Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:01863/07
Secção:CT - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:10/16/2007
Relator:VALENTE TORRÃO
Descritores:IMPOSTO MUNICIPAL DE SISA. ARTº 19º, PARÁGRAFO 3º, REGRA 9 DO RESPECTIVO CÓDIGO. VALOR TRIBUTÁVEL NO CASO DE CESSÃO DE CRÉDITOS EM QUE O PREÇO FOI PAGO COM ENTREGA DE IMÓVEIS.
Sumário:1. Tendo a recorrente cedido a outra sociedade créditos de determinado montante e tendo recebido desta vários imóveis para efeitos de pagamento, estamos perante uma dação em pagamento, em que o valor pecuniário é substituído por outra forma de pagamento.

2. Sendo assim, por aplicação do artº 19º, parágrafo 3º, regra 9 do Código do Imposto Municipal de Sisa, o valor a considerar para efeitos de sisa é o da importância da dívida que se pretendeu pagar com a entrega dos imóveis, sendo irrelevante o preço acordado pelas partes quanto à cessão desses mesmos créditos.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

1. A Fazenda Pública veio recorrer da decisão do Mmº Juiz do TAF de Lisboa que julgou procedente a impugnação deduzida por “S..., SA”, contra a liquidação adicional do Imposto Municipal de Sisa e juros compensatórios relativamente ao exercício de 2000, apresentando, para o efeito, alegações nas quais conclui:

a) Em 14/07/2000, a recorrida adquiriu, através de contratos de cessão de créditos, a três Instituições Bancárias, créditos no valor de 4.353.448.304$00;

b)Na mesma data, celebrou novo contrato, desta feita com a sociedade S..., no qual cedeu estes e outros créditos, recebendo em troca 8 lotes de terreno para construção;

c) O valor determinante para efeitos de liquidação de SISA não pode deixar de ser o resultante da soma das seguintes parcelas que constituíram a contraprestação efectuada pela recorrida à S... em troca dos lotes de terreno:
- Créditos adquiridos aos Bancos - 4.353.448.304$00;
- Crédito da recorrida sobre a S... - 607.685.319$00;
- Pagamento à S..., através de garantia bancária - 450.000.000$00;
- Pagamento a F...Group Hotel - 30.000.000$00;
- Pagamento à sociedade A...- 180.000.000$00;
- Pagamento a P...- 60.000.000$00.
d)A soma destes montantes totaliza 5.681.133.623$00, valor este que deve ser considerado como base tributável, nos termos do disposto no art. 19° § 2° e § 3° regra 9a do CIMSISD;

e) F...detinha o domínio sobre o capital da S..., pelo que existia confusão entre as várias entidades envolvidas, só assim se compreendendo que esta tenha sido garante do cumprimento de obrigações daquele;

f) Através da celebração dos contratos de cessão de créditos, a recorrida ficou habilitada a exigir o pagamento dos créditos que antes pertenciam às Instituições Bancárias, assumindo a posição de credora;

g) No entanto, em vez disso, recebeu os lotes de terreno, ocorrendo, assim uma dação de bens em pagamento.

h) Pelo que, a douta sentença recorrida fez uma errada valoração dos factos e da sua consequência jurídico-fiscal.

Pelo exposto, deve ser dado provimento ao presente recurso e consequentemente revogada a sentença recorrida, que deverá ser substituída por acórdão que mantenha a liquidação impugnada, só assim se fará JUSTIÇA.

2. O MºPº emitiu parecer no sentido da procedência do recurso (v. fls. 155).

3. Colhidos os vistos legais cabe agora decidir.

4. Com interesse para a decisão foram dados como provados em 1ª instância os seguintes factos:

A Impugnante exerce a actividade de promoção de investimentos imobiliários e de compra e venda de prédios adquiridos para esse fim.

A sociedade S...-Promoções Turísticas por Valoração de Propriedades, Ld.ª, de ora em diante nomeada abreviadamente por S..., era proprietária dos seguintes lotes de terreno para construção, todos sitos em Bem Parece, freguesia e concelho de Albufeira:
— lote n.º 1 inscrito na matriz sob o artigo 16956, com valor matricial de 111.920.000$00
— lote n.º 2 inscrito na matriz sob o artigo 16957, com o valor matricial de 83.350.000$00
— lote n.º 3 inscrito na matriz sob o artigo 16958, com o valor matricial de 114.150.000$00
— lote n.º 4 inscrito na matriz sob o artigo 16959, com o valor matricial de 143.740.000$00
— lote n.º 5 inscrito na matriz sob o artigo 16960, com o valor matricial de 34.500.000$00
— lote n.º 6 inscrito na matriz sob o artigo 16961, com o valor matricial de 273.880.000$00
— lote n.º 7 inscrito na matriz sob o artigo 15984, com o valor matricial de 114.184.000$00
— lote n.º 8 inscrito na matriz sob o artigo 16983, com o valor matricial de 189.000.000$00;

Nos lotes acima referidos estavam registados os seguintes ónus:
a) hipoteca a favor da C... para garantia de créditos da responsabilidade de C... e mulher até ao montante de 1.007.500.000$00;
b) hipoteca a favor da C... para garantia de créditos da responsabilidade dos mesmos até ao montante máximo de 775.000.000$00;
c) penhora judicial determinada no âmbito do processo executivo n.º 1078, do 1.º Juízo Cível do tribunal judicial da Comarca de Aveiro, para pagamento de um crédito da exequente D..., Ld. no montante de 3.112.500.110$00;

Por escrituras públicas lavradas em 14 de Julho de 2000, no 4.º Cartório Notarial de Lisboa e por instrumento notarial avulso lavrado, no mesmo dia, no Cartório Privativo da C..., a Impugnante adquiriu, com as garantias e outros acessórios inerentes, os seguintes direitos:
a) à C... créditos no montante de 2.935.595.881$00 sobre os já referenciados C... e mulher e, ainda, a sociedade S...- Sociedade de Construções C..., Ld.ª, garantidos pelas hipotecas especificadas nas al. a) e b) do n.º 3 supra, até aos limites aí referidos;
b) ao Banco Pinto & Sotto Mayor créditos no montante de 1.049.806.256$00 sobre os mesmos devedores mencionados na alínea antecedente;
c) ao B...de Lisboa créditos no montante de 368.046.165$00 sobre os ditos F...Santos e mulher;

O pagamento dos créditos especificados nas alíneas b) e c) do número anterior não estava assegurado por quaisquer garantias registadas sobre os lotes de terreno identificados supra.

O total dos créditos cedidos pela C..., pelo S... e pelo B...de Lisboa à Impugnante totalizava 4.353.448.304$00.

Os devedores C... e mulher estavam já demandados em processo de falência.

Os créditos das três instituições de crédito referidas só parcialmente estavam assistidos de garantia real:
— o da C... até 1.782.500.00$00, sendo o crédito de 2.935.595.881$00;
— o do S... até 555.650.000$00, sendo o crédito de 1.049.806.256$00;
— o do B...de Lisboa até 225.000.000$00, sendo o crédito de 368.046.165$90;

A mais disso, havia já uma penhora registada sobre os lotes de terreno no montante de 3.112.500.110$00.

Havia forte insegurança dos credores quanto à sua cobrabilidade total, o que permitiu à Impugnante negociar a aquisição e pagamento deles pelo preço de 1.460.000.000$00.

Também por escritura notarial de 14 de Julho de 2000 a Impugnante cedeu à S... esses créditos que havia adquirido às três instituições bancárias, especificados supra, pelo mesmíssimo preço por que os havia adquirido, ou seja, 1.460.000.000$00.

A cessão dos créditos foi feita sem garantia de solvência dos devedores, mas com todas as garantias e outros acessórios que acompanhavam tais créditos, com excepção das hipotecas que incidiam sobre os lotes de terreno supra identificados.

A acrescer à cessão de créditos, e em simultâneo, a Impugnante entregou à S... uma garantia bancária autónoma, irrevogável, incondicional e pagável à primeira solicitação para assegurar o pagamento da quantia de 450.000.000$00 até ao dia 14 de Janeiro de 2001.

No prazo devido a S... recebeu essa quantia.
Ainda nessa escritura, a sociedade D...s, Ld.ª declarou estar totalmente compensada dos créditos que tinha em execução judicial contra a S..., designadamente o reclamado no processo n.º 1078-A/98, do 1.º Juízo Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, no qual estavam já penhorados os lotes de terreno referenciados supra.

Mais declarou, em consequência, que desistia das penhoras ordenadas nesse processo sobre os lotes de terreno, obrigando-se a pôr termo à execução e a promover o cancelamento das inscrições desses ónus.

A satisfação dos créditos e a desistência dessas penhoras foi negociada e acertada entre a credora-exequente e a devedora-Executada.

A Impugnante nenhuma intervenção teve nesse negócio.

Por isso, a Impugnante nenhum valor despendeu e nenhuma contrapartida prestou para que os lotes de terreno ficassem libertos dessas penhoras.

Ainda nesse mesmo acto notarial, como contrapartida pela transmissão dos créditos bancários especificados no n.º 4, acrescida da obrigação de pagamento da quantia de 450.000.000$00, confortada com a garantia bancária on first demand, a S... transmitiu para a Impugnante a propriedade dos 8 lotes de terreno referenciados supra.

Finalmente, e ainda adentro da economia do negócio que fez com a S... para aquisição dos lotes, a Impugnante obrigou-se ainda a fazer, como fez, os seguintes pagamentos por ordem e no interesse da S...:
a) de 30.000.000$00 a F...Group Hotel por infraestruturas realizadas na urbanização;
b) de 180.000.000$00 a A... Investiments;
c) de 60.000.000$00 a P...;

A Impugnante foi sujeita a uma acção inspectiva com o objectivo de ser analisado o cumprimento das obrigações tributárias no âmbito do imposto municipal de sisa relativamente ao exercício de 2000.
No decurso desse acto inspectivo fez o pedido de liquidação da sisa pelo valor de 2.180.000.000$00, que foi o contabilizado pela aquisição dos lotes de terreno.

Pelo ofício n.º 2035, de 9 de Fevereiro de 2005, do Serviço de Finanças de Albufeira, a Impugnante foi notificada para pagar a quantia de EUR 3.567.636,70, sendo EUR 2.833.737,50 de imposto municipal de sisa e EUR 733.899,20 de juros compensatórios.

Entretanto, pelo ofício n.º 3428, de 5 de Abril de 2005, o mesmo Serviço de Finanças anulou a notificação anterior, corrigindo o pagamento a fazer para EUR 1.860.038,82, sendo EUR 1.746.358,09 de imposto e EUR 113.680,73 de juros compensatórios.

O valor total das dívidas garantidas por hipotecas ascende ao montante global de 2.569.050.000$00, como se discrimina:
      Identificação do crédito
Valor
Ponto b) do relatório1.782.500.000$00
Ponto b3) do relatório112.800.000$00
Idem131.600.000$00
Ponto b4) do relatório51.875.000$00
Ponto b5) do relatório259.375.000$00
Ponto b7) do relatório80.500.000$00
Ponto b8) do relatório75.200.000$00
Ponto b9) do relatório75.200.000$00
TOTAL2.569.050.000$00

O valor total considerado pela Administração Fiscal como tendo sido dispendido pela Impugnante para a aquisição dos lotes de terreno ascendeu a 5.681.133.623$00, sendo assim considerado: o valor total dos créditos cedidos (4.353.448.304$00 + 607.685.319$00) adicionado ao montante pago a terceiros de 720.000.000$00.

Foi sobre este valor que a administração entendeu ser de aplicar a taxa de 10% prevista no artigo 33.º do CIMSISA, pelo que resultou o total de imposto devido no montante de 568.113.362$00.




5. A recorrente imputa à decisão recorrida o erro de julgamento da matéria de facto e de direito, uma vez que não retirou dos factos provados as implicações daí decorrentes ao nível das regras de direito.

Isto porque, em seu entender, o valor a considerar para efeitos de sisa, deveria ser o de 5.681.133.623$00 e não apenas o declarado no montante de 2.180.000.000$00, em face do disposto no artº 19º, parágrafos 2º e 3º, regra 9 do Código de Sisa.

Resulta da decisão recorrida que esta considerou que não se verificou qualquer dação em pagamento, pelo que, por aplicação do parágrafo 2º do artº 19º citado, para efeitos de sisa, o valor considerado deveria ser – como foi declarado pela impugnante – o preço acordado pelas partes por ser superior ao valor patrimonial dos prédios.

Por sua vez, a recorrente Fazenda Pública alega que é aplicável o pará-
grafo 3º, regra 9ª, do mesmo artº 19º, uma vez que a recorrida era titular de direitos de crédito que lhe permitiam obter o respectivo valor pecuniário. Ao receber terrenos em de valor pecuniário, e sendo certo que estes não eram objecto do contrato de crédito, dúvidas não restam de que foi efectuada uma dação em pagamento.

Quid juris?

Parece-nos que é a argumentação da recorrente a que colhe o apoio legal.

Na verdade, a recorrida havia adquirido os créditos aos bancos e por causa deles suportado outras despesas. Para isso dispendeu valores pecuniários que poderia também ter obtido pela cessão posteriormente efectuada para a S....

Porém, ao ceder os créditos a esta (S...), e apesar de alegadamente o ter feito pelo preço de aquisição, não recebeu valor pecuniário objecto dos créditos, antes e, por conta desse valor, vários terrenos.

Temos então que a S... para pagamento da cessão de créditos entregou à recorrida bens diversos dos constantes do objecto dos créditos, ou seja deu os terrenos para pagamento da cessão de créditos.
.
Sendo assim, é aplicável o disposto do citado artº 19º, parágrafo 3º, regra 9, segundo o qual nas transmissões por meio de dação em pagamento o imposto municipal de sisa é calculado sobre a importância da dívida que for paga com os bens transmitidos, ou sobre o valor patrimonial deles, se for superior.

Então, sendo os valores dos créditos a transmitir todos os referidos no artº 12º da contestação, no montante global de 5.681.133.623$00, e pretendendo a dação dos terrenos pagar essa cessão de créditos, o valor para efeitos de sisa tem de ser este, tal como foi considerado pela Administração Tributária.

É irrelevante, para o caso, que a recorrida tenha adquirido tais créditos por valor inferior e que também tenha sido esse mesmo valor o agora declarado pela cessão à S..., já que a lei estabelece critério para se apurar o valor tributável.

Deste modo, procedem as conclusões das alegações e, em consequência, o recurso.

6. Nestes termos e pelo exposto concede-se provimento ao recurso, revogando-se a decisão recorrida e julgando-se improcedente a impugnação.

Custas pela recorrida apenas em 1ª instância.

Lisboa, 16/10/2007

VALENTE TORRÃO
CASIMIRO GONÇALVES
PEREIRA GAMEIRO