Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 300/24.4BEBJA-S1-A |
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Secção: | JUIZ PRESIDENTE |
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Data do Acordão: | 08/26/2025 |
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Relator: | TÂNIA MEIRELES DA CUNHA |
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Descritores: | SUSPEIÇÃO |
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Sumário: | I. A suspeição, tal como a escusa, é um dos meios instrumentais da garantia da imparcialidade. No entanto, tratando-se de um desvio ao princípio do juiz natural, deve ser usado com ponderação e cautela.
II. Se a atuação processual da titular dos autos tem respaldo na lei e se inexiste qualquer outro facto objetivo invocado, não existe qualquer motivo que sustente o incidente de suspeição. |
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Votação: | DECISÃO SINGULAR |
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Aditamento: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | Decisão [art.º 123.º, n.º 3, do Código de Processo Civil (CPC)] I. Manuel ……………… (doravante Requerente) veio deduzir Incidente de Suspeição, requerendo que seja declarada a suspeição da Senhora Juíza de Desembargadora titular dos autos neste TCAS. Para o efeito, alegou, fundamentalmente: “ 1. No dia 26-05-2025 o aqui Requerente apresentou, nos autos acima identificados, requerimento (…) 2. Esse requerimento apresentado no dia 26-05-2025, em substância, muito especialmente os artigos 1 até 41 inclusive e o respetivo primeiro pedido feito a final em razão dos referidos 41 artigos desse requerimento, não configuram qualquer resposta ao Parecer do Ministério Público 3. Dão-se aqui por reproduzidos os referidos 41 artigos e o respetivo pedido final já referido, remetendo aqui para a substância dos mesmos, tal como consta nos autos 4. Ora, o referido pedido é, como aqui se transcreve, do seguinte conteúdo: “TERMOS em que REQUER: 1) que seja, declarada a incompetência da Subsecção Administrativa Comum da Secção de Contencioso Administrativo do TCA Sul, para conhecer a RECLAMAÇÃO e, correspondentemente, o RECURSO JURISDICIONAL e as ALEGAÇÕES COMPLEMENTARES respeitantes à referida RECLAMAÇÃO e remetidos os autos à Subsecção Administrativa Social da Secção de Contencioso Administrativo do TCA Sul, “ 5. Porém, após a apresentação do referido requerimento foi proferido o despacho judicial de 16-07-2025 do seguinte teor: “ Tendo sido suscitada pelo recorrido, na resposta à alegação do recorrente, a irrecorribilidade do despacho recorrido, nos termos do artigo 630.º do CPC, notifique o recorrente para, no prazo de 10 dias, se pronunciar sobre tal questão, nos termos e para os efeitos previstos no n.º 3 do artigo 146.º do CPTA “ 6. Quando, no referido requerimento de 26-05-2025, consta – sem prejuízo de outros – também o artigo 35 do seguinte teor que se transcreve: “Razão porque cabendo, como cabe, a matéria em litigio, nas competências do Juízo Administrativo Social do TCA Sul e não nas competências do Juízo Administrativo Comum do mesmo TCA Sul, apenas compete à Subsecção Administrativa Comum da Secção de Contencioso Administrativo do TCA Sul, declarar-se incompetentes para apreciar e decidir a RECLAMAÇÃO e o RECURSO JURISDICIONAL DOS AUTOS e ALEGAÇÕES COMPLEMENTARES, e remeter os autos à Subsecção Administrativa Social, e se mais julgar do que isso, tal julgamento incorre em violação das disposições legais assinaladas ficando em razão desso ferido de vicio de incompetência por violação das sub alíneas i) e vi) da alínea b) do n.º 1 do artigo 44.º-A do ETAF, a alínea a) do n.º 1 do artigo 44.º-A do ETAF, o artigo 9.º, n.º 5 alíneas a) e b) do ETAF, aprovado pela Lei n.º 13/2002, de 19 de fevereiro na sua redação atual dada pela Lei 114/2019, de 12 de setembro e na redacção dada pelo Decreto-Lei 74-B/2023, de 28 de Agosto e ainda em violação do artigo 37.º, n.º 2, primeira e última parte, do ETAF, e o artigo 2.º, n.º 1, e n.º 2, alínea n) do CPTA, o artigo 1.º do Decreto-Lei 174/2019, de 13 de dezembro, e o artigo 1.º da Portaria n.º 121/2020, de 22 de maio, “ ( sublinhado e realce do aqui requerente ) 7. E no artigo 41 – sempre sem prejuízo dos demais – consta, como se transcreve: “Qualquer decisão da Subsecção Administrativa Comum que ultrapasse a declaração de incompetência nos termos acima assinalados, ficará incursa em incompetência, sendo inconstitucional, por aplicação das disposições normativas dos artigos 9.º, números 4 e 5, 32.º, números 1 e 2, 37.º, n.º 2, e 44.º-A, n.º 1, alíneas a), b) e c), do ETAF e do artigo 2.º, n.º 1 e n.º 2, alínea n), interpretadas em colisão com o princípio constitucional da especialização dos Tribunais, constante dos artigos 209.º, 211.º e 212.º da CRP, e também em colisão com as garantias de acesso aos Tribunais e da proibição da indefesa, e ainda também em colisão com garantia de efetivação da tutela judicial efetiva, e com a garantia do devido processo equitativo, garantias essas constantes dos artigos 20.º e 268.º da CRP “ 8. Note-se que o apresentante – aqui requerente – do referido requerimento de 26-05-2025 nem sequer, em substância, respondeu ao Parecer do M.P., isto porque, na realidade não o aceitou, na medida em que ele foi proferido com os autos tramitando pela Subsecção Comum, que reputou, e continua a reputar incompetente, tudo nos termos dos 41 artigos do referido requerimento que apresentou em 26-05-2025 e do respetivo pedido nele constante a final 9. Ora, o referido despacho foi proferido no dia 16-07-2025, sem que antes de sua prolação estejam escritos no processado os fundamentos em razão dos quais teriam sido desconsiderados os motivos invocados no requerimento de 26-05-2025, pelo aqui Requerente, e pelos quais o Requerente pediu nele, a final, para “ (…) que seja, declarada a incompetência da Subsecção Administrativa Comum da Secção de Contencioso Administrativo do TCA Sul, para conhecer a RECLAMAÇÃO e, correspondentemente, o RECURSO JURISDICIONAL e as ALEGAÇÕES COMPLEMENTARES respeitantes à referida RECLAMAÇÃO e remetidos os autos à Subsecção Administrativa Social da Secção de Contencioso Administrativo do TCA Sul, “, significando que a Sra Juíza decidiu que a Subsecção Comum era competente para a tramitação dos autos, ou se assim não foi, o que só subsidiariamente aqui se coloca, omitiu decisão, mas em todo o caso recusou-se a escrever os pertinentes fundamentos, tudo em qualquer dos casos com os mesmos efeitos 10. Ou seja, a Sra Juíza, insiste na tramitação destes autos pela Subsecção Administrativa Comum da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo do Sul, mas face os motivos invocados no requerimento de 26-05-2025 recusou-se a escrever os fundamentos em razão dos quais considera ser a Subsecção Comum competente para a tramitação, porquanto se não existisse insistência sem fundamentação escrita, não seria proferido despacho do teor do prolatado no dia 16-07-2025 sem antes dele terem sidos escritos os fundamentos justificantes de tal tramitação refutando os motivos constantes do requerimento de 26-05-2025 e, em consequência, declarando que a mesma Subsecção Administrativa Comum seria competente para a tramitação dos autos, 11. Porquanto como é consabido “ O âmbito da jurisdição administrativa e a competência dos tribunais administrativos, em qualquer das suas espécies, é de ordem pública e o seu conhecimento precede o de qualquer outra matéria “ como determina o artigo 13.º do CPTA, 12. Ou seja, a Senhora Juíza – dado que a competência é questão de conhecimento oficioso – decidiu, e se não decidiu, o que só subsidiariamente aqui se coloca, então, omitiu decisão, o que tem os mesmos efeitos, que a Subsecção Administrativa Comum da Secção de Contencioso Administrativo do TCA Sul, era competente para tramitar este processo, tanto que proferiu o despacho de 16-07-2025, mas recusou-se a fazer constar nos autos os fundamentos em razão dos quais refutou ou omitiu refutar, os motivos invocados no requerimento apresentado nos autos no dia 26-05-2025 pelo requerente nos quais este mesmo requerente pugnou pela incompetência Subsecção Administrativa Comum da Secção de Contencioso Administrativo do TCA Sul 13. Sendo assim, como foi e é, por muito constrangido que esteja, como está, não resta ao requerente outra opção que não seja aqui colocar perante a mesma Sra Juíza, Sra ………………, os mesmos motivos todos já invocados nos referidos 41 artigos e respetiva conclusão, do requerimento apresentado no dia 26-05-2025, mas agora já não para que decida a suscitada questão de incompetência dado que essa já foi decidida na tramitação “encapotada” no despacho de 16-07-2025, na medida em que dessa mesma tramitação resulta que a Subsecção Comum é competente embora sem fundamentos escritos, mas (agora) tão só servindo a denegação por escrito dos referidos fundamentos justificantes da tramitação pela Subsecção Comum, como fundamentos de suspeição da condução do processo pela mesma Senhora Juíza, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 2 do artigo 121.º do CPC, 14. Porquanto o despacho proferido no dia 16-07-2025, porque tramitado/proferido na Subsecção Administrativa Comum exigia que (…) tivessem sido refutados por escrito os motivos invocados no requerimento apresentado no dia 26-05-2025, sendo que a tramitação dos autos pela Subsecção Administrativa Comum – que o apresentante do requerimento de 26-05-2025, aqui requerente, vem pugnando de incompetente para tramitar os autos – é tramitação por tribunal não estabelecido previamente por lei na medida em que pelos motivos invocados no requerimento de 26-05-2025 não existe lei que haja conferido à mesma Subsecção Comum competência para a mesma tramitação cuja competência pelos mesmos motivos invocados no requerimento de 26-05-2025 foi atribuída à Subsecção Social 15. O que impunha que previamente à prolação do despacho proferido em 16-07-2025 a Sra Juíza tivesse escrito, o que omitiu, os fundamentos, em razão dos quais refutou ou omitiu refutar os motivos invocados no requerimento de 26-05-2025 16. Dado que os referidos fundamentos não foram escritos o requerente ficou indefeso e porque a (in)competência do tribunal, incluindo nela a (in)competencia da Subsecção é questão prévia, a decidir, incluindo na decisão os respetivos fundamentos, antes de qualquer outra questão, 17. Logicamente a indefesa do requerente não se verifica apenas no tocante á assinalada questão de incompetência mas também se estende a qualquer outro assunto, incluindo ao teor do Parecer do Ministério Público e aos aspetos suscitados no despacho de 16-07-2025 perante os quais o Requerente está indefeso porquanto ainda não conhece os fundamentos que estiveram na base da refutação ou omissão de refutação dos motivos invocados no requerimento de 26-05-2025 18. Ora, como a Sra Juíza não quer dar a conhecer ao Requerente os assinalados fundamentos pois que não os escreveu e nem sequer escreveu os motivos pelos quais não os escreveu e se recusou a escrevê-los, vê-se o Requerente constrangido, como vem dizendo, a suspeitar da condução do processo pela Sra Juíza que proferiu o despacho de 16-07-2025 19. Os motivos invocados no requerimento de 26-05-2025 inscrevem-se e são uma dimensão do direito do Requerente à palavra, previsto no n.º 1 do artigo 26.º da Constituição da República Portuguesa [ CRP ] que o Requerente exerceu na forma escrita perante o Tribunal, como poder publico, não podendo o mesmo Tribunal, na tramitação perpetrada no TCA Sul até, inclusive, ao despacho de 16-07-2025, violar, como violou, a normação Constitucional recusando-se como se recusou, pela Sra Juíza, a dar efetividade e eficácia máximas ao direito, exercido pelo Requerente, do referido uso da palavra escrita como dimensão do principio do dispositivo, o qual foi denegado na medida em que não escreveu os fundamentos em razão dos quais refutou ou, omitiu ( a ter sido o caso só aqui subsidiariamente se coloca ) refutar os motivos invocados no requerimento de 16-05-2026, tudo em violação também da liberdade de expressão efetiva por banda do Requerente perante o Tribunal, assim violando concomitantemente a normação constante do n.º 1 do artigo 6.º e do artigo 10º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem 20. O direito efetivo ao Recurso que o Requerente quer fazer valer nos autos obriga a que a tramitação dos autos seja feita no Tribunal Central Administrativo do Sul pela Subsecção e respetivos Juízes competentes e sem qualquer discriminação do Requerente, como previsto nos artigos 13.º e 14.º, ambos da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e no artigo 1º do Protocolo 1 anexo à mesma Convenção 21. O Requerente tem direito a que processo no qual é interessado seja tramitado por tribunal imparcial, o que significa por juiz imparcial, estabelecidos por lei prévia, sendo que o Requerente pugnou por todos os motivos invocados, e aqui convocados mutatis mutandis, nos assinalados 41 artigos e respetivo pedido final, constantes do requerimento de 26-05-2025, que no caso era competente a Subsecção Social e não a Subsecção Comum do Tribunal Administrativo do Sul, pelo que a Sra Juíza ao não escrever os assinalados fundamentos justificantes da tramitação dos autos pela Subsecção Comum à qual pertence, e enquanto prolatou o despacho de 16-07-2025, é suspeita na condução do processo em violação do princípio da imparcialidade e do direito a igualdade de armas, por violação do direito ao uso da palavra exercido na forma escrita no requerimento de 26-05-2025, apresentado no uso do principio do dispositivo, em violação do direito do Requerente a exprimir-se por escrito perante o Tribunal eficazmente e com as máximas certeza e segurança jurídicas, em violação do direito ao Recurso efetivo a tramitar para decisão na competente Subsecção Social do Tribunal Competente, porquanto esvaziou, sem escrever os fundamentos, os motivos constantes do requerimento apresentado em 26-05-2025, e tudo em discriminação injustificável do Requerente, ou seja, em violação da normação constantes dos artigos 2.º, 26º, 20.º e 268.º da Constituição da República Portuguesa e das disposições constantes dos artigos 6.º, n.º 1, 7.º, 10.º, 13.º 14.º e do artigo 1º do Protocolo n.º 12, da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, Termos em que, pelos fundamentos convocados, requer a Vossa Excelência, Senhora Juíza Desembargadora, Senhora Doutora ………………., que – antes de mais intervenções e decisões no processo – aprecie os fundamentos da suspeição que aqui neste requerimento lhe vão denunciados, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 2 do artigo 121.º do Código de Processo Civil, aplicável por força do disposto no artigo 1.º, no n.º 1 do artigo 8.º e no n.º 3 do artigo 140.º, todos do Código de Processo nos Tribunais Administrativos”. Por despacho de 19.08.2025, notificado, a Senhora Juíza Desembargadora recusada respondeu (art.º 122.º, n.º 1, do CPC), fundamentalmente nos seguintes termos: “… Cumpre, assim, à juíza ora signatária, titular dos presentes autos, responder, nos termos e para os efeitos previstos no n.º 1 do artigo 122.º do CPC. Começando pelo contexto processual em que é deduzido o incidente, importa referir que o objecto do recurso em causa nos presentes autos é o despacho proferido pelo juiz do Tribunal a quo em 27.01.2025, que indeferiu a reclamação pelo mesmo apresentada contra o despacho de 16.12.2024, que determinou a obtenção de informação “sobre o estado do processo n.º 409/22.9BEBJA” e “sobre o estado do processo n.º 4765/23.3BELSB” com vista à apreciação das excepções de caso julgado e litispendência, invocadas nas respostas apresentadas pelas entidades demandadas no processo de intimação para a prestação de informações. Nas suas contra-alegações, o recorrido suscitou a questão prévia da irrecorribilidade do despacho recorrido, nos termos do artigo 630.º do CPC. Recebido o processo neste Tribunal Central Administrativo Sul e efectuada a respectiva distribuição, a secretaria notificou o Ministério Público para se pronunciar sobre o mérito do recurso, tendo o mesmo emitido pronúncia, ao que se seguiu a notificação das partes para responder. Decorrido o prazo de resposta, em 16.07.2025, foi por mim proferido despacho com o seguinte teor: “Tendo sido suscitada pelo recorrido, na resposta à alegação do recorrente, a irrecorribilidade do despacho recorrido, nos termos do artigo 630.º do CPC, notifique o recorrente para, no prazo de 10 dias, se pronunciar sobre tal questão, nos termos e para os efeitos previstos no n.º 3 do artigo 146.º do CPTA.” Atentemos agora no fundamento legal em que assentou o despacho de 16.07.2025. Determina o n.º 3 do artigo 146.º do CPTA que, cumpridos os trâmites legais previstos nos n.ºs 1 e 2 do mesmo artigo (notificação do Ministério Público para se pronunciar sobre o mérito do recurso e, em caso de emissão dessa pronúncia, notificação das partes para responderem), “os autos são conclusos ao relator, que ordena a notificação do recorrente para se pronunciar, no prazo de 10 dias, sobre as questões prévias de conhecimento oficioso ou que tenham sido suscitadas pelos recorridos.” Assim, em primeiro lugar, o despacho em causa está fundamentado na lei processual aplicável, correspondendo rigorosamente à tramitação legalmente prevista. Em segundo lugar, ao contrário do que afirma o recusante, a questão da incompetência que o mesmo invocou no seu requerimento de 26.05.2025, não foi apreciada por este Tribunal, não prevendo a lei processual a prolação de decisões implícitas, pelo que não ocorre qualquer omissão de fundamentação, muito menos recusa de apresentação de fundamentação. Em terceiro lugar, o despacho proferido não tem qualquer conteúdo decisório, pelo que não se pode afirmar – como também o faz o recusante - que foi proferida decisão sem apreciação de questão cuja apreciação se impunha, nem, por conseguinte, que foram violados os princípios da imparcialidade ou do contraditório, violação esta que pressuporia a tomada de decisão. Em quarto lugar, a oposição de suspeição ao juiz pelas partes pressupõe, nos termos do n.º 1 do artigo 122.º do CPC, a ocorrência de “motivo, sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade”, que não se vislumbra no arrazoado apresentado pelo recusante. Em quinto lugar, tal falta de fundamento para a suspeição é tão evidente que não pode ser ignorada pelo recusante, litigando o mesmo, assim, de má-fé, ao deduzir o presente incidente nos termos em que o fez, manifestamente censuráveis (cfr. artigo 542.º, n.º 2, alínea a), do CPC). Por fim, ao afirmar que a ora signatária se “recusou” a apresentar a fundamentação de uma decisão que – como referido - não foi proferida, e que “não quer dar a conhecer ao Requerente” tal fundamentação, que a mesma “insiste” em manter-se na titularidade do processo, que a mesma fez uma “tramitação encapotada” do processo, tudo com base na alegação acima enunciada – desprovida de qualquer fundamento -, o recusante pôs em causa a conduta profissional da ora signatária, de forma grave e inadmissível. Com efeito, como se afirma no Acórdão deste Tribunal Central Administrativo Sul de 15.03.2024, proferido no processo n.º 994/22.5BELRA-A (in www.dgsi.pt), “A dedução da suspeição do juiz, exige naturalmente uma grande prudência do requerente do incidente, de modo a não provocar, injustificadamente, um lastro de desconfiança relativamente a quem tem por função soberana administrar a justiça e, dessa forma, destruir um dos alicerces do estado de direito democrático.” Concluo, assim, pela manifesta improcedência da suspeição deduzida”. Cumpre apreciar.
II. Resulta da consulta ao processo designadamente o seguinte: 1) O Requerente apresentou recurso de despacho proferido no Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja, que deu origem aos autos principais; 2) Em sede de contra-alegações, o Recorrido suscitou a irrecorribilidade do despacho referido em 1); 3) Nos autos principais, o Ministério Público proferiu parecer, ao abrigo do art.º 146.º, n.º 2, do CPTA, dado a conhecer às partes; 4) O Requerente apresentou, nos autos principais, requerimento, no qual requer o seguinte: « Texto no original» “ ; 5) Foi proferido, pela titular dos autos, a 16.07.2025, despacho com o seguinte teor: “Tendo sido suscitada pelo recorrido, na resposta à alegação do recorrente, a irrecorribilidade do despacho recorrido, nos termos do artigo 630.º do CPC, notifique o recorrente para, no prazo de 10 dias, se pronunciar sobre tal questão, nos termos e para os efeitos previstos no n.º 3 do artigo 146.º do CPTA”.
Não se vislumbra necessidade de proceder a qualquer outra diligência.
III. Apreciando. O incidente de suspeição do juiz (equivalente ao de recusa, na terminologia do processo penal), previsto no art.º 120.º do CPC, visa dotar as partes de um instrumento que lhes permita opor-se à intervenção de um juiz nos autos, quando se verifique alguma das circunstâncias elencadas nas diversas alíneas do n.º 1 da referida disposição legal. A suspeição, tal como a escusa, é um dos meios instrumentais da garantia da imparcialidade. No entanto, tratando-se de um desvio ao princípio do juiz natural, deve ser usado com ponderação e cautela. Nos termos do art.º 120.º do CPC: “1 - As partes podem opor suspeição ao juiz quando ocorrer motivo, sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade, nomeadamente: a) Se existir parentesco ou afinidade, não compreendidos no artigo 115.º, em linha reta ou até ao 4.º grau da linha colateral, entre o juiz ou o seu cônjuge e alguma das partes ou pessoa que tenha, em relação ao objeto da causa, interesse que lhe permitisse ser nela parte principal; b) Se houver causa em que seja parte o juiz ou o seu cônjuge ou unido de facto ou algum parente ou afim de qualquer deles em linha reta e alguma das partes for juiz nessa causa; c) Se houver, ou tiver havido nos três anos antecedentes, qualquer causa, não compreendida na alínea g) do n.º 1 do artigo 115.º, entre alguma das partes ou o seu cônjuge e o juiz ou seu cônjuge ou algum parente ou afim de qualquer deles em linha reta; d) Se o juiz ou o seu cônjuge, ou algum parente ou afim de qualquer deles em linha reta, for credor ou devedor de alguma das partes, ou tiver interesse jurídico em que a decisão do pleito seja favorável a uma das partes; e) Se o juiz for protutor, herdeiro presumido, donatário ou patrão de alguma das partes, ou membro da direção ou administração de qualquer pessoa coletiva parte na causa; f) Se o juiz tiver recebido dádivas antes ou depois de instaurado o processo e por causa dele, ou se tiver fornecido meios para as despesas do processo; g) Se houver inimizade grave ou grande intimidade entre o juiz e alguma das partes ou seus mandatários. 2 - O disposto na alínea c) do número anterior abrange as causas criminais quando as pessoas aí designadas sejam ou tenham sido ofendidas, participantes ou arguidas. 3 - Nos casos das alíneas c) e d) do n.º 1 é julgada improcedente a suspeição quando as circunstâncias de facto convençam de que a ação foi proposta ou o crédito foi adquirido para se obter motivo de recusa do juiz”. No caso dos autos, não é invocada nenhuma das causas exemplificativamente plasmadas pelo legislador como evidenciadoras de gerar desconfiança sobre a imparcialidade do julgador, mas sim esta cláusula geral. E o alegado sustenta-se, fundamentalmente, nas seguintes premissas: a) Com o despacho de 16.07.2025, no qual a Senhora Juíza Desembargadora titular dos autos ordenou a notificação do ora Requerente para se pronunciar sobre a questão prévia suscitada pelo Recorrido, não foram escritos os fundamentos pelos quais foram desconsiderados os motivos invocados no requerimento de 26.05.2025, omitindo-se decisão sobre a competência da subsecção administrativa comum; b) A Senhora Juíza Desembargadora titular dos autos recusou-se a escrever os fundamentos pelos quais considera competente a subsecção administrativa comum; c) O despacho em causa é uma denegação dos fundamentos invocados e implica a suspeição da Senhora Juíza Desembargadora titular dos autos, dado que o Requerente ficou indefeso e porque a incompetência do tribunal é questão prévia; d) A Senhora Juíza Desembargadora titular dos autos não quer dar a conhecer ao Requerente os mencionados fundamentos, pois não os escreveu e recusou-se a escrevê-los, o que implica a suspeita da condução do processo; e) O Requerente tem o direito a ser tratado sem qualquer discriminação, por tribunal imparcial que lhe admita o exercício dos seus direitos; f) A Senhora Juíza Desembargadora titular dos autos, ao não escrever os fundamentos justificantes da tramitação pela subsecção administrativa comum, é suspeita na condução do processo em violação do princípio da imparcialidade e do direito de igualdade de armas, por violação do direito ao uso da palavra. Desde já se adiante que o presente incidente é improcedente. Com efeito, estamos perante um despacho, proferido dentro da normal tramitação dos autos de recurso, conforme decorre do art.º 146.º, n.º 2, do CPTA. Não se trata de qualquer decisão sobre o recurso, nem quanto à competência em razão da matéria, nem quanto aos demais fundamentos esgrimidos por ambas as partes. O recurso está em tramitação e o mesmo não foi ainda objeto de decisão. Como tal, nada há a apontar à conduta irrepreensível da Senhora Juíza Desembargadora titular dos autos, que, com o referido despacho que espoletou este incidente, nada ainda decidira em relação quer ao mérito quer a eventuais questões prévias suscitadas. Logo, a apreciação objetiva feita pelo Requerente não tem sustentação: a prolação do despacho em causa não tem, de modo algum, as consequências pelo mesmo extraídas – designadamente em termos de violação das normas citadas da nossa lei fundamental e da Convenção Europeia dos Direitos Humanos. Ademais, a apreciação subjetiva feita pelo Requerente não tem, por consequência, o mínimo de suporte, quedando-se em insinuações em relação à conduta da Senhora Juíza Desembargadora titular dos autos, desprovidas de qualquer sustentação factual. Em suma, a atuação processual da Senhora Juíza Desembargadora titular dos autos tem respaldo na lei, tal como referimos, e de modo claro não evidencia qualquer motivo que sustente a suspeição. Logo, o incidente requerido é de indeferir.
Nos termos da parte final do n.º 3 do art.º 123.º do CPC, “o presidente decide sem recurso; quando julgar improcedente a suspeição, apreciará se o recusante procedeu de má-fé”. Nos termos do art.º 542.º do CPC: “1 - Tendo litigado de má-fé, a parte é condenada em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta a pedir. 2 - Diz-se litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave: a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar; b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa; c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação; d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão”. Como se refere na decisão deste TCAS de 23.01.2024 (Processo: 1027/16.6 BELRA-B;inédita): “No caso concreto, a conduta do Requerente poderia qualificar-se como uma pretensão cuja falta de fundamento não devia ser ignorada - (alínea a) - ou como tratando-se de um uso manifestamente reprovável do processo com vista a entorpecer a acção da justiça - alínea d). Em qualquer das situações teria que ficar demonstrado que o Requerente agiu com dolo ou com negligência grave, o que no caso não se pode dar por concluído, pois pode admitir-se que actuou na forte convicção de que estava no exercício de um direito, assente numa ainda possível interpretação (embora apressada e pouco rigorosa) de um despacho judicial. Ou seja, não há elementos seguros para se concluir (…) pela actuação de má fé”. Entendemos que estes motivos transcritos são aqui inteiramente transponíveis. Pelo exposto, considera-se inexistir elementos suficientes para uma condenação como litigante de má-fé.
É responsável pelas custas do presente incidente o Requerente (art.º 527.º, n.º 1, do CPC e art.º 7.º, n.º 4, e tabela II-A, do Regulamento das Custas Processuais).
IV. Face ao exposto: Indefere-se o incidente de suspeição. Custas do incidente pelo Requerente, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) UC. Registe e notifique. Lisboa, d.s. A Juíza Desembargadora Presidente, |