| Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
| Processo: | 6137/25.6BELSB | 
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| Secção: | CA | 
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| Data do Acordão: | 10/23/2025 | 
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| Relator: | JOANA COSTA E NORA | 
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| Descritores: | INTIMAÇÃO PARA PROTECÇÃO DE DIREITOS, LIBERDADES E GARANTIAS PRESSUPOSTOS PRINCÍPIO DA EQUIPARAÇÃO QUESTÃO NOVA | 
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| Sumário: | I - A alegação de que a inércia da Administração no processamento do pedido de autorização de residência viola os direitos à liberdade, à segurança, ao trabalho e à saúde, do requerente por, sem um título de residência válido, não ter acesso ao trabalho, à saúde e à protecção social, para além de ser genérica, vaga e conclusiva, carece de fundamento, na medida em que, embora tais direitos sejam garantidos a todos os cidadãos, estendendo o artigo 15.º o gozo dos direitos do cidadão português aos estrangeiros e apátridas que se encontrem ou residam em Portugal, o recorrente nem se encontra nem reside em Portugal, pelo que, não beneficiando de tal extensão, não lhe assistem aqueles direitos. II - A questão invocada no recurso sem o ter sido na p.i. é uma questão nova, que logicamente que não foi apreciada pelo Tribunal a quo, e, como tal, não pode ser apreciada por este Tribunal de recurso, que não pode conhecer de questões novas, exceptuadas as que sejam de conhecimento oficioso, não sendo o caso, consubstanciando tal invocação uma ampliação da causa de pedir, sem fundamento legal, determinante da rejeição do recurso nessa parte. | 
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| Votação: | Unanimidade | 
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| Indicações Eventuais: | Subsecção Administrativa Comum | 
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| Aditamento: |  | 
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| Decisão Texto Integral: | ACÓRDÃO Acordam, em conferência, os juízes da subsecção comum da secção administrativa do Tribunal Central Administrativo Sul: I – RELATÓRIO J…, de nacionalidade americana, residente nos Estados Unidos da América, intentou intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias, contra a Agência para a Integração, Migrações e Asilo, I.P.. Pede a condenação da entidade demandada a “(1) a validar o pedido de autorização de residência para atividade de investimento do Autor, (2) a designar três datas alternativas de agendamento para recolha dos seus dados biométricos, bem como (3) a instruir e decidir o pedido do Autor no prazo de 60 dias, nos termos do artigo 87.9 do CPA, desde a data da sua deslocação aos serviços da AIMA.” Pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa foi proferida sentença a rejeitar liminarmente a petição por não estarem reunidos os pressupostos previstos no n.º 1 do artigo 109.º do CPTA, não sendo aplicável o disposto no artigo 110.º-A. O autor interpôs o presente recurso de apelação, cujas alegações contêm as seguintes conclusões: “i) A intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias, prevista no artigo 109.º do CPTA, é o meio processual adequado e idóneo para assegurar a defesa dos direitos do Apelante, considerando a urgência e a indispensabilidade de uma decisão de mérito para a salvaguarda dos seus direitos fundamentais. ii) A inércia da Administração, no processamento do pedido de autorização de residência e título de residência, tem violado de forma grave e continuada os direitos fundamentais do Apelante, nomeadamente o direito à liberdade, à segurança, ao trabalho e à saúde, com consequências diretas e imediatas para a sua vida pessoal e profissional. iii) O Apelante encontra-se em situação de vulnerabilidade, sem acesso a um título de residência válido, o que impede o seu acesso ao trabalho, à saúde e à proteção social, violando direitos consagrados na CRP. iv) A Administração tem procedido de forma desigual e discriminatória, favorecendo outros requerentes em detrimento do Apelante, o que configura uma violação do princípio da igualdade e da confiança legítima, ambos consagrados na CRP. v) Face à urgência evidenciada, a intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias é o meio processual idóneo para garantir a tutela urgente dos direitos do Apelante, devendo o recurso ser provido para revogar a decisão recorrida e dar provimento à intimação intentada.” A entidade recorrida não respondeu à alegação da recorrente. O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado nos termos e para efeitos do disposto no artigo 146.º, n.º 1, do CPTA, pugnou pela improcedência do recurso. Sem vistos dos juízes-adjuntos, por se tratar de processo urgente (cfr. n.º 2 do artigo 36.º do CPTA), cumpre apreciar e decidir. II – QUESTÕES A DECIDIR Face às conclusões das alegações de recurso – que delimitam o respectivo objecto, nos termos do disposto nos artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.ºs 1 e 2, do CPC -, a questão que ao Tribunal cumpre solucionar é a de saber se a sentença recorrida padece de erro de julgamento de direito. III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO A sentença recorrida não fixou factos. IV – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO A sentença recorrida rejeitou liminarmente a petição por não estarem reunidos os pressupostos previstos no n.º 1 do artigo 109.º do CPTA, não sendo aplicável o disposto no artigo 110.º-A. Considerou-se na mesma que o requerente não alegou factos relativos à sua situação concreta que indiciem que seja necessário ser proferida uma decisão de mérito urgente, não logrando realçar a indispensabilidade do recurso à intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias, além de que, não residindo o requerente em Portugal, não lhe são reconhecidos os direitos fundamentais de que se arroga ser titular, concluindo que os meros incómodos, decorrentes da inércia da entidade requerida e da falta de informação do estado do processo, alegadamente sofridos pelo requerente, não são suficientes para concluir que a emissão urgente de uma decisão de mérito seja indispensável para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade e garantia. Insurge-se o recorrente contra o assim decidido. Começa por alegar que a inércia da Administração no processamento do pedido de autorização de residência tem violado, de forma grave e continuada, os direitos fundamentais do recorrente, nomeadamente o direito à liberdade, à segurança, ao trabalho e à saúde, com consequências directas e imediatas para a sua vida pessoal e profissional, pois, sem acesso a um título de residência válido, não tem acesso ao trabalho, à saúde e à protecção social. Alega ainda que a Administração tem favorecido outros requerentes em detrimento do recorrente, o que configura uma violação dos princípios da igualdade e da confiança legítima. Vejamos. A intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias “(…) pode ser requerida quando a célere emissão de uma decisão de mérito que imponha à Administração a adoção de uma conduta positiva ou negativa se revele indispensável para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia, por não ser possível ou suficiente, nas circunstâncias do caso, o decretamento de uma providência cautelar.” - cfr. artigo 109.º, n.º 1, do CPTA. Trata-se de um meio processual sumário e principal, pois que visa a prolação de uma decisão urgente e definitiva. E tem carácter excepcional porque só pode ser utilizado quando “a célere emissão de uma decisão de mérito (…) se revele indispensável para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia, por não ser possível ou suficiente, nas circunstâncias do caso, o decretamento de uma providência cautelar”, sendo a regra a da utilização da acção não urgente, sempre que esta, ainda que conjugada com o processo cautelar, seja apta a garantir aquela tutela. Nestes termos, o recurso à intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias, pressupõe a sua indispensabilidade, a qual ocorrerá quando for necessária uma tutela urgente para assegurar o exercício de um direito, liberdade e garantia, e quando a tutela cautelar não for possível ou suficiente para o efeito. No que concerne à impossibilidade ou insuficiência do decretamento de uma providência cautelar, “A impossibilidade poderá resultar do facto de o juiz, para se pronunciar, ter necessariamente de ir ao fundo da questão, o que, como é sabido, lhe está vedado no âmbito dos procedimentos cautelares. Por sua vez, a insuficiência respeita à incapacidade de uma decisão provisória satisfazer as necessidades de tutela do particular, posto que estas apenas lograrão obter satisfação com uma tutela definitiva, sobre o fundo da questão. Estamos a referir-nos àquelas situações sujeitas a um período de tempo curto, ou que digam respeito a direitos que devam ser exercitados num prazo ou em datas demarcadas, maxime, questões relacionadas com eleições, actos ou comportamentos que devam ser realizados numa data fixa próxima ou num período de tempo determinado (como exames escolares ou uma frequência do ano lectivo), situações de carência pessoal ou familiar em que esteja em causa a própria sobrevivência pessoal de alguém, ou, ainda, casos relativos à situação civil ou profissional de uma pessoa.” – cfr. CATARINA SANTOS BOTELHO, “A intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias: quid novum?”, O Direito, n.º 143, I, 2011, pp. 31-53. Assim, cabe a quem pretenda valer-se deste meio processual alegar factos concretos idóneos ao preenchimento dos referidos pressupostos, a saber: (i) “a existência de uma situação jurídica individualizada que caracterize um direito, liberdade e garantia, cujo conteúdo normativo se encontre suficientemente concretizado na CRP ou na lei para ser jurisdicionalmente exigível por esta via processual”, não bastando invocar, genericamente, um direito, liberdade e garantia; e (ii) “a ocorrência de uma situação, no caso concreto, de ameaça do direito, liberdade e garantia em causa, que só possa ser evitada através do processo urgente de intimação” – cfr. Carlos Alberto Fernandes Cadilha e Mário Aroso de Almeida, “Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, 4.ª edição, Almedina, 2017, p. 883. Volvendo ao caso em apreço, a alegação de que a inércia da Administração no processamento do pedido de autorização de residência do requerente viola os seus direitos à liberdade, à segurança, ao trabalho e à saúde, por, sem título de residência válido, não ter acesso ao trabalho, à saúde e à protecção social, para além de ser genérica, vaga e conclusiva, carece de fundamento, na medida em que, embora tais direitos sejam garantidos a todos os cidadãos, estendendo o artigo 15.º o gozo dos direitos do cidadão português aos estrangeiros e apátridas que se encontrem ou residam em Portugal, o recorrente nem se encontra nem reside em Portugal, pelo que, não beneficiando de tal extensão, não lhe assistem aqueles direitos. Enfim, naturalmente que, em face do princípio da tutela jurisdicional efectiva (consagrado no n.º 4 do artigo 268.º da Constituição da República Portuguesa), assiste ao recorrente o direito de obter, em prazo razoável, uma decisão judicial que aprecie a sua pretensão de condenação da Administração à prática do acto administrativo devido, mas tal direito não corresponde à verificação dos pressupostos de recurso ao meio processual da intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias, na medida em que do mesmo não resulta a indispensabilidade do recurso a tal meio processual para assegurar o exercício, em tempo útil, de qualquer direito, liberdade ou garantia de que o recorrente seja titular. Pois bem, para se poder concluir pela indispensabilidade de uma tutela de mérito urgente no caso concreto, impunha-se ao recorrente que alegasse factualidade concreta demonstrativa de que a demora na decisão do pedido de autorização de residência o impedia de desenvolver uma vida normal (privada, familiar, profissional, etc), pondo em causa um qualquer direito, liberdade e garantia, que lhe assistisse efectivamente, o que, manifestamente, não fez. Na verdade, a alegação do recorrente reconduz-se a uma pressa na obtenção da autorização de residência, e a uma expectativa - legítima, aliás – de ver decidido o seu pedido no prazo legal. Todavia, isso não se confunde com uma situação de urgência, não tendo sido alegada qualquer factualidade consubstanciadora de uma situação de urgência na tutela de um direito fundamental, necessária ao preenchimento dos pressupostos de recurso à intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias. Assim, atenta a falta de alegação de factos consubstanciadores da indispensabilidade de uma decisão urgente para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia, não se mostram verificados os pressupostos de recurso à intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias. O recorrente invoca ainda a violação dos princípios da igualdade e da confiança legítima por a Administração favorecer outros requerentes em detrimento do recorrente. Porém, para além de tal alegação se mostrar também vaga, genérica e conclusiva, esta questão não foi invocada na p.i. – e, portanto, submetida à apreciação do Tribunal recorrido -, pelo que estamos perante uma questão nova, que logicamente que não foi apreciada pelo Tribunal a quo. E, assim sendo, não pode ser apreciada por este Tribunal de recurso, que não pode conhecer de questões novas, exceptuadas as que sejam de conhecimento oficioso, não sendo o caso. Com efeito, como anota pertinentemente ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES (Recursos em Processo Civil, 7.ª Edição, Almedina, 2022, p. 133, nota de rodapé 231), “O objeto do recurso está dependente do objeto da ação, sendo este definido essencialmente a partir da conjugação entre o pedido e a causa de pedir, elementos que, por seu lado, são submetidos a apertadas regras a respeito da sua alteração, nos termos dos arts. 264.º e 265.º. Por conseguinte, salvo nos casos em que se estabeleça acordo das partes, está afastada a possibilidade de alterar ou ampliar o pedido ou a causa de pedir em sede de recurso. Alguma iniciativa do recorrente, fora do caso previsto no art. 264.º, deve motivar a rejeição do recurso nessa parte (…).” Assim sendo, o recurso jurisdicional apenas pode ter por objecto questões que tenham sido anteriormente suscitadas, e não questões novas, salvo se forem de conhecimento oficioso – idem, ibidem, pp. 139 e 140. Nestes termos, a invocação da questão referente à violação dos princípios da igualdade e da confiança legítima consubstancia uma ampliação da causa de pedir, possibilidade esta que carece de fundamento legal, pelo que se impõe a rejeição do recurso nesta parte, o que se determina. *Sem custas, nos termos do artigo 4.º, n.º 2, alínea b), do Regulamento das Custas Processuais. V – DECISÃO Pelo exposto, acordam os juízes da Subsecção comum da Secção administrativa do Tribunal Central Administrativo Sul em: a) Rejeitar o recurso na parte relativa à invocação da violação dos princípios da igualdade e da protecção da confiança legítima; b) Negar provimento ao recurso. Sem custas. Lisboa, 23 de Outubro de 2025 Joana Costa e Nora (Relatora) – a relatora atesta o voto de conformidade das adjuntas Alda Nunes Mara Silveira |