consagrado, no artigo 59.º da Constituição da República Portuguesa.
c) [Que] seja ordenad[a] a realização periódica e regular das seguintes análises clínicas a expensas da sua Entidade Patronal, aqui Réu, […] com o objectivo específico de se fazer o rastreio da existência de metais pesados, por contaminação, decorrente da profissão exercida, que são a saber as seguintes:
1-Hemograma completo com plaquetas;
2-Análises de função hepática;
3-Análises de função renal;
4-Doseamento no sangue, urina e cabelo de antimónio, chumbo, crómio, níquel, mercúrio e bário;
5-Rx Tórax;
6-ECG
7-Ecografia abdominal.
8-Outras que a medicina de trabalho especializada considere necessárias para o efeito preventivo que se pretende».

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Por despacho de 7.7.2020 o tribunal a quo considerou que os autores litigam em coligação e não em litisconsórcio. Determinou, por isso, que cada um dos Autores procedesse ao pagamento da taxa de justiça.
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Inconformados, ao Autores interpuseram recurso daquela decisão, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:

1. Pelos presentes Autos, os aqui Recorrentes, vêm requerer que lhes seja reconhecido o direito à realização periódica de exames médicos específicos e com aptidão bastante para prevenir o risco de contaminação por contaminação de metais pesados e o direito à realização periódica de análises clínicas determinadas, aptas a detetar os níveis de metais pesados no organismo dos elementos do Grupo de Operações Especiais, no qual se integram os aqui Recorrentes, tudo a expensas do Réu.
2. O Pedido de reconhecimento de Direito é formulado em abstrato e assente na especial perigosidade e especificidade da profissão que exercem, com treinos diários com intenso contacto com armas de fogo.
3. O Pedido tem assim valor imaterial e não se consubstancia em qualquer valor económico, pelo que os AA. indicaram o valor à causa de € 30.000,01.
4. O valor da ação não é determinado pela vontade das partes, mas pela aplicação das normas legais referentes ao valor da causa, nomeadamente, as constantes nos artigos 296.º e seguintes do NCPC, aplicável na presente lide ex vi artigo 1.º CPTA.
5. Conforme decorre do art.º 296.º n.º 1, o valor da causa monetariamente expresso representa a utilidade imediata do pedido.
6. Quando o pedido tem por objeto uma quantia certa em dinheiro, é esse o valor da causa, não sendo atendível impugnação nem acordo em contrário.
7. Cumulando-se vários pedidos na mesma ação, o valor é a quantia correspondente à soma dos valores de todos eles.
8. Nas ações cujo objeto seja sobre direitos não patrimoniais, isto é, as ações sobre o estado das pessoas ou sobre interesses imateriais, o valor é sempre equivalente à alçada da Relação e mais € 0,01, com o propósito de garantir o recurso para esse tribunal (art.º 303.º 1, do CPC).
9. A questão fulcral do Recurso é, assim, a de saber se os AA. devem pagar uma única taxa de justiça ou, como entendeu o Tribunal a quo, cada um deles deve pagar individualmente a sua própria taxa de justiça.
10. A divergência assenta nos diferentes entendimentos quanto à natureza da posição processual dos AA. e consequente aplicação do disposto no art.º 530.º do CPC, aplicável ex vi artº 1.º do CPTA
11. Os AA. defendem que a Relação jurídico material controvertida, em causa nos presente Autos, é apenas uma, que será a de se apreciar e decidir se a prestação de trabalho, nas condições em que qualquer elemento do Grupo de Operações Especiais o presta, justifica exames médicos específicos, distintos da generalidade dos trabalhadores em funções públicas.
12. No Despacho sob Recurso, proferido pelo Tribunal a quo em 7 de julho de 2020, decidiu o mesmo tribunal, que na presente ação, os Autores litigam em regime de coligação e não, em regime de litisconsórcio voluntário.
13. O que não está correto, pelo que tal decisão deverá ser revogada porque padece de erro de julgamento e de erro na aplicação do Direito.
14. O critério que, de acordo com a melhor doutrina e Jurisprudência dominante, melhor distingue o regime legal do litisconsórcio voluntário ativo da Coligação é que, no litisconsórcio existe uma pluralidade de partes e unidade quanto ao pedido, enquanto que, no regime da coligação, existe uma pluralidade de partes, mas também pluralidade de pedidos.
15. Conforme ensina o Insigne Professor Castro Mendes: “(…) existe um litisconsórcio (e não uma coligação) quando os pedidos, embora formalmente discriminados por várias partes, apresentam um mesmo fundamento substantivo e são essencialmente idênticos no seu conteúdo.” (in Direito Processual Civil, Volume II, pág. 256 e seguintes).
16. No mesmo sentido, o Insigne Professor Miguel Teixeira de Sousa, defende que a coligação pressupõe, pois, uma pluralidade de partes principais e uma pluralidade de pedidos que são formulados diferentemente por cada um dos autores ou contra cada um dos réus (in “As Partes, o Objeto e a Prova na Acão Declarativa”, Lex-Edições Jurídicas, 1995, págs. 87-88).
17. No caso dos autos, os Autores são cotitulares de uma só relação material controvertida e pretendem fazer valer uma única pretensão jurídica comum a todos eles: o reconhecimento do direito à realização de tais exames e análises, a custas da Entidade Empregadora, ora Recorrida, em função das determinadas funções que exercem, enquanto elementos do Grupo de Operações Especiais.
18. Salvo o devido respeito, a decisão do Tribunal a quo padece de erro de julgamento e, ainda de erro na aplicação do Direito e, a ser procedente, o que por hipótese meramente académica se concede, implicaria a erradicação da figura do “litisconsórcio voluntário” do nosso Direito Adjetivo, processual civil, porque a verdade é que todas as decisões proferidas no âmbito de litisconsórcio voluntário ativo se repercutem necessariamente na esfera jurídica de cada um dos litisconsortes, dado que são pessoas jurídicas diferentes entre si.
19. Não sendo este critério o legítimo para se fundamentar e averiguar se se trata de uma legitimidade ativa em Coligação ou em litisconsórcio.
20. Os Autores, aqui Recorrentes, litigam na presente ação, em regime de litisconsórcio voluntário previsto no artigo 32.º do Código do Processo Civil (CPC), aplicável ex vi artigo 1.º do CPTA, porquanto,
21. A diferença entre estes os tipos de litisconsórcio (necessário e ativo) vem plasmada no artigo 35.º do CPC, o qual dispõe que: “No caso de litisconsórcio necessário, há uma única ação com pluralidade de sujeitos; no litisconsórcio voluntário, há uma simples acumulação de ações, conservando cada litigante uma posição de independência em relação aos seus compartes.”
22. O regime da coligação vem previsto no artigo 36.º do CPC.
23. Na presente ação está em causa um único pedido que é o de ser reconhecido aos AA. o Direito a realização de exames médicos específicos e próprios da profissão de especial perigosidade que exercem.
24. Pelo que não é verdade, salvo m.o., a consideração feita pelo Meritíssimo Tribunal a quo, de que se está perante uma pluralidade de pedidos.
25. No caso concreto o fundamento do pedido formulado é apenas um, igual para todos os Autores e igual, também, na presente lide quanto ao seu conteúdo.
26. O tribunal a quo entendeu ainda, que a presente ação respeita a uma relação jurídica controvertida, por cada um dos Autores, consideração que não está certa.
27. Por um lado, a procedência da presente ação implicará que os Autores vejam assim legalmente reconhecido o seu direito a esses exames e análises, a expensas do Réu.
28. Caso diferente seria, se os Autores peticionassem a efetiva realização de tais exames e análises para cada um deles, caso em que, com a procedência da ação, seriam efetivamente devidos vários comportamentos, com respetivos custos, imputados ao Réu.
29. E deduzem este pedido porque atualmente os exames médicos que fazem são os idênticos àqueles que qualquer trabalhador administrativo faz, isto é, exames à diabetes, colesterol, ureia, etc. Não sendo considerado pelo Réu, enquanto entidade patronal, o risco da exposição permanente dos AA. aos metais pesados, designadamente dado a frequência, diária, dos treinos de tiro e com explosivos.
30. Os Autores não pretendem fazer valer cada um deles, uma pretensão diferenciada, traduzida na realização a cada um deles, de exames e análises clínicas, mas sim, uma única pretensão jurídica comum a todos eles: o reconhecimento do direito à realização de tais exames e análises, a custas da Entidade Empregadora, aqui Recorrida, em função das determinadas funções que exercem, enquanto elementos do Grupo de Operações Especiais.
31. E dessa forma, os Autores são cotitulares de uma só relação material controvertida, em causa nos presentes.
32. A relação material controvertida é definida como a “fundamentação da diversidade de posições das partes quanto a um ponto com relevância jurídica substantiva”, sendo que é a relação jurídica que constitui o objeto do processo. (cfr. entende Miguel Teixeira de Sousa, in Estudos sobre O Novo Processo Civil, Lex, 1997).
33. O critério da identificação da titularidade de uma única Relação material controvertida ou de uma pluralidade de Relações materiais controvertidas não é apto a permitir fazer a distinção da aplicação do Regime da Coligação e do Regime do Litisconsórcio voluntário ativo.
34. Ora, na presente lide, o pedido formulado pelos aqui AA de reconhecimento de um Direito, para além de se tratar de um interesse imaterial - e por isso não quantificável – não se consubstancia, sequer, em montantes diferentes para cada um dos Autores.
35. Pelo que se deverá concluir que, na causa sub judice, existe uma só causa de pedir e bem assim, uma única relação jurídico-material que fundamenta um único pedido, formulado por uma pluralidade de Autores.
36. Por tudo o exposto, e ao abrigo do disposto no artigo 530.º, n.º 4 do CPC, aplicável ex vi artigo 1.º do CPTA, os Autores, ora Recorrentes, enquanto litigantes em regime de litisconsórcio voluntário, estavam obrigados a proceder ao pagamento de uma única taxa de justiça, tal como o fizeram nos presentes autos.
37. Pelo que, existindo nos presentes autos, uma só causa de pedir e bem assim, uma única relação jurídico-material que fundamenta os pedidos assim formulados por uma pluralidade de Autores, resta concluir que os Autores litigam em regime de litisconsórcio voluntário, e não em regime de coligação.
38. Pelo que se deverá entender que os Autores, enquanto litigantes em litisconsórcio voluntário, numa ação com valor imaterial tendo já procedido ao pagamento de uma única taxa de justiça, já procederam assim à liquidação da taxa de justiça devida para a interposição da presente lide.
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O Recorrido não apresentou contra-alegações.

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Notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 146.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, o Ministério Público emitiu parecer no sentido de que o recurso não merece provimento.
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Com dispensa de vistos, mas com envio prévio do projeto de acórdão aos Juízes Desembargadores adjuntos, vem o processo à conferência para julgamento.


II
Sabendo-se que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões do apelante, as questões que se encontram submetidas à apreciação deste tribunal de apelação consistem em determinar se o despacho recorrido errou a julgar verificada uma situação de coligação e não de litisconsórcio voluntário.


III
1. Os artigos 32.º e 33.º do Código de Processo Civil estabelecem o seguinte:

«Artigo 32.º
Litisconsórcio voluntário

1 - Se a relação material controvertida respeitar a várias pessoas, a ação respetiva pode ser proposta por todos ou contra todos os interessados; mas, se a lei ou o negócio for omisso, a ação pode também ser proposta por um só ou contra um só dos interessados, devendo o tribunal, nesse caso, conhecer apenas da respetiva quota-parte do interesse ou da responsabilidade, ainda que o pedido abranja a totalidade.
2 - Se a lei ou o negócio permitir que o direito seja exercido por um só ou que a obrigação comum seja exigida de um só dos interessados, basta que um deles intervenha para assegurar a legitimidade.
Artigo 33.º
Litisconsórcio necessário

1 - Se, porém, a lei ou o negócio exigir a intervenção dos vários interessados na relação controvertida, a falta de qualquer deles é motivo de ilegitimidade.
2 - É igualmente necessária a intervenção de todos os interessados quando, pela própria natureza da relação jurídica, ela seja necessária para que a decisão a obter produza o seu efeito útil normal.
3 - A decisão produz o seu efeito útil normal sempre que, não vinculando embora os restantes interessados, possa regular definitivamente a situação concreta das partes relativamente ao pedido formulado».


2. Por aqui se vê que, quer no litisconsórcio voluntário, quer no litisconsórcio necessário, existe apenas uma relação material controvertida, ainda que, como ali se diz, respeitante a várias pessoas. Esse é, portanto, o pressuposto comum.

3. Problema diverso é o que decorre da seguinte questão: na medida em que a relação material controvertida respeita a várias pessoas, terão de estar em juízo todas elas? Ou pelo menos várias dessas pessoas?

4. Se a resposta for negativa, é porque se trata de um litisconsórcio voluntário. Sendo positiva, tratar-se-á de um litisconsórcio necessário. E neste último caso – diz-nos o artigo 35.º do Código de Processo Civil - haverá uma única ação com pluralidade de sujeitos. Já no primeiro caso – litisconsórcio voluntário – haverá uma simples acumulação de ações no mesmo processo, conservando cada litigante uma posição de independência em relação aos seus compartes.

5. Recordando o anteriormente afirmado: no litisconsórcio – voluntário ou necessário - existe apenas uma relação material controvertida, ainda que respeitante a várias pessoas.

6. Já no que se refere à coligação o pressuposto é exatamente o oposto: existem várias relações materiais controvertidas. E o que o artigo 36.º do Código de Processo Civil faz é estabelecer os casos em que, não obstante essa diversidade, poderão estar no mesmo processo diversos dos titulares daquelas relações jurídicas. E fá-lo nos seguintes termos (sem prejuízo dos obstáculos à coligação definidos no artigo 37.º):
«Artigo 36.º
Coligação de autores e de réus

1 - É permitida a coligação de autores contra um ou vários réus e é permitido a um autor demandar conjuntamente vários réus, por pedidos diferentes, quando a causa de pedir seja a mesma e única ou quando os pedidos estejam entre si numa relação de prejudicialidade ou de dependência.
2 - É igualmente lícita a coligação quando, sendo embora diferente a causa de pedir, a procedência dos pedidos principais dependa essencialmente da apreciação dos mesmos factos ou da interpretação e aplicação das mesmas regras de direito ou de cláusulas de contratos perfeitamente análogas.
3 - É admitida a coligação quando os pedidos deduzidos contra os vários réus se baseiam na invocação da obrigação cartular, quanto a uns, e da respetiva relação subjacente, quanto a outros».


7. Em suma, na coligação há pluralidade de relações materiais controvertidas, no litisconsórcio há unicidade da relação material controvertida (neste sentido vd. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, vol. I, Almedina, p. 67). Na mesma linha Aroso de Almeida e Carlos Cadilha, in Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, 4.ª edição, 2017, pp. 142 e 143, para quem «[a] coligação é uma situação de pluralidade de partes que assenta numa pluralidade de relações jurídicas, nesse ponto se distinguindo do litisconsórcio, que pressupõe a cotitularidade da relação jurídica entre os litisconsortes e, por isso, também, a existência de uma única relação material. Se a relação material controvertida respeitar a várias pessoas, a ação pode ou deve ser proposta por todos ou contra todos os interessados, corporizando uma situação de litisconsórcio voluntário ou necessário: cfr. artigos 32.º e 33.º do CPC; ao contrário, a coligação visa permitir que vários autores formulem pedidos diferentes contra um ou vários réus (coligação de autores) ou que um autor demande conjuntamente vários réus, por pedidos diferentes (coligação de réus): cfr. artigo 36.º do CPC. Por outro lado, a coligação, no ponto em que assenta numa pluralidade de pedidos baseados em diferentes relações jurídicas, corresponde a uma forma de cumulação de ações, que se distingue da cumulação de pedidos, que ocorre quando o autor deduz cumulativamente contra o mesmo réu, num só processo, vários pedidos que sejam entre si compatíveis (cfr. artigos 555.º do CPC e 4.º do CPTA)».

8. Nos presentes autos 71 agentes da Polícia de Segurança Pública, que exercem funções no Grupo de Operações Especiais, vêm a juízo pedir:

«a) [Que seja] reconhecido aos Autores o reconhecimento do seu direito, decorrente de normas jurídicas administrativas aplicáveis à sua situação concreta, de realização periódica de exames médicos específicos e com aptidão bastante para prevenir o risco de contaminação de metais pesados, incluindo o direito a usufruírem do respetivo tratamento preventivo e profilático de doenças, tudo a expensas do Réu, e tendo em consideração as funções concretas e específicas dos AA. e o seu contacto permanente com metais pesados;
b) [Que] seja reconhecido especificamente o seu direito à realização periódica de análises clínicas aptas a detectar os níveis de metais pesados no organismo dos elementos do Grupo de Operações Especiais, aqui AA., a expensas do Réu, incluindo meios complementares de diagnóstico, de modo a assegurar as condições de saúde e de segurança no trabalho dos aqui Autores, enquanto direito constitucionalmente consagrado, no artigo 59.º da Constituição da República Portuguesa.
c) [Que] seja ordenad[a] a realização periódica e regular das seguintes análises clínicas a expensas da sua Entidade Patronal, aqui Réu, […] com o objectivo específico de se fazer o rastreio da existência de metais pesados, por contaminação, decorrente da profissão exercida, que são a saber as seguintes:
1-Hemograma completo com plaquetas;
2-Análises de função hepática;
3-Análises de função renal;
4-Doseamento no sangue, urina e cabelo de antimónio, chumbo, crómio, níquel, mercúrio e bário;
5-Rx Tórax;
6-ECG
7-Ecografia abdominal.
8-Outras que a medicina de trabalho especializada considere necessárias para o efeito preventivo que se pretende».

9. Temos, assim, que o presente litígio decorre das relações jurídicas de emprego público existentes entre cada um dos Autores, ora Recorrentes, e o Estado. E essa pluralidade de relações jurídicas – tantas quantos os Autores existentes – é facto absolutamente inquestionável.

10. Ora, a relação material controvertida corresponde aos aspetos da relação jurídica de emprego público que os Autores, ora Recorrentes, submeteram à apreciação do tribunal. Ou seja, corresponde a uma parte do conteúdo dessas relações jurídicas. Esse conteúdo comum é extraído de cada uma das respetivas relações jurídicas de emprego público. Portanto, existirão tantas relações materiais controvertidas quantas as relações jurídicas de emprego público correspondentes. No caso, 71.

11. É essa diversidade das relações jurídicas subjacentes que impede, em qualquer caso, a formação de litisconsórcio. No litisconsórcio a unicidade da relação material controvertida decorre, precisamente, da cotitularidade da relação jurídica entre os litisconsortes.


IV
Em face do exposto, acordam os Juízes da Subsecção Social do Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e, em consequência, confirmar o despacho recorrido, com a fundamentação precedente.

Custas pelos Recorrentes (artigo 527.º/1 e 2 do Código de Processo Civil).


Lisboa, 10 de abril de 2025.

Luís Borges Freitas (relator)
Rui Fernando Belfo Pereira
Maria Helena Filipe