Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1947/24.4BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:06/18/2025
Relator:JOANA COSTA E NORA
Descritores:JUÍZOS CONCLUSIVOS
DEVER DE PUBLICITAR
DECISÃO CONTRAORDENACIONAL
ABSTENÇÃO DE PUBLICITAÇÃO
ALEGAÇÃO DE RECURSO
Sumário:I - Os meros juízos conclusivos que pressupõem a prova de factos, enquanto exteriorizações de ocorrências da vida real, e correspondem ao resultado da sua análise, não devem constar do elenco da matéria de facto da sentença.
II - Dos artigos 32.º, n.º 1, e 90.º da Lei da Concorrência, 48.º, alínea e), da Lei-Quadro das Entidades Reguladoras, e 46.º dos Estatutos da Autoridade da Concorrência, não resulta a imposição à Autoridade da Concorrência de um qualquer dever de publicitar a decisão final proferida no processo de contraordenação até ao seu trânsito em julgado.
III - Não basta ao recorrente manifestar a sua discordância com a decisão ou com uma afirmação da decisão recorrida, impondo-se-lhe que apresente as razões em que assenta tal dissensão, de modo a permitir ao Tribunal efectuar o escrutínio subjacente ao recurso jurisdicional, uma vez que o princípio do dispositivo impede que o Tribunal de recurso aprecie a decisão em termos diferentes dos apresentados no recurso, excepto quando estejam em causa questões de conhecimento oficioso.
IV - A intimação da Autoridade da Concorrência a abster-se de publicitar decisão administrativa proferida em processo de contraordenação, em caso de impugnação contenciosa da decisão final administrativa, só vigora até à emissão da sentença em 1ª instância, e não até ao trânsito em julgado da mesma.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção Administrativa Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO

Acordam, em conferência, os juízes da subsecção comum da secção administrativa do Tribunal Central Administrativo Sul:


I – RELATÓRIO

Centro de M…, S.A., intentou intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias, contra a Autoridade da Concorrência. Pede a intimação da entidade demandada a “abster-se de divulgar publicamente — seja por que meio for, nomeadamente comunicados colocados no seu website e/ou enviados para órgãos de comunicação social ou, ainda, mediante divulgação por qualquer outro meio ou forma —, na sequência de eventual adoção da decisão final condenatória que seja proferida no processo contraordenacional n.º PCR/2022/2, a identificação da G…, dos seus administradores ou colaboradores (ou dados ou informações que permitam essa identificação) e/ou com a referência a (ou a inclusão de) excertos da decisão final ou quaisquer atos ou diligências constantes dos autos desse processo contraordenacional. Em todo o caso, se, no decorrer deste processo, a AdC vier a adotar essa conduta, pede-se que ela seja intimada a praticar todos os atos necessários para cessar tal conduta.”
Pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa foi proferida sentença a intimar a entidade demandada a “abster-se de divulgar publicamente — seja por que meio for, nomeadamente comunicados colocados no seu website e/ou enviados para órgãos de comunicação social ou, ainda, mediante divulgação por qualquer outro meio ou forma —, na sequência de eventual adoção da decisão final condenatória que seja proferida no processo contraordenacional n.° PCR/2022/2, a identificação da G…, dos seus administradores ou colaboradores ou dados ou informações que permitam essa identificação e/ou com a referência a [ou a inclusão de] excertos da decisão final ou quaisquer atos ou diligencias constantes dos autos desse processo contraordenacional até ao transito julgado da decisão final proferida no processo de contraordenação” e “a, no prazo de 48h, praticar todos os atos necessários para cessar tal conduta [“Uma vez que a Requerida publicou um comunicado no qual reproduz a decisão final, fazendo dele constar a menção que pode ser acedida informação adicional sobre o processo de contraordenação”], ou seja, toda e qualquer publicidade da decisão final proferida no processo de contraordenação até ao seu trânsito em julgado, bem como cessar a divulgação de links e cessação dos mesmos que conduzam à obtenção de informação adicional sobre o processo de contraordenação em discussão nos autos e em que é visada a Requerente, o que inclui praticar todos os atos necessários para cessar a divulgação de informações, comunicados, links[hiperligações], fichas de processo ou outros que contrariam o decisório, em particular o comunicado divulgado em 24/07/2024 e outros que produzam o mesmo efeito”.
A entidade demandada interpôs o presente recurso de apelação, cujas alegações contêm as seguintes conclusões, tal como constam do requerimento apresentado após convite para proceder à sintetização das mesmas:
“a) Da nulidade da Sentença recorrida por condenação em objeto diverso do pedido
A) A Sentença do Tribunal a quo está ferida de nulidade conquanto condena em objeto diverso do pedido e, simultaneamente, a sua fundamentação está em oposição com a decisão.
B) O simples confronto entre o peticionado pela G… e o thema decidendum identificado pelo Tribunal a quo com a decisão efetivamente adotada denuncia desde um primeiro momento a invalidade decisória em que aquele incorreu.
C) O pedido da G… era (somente) o de proibir que a AdC emitisse comunicados sobre a adoção de decisões condenatórias, ou divulgasse tal adoção por outras vias, em que identifique as respetivas visadas (ou que permitam a sua identificação) e que contenha excertos da própria decisão que permitam essa identificação.
D) Contudo, tendo o Tribunal a quo julgado parcialmente procedente a intimação sub judice, não o fez nos moldes do peticionado pela ora Recorrida, extravasando manifestamente o pedido, no que respeita à alínea b) do dispositivo: ao intimar a AdC a fazer cessar a divulgação do comunicado sobre a adoção da decisão final, conquanto o mesmo "reproduz a decisão final, fazendo dele constar a menção que pode ser acedida informação adicional",
E) Não obstante do mesmo não constar a identificação da requerente, dos seus administradores ou colaboradores ou dados ou informações que permitissem essa identificação (nem dados ou informações que permitam essa identificação) e/ou com a referência a [ou a inclusão de] excertos da decisão final ou quaisquer atos ou diligências constantes dos autos desse processo contraordenacional.
F) Num segundo momento, o Tribunal a quo parece ir mais longe quando explicita quais os atos necessários a fazer cessar a conduta da AdC, ou seja, toda e qualquer publicidade da decisão final proferida no processo de contraordenação até ao seu trânsito em julgado, bem como cessar a divulgação de links e cessação dos mesmos que conduzam à obtenção de informação adicional sobre o processo de contraordenação em discussão nos autos e em que é visada a Requerente, o que inclui praticar todos os atos necessários para cessar a divulgação de informações, comunicados, links[hiperligações], fichas de processo ou outros que contrariam o decisório, em particular o comunicado divulgado em 24/07/2024 e outros que produzam o mesmo efeito.
G) O Tribunal a quo intima a AdC a abster-se de divulgar publicamente, a decisão final proferida no processo contraordenacional n.º PRC/2022/2, até ao trânsito em julgado, contrariando frontalmente o anterior sentido decisórios dos tribunais superiores!
H) Esta pronúncia ultra petitum dá-se se o Autor pede uma coisa e o tribunal condena noutra, ferindo de nulidade a decisão do tribunal, nos termos da alínea e) do artigo 615.º do CPC.
I) Ao invés de se limitar a intimar a AdC a abster-se de divulgar publicamente a decisão final do PRC/2022/2, através de comunicados relativos a essa decisão, sem identificação da requerente e dos seus administradores ou colaboradores, incluindo dados ou informações que permitam essa identificação, e/ou com a referência a [ou a inclusão de] excertos da decisão final ou quaisquer atos ou diligências constantes dos autos desse processo contraordenacional para o futuro, a Sentença recorrida impõe que a AdC cesse toda e qualquer publicidade da decisão final proferida no processo de contraordenação até ao seu trânsito em julgado, bem como cessar a divulgação de links e cessação dos mesmos que conduzam à obtenção de informação adicional sobre o processo de contraordenação em discussão nos autos e em que é visada a Requerente, sem limitar essa imposição ao âmbito dos referidos comunicados.
J) Significa isto que a AdC não terá sido intimada a abster-se somente de divulgar comunicados relativos à adoção da sua decisão final no âmbito do processo contraordenacional, mas também a abster-se de divulgar publicamente/publicar a decisão final, impedindo, portanto, a AdC de publicá-la na sua página eletrónica (publicação esta que constitui um dever legalmente imposto à AdC e que o Tribunal a quo reconhece como tal – cf. Sentença p. 36).
K) Quer isto dizer que não só a Sentença recorrida condenou em objeto diferente do pedido formulado pelas ora Recorridas, como extravasou os limites do peticionado, violando o princípio do dispositivo na vertente relativa à conformação objetiva da instância.
L) A sentença deve estar, pois, limitada pelo pedido do autor, não podendo o juiz condenar em objeto diverso do pedido formulado, nos termos e para os efeitos do n.º 1 do artigo 609.º do CPC; extravasado esse limite, a sentença é nula nos termos da alínea e) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC.
M) Ora, no caso sub judice é precisamente isso que se verifica: o pedido formulado pelas ora Recorridas circunscrevia-se à intimação da AdC a abster-se de emissão de comunicados de imprensa que divulgassem a decisão final do PRC/2022/2; no entanto, ao invés de a Sentença recorrida condenar a AdC nos moldes delimitados pelo peticionado, intimou a aqui Recorrente a abster-se de divulgar publicamente a decisão, o que se traduz numa condenação muito mais abrangente do que aquela que foi peticionada.
N) Deve, assim, imperativamente julgar-se a nulidade da Sentença recorrida dado que o Tribunal a quo intima a AdC em objeto diverso do pedido formulado pelas Recorridas, nos termos e para os efeitos da alínea e) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC aplicável ex vi n.º 3 do artigo 140.º do CPTA,
b) Da nulidade da Sentença recorrida por oposição entre os fundamentos e a Decisão
O) Uma leitura da Sentença basta para concluir que estamos perante uma oposição entre os fundamentos e a Decisão a dois níveis:
(i) Em primeiro lugar, o Tribunal a quo cita um acórdão do TCAS e suporta-se no mesmo (ou em passagens do mesmo) para fundamentar a abstenção da AdC em emitir/publicitar comunicados sobre adoção de decisões finais e, depois, no dispositivo da sentença, o conteúdo decisório respeita à publicação de decisões finais condenatórias (e afigura-se não só de comunicados);
(ii) Em segundo lugar, quando o Tribunal a quo analisa o âmbito temporal da intimação tal como peticionado pelas Requerentes – “não antes do trânsito em julgado” – o Tribunal suportando-se igualmente em arestos anteriores, explicita por que razão tal âmbito temporal deverá estar circunscrito até à decisão judicial de 1.ª instância, fazendo o paralelo com o processo penal. Pois também neste ponto, a quo fundamenta num sentido para, de seguida decidir noutro, em manifesta contradição com a fundamentação.
Primeira Contradição
P) O Tribunal a quo apreciou o litígio para o qual foi chamado a pronunciar-se, socorrendo-se dos fundamentos e do conteúdo decisório do Acórdão proferido pelo TCAS, de 9 de fevereiro de 2023, no âmbito do processo n.º 1553/22.8BELSB (que remete para o Acórdão do TCAS de 20.1.2022, proferido no processo n.º 1282/21.0BELSB) para explicitar por que razão aqui não estão em causa o n.º 6 do artigo 32.º e n.º 1 do artigo 90.º da Lei da Concorrência.
Q) Nesse sentido, o Tribunal a quo entendeu que a publicação das decisões finais condenatórias previstas no n.º 6 do artigo 32.º e n.º 1 do artigo 90.º da Lei da Concorrência não era o dever que importava apreciar nos presentes autos porquanto o peticionado pelas Requerentes respeitava à possibilidade de emissão de comunicados a divulgar a adoção de decisões finais condenatórias, realidade distinta do dever legal imposto por aquelas normas.
R) Acompanhado o Acórdão citado, o Tribunal a quo afastou aqueles normativos porque entendeu precisamente que está em causa a emissão de comunicados por parte da AdC a publicitar a adoção de decisões finais condenatórias e não a publicação das decisões finais.
S) Não obstante, o Tribunal a quo determinou que a questão que cumpria ao Tribunal apreciar e decidir é a de se deverá a Entidade requerida ser intimada a abster-se de divulgar publicamente – seja por que meio for, nomeadamente comunicados colocados no seu website e/ou enviados para órgãos de comunicação social ou, ainda, mediante divulgação por qualquer outro meio ou forma –, na sequência de eventual adoção da decisão final condenatória que seja proferida no processo contraordenacional n.º PCR/2022/2, a identificação da G…, dos seus administradores ou colaboradores (ou dados ou informações que permitam essa identificação) e/ou com a referência a (ou a inclusão de) excertos da decisão final ou quaisquer atos ou diligencias constantes dos autos desse processo contraordenacional e, em todo o caso, se, no decorrer deste processo, a AdC vier a adotar essa conduta, pede-se que ela seja intimada a praticar todos os atos necessários para cessar tal conduta..”
T) E decide precisamente em julgar parcialmente procedente a intimação e intimar a AdC a cessar toda e qualquer publicidade da decisão final proferida no processo de contraordenação até ao seu trânsito em julgado, bem como cessar a divulgação de links e cessação dos mesmos que conduzam à obtenção de informação adicional sobre o processo de contraordenação em discussão nos autos e em que é visada a Requerente, o que inclui praticar todos os atos necessários para cessar a divulgação de informações, comunicados, links[hiperligações], fichas de processo ou outros que contrariam o decisório, em particular o comunicado divulgado em 24/07/2024 e outros que produzam o mesmo efeito não fazendo só menção ao comunicado.
U) Do exposto decorre que o Tribunal a quo apresenta uma fundamentação direcionada para a legalidade, ou não, da emissão de comunicados por parte da AdC acerca da adoção de decisões finais, mas, depois, adota um sentido decisório que afronta notoriamente aquela fundamentação, ignorando o tema dos comunicados e circunscrevendo o seu sentido decisório à divulgação pública das decisões finais condenatórias!
V) Verifica-se uma notória contradição entre a fundamentação e a decisão.
Segunda contradição
W) A segunda contradição respeita ao âmbito temporal da intimação: o Tribunal a quo determinou que a questão que cumpria apreciar e decidir é a de “saber se a Entidade Requerida deve ser intimada a abster-se de divulgar publicamente, a decisão final proferida no processo contraordenacional n.º PRC/2022/2, antes do respetivo trânsito em julgado.”
X) Toda a fundamentação da Sentença recorrida se respaldou na argumentação e decisão do supracitado acórdão do TCAS, sendo, por essa razão, de esperar que a Decisão do Tribunal a quo refletisse esse mesmo entendimento, concluindo pela intimação da AdC à abstenção de publicitação da decisão final a ser adotada no âmbito do processo n.º PRC/2022/2, (i) através de comunicados e (ii) antes de a decisão se tornar inimpugnável contenciosamente ou antes da emissão da sentença de 1ª instância, no caso de impugnação contenciosa daquela decisão.
Y) No entanto, esse esperado paralelismo entre a fundamentação da Sentença recorrida e a respetiva Decisão não se verifica: a decisão da Sentença Recorrida intima a AdC a abster-se de publicar a mencionada decisão final antes do respetivo trânsito em julgado, o que revela uma plena contradição com a fundamentação apresentada, uma vez que esta leva a concluir que a AdC se deverá abster de publicar a decisão final até à prolação da sentença de 1º instância.
Z) Da fundamentação da Sentença recorrida, podemos identificar o elenco dos argumentos que conduzem ao entendimento de que a abstenção de publicação de comunicados de decisões condenatórias por parte da AdC estende-se (apenas) até à sentença da 1ª instância, numa lógica comparativa com o processo criminal.
AA) De seguida, e ainda no âmbito da fundamentação apresentada pelo Tribunal a quo, este conclui que “Assim, resultando do artigo 8.º, n.º 3 do Código Civil que “Nas decisões que proferir, o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito.”, e em face do que se se acabou de dizer, aderindo, por se concordar integralmente, ao decidido pelo TCA Sul no Acórdão proferido em 09/02/2023, no processo n.º 1553/22.8BELSB, transponível para o caso concreto, atenta a posição das partes, inexistem razões para decidir de modo diferente.”
BB) Ora o dispositivo da Sentença recorrida, a este respeito, é precisamente o oposto da argumentação elencada, tendo-se decidido que a AdC deve abster-se da referida divulgação pública até ao trânsito em julgado da decisão jurisdicional final.
CC) Para além disso, ao decidir como decidiu, o Tribunal a quo não só contraria o próprio acórdão citado e no qual a Sentença recorrida baseou toda a sua fundamentação, como contraria a jurisprudência dos Tribunais Superiores, designadamente o Supremo Tribunal Administrativo que por acórdão de 14 de julho de 2022, proferido no âmbito do processo n.º 1556/21.0BELSB, que limitou esta abstenção apenas até à prolação de decisão em 1.ª instância.
DD) Sem prejuízo de a AdC discordar do sentido decisório propugnado nos referidos acórdãos, a verdade é que ambos afastam a necessidade do trânsito em julgado da decisão, bastando-se com a decisão da 1.ª instância.
EE) Tal entendimento, ainda que conste da motivação da Sentença recorrida, não tem qualquer correspondência com o dispositivo da Sentença proferida que, ao invés de determinar que a AdC é livre de publicitar (através de comunicados a adoção de) a decisão final do processo n.º PRC/2022/2 após a decisão da 1ª instância em caso de impugnação da referida decisão, impõe que a AdC se abstenha de publicitar/publicar decisões finais até ao trânsito em julgado!
FF) Salvo o devido respeito, é patente a confusão em que o Tribunal a quo incorre entre (i) o que é peticionado, (ii) a sua fundamentação e (iii) o dispositivo/âmbito decisório da sentença recorrida, impondo-se a conclusão de que estamos perante uma clara contradição de lógica e de raciocínio entre os fundamentos narrados na sentença e a construção lógica que conduziu à conclusão e ao dispositivo da mesma.
GG) Há que atender também que não é necessária uma verdadeira oposição entre os fundamentos e a decisão, bastando que ambos sejam diferentes, o que se enquadra no caso em apreço, no que concerne à decisão de intimação da AdC a abster-se de publicar a decisão final condenatória do PRC/2022/2, quando a fundamentação conduz à conclusão de que a AdC deve abster-se de divulgar publicamente da decisão final condenatória, por meio de comunicados.
HH) Este vício que se reporta a uma oposição entre a motivação e a decisão, denota a uma clara contradição entre eles, verificando-se uma notória oposição entre os fundamentos apresentados e a decisão proferida pelo Tribunal a quo, o que, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC ex vi n.º 3 do artigo 140.º do CPTA, determina a nulidade da Sentença recorrida.
II) Assim, deverá o Tribunal ad quem decretar a nulidade da Sentença recorrida, por manifesta contradição entre a fundamentação e a decisão nela apresentadas.
Subsidiariamente,
Da impugnação da matéria de facto
JJ) O Tribunal a quo deu como provada a matéria de facto no subcapítulo IV.1. – IV. Fundamentação de facto – alíneas a) a o), da Sentença - pp. 17 a 23, e nos restringirmos aos factos, ou falta deles, objeto de impugnação.
KK)O Tribunal a quo dá como provado que a AdC divulgou na sua página a decisão proferida (Facto n)), transcrevendo o comunicado; sucede que o comunicado, como resulta da sua leitura, não divulgou a decisão proferida pela AdC, pelo que, este facto não pode ser dado como provado!
LL) E isto é importante, pois é precisamente assente neste facto que o tribunal julgou que a AdC transcreveu a decisão, quando afirma que: E uma vez que a Requerida publicou um comunicado no qual reproduz a decisão final (cf. p. 37), o que resulta num erro notório na apreciação dos factos/provas, pois é manifesto que do comunicado não consta a decisão e, portanto, a AdC não reproduz a decisão final.
MM) Ora, smo, resulta e pode ser efetivamente constatado pela leitura do comunicado da AdC que o mesmo é sumula, uma nota informativa e comunicacional objetiva e imparcial com o enquadramento da decisão, sem identificação da G…, dos seus administradores ou colaboradores (ou dados ou informações que permitam essa identificação) e/ou com a referência a (ou a inclusão de) excertos da decisão final ou quaisquer atos ou diligencias constantes dos autos desse processo contraordenacional, e, portanto, não consta uma reprodução da decisão.
NN) A AdC, como, aliás, tem sido a prática mais recente no cumprimento do interesse público, do dever de transparência, da promoção e da divulgação de uma cultura de sã concorrência e do direito à informação, nos termos legais e estatutário - alínea e) do artigo 48.º da Lei-Quadro das Entidades Reguladoras, o n.º 2 do artigo 46.º dos Estatutos da AdC , alínea f) do artigo 81.º da CRP, n.os 2 e 6 do artigo 32.º e n.º 1 do artigo 90.º da Lei da Concorrência - já reconhecidos pela jurisprudência administrativa, publicou no seu portal eletrónico um comunicado sobre a adoção da Decisão Condenatória nos termos supra expostos.
OO) Do texto da decisão e da leitura do comunicado conjugado com as regras da experiência comum, o tribunal a quo fez uma errada apreciação do comunicado e assim deve ser julgado.
PP) Verifica-se o erro notório na apreciação da prova quando no texto da decisão recorrida se dá por provado, ou não provado, um facto que contraria com toda a evidência, segundo o ponto de vista de um homem de formação média, a lógica mais elementar e as regras da experiência comum. O que se verifica no caso sub judice.
QQ) Assim sendo, se o tribunal tivesse efetivamente avaliado de forma crítica o teor dos documentos juntos aos autos, necessariamente, chegaria a uma conclusão diferente.
RR) Acresce, igualmente, que o Tribunal a quo deveria ter levado à matéria de facto, porque é uma questão controvertida, mas de simples verificação por prova documental se da alegada reprodução da decisão no comunicado consta a identificação da G…, dos seus administradores ou colaboradores (ou dados ou informações que permitam essa identificação) e/ou com a referência a (ou a inclusão de) excertos da decisão final ou quaisquer atos ou diligências constantes dos autos desse processo contraordenacional, com o era peticionado. O que não fez.
SS) Como também deveria ter dado como provado que a AdC e a G…, consideraram que com a publicação do comunicado – thema decidendo destes autos - a AdC não divulgou publicamente a decisão final com identificação da G…, dos seus administradores ou colaboradores (ou dados ou informações que permitam essa identificação) e/ou com a referência a (ou a inclusão de) excertos da decisão final ou quaisquer atos ou diligências constantes dos autos desse processo contraordenacional, com o era peticionado.
TT) Efetivamente resulta do artigo 611.º do CPC ex vi n.º 3 do artigo 140.º do CPTA que a sentença deve atender aos factos jurídicos supervenientes, ou seja, factos novos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito.
UU) E da Sentença não consta na matéria de facto dada como provada que ambas as partes concordaram que a AdC não divulgou publicamente a decisão final com identificação da G…, dos seus administradores ou colaboradores (ou dados ou informações que permitam essa identificação) e/ou com a referência a (ou a inclusão de) excertos da decisão final ou quaisquer atos ou diligências constantes dos autos desse processo contraordenacional, como a própria Requerente reconhece no seu requerimento paragrafo 7 do requerimento de 05.08.2024, ref.ª 858922.
VV) Até o Tribunal o considerou, pelo menos parcialmente, pois, afirma “Na verdade, ainda que do comunicado não conste a identificação expressa da Requerente”, ainda assim havia uma indicação no comunicado para a possibilidade de consulta do processo no site da AdC – sentença p. 16.
WW) Não obstante não se dá como provado (ou não provado) que não consta a identificação da G… e das restantes visadas, dos seus administradores ou colaboradores (ou dados ou informações que permitam essa identificação) e/ou com a referência a (ou a inclusão de) excertos da decisão final ou quaisquer atos ou diligências constantes dos autos desse processo contraordenacional,
XX) Ou links que permitam essa identificação, ou que a mesma conste da “ficha do processo”, uma vez que no caso dos autos o comunicado já estava publicado. Tendo, entretanto, sido retirado.
YY) Caso tal tivesse acontecido, a decisão de intimação não teria sido tão drástica e ambígua ao ordenar que a AdC cessasse com toda e qualquer publicidade da decisão final proferida, o que como se referiu supra vai para além do peticionado e do que tem sido a jurisprudência dos tribunais administrativos sobre esta temática.
ZZ) Deste modo, salvo o devido respeito, o facto n), deve ser reformulado, para ser corretamente dado como provado, com a redação seguinte:
“A AdC comunicou na sua página eletrónica que adotou uma decisão final sem identificação da G…, dos seus administradores ou colaboradores (ou dados ou informações que permitam essa identificação) e/ou com a referência a (ou a inclusão de) excertos da decisão final ou quaisquer atos ou diligencias constantes dos autos desse processo contraordenacional”.
AAA) Por seu turno, quanto ao facto o) o tribunal não faz a devia valoração deste facto conquanto no dispositivo intima a AdC a) a abster-se de divulgar a decisão final com a identificação das visadas e b) cessar a divulgação do comunicado já produzido, ambos até ao transito em julgado da decisão. É, portanto, flagrante a contradição entre a matéria dada como provada e a decisão, o que deve ser julgado e a sentença alterada em conformidade.
BBB) Finalmente, na fundamentação escreve-se que:
“Com efeito, a divulgação do teor, as partes, os meios de prova e outras informações para além da inserção no campo próprio da página da Entidade requerida, onde estão já acessíveis as decisões finais por si tomadas, designadamente, através de «notícias e eventos» inseridos na página de internet, de comunicados de imprensa, de inserção de hiperligações ou eventualmente de contacto direto com os meios de comunicação social não é proporcional face aos interesse público que o Direito da Concorrência pretende salvaguardar.”
CCC) Contudo, nenhum facto sustenta toda esta constatação, nem a fundamentação da matéria de facto permite fazer esta constatação tão transversal, exceto o referido nos acórdãos citados.
DDD) Salvo o devido respeito, que é muito, o supra exposto não deixa dúvidas quanto ao desacerto da decisão proferida pelo tribunal a quo e assim deve ser julgado, pois se assim tivesse ocorrido a sentença, até poderia ter condenado a AdC a abster-se de emitir comunicados para o futuro com aquelas menções até a mesma se tornar inimpugnável contenciosamente ou, no caso de impugnação contenciosa, até à emissão da sentença de 1.ª instância, mas já não seria ordenada a cessar a divulgação do comunicado e ou da decisão condenatória nos termos ordenados, por não provados.
Do manifesto erro na aplicação do Direito
EEE) O simples confronto entre o peticionado pela Requerentes, a (errada) apreciação dos factos/provas e o thema decidendum identificado pelo Tribunal a quo denuncia desde um primeiro momento o erro em que aquela incorreu.
FFF) A Sentença recorrida veda à AdC a possibilidade de divulgar publicamente que adotou uma decisão e parece vedar a possibilidade de publicar a decisão final, entretanto, adotada no processo contraordenacional n.º PRC/2022/2.
GGG) Ora, esta decisão é contrária à própria lei que impõe o dever de a AdC divulgar no seu site as decisões proferidas no âmbito dos processos de contraordenação – cf. n.º 6 do artigo 32.º e n.º 1 do artigo 90.º da Lei da Concorrência.
HHH) O Tribunal a quo entendeu que tais normativos não estavam em causa no presente processo com a chamada à colação do Acórdão do TCAS, de 20.1.2022, proferido no processo n.º 1282/21.0BELSB, citado no Acórdão daquele mesmo Tribunal, de 9.2.2023, proferido no processo n.º 1553/22.8BELSB.
III) O Acórdão citado e a própria Sentença afastam aqueles normativos porque entendem precisamente que está em causa a emissão de comunicados por parte da AdC a publicitar a adoção de decisões finais condenatórias e não a publicação das decisões finais.
JJJ) Aliás, é até por não estar em causa a publicação de decisões finais e, antes de comunicados, que o TCAS chama à jurisdição administrativa a apreciação desta matéria, na medida em que a possibilidade de a AdC emitir comunicados decorre dos seus Estatutos não estando esta possibilidade integrada especificamente no “processo sancionatório relativo a práticas restritivas da concorrência”, consagrado na secção II da Lei da Concorrência.
KKK) Para prosseguir a sua missão de promoção e defesa da concorrência, a AdC está adstrita a um conjunto de atribuições constantes do artigo 5.º dos seus Estatutos. Para as desempenhar dispõe, nos termos do artigo 6.º dos respetivos Estatutos, de poderes sancionatórios, poderes de supervisão e poderes regulatórios.
LLL) Nesta medida, e tendo presente o valor da transparência que deve pautar a atividade de qualquer entidade reguladora constante da Lei-Quadro das Entidades Reguladoras, onde se inclui a AdC e que está previsto no artigo 48.º, em concreto na alínea e) que refere que as entidades reguladoras devem disponibilizar na sua página eletrónica todos os dados relevantes, nomeadamente informação referente à atividade regulatória e sancionatória, a AdC deve disponibilizar informação sobre a adoção de decisões condenatórias na sua página eletrónica.
MMM) Igualmente no artigo 46.º dos Estatutos da AdC está previsto este dever de transparência, devendo, a AdC, para o efeito disponibilizar uma página eletrónica com os dados relevantes relativos às suas atribuições, e pode de acordo com o n.º 2 emitir e publicar na respetiva página eletrónica os relevantes comunicados de imprensa.
NNN) Com efeito, no âmbito da atividade sancionatória, a circunstância de ser adotada uma decisão final condenatória é, compreensivelmente, o momento mais relevante em termos de efetivação da missão da AdC, pelo que a divulgação de comunicados sobre decisões finais condenatórias terá necessariamente caráter relevante. E tal atuação da AdC, tem pleno respaldo na lei.
OOO) Ora, à luz de tudo o que acabou de se expor, veja-se em termos práticos, o paradoxal do decidido: em primeiro lugar, há que concluir pela plena legalidade da conduta da AdC em divulgar publicamente decisões finais condenatórias e a sua adoção; em segundo lugar, a AdC não publicou com o comunicado uma transcrição da decisão, ou identificação da requerente (ou possibilidade dessa identificação) como já se referiu supra, pelo que há manifesto erro de interpretação e aplicação dos artigos 5.º e 6.º dos Estatutos, n.º 2 do artigo 46.º e artigo 48.º da Lei-Quadro das Entidades Reguladoras.
PPP) Nesta medida, e (i) não tendo divulgado o nome da requerente (nem existe possibilidades dessa identificação) (ii) sendo o processo público, (iii) estando a AdC obrigada a publicar no seu site todas as decisões judiciais proferidas nos respetivos PRC’s, (iv) estando a AdC obrigada a publicar no seu site as decisões finais condenatórias, não se vislumbra o efetivo fundamento legal que impede a adoção de comunicados de decisões finais condenatórias, como comunicado sub judice
QQQ) Há que reiterar que ao intimar a AdC a abster-se de divulgar publicamente a decisão final do processo contraordenacional e da emissão de comunicados com a informação de que foi adotada uma decisão final condenatória, sem a identificação das visadas (ou a possibilidade dessa identificação) e sem excertos dessa decisão na senda da jurisprudência dos tribunais administrativos (ainda que não se acompanhe esta jurisprudência), o Tribunal a quo está a impor que a AdC deixe de praticar um dever a lei expressamente exige.
RRR) Significa isto que a Sentença Recorrida vem, flagrante e ilegalmente, impedir que a AdC possa, por um lado, divulgar/publicar no seu site a decisão final no âmbito de um processo que já não se encontra sujeito a segredo de justiça, com vista ao cumprimento dos seus deveres de transparência e de promoção de uma cultura de concorrência – cf. n.ºs 6 e 7 do artigo 32.º e artigo 90.º da Lei da Concorrência
SSS) Para além disso, este entendimento do Tribunal a quo não tem qualquer respaldo na lei uma vez que condena à desaplicação de duas normas vigentes sem qualquer fundamentação nesse sentido.
TTT) Com efeito, não tendo tais normas sido revogadas e não tendo o Tribunal a quo emitido qualquer juízo de inconstitucionalidade para fundamentar a sua desaplicação, não se vislumbram fundamentos para o Tribunal a quo intimar a AdC a abster-se de fazer tal publicação, não dando cumprimento ao referido normativo legal.
UUU) Quais os direitos, liberdades e garantias que o Tribunal a quo visa proteger com a presente intimação para efeitos de não emissão do comunicado dos autos e não publicação de decisões finais condenatórias?
VVV) Aqui chegados é imperativo concluir, mais uma vez, que com a presente intimação a Requerente, por intermédio da jurisdição administrativa, apenas pretende assegurar que a informação relativa à sua eventual condenação seja do conhecimento do menor número de pessoas possível, preferencialmente tornada praticamente secreta por imposição judicial, contornando a obrigação legal expressamente prevista e integrada sistematicamente na regulação do processo contraordenacional. Como sucedeu com a Sentença de que se recorre.
WWW) Salvo o devido respeito, o Tribunal a quo não o esclarece, razão pela qual não poderá o Tribunal ad quem deixar de repor a validade decisória, suprimindo as nulidades e o manifesto erro na aplicação do direito em que o Tribunal recorrido incorreu.
Nestes termos e nos demais de direito aplicáveis, deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência:
a) Declarada a nulidade da Sentença, nos termos e para os efeitos das alíneas c) e e) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC aplicável ex vi n.º 3 do artigo 140.º do CPTA;
b) Ser julgado procedente a errada apreciação da prova e proceder-se as alterações à matéria de facto em conformidade, e julgar em conformidade
c) deverá sempre ser confirmado o erro na aplicação do Direito e, em consequência, ser a sentença revogada, e substituída por outra que circunscreva o seu âmbito decisório aos comunicados e julgue legal o comunicado da AdC.
d) Em qualquer caso, e por mera cautela de patrocínio, deve o presente procedimento de intimação improceder por falta de fundamento legal.”
A autora respondeu à alegação da recorrente, contendo as suas alegações as seguintes conclusões:
“A. Como explicado no capítulo 3.1., o TAC de Lisboa não condenou a AdC em objeto diverso do pedido pela G…; condenou-a, sim, nos termos requeridos pela G…, satisfazendo os amplos e cautelosos pedidos formulados no requerimento inicial.
B. A alínea b) do decisório da sentença recorrida satisfez (e encontrava-se abrangida pelo) o segundo pedido abrangente, mas suficientemente determinado, deduzido pela G….
C. Através do comunicado da AdC publicado na pendencia deste processo, no qual se fazia, de um modo subtil, “a menção [de] que pode ser acedida informação adicional sobre o processo de contraordenação”, esta adotou a conduta que o primeiro pedido da G… visava impedir e, nesse sentido, considerando como boa a pretensão deduzida no presente processo, o TAC de Lisboa socorreu-se do segundo pedido e intimou aquela entidade a cessar essa conduta violadora dos direitos fundamentais da G….
D. Em suma, a sentença recorrida não “excedeu” ou “modificou” os pedidos da G…, tendo sim satisfeito esses pedidos propositadamente deduzidos de um modo amplo e cauteloso pelas razões referidas supra, pelo que não deve ser declarada a nulidade da sentença recorrida por (alegada) condenação em objeto diverso, nos termos do artigo 615.º, alínea e), do CPC.
E. Como explicado no capítulo 3.2., TAC de Lisboa circunscreveu o âmbito temporal da intimação requerida até ao trânsito em julgado da decisão final condenatória adotada pela AdC no âmbito do processo contraordenacional PRC/2022/2, mas isso não configura uma oposição entre oposição entre os seus fundamentos e a decisão proferida.
F. O Tribunal a quo aderiu em toda a linha à jurisprudência que citou na sentença recorrida, com exceção do âmbito temporal da produção de efeitos da intimação que decidiu, tendo adotado uma solução distinta, mais ampla de um ponto de vista temporal da que vem sendo decidida – o que é perfeitamente legítimo atentos os poderes de um tribunal relativos à sua liberdade decisão e não configura a nulidade invocada.
G. Em suma, a AdC confunde um hipotético erro de interpretação e de aplicação do Direito por parte do Tribunal a quo quanto ao tema do âmbito temporal da intimação (i.e., um erro de julgamento) com nulidade da sentença por falta de coerência entre os respetivos fundamentos e a decisão proferida (i.e., um erro lógico-formal).
H. No caso, quando muito, e sem conceder, poderia ter havido um erro de julgamento, e não uma contradição entre os fundamentos da sentença e a decisão proferida – o que é bem diferente para efeitos de apreciação do vício formal invocado pela Recorrente.
I. Além disso, atendendo ao objeto do recurso, tal como delimitado pela AdC, esta nunca invoca esse hipotético erro de julgamento – é dizer, não recorre materialmente dessa parte da decisão, limitando-se a atacá-la de um ponto de vista formal, com base num argumento previsto na lei adjetiva –, pelo a decisão em crise não pode ser posta em causa com base nesse erro não invocado pela Recorrente nas conclusões do recurso.
J. Por outro lado, também não se verifica qualquer oposição entre os fundamentos da sentença e a decisão recorrida pelo facto de o Tribunal a quo ter fixado a questão a decidir no tema da “possibilidade de emissão de comunicados a divulgar a adoção de decisões finais condenatórias” e, depois, ter intimado a AdC a não dar qualquer publicidade (ativa) à decisão final condenatória – como é evidente, o Tribunal reportou-se à divulgação e publicitação (ativa) dessa decisão, com a identificação da G…, dos seus administradores ou colaboradores (ou com menções ou sugestões de pesquisa inseridas em comunicados da AdC que permitam essa identificação…), não se reportou à publicação tout court dessa decisão, tal como prevista no artigo 91.º/1 do RJ da Concorrência.
K. Como explicado no capítulo 3.3., vistas as coisas com meridiana sensatez, é claro que o comunicado da AdC divulgou, publicitou, tornou (ativamente) público, o que se preferir, a adoção da decisão final condenatória, tendo o Tribunal a quo andado bem ao considerar provado que, “em 24/07/2024, a Requerida divulgou na sua página a decisão proferida no processo de contraordenação identificado na alínea a) supra em que, entre outros, é arguida a Requerente, com o seguinte teor: [printscreen do comunicado da AdC de 24.07.2024]” (cf. pp. 19-22 da sentença).
L. A AdC parece confundir uma vez mais “divulgar” e “publicar”; contudo, tendo o Tribunal a quo usado a primeira expressão, o facto previsto na alínea n) da matéria de facto dada como provado deve manter-se inalterado.
M. Como explicado no capítulo 3.4.1., a sentença recorrida não violou a norma prevista no artigo 90.º/1 do RJ da Concorrência, pois em momento algum do dispositivo da sentença se proíbe a AdC de publicar tout court a decisão final adotada no processo contraordenacional PRC/2022/2.
N. O que o Tribunal entendeu foi que, uma vez que já havia um comunicado elaborado em termos que punham em causa o primeiro segmento decisório, a AdC ficava intimada a cessar essa conduta contrária a essa parte da decisão, bem como a abster-se de dar uma publicidade ativa à sua decisão (com o nome da G…, seus administradores ou colaboradores), nomeadamente através da “divulgação de informações, comunicados, links[hiperligações], fichas de processo ou outros que contrariam o decisório, em particular o comunicado divulgado em 24/07/2024 e outros que produzam o mesmo efeito”.
O. Em suma, publicar e publicitar (i.e., divulgar, difundir, dar publicidade ativamente) não são uma e a mesma coisa; o TAC de Lisboa não proibiu a primeira conduta, proibiu a segunda – e, ponto muito relevante, proibiu se tal for feito com o nome das visadas ou em termos que permitam chegar ao nome delas.
P. Por outro lado, o Tribunal também andou bem ao intimar a AdC para que retirasse o comunicado publicado na pendência deste processo: de facto, nesse comunicado não constava a identificação da G…, nem um link por via do qual se podia chegar a essa identificação (com sucedeu na primeira intimação); no entanto, mencionava-se de forma sugestiva na respetiva parte final que “para informação adicional sobre o processo PRC 2022/2 aceda à página eletrónica da AdC”, o que, a partir dessa alusão subtil, permitiria que qualquer pessoa fosse à procura de mais informação sobre o processo, nomeadamente a decisão final propriamente dita e, aí, acedesse ao nome da G….
Q. Como explicado no capítulo 3.4.2., a sentença recorrida não violou as normas previstas no artigo 32.º/6 do RJ da Concorrência, nos artigos 5.º e 6.º dos seus Estatutos e nos artigos 46.º/2 e 48.º da Lei-Quadro das Entidades Reguladoras e, de todo o modo, a intimação instaurada pela G… deve ser julgada procedente.
R. A pretensão da G… encontra amplo apoio na jurisprudência administrativa, cujo entendimento de que a publicitação ativa, promovida pela AdC, da adoção de decisões contraordenacionais (ou das notas de ilicitude), com a identificação das entidades visadas, seja por que meio for, é ilegal está fortemente consolidado – v. Acórdãos do STA de 30.06.2022 (proc. 01282/21.0BELSB) e de 14.07.2022 (proc. 01556/21.0BELSB), Acórdãos deste TCA Sul de 09.02.2023 (proc. 1553/22.8BELSB), de 20.01.2022 (proc. 1282/21.0BELSB) e de 17.06.2021 (proc. 468/20.9BESNT).
S. A publicitação da adoção da decisão final da AdC, com a identificação da G…, dos seus administradores ou colaboradores, por quaisquer meios – designadamente, através de comunicados com a “menção [de] que pode ser acedida informação adicional sobre o processo de contraordenação” e, por essa via, através de simples pesquisa, seja possível chegar à identidade das visadas – tem o potencial de provocar, de imediato e sem mais, gravíssimos danos patrimoniais e não patrimoniais, colocando em causa direitos fundamentais da G… (em particular, o direito à manutenção efetiva do estatuto de presunção de inocência e o direito ao bom nome e à reputação).
T. Tal como a jurisprudência tem entendido, o dever de publicar uma versão não confidencial de decisões finais (artigo 90.º/1 do RJ da Concorrência) não se confunde com a atividade de divulgação ativa da adoção da decisão condenatória, nomeadamente através dos comunicados de imprensa que a AdC tem por hábito elaborar e publicitar no seu website e difundir junto dos meios de comunicação social.
U. Essa publicação ativa, urbi et orbi, traduz-se, em termos práticos, no mundo dos factos, em algo muito próximo da sanção acessória prevista no artigo 71.º/1, alínea a), do RJ da Concorrência, sem que tenha havido trânsito em julgado da decisão proferida no processo de contraordenação.
V. Além disso, não existe no RJ da Concorrência qualquer regra ou princípio que permita à AdC emitir comunicados de imprensa na sequência da adoção de decisão final condenatória, no seu website ou através do seu envio para a comunicação social, com a identificação da G…, dos seus administradores ou colaboradores, e com a inclusão de excertos de meios de prova, enquanto a decisão contraordenacional não for sujeita a qualquer controlo jurisdicional – e os Tribunais Administrativos têm sido unânimes quanto a esta matéria, não dando razão à AdC quando invoca o artigo 32.º/6 do RJ da Concorrência, os artigos 5.º e 6.º dos seus Estatutos e ainda os artigos 46.º/2 e 48.º da Lei-Quadro das Entidades Reguladoras para justificar a sua conduta.
W. Os deveres de transparência e informação que supostamente devem pautar a atuação da AdC e que se encontram previstos no RJ da Concorrência, nos seus Estatutos e na Lei-Quadro das Entidades Reguladoras não correspondem a deveres ou valores absolutos, devendo ser exercidos no respeito pelos princípios fundamentais que regem a atividade da Administração Pública, desde logo o respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos administrados.
X. Num juízo de ponderação dos interesses aqui em causa – entre os deveres de informação e transparência da AdC e os direitos fundamentais da G… à presunção de inocência, bom nome e reputação, e considerando que a publicitação dos tais comunicados de imprensa (quando ainda está em curso o prazo de impugnação judicial) afetaria de modo desproporcional, gravoso e irreparável estes últimos, enquanto os primeiros podem ser sempre realizados após a “confirmação” judicial da legalidade da decisão condenatória da AdC –, considera-se que o “prato da balança” pende a favor da G….
Y. Razões pelas quais a decisão proferida pelo TAC de Lisboa não padece de qualquer erro de julgamento por violação dos artigos artigo 32.º/6 do RJ da Concorrência, dos artigos 5.º e 6.º dos seus Estatutos e dos artigos 46.º/2 e 48.º da Lei-Quadro das Entidades Reguladoras e, em qualquer caso, a presente intimação deve ser julgada procedente.
Nestes termos:
a) Devem as nulidades invocadas ser julgadas improcedentes;
b) Deve o presente recurso ser julgado improcedente, mantendo-se a decisão recorrida;
c) Em todo o caso, deve a Autoridade da Concorrência ser intimada a abster-se de divulgar publicamente – seja por que meio for, nomeadamente comunicados colocados no seu website e/ou enviados para órgãos de comunicação social ou, ainda, mediante divulgação por qualquer outro meio ou forma –, na sequência de eventual adoção da decisão final condenatória que seja proferida no processo contraordenacional n.º PCR/2022/2, a identificação da G…, dos seus administradores ou colaboradores (ou dados ou informações que permitam essa identificação) e/ou com a referência a (ou a inclusão de) excertos da decisão final ou quaisquer atos ou diligências constantes dos autos desse processo contraordenacional;
d) E se no decorrer deste recurso, a AdC vier a adotar essa conduta, pede-se que ela seja intimada a praticar todos os atos necessários para cessar tal conduta.”
O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado nos termos e para efeitos do disposto no artigo 146.º, n.º 1, do CPTA, pugnou pela improcedência do recurso, nos termos da sentença recorrida.
Por requerimento de 07.05.2025, veio o recorrido pronunciar-se no sentido do não conhecimento do objecto do recurso por a recorrente não ter dado devida sequência ao convite feito por este Tribunal, nos termos do artigo 639.º, n.º 3 do CPC, não sintetizando as conclusões da sua alegação.
Sem vistos dos juízes-adjuntos, por se tratar de processo urgente (cfr. n.º 2 do artigo 36.º do CPTA), cumpre apreciar e decidir.


II – QUESTÕES A DECIDIR

Face às conclusões das alegações de recurso – que delimitam o respectivo objecto, nos termos do disposto nos artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.ºs 1 e 2, do CPC -, as questões que ao Tribunal cumpre solucionar são as seguintes:
a) Saber se a sentença padece de nulidade;
b) Saber se há erro de julgamento de facto;
c) Saber se há erro de julgamento de direito.

Como questão prévia, cumpre decidir se deve ser conhecido o objecto do presente recurso por não ter ocorrido sintetização das conclusões, conforme determinado.


III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A sentença recorrida fixou os seguintes factos, que considerou provados:
a) Corre termos na AdC um processo de contraordenação com a referência interna PRC/2022/2, no qual a ora Requerente é visada por alegadamente ter participado, com outras visadas, num acordo de fixação de preços e de repartição de mercado e de fontes de abastecimento (no-poach), facilitado pela Associação Nacional de Laboratórios, com o objetivo de “Deixar de discutir se descemos muito ou pouco, para discutir o quanto se deve subir“, de alcançar “Acordo com estabilidade de preços“, bem como a “estabilidade e defesa das margens”, no mercado da prestação de análises clínicas/patologia clínica em território nacional, que se manteve, de forma e ininterrupta, durante, pelo menos, seis anos (2016 a 2022), sendo que tais comportamentos, entende a AdC, consubstanciam uma restrição da concorrência por objeto, proibida nos termos das alíneas a) e c) do n.º 1 do artigo 9.º da Lei da Concorrência, e das alíneas a) e c) do n.º 1 do artigo 101.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (“TFUE”) – cfr. doc. juntos com os articulados e acordo das partes
b) Em 13/12/2022, o Conselho de Administração da AdC adotou a Nota de Ilicitude (“NI) e deu início à instrução – acordo das partes
c) Entre 01/03/2023 e 02/03/2023, todas as visadas (com exceção de uma) apresentaram as suas pronúncias e requereram diligências complementares de prova – cfr. fls.2210 a 3850 do processo contraordenacional n.º PCR/2022/2 – vol. 9;
d) Entre 11/04/2023 e 03/05/2023 realizaram-se as diligências complementares de prova - idem
e) Em 25/05/2023, a AdC notificou a G… para fornecer informações e documentos relativos ao volume de negócios, relativo ao exercício de 2022, da W… S.A. e da Centro de M…, S.A. - cfr. documento n.º 11 junto com o requerimento inicial
f) Em 01/06/2023, a AdC adotou relatório de diligências complementares de prova que notificou às visadas, fixando o prazo de 10 dias para se pronunciarem - cfr. documento n.º 12 junto com o requerimento inicial
g) Em 07/11/2023, a AdC notificou a G… da deliberação de prorrogação, até 13/06/2024, do prazo para conclusão da fase de instrução, em virtude das conversações e manifestações de interesse com vista a concluir a instrução nos termos da alínea b) do n.º 3 do artigo 29.º da Lei da Concorrência - cfr. documento n.º 13 junto com o requerimento inicial
h) Em 27/12/2023, a AdC, relativamente a duas visadas nos autos, concluiu a instrução e proferiu uma decisão condenatória em procedimento de transação, através do qual as empresas em causa reconheceram ou renunciaram a contestar a sua participação na infração em causa e a sua responsabilidade por essa infração, beneficiando de uma redução da coima - cfr. fls. 443 a 6455 e 6456 a 6471 do processo contraordenacional n.º PCR/2022/2- Vol. 16 e acordo das partes
i) Com a adoção da NI, foi levantado o segredo de justiça em toda a sua amplitude externa e interna e em consequência divulgou informação referente ao processo contraordenacional em que é visada a Requerente – acordo das partes
j) A Requerida divulgou publicamente, no seu website e/ou através da comunicação social, comunicados sobre as decisões condenatórias que adota no contexto de processos por ela promovidos, identificando expressamente as entidades visadas e incluindo excertos dos meios de prova constantes dos autos - cfr. comunicados juntos como doc. n.º 1 com o requerimento inicial e acordo das partes
k) Os comunicados emitidos pela Requerida contêm uma apresentação ou súmula das decisões condenatórias, a título meramente exemplificativo, as seguintes situações: (i) “por terem participado num esquema de fixação de preços de venda ao consumidor (…) a investigação conduzida pela AdC permitiu constatar que as empresas de distribuição participantes asseguraram o alinhamento dos preços de retalho nos seus supermercados (…) tal prática elimina a concorrência, privando os consumidores da opção de melhores preços, mas assegurando melhores níveis de rentabilidade para toda a cadeia de distribuição” [cfr. comunicado de 14/09/2022, pág. 1]; (ii) “Trata-se de uma prática altamente prejudicial dos consumidores, que afeta a generalidade da população portuguesa” (cfr. comunicado de 03/11/2021, pág. 2]; (iii) “o grupo F… passaria a controlar a gestão de alguns dos ativos imobiliários utilizados pelos concorrentes da L…, resultando desta integração vertical um risco de encerramento do mercado aos operadores hospitalares privados que dependem daqueles ativos imobiliários (…) a operação era, à luz dos elementos recolhidos à data, suscetível de gerar eventuais efeitos negativos nas condições de concorrência, com particular impacto no mercado da prestação de cuidados de saúde hospitalares por unidades privadas” [cfr. comunicado de 19/08/2021, pág. 3] – cfr. doc. n.º 1 junto com o requerimento inicial
l) A Requerida tem adotado uma postura de publicitação ativa desses seus comunicados juntos dos órgãos de comunicação social – cfr. doc. 2 junto com o requerimento inicial e acordo das partes
m) Em 18/07/2024, a Requerente foi notificada da decisão final proferida pela AdC no processo contraordenacional n.º PCR/2022/2 - cfr. documento n.º 1 junto com o requerimento a fls. 254 do SITAF
n) Em 24/07/2024, a Requerida divulgou na sua página a decisão proferida no processo de contraordenação identificado na alínea a) supra em que, entre outros, é arguida a Requerente, com o seguinte teor:


- cfr. doc. junto pela Requerida a fls. 271 do SITAF
o) Sobre o processo de contraordenação em discussão nos autos, tendo por Requerente a S… e Requerida correu termos neste Tribunal o processo n.º 3769/23.0BELSB, no qual foi decidido “Julgo procedente a presente intimação e, em consequência, intimo a Entidade Requerida a abster-se de divulgar publicamente, através de quaisquer comunicados, designadamente de imprensa, publicitados na sua página eletrónica e enviados para a comunicação social, ou por quaisquer outros meios conexos, a decisão final a prolatar no processo de contraordenação n.º PRC/2022/2, com a identificação da Requerente, ou de qualquer um dos respetivos administradores e colaboradores ou, ainda, de quaisquerelementos que permitam a sua identificação, até a mesma se tornar inimpugnável contenciosamente ou, no caso de impugnação contenciosa, até à emissão da sentença de 1.ª instância.” – consulta do SITAF, artigo 412.º do CPC”
Factos não provados
“Inexistem outros factos, para além dos que foram dados como assentes, com interesse para a decisão a proferir.”
Motivação
“A convicção do Tribunal quanto à matéria de facto dada por assente estribou-se, em geral, na apreciação crítica do teor dos documentos juntos aos autos, que não foram impugnados, concatenados com a posição manifestada pelo Requerente e pela Entidade Requerida nos respetivos articulados, particularmente no que tange aos factos relativamente aos quais as partes não se encontram em contrariedade [factos esses que ficaram expressamente assinalados no elenco da factualidade provada].
Foi, com efeito, a apreciação crítica e articulada de toda a prova carreada para os autos, conjugada com as regras da experiência comum, que sedimentou a nossa convicção quanto à matéria assente, tudo conforme ficou descrito e patenteado supra [artigos 362.º e seguintes do Código Civil, e 94.º, n.ºs 3 e 4 do CPTA, ex vi o artigo 111.º do mesmo diploma].”



IV – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Da questão prévia da sintetização das conclusões do recurso

Nos termos do despacho de 21.04.2025, foi a recorrente convidada a sintetizar as conclusões das alegações de recurso pela mesma apresentadas, não só diminuindo o seu número, mas também simplificando e clarificando o seu teor, em virtude de as mesmas se mostrarem prolixas e “quantitativamente excessivas”, desse modo dificultando a análise do recurso.
Por requerimento de 29.04.2025, veio a recorrente apresentar novas conclusões.
Notificada das mesmas, a recorrida pronunciou-se no sentido de não ter a recorrente acedido ao convite do Tribunal, o que determina, nos termos do n.º 3 do artigo 639.º do CPC, o não conhecimento do objecto do recurso, considerando que as novas conclusões, não só se mantêm anormalmente prolixas, como não foram simplificadas nem clarificadas, apenas tendo sido suprimidas algumas conclusões, correspondendo a uma reprodução do teor das alegações.
Contrapõe a recorrente que deu cumprimento ao determinado no referido despacho.
Vejamos.
Embora as conclusões apresentadas pela recorrente na sequência do convite que lhe foi dirigido para sintetizar as anteriormente apresentadas continuem a revelar prolixidade e redundância – o que dificulta a análise do recurso, sem se ter cumprido o desiderato visado pelo despacho de convite -, não se pode dizer que as mesmas não cumpram, de forma suficiente, o objectivo de identificar as concretas questões que delimitam o objecto do recurso. E assim sendo, não há fundamento para o não conhecimento de tal objecto.
Nestes termos, improcede esta questão invocada.


A. Da nulidade da sentença

Nos termos do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, “É nula a sentença quando: a) Não contenha a assinatura do juiz; b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível; d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento; e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.”

Alega a recorrente que sentença padece da nulidade a que se reporta a alínea e) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, dado que o pedido formulado pela recorrida se circunscrevia à intimação da recorrente a abster-se de emitir comunicados de imprensa que divulgassem a decisão final do PRC/2022/2, e a sentença intimou a recorrente a abster-se de divulgar publicamente a decisão, o que se traduz numa condenação muito mais abrangente do que aquela que foi peticionada.
Nos termos da alínea e) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, a sentença é nula quando “O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.”, em violação do comando contido no n.º 1 do artigo 609.º, nos termos do qual “A sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do que se pedir.”
Como consta da p.i., a autora pediu a intimação da entidade demandada a “abster-se de divulgar publicamente — seja por que meio for, nomeadamente comunicados colocados no seu website e/ou enviados para órgãos de comunicação social ou, ainda, mediante divulgação por qualquer outro meio ou forma —, na sequência de eventual adoção da decisão final condenatória que seja proferida no processo contraordenacional n.º PCR/2022/2, a identificação da G…, dos seus administradores ou colaboradores (ou dados ou informações que permitam essa identificação) e/ou com a referência a (ou a inclusão de) excertos da decisão final ou quaisquer atos ou diligências constantes dos autos desse processo contraordenacional. Em todo o caso, se, no decorrer deste processo, a AdC vier a adotar essa conduta, pede-se que ela seja intimada a praticar todos os atos necessários para cessar tal conduta.”
E, como consta da sentença recorrida, a entidade demandada foi intimada a “abster-se de divulgar publicamente — seja por que meio for, nomeadamente comunicados colocados no seu website e/ou enviados para órgãos de comunicação social ou, ainda, mediante divulgação por qualquer outro meio ou forma —, na sequência de eventual adoção da decisão final condenatória que seja proferida no processo contraordenacional n.° PCR/2022/2, a identificação da G…, dos seus administradores ou colaboradores ou dados ou informações que permitam essa identificação e/ou com a referência a [ou a inclusão de] excertos da decisão final ou quaisquer atos ou diligencias constantes dos autos desse processo contraordenacional até ao transito julgado da decisão final proferida no processo de contraordenação” e “a, no prazo de 48h, praticar todos os atos necessários para cessar tal conduta [“Uma vez que a Requerida publicou um comunicado no qual reproduz a decisão final, fazendo dele constar a menção que pode ser acedida informação adicional sobre o processo de contraordenação”], ou seja, toda e qualquer publicidade da decisão final proferida no processo de contraordenação até ao seu trânsito em julgado, bem como cessar a divulgação de links e cessação dos mesmos que conduzam à obtenção de informação adicional sobre o processo de contraordenação em discussão nos autos e em que é visada a Requerente, o que inclui praticar todos os atos necessários para cessar a divulgação de informações, comunicados, links[hiperligações], fichas de processo ou outros que contrariam o decisório, em particular o comunicado divulgado em 24/07/2024 e outros que produzam o mesmo efeito”.
Assim, sendo certo que a sentença intimou a recorrente a abster-se de divulgar publicamente a decisão, já não o é que o pedido da autora se circunscreva à intimação da entidade demandada a abster-se de emitir comunicados de imprensa que divulgassem a decisão final do PRC/2022/2, como é patente pela transcrição feita, da qual decorre, precisamente, que tal pedido é de intimação na abstenção de divulgação pública “seja por que meio for”.
Deste modo, não ocorre qualquer condenação em objecto diverso do pedido, o que afasta a invocada nulidade da sentença.

Mais invoca a recorrente a nulidade da sentença por a sua fundamentação estar em oposição com a decisão, que faz assentar em dois argumentos. Em primeiro lugar, alega que a fundamentação da sentença se reporta à publicitação de comunicados sobre adopção de decisões finais (afastando, assim, a aplicação das normas dos artigos 32.º, n.º 6, e 90.º, n.º 1, da Lei da Concorrência, referentes à publicação das decisões finais condenatórias), e, diferentemente, o seu dispositivo traduz-se na intimação da entidade demandada a abster-se de publicitar a decisão final proferida no processo de contraordenação até ao seu trânsito em julgado. Em segundo lugar, a fundamentação da sentença aponta para a intimação da entidade demandada à abstenção de publicitação da decisão final até à prolação da sentença de 1.ª instância, quando a respectiva decisão a intima a abster-se de publicar a decisão final antes do trânsito em julgado.
Nos termos da primeira parte da alínea c) do n.º do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, a sentença é nula quando “Os fundamentos estejam em oposição com a decisão”, ou seja, quando os fundamentos em que a decisão assenta “conduziriam logicamente, não ao resultado expresso na decisão, mas a um resultado oposto a esse” – cfr. Francisco Manuel Lucas Ferreira de Almeida (in Direito Processual Civil, Volume II, 2.ª Edição, Almedina, 2015, p. 370).
Compulsada a fundamentação da sentença recorrida, da mesma consta, em suma, que, em situação idêntica à dos presentes autos, a jurisprudência tem-se pronunciado no sentido de a Autoridade da Concorrência não estar legalmente habilitada a divulgar a identificação de arguidos, seus administradores ou colaboradores (ou dados ou informações que permitam essa identificação) com a referência a (ou a inclusão de) excertos da decisão final de processo contraordenacional ou quaisquer actos ou diligências de tal processo, antes do respectivo trânsito em julgado.
O dispositivo da sentença integra a intimação da entidade demandada a abster-se de divulgar publicamente a identificação da G…, dos seus administradores ou colaboradores ou dados ou informações que permitam essa identificação e/ou com a referência a [ou a inclusão de] excertos da decisão final ou quaisquer actos ou diligências constantes desse processo contraordenacional até ao trânsito julgado da decisão final proferida no processo de contraordenação.
Ora, não se descortina qualquer das invocadas contradições. Efectivamente, não só a fundamentação abrange a publicitação de decisões finais (e não apenas de comunicados sobre a adopção de tais decisões, como alega a recorrente) – pois que refere, expressamente, a Autoridade da Concorrência não pode divulgar quaisquer actos ou diligências do processo de contraordenação -, mas também refere que a proibição de divulgação ocorre até ao trânsito julgado da decisão final proferida no processo de contraordenação (e não apenas até à prolação da sentença de 1.ª instância, como alega a recorrente).
Assim sendo, improcede a invocada nulidade da sentença.


B. Do erro de julgamento de facto

Sobre o ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, dispõe o artigo 640.º do CPC, nos seus n.ºs 1 e 2, que deve o mesmo “obrigatoriamente” e “sob pena de rejeição”, especificar: a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; e c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Analisemos a impugnação da recorrente.
Alega a recorrente que a redacção do facto n) deveria ser reformulada nos seguintes termos: “A AdC comunicou na sua página eletrónica que adotou uma decisão final sem identificação da G…, dos seus administradores ou colaboradores (ou dados ou informações que permitam essa identificação) e/ou com a referência a (ou a inclusão de) excertos da decisão final ou quaisquer atos ou diligencias constantes dos autos desse processo contraordenacional”. Com efeito, entende que, da redacção constante da sentença recorrida, resulta que a Autoridade da Concorrência divulgou na sua página a decisão proferida, sem que o comunicado transcrito no mesmo facto tenha procedido a tal divulgação, tratando-se de uma “sumula, uma nota informativa e comunicacional objetiva e imparcial com o enquadramento da decisão, sem identificação da G…, dos seus administradores ou colaboradores (ou dados ou informações que permitam essa identificação) e/ou com a referência a (ou a inclusão de) excertos da decisão final ou quaisquer atos ou diligencias constantes dos autos desse processo contraordenacional”.
Vejamos.
O ponto n) da matéria de facto constante da sentença recorrida tem a seguinte redacção: “Em 24/07/2024, a Requerida divulgou na sua página a decisão proferida no processo de contraordenação identificado na alínea a) supra em que, entre outros, é arguida a Requerente, com o seguinte teor:




- cfr. doc. junto pela Requerida a fls. 271 do SITAF
É com base neste mesmo teor que a recorrente pugna pela alteração da redacção do facto, essencialmente substituindo a referência à divulgação da decisão proferida no processo de contraordenação pela comunicação de adopção de tal decisão, e acrescentando a referência à não identificação “da G…, dos seus administradores ou colaboradores (ou dados ou informações que permitam essa identificação) e/ou com a referência a (ou a inclusão de) excertos da decisão final ou quaisquer atos ou diligencias constantes dos autos desse processo contraordenacional”.
Acontece que a alteração de redacção do ponto n) da matéria de facto, pretendida pela recorrente visa, não alterar a factualidade, mas a assunção de um juízo conclusivo sobre o teor da publicação transcrita no ponto em causa. Com efeito, saber se tal publicação se traduz numa divulgação da decisão proferida no processo de contraordenação ou numa mera comunicação de adopção de tal decisão é uma apreciação do facto correspondente ao teor da publicação, também o sendo a referência que a recorrente pretende acrescentar à redacção, no sentido de a publicação não conter a identificação da autora, seus administradores ou colaboradores, nem referências à decisão ou qualquer acto ou diligência do processo de contraordenação. Ora, os juízos conclusivos não são factos, enquanto exteriorizações de ocorrências da vida real, circunstância esta que, só por si, é apta a afastar a sua pertinência em sede de matéria de facto. De facto, os meros juízos conclusivos que pressupõem a prova de factos, enquanto exteriorizações de ocorrências da vida real, e correspondem ao resultado da sua análise, não devem constar do elenco da matéria de facto da sentença.
Nestes termos, não estando em causa qualquer alteração de facto, improcede a impugnação neste ponto.

Mais alega a recorrente que deveria constar da matéria de facto “se da alegada reprodução da decisão no comunicado consta a identificação da G…, dos seus administradores ou colaboradores (ou dados ou informações que permitam essa identificação) e/ou com a referência a (ou a inclusão de) excertos da decisão final ou quaisquer atos ou diligências constantes dos autos desse processo contraordenacional”.
Mas também neste ponto não lhe assiste razão, e pelo mesmo motivo que levou à improcedência da impugnação acabada de analisar. Efectivamente, e mais uma vez, não está aqui em causa factualidade, antes um juízo sobre factualidade, pois que o que a recorrente pretende que integre o probatório é se do teor do comunicado que consta do ponto n) da matéria de facto consta a identificação da autora, seus administradores ou colaboradores, ou referências à decisão ou qualquer acto ou diligência do processo de contraordenação, e isso é um juízo conclusivo que se retira da análise daquele teor, não podendo, por isso, integrar a matéria de facto.

Alega ainda a recorrente que deveria ter sido dado como provado que a autora e a entidade demandada consideraram que, com a publicação do comunicado, a primeira não divulgou publicamente a decisão final com identificação da segunda, dos seus administradores ou colaboradores (ou dados ou informações que permitam essa identificação) e/ou com a referência a (ou a inclusão de) excertos da decisão final ou quaisquer actos ou diligências constantes dos autos desse processo contraordenacional, ou links que permitam essa identificação, ou que a mesma conste da “ficha do processo”, uma vez que, no caso dos autos, o comunicado já estava publicado, tendo, entretanto, sido retirado, considerando que resulta do artigo 611.º do CPC que a sentença deve atender aos factos jurídicos supervenientes, ou seja, factos novos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito, e que tal foi reconhecido pela autora no parágrafo 7 do seu requerimento de 05.08.2024, ref.ª 858922, além de que o Tribunal o considerou, pelo menos parcialmente, pois, afirma “Na verdade, ainda que do comunicado não conste a identificação expressa da Requerente”, ainda assim havia uma indicação no comunicado para a possibilidade de consulta do processo no site da AdC – sentença p. 16.
E, também aqui, estamos perante juízos conclusivos, emergentes de factos, concretamente juízos subjectivos das partes, que não têm enquadramento no probatório por não constituírem verdadeiros factos.

Ante o exposto, improcede o invocado erro de julgamento de facto.


C. Do erro de julgamento de direito

A sentença recorrida intimou a entidade demandada a abster-se de divulgar publicamente a identificação da G…, dos seus administradores ou colaboradores ou dados ou informações que permitam essa identificação e/ou com a referência a [ou a inclusão de] excertos da decisão final ou quaisquer actos ou diligências constantes desse processo contraordenacional até ao trânsito julgado da decisão final proferida no processo de contraordenação, por a Autoridade da Concorrência não estar legalmente habilitada a divulgar a identificação de arguidos, seus administradores ou colaboradores (ou dados ou informações que permitam essa identificação) com a referência a (ou a inclusão de) excertos da decisão final de processo contraordenacional ou quaisquer actos ou diligências de tal processo, antes do respectivo trânsito em julgado.
É contra o assim decidido que se insurge a recorrente, alegando que a intimação a cessar toda e qualquer publicidade da decisão final proferida no processo de contraordenação até ao seu trânsito em julgado, sem limitar essa imposição ao âmbito dos comunicados, a impede de publicar a decisão na sua página electrónica e, assim, de cumprir o dever que lhe é imposto pelas normas dos artigos 32.º, n.º 1, e 90.º da Lei da Concorrência, do artigo 48.º, alínea e), da Lei-Quadro das Entidades Reguladoras, e do artigo 46.º dos Estatutos da Autoridade da Concorrência.
A Lei n.º 19/2012, de 08 de Maio, que estabelece o regime jurídico da concorrência, dispõe, nos n.ºs 6, 7 e 8 do seu artigo 32.º, que a AdC tem o dever de publicar, na sua página electrónica: (i) as informações essenciais sobre processos pendentes para realização do interesse público de disseminação de uma cultura favorável à liberdade de concorrência, salvaguardando a presunção de inocência dos visados e os interesses da investigação, (ii) as decisões finais adoptadas em sede de processos por práticas restritivas, sem prejuízo da salvaguarda dos segredos de negócio e de outras informações consideradas confidenciais, e (iii) as sentenças e acórdãos proferidos pelos tribunais, no âmbito de recursos de decisões da AdC. Estabelecem ainda os n.ºs 1 e 4 do artigo 90.º que a AdC tem o dever de publicar na sua página electrónica a versão não confidencial das decisões (de inquérito e instrução) que tomar ao abrigo das alíneas c) e d) do n.º 3 do artigo 24.º, do n.º 3 do artigo 29.º, do n.º 1 do artigo 50.º e do n.º 1 do artigo 53.º, referindo se as mesmas estão pendentes de recurso judicial, bem como as decisões judiciais de recursos instaurados nos termos do n.º 1 do artigo 84.º e do n.º 1 do artigo 89.º (processos contraordenacionais).
A Lei n.º 67/2013, de 28 de Agosto (Lei-quadro das entidades administrativas independentes com funções de regulação da atividade económica dos setores privado, público e cooperativo), estipula, na alínea e) do seu artigo 48.º, que as entidades reguladoras devem disponibilizar uma página electrónica, com todos os dados relevantes, nomeadamente, informação referente à sua atividade regulatória e sancionatória.
Nos termos do n.º 1 do artigo 46.º dos Estatutos da Autoridade da Concorrência, aprovados pelo Decreto-Lei n.º 125/2014, de 18 de Agosto, “A AdC disponibiliza uma página eletrónica, com os dados relevantes relativos às suas atribuições (…)”, dispondo o n.º 2 do mesmo artigo que “A AdC pode emitir e tem o dever de publicar na respetiva página eletrónica os comunicados de imprensa relevantes.” Assim, de tais normas não resulta que incumba à AdC o dever de publicar na sua página electrónica as decisões dos processos de contraordenação. Diferentemente, o que decorre de tais normas é somente que, na sua página electrónica, a AdC deve publicar “os dados relevantes relativos às suas atribuições” e “os comunicados de imprensa relevantes”.
Em face do teor das normas citadas, concluímos que nenhuma delas impõe à Autoridade da Concorrência um qualquer dever de publicitar a decisão final proferida no processo de contraordenação até ao seu trânsito em julgado. E, assim sendo, a intimação da requerida a não fazer tal publicitação não belisca qualquer dos deveres de publicação que as citadas normas estabelecem a cargo da requerida.

Mais alega que, ao decidir como decidiu, o Tribunal a quo não valorou devidamente o facto o).
O facto o) tem o seguinte teor: “Sobre o processo de contraordenação em discussão nos autos, tendo por Requerente a S… e Requerida correu termos neste Tribunal o processo n.° 3769/23.0BELSB, no qual foi decidido "Julgo procedente apresente intimação e, em consequência, intimo a Entidade Requerida a abster-se de divulgar publicamente, através de quaisquer comunicados, designadamente de imprensa, publicitados na sua página eletrónica e enviados para a comunicação social, ou por quaisquer outros meios conexos, a decisão final a prolatar no processo de contraordenação n. ° PRC/ 2022 / 2, com a identificação da Requerente, ou de qualquer um dos respetivos administradores e colaboradores ou, ainda, de quaisquer elementos que permitam a sua identificação, até a mesma se tornar inimpugnável contenciosamente ou, no caso de impugnação contenciosa, até à emissão da sentença de 1. a instância." — consulta do SITAF, artigo 412.° do CPC.”
Como já referido, a sentença recorrida intimou a entidade demandada a abster-se de divulgar publicamente a identificação da G…, dos seus administradores ou colaboradores ou dados ou informações que permitam essa identificação e/ou com a referência a [ou a inclusão de] excertos da decisão final ou quaisquer actos ou diligências constantes desse processo contraordenacional até ao trânsito julgado da decisão final proferida no processo de contraordenação.
Ora, não se percebe em que medida é que uma adequada valoração do citado facto determinaria uma decisão diferente, sem que a recorrente o explique minimamente, o que, necessariamente, obsta à análise de tal alegação. Não basta ao recorrente manifestar a sua discordância com a decisão ou com uma afirmação da decisão recorrida, impondo-se-lhe que apresente as razões em que assenta tal dissensão, de modo a permitir ao Tribunal efectuar o escrutínio subjacente ao recurso jurisdicional, uma vez que o princípio do dispositivo impede que o Tribunal de recurso aprecie a decisão em termos diferentes dos apresentados no recurso, excepto quando estejam em causa questões de conhecimento oficioso.

Padece também de concretização a alegação de que nenhum facto sustenta a afirmação, constante da sentença, de que, “Com efeito, a divulgação do teor, as partes, os meios de prova e outras informações para além da inserção no campo próprio da página da Entidade requerida, onde estão já acessíveis as decisões finais por si tomadas, designadamente, através de «notícias e eventos» inseridos na página de internet, de comunicados de imprensa, de inserção de hiperligações ou eventualmente de contacto direto com os meios de comunicação social não é proporcional face aos interesse público que o Direito da Concorrência pretende salvaguardar.” Deste modo, a recorrente não põe em causa tal afirmação de forma substanciada, assim inviabilizando a análise da sua crítica.

Alega também a recorrente que a decisão recorrida contraria a jurisprudência dos Tribunais Superiores, que limitou esta abstenção apenas até à prolação de decisão em 1.ª instância, afastando a necessidade do trânsito em julgado da decisão.
Como vimos, a sentença recorrida intimou a entidade demandada a abster-se de divulgar publicamente a identificação da G…, dos seus administradores ou colaboradores ou dados ou informações que permitam essa identificação e/ou com a referência a [ou a inclusão de] excertos da decisão final ou quaisquer actos ou diligências constantes desse processo contraordenacional até ao trânsito julgado da decisão final proferida no processo de contraordenação.
A questão em apreço tem sido tratada pela jurisprudência de modo uniforme, no sentido de que tal abstenção, em caso de impugnação contenciosa da decisão final administrativa, só deveria vigorar até à emissão da sentença em 1ª instância, atento o disposto nos artigos 86.º, n.º 6, alínea b), e 88.º, n.º 2, alínea a), do CPP, não fazendo sentido estabelecer-se para o processo contraordenacional um regime de publicitação dos autos mais fechado do que o previsto em processo criminal – neste sentido, cfr. o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 30.06.2022, proferido no processo n.º 01282/21.0BELSB (in www.dgsi.pt). Na verdade, como se escreve no Acórdão citado, “(…) em processo criminal, quando o regime seja o da publicidade, como é o regime regra - art. 86° n° 1 do CPP - e é o caso concreto -, não é necessário aguardar pelo trânsito em julgado da última decisão jurisdicional para se poderem publicitar as peças processuais ou documentos do processo já que tal pode ser feito logo após a sentença de 1ª instância. Ou seja, tal pode acontecer antes do trânsito da decisão jurisdicional final, como resulta dos arts. 86° n° 6 b) e 88° n° 2 a) do CPP. Ora, se é assim em processo-crime, por maioria de razão não poderá ser diferente em processo contraordenacional, também público. Assim, não poderá ser-se mais exigente do que no processo criminal, tanto mais que o regime processual subsidiário é, nos termos do art. 83° da Lei da Concorrência, o regime do ilícito de mera ordenação social e que, por sua vez, o regime subsidiário deste é, por força do art. 41° do DL 433/82, o dos “preceitos reguladores do processo criminal” (ou seja, o CPP). Em suma, à “AdaC” bastará a emissão da sentença em 1ª instância jurisdicional para que a publicação possa ser possível, e não já, necessariamente, o trânsito em julgado das decisões jurisdicionais. Temos, assim, de concluir que a Recorrente não pode publicitar, através de comunicados ou quaisquer outros meios, antes de se tornar inimpugnável contenciosamente a decisão administrativa que vier a ser proferida no âmbito do processo de contra-ordenação com a referência PRCI2O17/8, ou antes da emissão da sentença de 1ª instância, no caso de impugnação contenciosa daquela decisão administrativa.”
Transpondo tal entendimento – com o qual concordamos - para o caso em apreço, concluímos que assiste razão à recorrente neste ponto, impondo-se a alteração da decisão recorrida no sentido de a determinação na mesma contida se circunscrever a momento anterior a decisão inimpugnável em processo contraordenacional, ou a sentença em 1ª instância no caso de impugnação contenciosa daquela decisão.
*
Sem custas, nos termos do artigo 4.º, n.º 2, alínea b), do Regulamento das Custas Processuais.


V – DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes da Subsecção comum da Secção administrativa do Tribunal Central Administrativo Sul em conceder parcial provimento ao recurso interposto, e, em consequência, intimar a entidade demandada a abster-se de divulgar publicamente a identificação da G…, dos seus administradores ou colaboradores ou dados ou informações que permitam essa identificação e/ou com a referência a [ou a inclusão de] excertos da decisão final ou quaisquer actos ou desse processo contraordenacional, antes de decisão inimpugnável em processo contraordenacional, ou antes de sentença em 1ª instância no caso de impugnação contenciosa daquela decisão.

Sem custas.


Lisboa, 18 de Junho de 2025

Joana Costa e Nora (Relatora)
Marcelo Mendonça
Ricardo Ferreira Leite