Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:191/10.2BECTB
Secção:CA
Data do Acordão:10/23/2025
Relator:JORGE PELICANO
Descritores:QUESTÕES A DECIDIR
NULIDADE SENTENÇA
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
Sumário:I. O Tribunal deve decidir todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação e não pode ocupar-se senão das questões suscitadas, salvo quando a lei lhe permita ou imponha o conhecimento oficioso de outras.
II. A questão relativa à nulidade do contrato de concessão celebrado entre o Estado e a Recorrida nunca foi suscitada nos autos.
III. Também nunca se discutiu se os contratos de abastecimento de água “em alta” e de recolha de efluentes são inválidos por força da nulidade do contrato de concessão.
IV. A nulidade dos mencionados contratos não é de conhecimento oficioso.
V. Para a nulidade poder ser conhecida, o Recorrente tinha de ter suscitado a questão, indicando os correspondentes fundamentos de facto e de direito.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção de Contratos Públicos
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:O Município do Fundão, vem, no âmbito da presente acção administrativa comum que contra ele foi intentada pela sociedade ... , a que sucedeu a sociedade ... S.A., interpor recurso da sentença proferida pelo TAF de Castelo Branco que o condenou a pagar à Autora, ora Recorrida, o montante de 293.269,59€, “pelos serviços de abastecimento de água e de recolha de efluentes por esta prestados no período de 6 outubro a 3 de dezembro de 2009” e respectivos juros de mora.
Apresentou as seguintes conclusões com as suas alegações de recurso:
1. O Tribunal a quo, parte da existência de um Contrato de Concessão celebrado ente o Estado português e a Autora, ao abrigo do qual são celebrados, entre a Autora e o ora Recorrente, os Contratos de Fornecimento e Recolha em crise nos presentes autos.
2. O Tribunal a quo dá como provado que, o que está na base dos Contratos de Fornecimento e Recolha – contratos que deram origem às facturas cuja cobrança esteve (também) em discussão nos presentes autos – é o Contrato de Concessão celebrado entre a Autora e o Estado Português.
3. A 26 de Janeiro de 2023, o recorrente, juntou aos autos a decisão final que foi proferida em sede de Tribunal arbitral.
4. O que se discute no Tribunal arbitral, é, para além do mais, saber se a matéria que está também em discussão nos presentes autos, é ou não da sua competência ( do Tribunal arbitral) , e o Tribunal arbitral decidiu que sim.
5. O Tribunal a quo não dispunha, como não dispõe de todos os elementos necessários ao conhecimento do mérito da causa, não sem antes se pronunciar sobre a junção de um documento da importância da decisão proferida no Tribunal arbitral
6. A decisão do Tribunal arbitral é essencial para a descoberta da verdade material, pelo que devia ser valorada por este Tribunal.
7. Estamos perante uma omissão de pronuncia pois o Tribunal a quo não se pronunciou sobre questões com relevância para a decisão de mérito da causa
8. O Tribunal a quo não se pronunciou quanto à questão de fundo, i. e ,quanto à questão da nulidade do Contrato de Concessão e quais as consequências da declaração da nulidade nos Contratos de Fornecimento e Recolha.
9. O Tribunal a quo não se pronunciou sobre quais as consequências da declaração de nulidade do Contrato de Concessão, quando a acção arbitral transitar em julgado
10. O Tribunal não se pronunciou sobre quais as consequências para os Contratos de Recolha e Fornecimento da decisão proferida em Tribunal arbitral
11. A matéria relativa à validade dos contratos que suportam juridicamente os pagamentos que se reclamam nos autos recorridos, mormente a validade do Contrato de Concessão, bem como a 1. ilegalidade do sistema multimunicipal são matérias que deveriam ter sido conhecidas a final

12. No caso de o Contrato de Concessão e/ou de os Contratos de Fornecimento de água e de Recolha de efluentes vierem a ser declarados nulos, tal declaração terá efeitos retroactivos com consequências na exequibilidade na sentença ora recorrida,
13. A quase totalidade da relação contratual pressuposta na petição inicial e nas facturas reclamadas, está regulada no Contrato de Concessão.
14. É do interessa da Justiça e do Direito, aceitar uma decisão judicial que, mais tarde, não possa efectivar-se em virtude de a mesma não ser aplicável a todos os seus interessados, ou a todos aqueles que por ela, em abstracto seriam afectados, mormente à ora Recorrente.
15. A decisão proferida em sede do tribunal arbitral acarreta, no entender do ora recorrente, consequências sobre todos os demais contratos celebrados para concretizar a referida concessão, nomeadamente os contratos de fornecimento de água e de recolha e tratamento de efluentes subjacentes à emissão das facturas cujo pagamento a A. ora recorrida reclama nos autos.
16. Ignorar este facto, é ignorar o regime jurídico das nulidades aplicável no âmbito do direito administrativo, nomeadamente o princípio da total improdutividade de efeitos jurídicos dos actos administrativos nulos, constante do art. 134º, nº 1 do CPA, norma que a decisão recorrida violou.
Termos em que deve ser concedido provimento ao presente recurso, devendo, em consequência, ser suspensa a instância recursiva nos termos alegados, como é de inteira justiça.

*
A Recorrida apresentou contra-alegações, que concluiu dizendo:
A) O objeto do recurso, delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, resume-se em saber se houve erro de julgamento na interpretação e aplicação do disposto no nº 1 do art. 134º, do CPA, entendendo o Recorrente que houve por parte do tribunal recorrido omissão de pronúncia (art. 615.º, nº 1, al. d), do Código de Processo Civil).
B) A jurisprudência e a doutrina são consensuais no sentido de que as questões cuja falta de apreciação pelo tribunal é suscetível de a gerar identificam-se com os pedidos formulados, com a causa de pedir ou com as exceções invocadas, desde que não prejudicadas pela solução de mérito encontrada para o litígio (Cfr. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 23/5/2022, proferido no processo nº 588/14.9TVPRT, e Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, vol. 5º, pág. 143).
C) O objeto do litígio fixado em sede despacho saneador relaciona-se em saber se a Autora tem direito a exigir do Réu o pagamento de 293.269,59 €, decorrentes da prestação de serviços de abastecimento de água e de recolha de efluentes, acrescidos de juros de mora vencidos, no valor de 3.360,45 €, e vincendos, tendo a douta sentença impugnada considerado os elementos de facto necessário ao conhecimento da referida questão, aplicando o respetivo quadro jurídico em conformidade.
D) Aliás, a questão da nulidade do Contrato de Concessão não foi sequer debatida nos respetivos articulados, daí que o Tribunal, quando fixou o objeto do litígio, considerou que o mesmo se resumia a saber se a Autora se podia arrogar o direito a obter a condenação do Réu no pagamento da referida quantia.
E) Não tendo tal questão sido submetida à apreciação do Tribunal a quo e não sendo a mesma de conhecimento oficioso, não tinha a decisão recorrida de se pronunciar sobre a alegada nulidade do contrato de concessão e as consequências para os contratos de fornecimento e de recolha da declaração da nulidade daquele contrato, inexistindo, por conseguinte, a invocada nulidade por omissão de pronuncia.
MAS NÃO SÓ,

F) A propósito de matéria idêntica à dos presentes autos - que a sentença recorrida não se pronunciou sobre a questão da nulidade do contrato de concessão, nem sobre as consequências para os contratos de fornecimento e de recolha dessa declaração da nulidade – já se pronunciou a decisão sumária proferida, em 25 de março de 2019, no processo nº 487/08.3 BECTB - 2º Juízo – 1ª Secção – pelo TCA Sul – Desembargadora Relatora: Catarina Jarmela – em que era recorrente o aqui MUNICIPIO DO FUNDÃO, que decidiu no sentido de que, não tendo sido levantada qualquer questão relativa à validade do contrato de concessão e/ou dos contratos de fornecimento e de recolha nem ter sido indicado nas alegações de recurso qualquer razão de facto e/ou de direito que fundamentasse tal declaração de nulidade, não podia ser conhecida na sentença recorrida – razão pela qual aí não foi analisada -, nem podia ser apreciada no (…) recurso jurisdicional (cfr. art. 264º n.º 1, do CPC de 1961, e art. 5º n.º 1, do CPC de 2013), além de que o conhecimento de tal questão era inútil – e sendo certo que, de acordo com o estatuído no art. 130º, do CPC de 2013, não é lícito realizar no processo atos inúteis -, pois, mesmo que se viesse a concluir pela nulidade do contrato de concessão e, em consequência, pela invalidade dos contratos de fornecimento e de recolha, tal não implicaria qualquer modificação na sentença recorrida (na qual o réu foi condenado a pagar à autora as importâncias relativas aos serviços prestados – fornecimento de água e saneamento - e respectivos juros de mora), ou seja, tal nulidade não tem qualquer influência na exequibilidade da sentença recorrida.
G) Também nos presentes autos tal questão não podia ser conhecida na sentença recorrida, nem pode ser apreciada no presente recurso jurisdicional (cfr. art. 5º n.º 1, do CPC), pois não foi invocada na contestação, sendo antes uma questão que o Recorrente se lembrou de trazer agora em sede de recurso sem indicação de qualquer razão de A) facto e/ou de direito que fundamente tal declaração de nulidade, o que gera a improcedência do presente recurso jurisdicional.

SEM PRESCINDIR,
H) É pacífico o entendimento que, mostrando-se determinada factualidade provada por acordo das partes - e estando, assim, os factos objeto desse acordo plenamente provados - não é admissível a produção de qualquer outro meio de prova, nomeadamente de prova testemunhal e prova documental, no sentido de pôr em causa aquela prova plena.
I) Ora, a factualidade constante dos pontos 1) a 6) da matéria de facto dada como provada na decisão recorrida, cuja matéria se reporta quer ao contrato de concessão quer aos contratos de fornecimento e recolha, resultou demonstrada, para além da prova documental junta aos autos, da sua admissão por acordo, não sendo admissível a produção de qualquer outro meio de prova, nomeadamente prova documental, no sentido de pôr em causa aquela prova plena, já que o juiz encontra-se vinculado a essa prova nos termos do disposto no artigo 607º, nº 4, do CPC, que manda atender, em sede de fundamentação de facto da sentença, aos factos que estão admitidos por acordo, os quais serão, naturalmente, incluídos na matéria de facto dada como provada, o que sucedeu, no caso concreto, com a referida matéria constante dos pontos 1) a 6).
J. Assim, o Tribunal recorrido não só tinha todos os elementos necessários ao conhecimento do mérito da causa como ainda se pronunciou sobre a questão de fundo - decidir se o Réu devia ser condenado a pagar à Autora o valor de 293.269,59 €, decorrentes da prestação de serviços de abastecimento de água e de recolha de efluentes, acrescidos de juros de mora vencidos, no valor de 3.360,45 €, e vincendos, prestados no âmbito dos contratos de fornecimento e de recolha celebrados entre as partes – não tendo que se pronunciar sobre a agora alegada nulidade do contrato de concessão que não foi invocada e cuja validade se encontra A) definitivamente adquirida nos autos por força da sua admissão por acordo.

AINDA SEM PRESCINDIR,
K) Ao invés do que o Recorrente pretende fazer crer, a decisão do Tribunal Arbitral – que não se encontra transitada em julgado - não se reporta à nulidade do Contrato de Concessão e às consequências dessa nulidade sobre os contratos de fornecimento e recolha, mas antes à “interpretação ou execução” do Contrato de Recolha de Efluentes – Cfr. al. c) do ponto 11, pág. 8 do Acórdão -.
L. De facto, o Recorrente sabe perfeitamente que a decisão do Tribunal Arbitral, que juntou aos autos em 26 de janeiro de 2023, não se reporta à nulidade do Contrato de Concessão e às consequências dessa nulidade sobre os contratos de fornecimento e recolha, uma vez que o Recorrente, juntamente com os Municípios de Almeida, Guarda, Pinhel e Sabugal, interpôs no Tribunal Arbitral ação que teve por objeto a declaração de nulidade do Contrato de Concessão subscrito, em 15 de setembro de 2000, pelo Ministério da Agricultura, Mar, Ambiente e Ordenamento do Território e a sociedade ... , bem como os Contratos de Fornecimento, Recolha e Valorização e Cedência de Infraestruturas, tendo o Tribunal Arbitral, em 14 de janeiro de 2021, declarado que era incompetente para decidir – ex professo – sobre a validade do Contrato de Concessão, por os Demandantes não serem partes no referido Contrato, avançando, posteriormente, para o conhecimento da invocada nulidade dos contratos celebrados entre os Demandantes e a Demandada (Contratos de Fornecimento, Recolha e Valorização e Cedência de Infraestruturas), ainda que para decidir essa nulidade tivesse que incidentalmente apreciar a invocada nulidade do Contrato de Concessão, sendo que o Tribunal Arbitral decidiu que os vícios invocados pelos Demandantes não eram suscetíveis de gerar a nulidade do contrato de concessão, concluindo pela declaração de caducidade do direito à ação, na medida em que todos os vícios invocados A) relativamente ao Contrato de Concessão são - se se viessem a provar - geradores de anulabilidade, tendo o prazo de impugnação da validade do Contrato já caducado.

M) O recurso interposto desta decisão por tais Municípios foi julgado improcedente por douto acórdão proferido, em 13 de setembro de 2023, pelo TCA Sul no Proc. nº 68/21.6BCLSB, já transitado em julgado.
N) Assim, para além de se tratar de uma questão já decidida, o que, por si só, gera a improcedência do presente recurso, o Recorrente, ao vir invocar que o Tribunal recorrido não se pronunciou sobre a nulidade do contrato de concessão sem ter suscitado essa questão nos autos e depois de ter conhecimento - porque foi parte no processo - da decisão proferida pelo Tribunal Arbitral em 14 de janeiro de 2021, confirmada por Acórdão do TCA Sul, de 13 de setembro de 2023, tirado no Proc. nº 68/21.6BCLSB, o mínimo que se pode dizer desta argumentação recursiva é que o Recorrente litiga de má fé.
SEMPRE SEM PRESCINDIR,
O) Na situação vertente, o Recorrente juntou aos autos um documento sem ter alegado concretamente qual o direito ou facto que por meio do mesmo pretendia ver demonstrado ou infirmado.
P) Ora, estando a parte interessada na junção de um documento quando todos os articulados já foram apresentados, deve indicar os factos concretos que pretende demonstrar com o documento e, além disso, aludir ao objeto do processo e aos temas de prova que o justificam, não tendo, porém, nada disto sido efetuado pelo Recorrente, logo não pode vir dizer que o mesmo é essencial à descoberta da verdade.
Q) Efetivamente, desconhecendo-se que concretos factos pretendia o Recorrente provar com a junção do acórdão do Tribunal Arbitral, não pode considerar-se que esse documento respeite a factos incluídos na globalidade da matéria de facto carecida de prova.
R. Aliás, o documento invocado pelo Recorrente jamais pode servir para contrariar ou alterar o que, por prova indestrutível, está A) definitivamente adquirido para os autos, pelo que também por esta via o recurso deve ser julgado improcedente.

S) A douta sentença recorrida não violou os preceitos legais invocados.

*
Foi dado cumprimento ao disposto no art.º 146.º, n.º 1 do CPTA, tendo sido emitido douto parecer pelo Digníssimo Procurador-Geral Adjunto, em que se pugna pela declaração de improcedência do recurso, por, em síntese, se entender que a sentença “não padece de quaisquer vícios, nomeadamente os que lhe vêm imputados.”.

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Do objecto do recurso.
Em face do teor das alegações de recurso há que decidir se a sentença recorrida é nula nos termos do disposto no art.º 615.º, n.º 1, al. d) do CPC, ex vi art.º 1.º do CPTA, por não se ter pronunciado sobre a nulidade do contrato de concessão, nem sobre a consequente invalidade dos contratos de fornecimento de água e de tratamento de efluentes (art.º 134.º, n.º 1 do CPA/96) e ainda por ter conhecido do mérito da acção “sem dispor de todos os elementos”.
*
Fundamentação.

De facto.

Na sentença recorrida foi fixado o seguinte a título de matéria de facto:
1. A Autora é uma sociedade anónima que tem por objeto social a exploração e gestão do Sistema Multimunicipal de Abastecimento de Água e de Saneamento do Alto Zêzere e Côa para captação, tratamento e distribuição de água para consumo público e para recolha, tratamento e rejeição de efluentes - factualidade admitida por acordo;
2. A Autora é concessionária da exploração e gestão do sistema multimunicipal identificado em 1), nos termos do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 121/2000, de 4 de julho, e nos termos estipulados no contrato de 1. concessão celebrado entre o Estado Português e a Autora, em 15 de setembro de 2000 - factualidade admitida por acordo; cf. o referido contrato de concessão, junto como doc. 2 com a petição inicial (v. págs. 24 e ss. do ficheiro da petição inicial no SITAF) que aqui se dá por integralmente reproduzido;

3. O exercício das atividades concessionadas à Autora implica a celebração de contratos de fornecimento e recolha com os municípios utilizadores - factualidade admitida por acordo;
4. O Município do Fundão, ora Réu, é utilizador do Sistema Multimunicipal de Abastecimento de Água e de Saneamento do Alto Zêzere e Côa - factualidade admitida por acordo;
5. Em 15 de Setembro de 2000, e no exercício das suas atividades, a Autora celebrou com o Réu um contrato de fornecimento, no qual se obrigou a fornecer ao município água destinada ao subsequente abastecimento público, mediante o pagamento de tarifas devidas, e do qual se retira, entre o mais, o seguinte:
“(…)
Cláusula 1.ª
1. A Sociedade obriga-se a fornecer água ao Município, destinada ao abastecimento público, nos termos e de acordo com as condições previstas no contrato de concessão, adiante como tal designado, celebrado entre o Estado e a Sociedade relativo à atribuição da concessão da exploração e gestão do sistema multimunicipal de abastecimento de água e saneamento do Alto Zêzere, criado pelo artigo Io do Decreto-Lei n° 121/2000, de 4 de julho, adiante designado, abreviadamente, por “Sistema”.
(…)
Cláusula 3.ª
1. O regime tarifário a aplicar ao Município, reger-se-á pelo estabelecido no contrato de concessão.
2. (…)
6.As faturas referentes a débitos de consumo, bem assim como as relativas a quaisquer outros fornecimentos ou serviços prestados, serão pagas pelo município na sede da concessionária até sessenta dias após a data da faturação.
7. Em caso de mora no pagamento das faturas, estas passarão a vencer juros de mora. nos termos da legislação aplicável às dívidas do Estado, com a taxa prevista na mesma legislação, sem prejuízo de a sociedade poder recorrer às instâncias judiciais como forma de obter o ressarcimento dos seus débitos, bem como de exercer os demais direitos previstos no contraio de concessão.
(…)
Cláusula 4.ª
1. A medição e faturação de água consumida, serão efetuadas nos termos constantes do Anexo 2.
(…)” - factualidade admitida por acordo; cf. o referido contrato e anexos, juntos como doc. 3 com a petição inicial, que aqui se dá por integralmente reproduzido;
6. Em 15 de Setembro de 2000, e no exercício das suas atividades, a Autora celebrou com o Réu um contrato de recolha, através do qual a Autora se obrigou a recolher efluentes provenientes do sistema próprio do Réu, mediante o pagamento de tarifas devidas por este último, e do qual se retira, entre o mais, o seguinte:
“(…)
Cláusula 1.ª
1.A Sociedade obriga-se a fornecer água ao Município, destinada ao abastecimento público, nos termos e de acordo com as condições previstas no contrato de concessão, adiante como tal designado, celebrado entre o Estado e a Sociedade relativo à atribuição da concessão da exploração e gestão do sistema multimunicipal de abastecimento de água e saneamento do Alto Zêzere, criado pelo artigo 1.º do Decreto-Lei n° 121/2000, de 4 de julho, adiante designado, abreviadamente, por “Sistema”.

(…)
Cláusula 3.ª
1.O regime tarifário a aplicar ao Município, reger-se-á pelo estabelecido no contrato de concessão.
(…)
5. A faturação será apresentada mensalmente e, quando, nos termos previstos no contrato de concessão, não resultar de medição, corresponderá a um duodécimo dos valores mínimos anuais previstos no mesmo.
6. As faturas referentes a débitos de recolha de efluentes, bem assim como as relativas a quaisquer outros fornecimentos ou serviços prestados, serão pagas pelo utilizador na sede da concessionária até sessenta dias após a data da faturação.
7. Em caso de mora no pagamento das faturas, estas passarão a vencer juros de mora nos termos da legislação aplicável às dívidas do Estado, com a taxa prevista na mesma legislação, sem prejuízo de a sociedade poder recorrer às instâncias judiciais como forma de obter o ressarcimento dos seus débitos, bem como de exercer os demais direitos previstos no contrato de concessão.
(…)
Cláusula 5.ª
1. A medição dos efluentes recolhidos, quando efetuada, sê-lo-á nos termos constantes do contrato de concessão e do Anexo 2 ao presente contrato.
(…)”
- factualidade admitida por acordo; cf. o referido contrato e seu anexo 2, junto como doc. 4 com a petição inicial, que aqui se dá por integralmente reproduzido;
7. No período de 6 de outubro a 3 de novembro de 2009, a Autora forneceu ao Município do Fundão um volume total de 148.024 m3 de água – conjugação da prova documental, com a prova pericial e com a prova testemunhal – v. motivação infra;
8. Pela prestação desse serviço foi emitida, em 12 de novembro de 2009, a fatura n.º 3040.84150, no valor total de € 87.824,86, vencida em 11 de janeiro de 2010 – cf. doc. 5 junto com a petição inicial;
9. A fatura supra mencionada foi recebida pelo Município do Fundão e não foi paga até à presente data – acordo quanto à falta de pagamento;
10. No período de 7 de outubro a 4 de novembro de 2009, a Autora prestou ao Município do Fundão os serviços de saneamento, de recolha e de tratamento de efluentes das ETAR's de Atalaia do Campo, Barroca, Silvares, Fundão, Capinha, Escarigo, Orca, Castelejo, Soalheira, Janeiro de Cima, Lavacolhos e Bogas de Cima, num volume total de 82.653 m3 – conjugação da prova documental, com a prova pericial e com a prova testemunhal – v. motivação infra;
11. Pela prestação desse serviço foi emitida, em 12 de novembro de 2009, a fatura n.º 3040384166, no valor global € 50.937,40, vencida em 11 de janeiro de 2010 – cf. doc. 6 junto com a petição inicial;
12. A fatura supra mencionada foi recebida pelo Município do Fundão e não foi paga até à presente data – acordo quanto à falta de pagamento;
13. No período 3 de novembro a 3 dezembro de 2009, a Autora forneceu ao Município do Fundão um volume total de 152.211 m3 de água – conjugação da prova documental, com a prova pericial e com a prova testemunhal – v. motivação infra;
14. Pela prestação desse serviço foi emitida, em 15 de dezembro de 2009, a fatura n.º 3040384184, no valor de € 90.309,07, vencida em 13 de fevereiro de 2010 – cf. doc. 7 junto com a petição inicial;
15. A fatura supra mencionada foi recebida pelo Município do Fundão e não foi paga até à presente data – acordo quanto à falta de pagamento;
16. No período 4 de novembro a 3 de dezembro 2009, a Autora prestou ao Município do Fundão os serviços de saneamento, de recolha e de tratamento de efluentes das ETAR's de Atalaia do Campo, Barroca, Silvares, Fundão, Capinha, Escarigo, Orca, Castelejo, Soalheira, Janeiro de Cima, Lavacolhos e Bogas de Cima, num total de 104.100 m3 – conjugação da prova documental, com a prova pericial e com a prova testemunhal – v. motivação infra;
17. Pela prestação desse serviço foi emitida, em 15 de dezembro de 2009, a fatura n.º 3040384199, no valor de € 64.198,26, vencida em 13 de fevereiro de 2010 – cf. doc. 8 junto com a petição inicial;
18. A fatura supra mencionada foi recebida pelo Município do Fundão e não foi paga até à presente data – acordo quanto à falta de pagamento;
19. As tarifas aprovadas pela entidade reguladora e praticadas durante o ano de 2009 foram as seguintes: a) € 0,5463 por m3 (abastecimento de água); b) € 0,5776 por m3 (saneamento). - acordo;
20. Mensalmente, um funcionário do Réu acompanhava um funcionário da Autora ao local onde se encontram instalados os contadores, verificando aquele os valores que os marcadores indicavam, os quais eram vertidos em auto – cf. autos de medição juntos aos autos; acordo.

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Factos não provados:
A. Os contadores instalados pela Autora no período em causa nos autos não estavam calibrados, nem foram aferidos nem certificados por uma entidade independente;
B. Os contadores instalados pela Autora no período em causa nos autos permitiam a continuação da contagem aquando da passagem de ar em vez de água;
C. A Autora sempre se recusou a permitir que o Réu vistoriasse e verificasse a regularidade das medições efetuadas;
D. A Autora sempre se recusou a que o Réu pusesse nos contadores um selo.
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Direito
O Recorrente defende que a sentença recorrida é nula nos termos do disposto no art.º 615.º, n.º 1, al. d) do CPC, ex vi art.º 1.º do CPTA, por não se ter pronunciado sobre a nulidade do contrato de concessão, nem sobre a consequente invalidade dos contratos de fornecimento de água e de tratamento de efluentes que diz decorrer do regime jurídico dos actos nulos previsto no art.º 134.º, n.º 1 do CPA/96.
O Tribunal deve decidir todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação e não pode ocupar-se senão das questões suscitadas, salvo quando a lei lhe permita ou imponha o conhecimento oficioso de outras – n.º 1 do art.º 95.º do CPTA.
O art.º 615.º, n.º 1, al. d) do CPC, estatui que a sentença é nula quando o “juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.
As “questões” a apreciar a que se refere a referida norma, são “todas as pretensões processuais formuladas pelas partes que exigem decisão do julgador, bem como, ainda, os pressupostos processuais [gerais e específicos] debatidos nos autos, sendo que não podem confundir-se aquilo que são as questões que os litigantes submetem à apreciação e decisão do tribunal com o que são as razões de facto ou de direito, os argumentos, ou os pressupostos em que cada a parte funda a sua posição nas questões objeto de litígio” – cfr. Ac. STA, de 06/12/2018, proc. n.º 0930/12.7BALSB, in www.dgsi.pt.

O objecto do presente processo, tal como identificado pelo Tribunal a quo no despacho datado de 09/06/2023 (fls. 2729 do SITAF), restringe-se à questão de saber se o ora Recorrente está obrigado a pagar à Recorrida os montantes por esta facturados relativos ao fornecimento de água “em alta” e à prestação do serviço de recolha de efluentes, bem assim como dos respectivos juros moratórios.
A questão relativa à nulidade do contrato de concessão celebrado entre o Estado e a Recorrida nunca foi suscitada nos autos.
Também nunca se discutiu se os contratos de abastecimento de água “em alta” e de recolha de efluentes são inválidos por força da nulidade do contrato de concessão.
O Recorrente, no dia 26/01/2023, apresentou um requerimento em que requereu a junção aos autos da decisão do Tribunal Arbitral (fls. 2605). Mas nada mais requereu, nem indicou para que efeitos requeria a junção de tal decisão aos autos.
A nulidade dos mencionados contratos não é de conhecimento oficioso.
Para poder ser conhecida, o Recorrente tinha de ter suscitado a questão, indicando os correspondentes fundamentos de facto e de direito (cfr. art. 264º n.º 1, art.º 487.º e art.º 488.º do CPC/61, e os artigos 5º n.º 1, 572.º, al. b) do CPC/2013 )
Pelo que se impõe concluir que:
- o Tribunal a quo não incorreu na omissão de pronúncia que o Recorrente invoca;
- a sentença recorrida não é nula por ter sido proferida sem que tivesse conhecido da nulidade do contrato de concessão e dos contratos de fornecimento de água e de recolha de efluentes;
- o Tribunal podia ter decidido de mérito sem atentar na invocada nulidade.
Acresce que o Tribunal Arbitral não declarou a nulidade do contrato de concessão, nem essa questão foi conhecida por esse Tribunal, uma vez que não fazia parte do objecto do processo que ali correu, que se restringiu à “interpretação ou execução” do Contrato de Recolha de Efluentes, sabendo-se que a sua vigência não foi além da do Contrato de Concessão, a cuja luz fora celebrado”, conforme se declarou a fls. 8 da decisão arbitral junta aos autos.
Pelo que, não existindo qualquer decisão a declarar a nulidade do contrato de concessão, impõe-se concluir que a sentença não violou o regime jurídico que estabelece os efeitos da prática de actos nulos a que se refere o art.º 134.º, n.º 1 do CPA/96.
Para além disso, o Recorrente incorre em erro quanto aos efeitos que poderiam decorrer da nulidade (que não demonstrou) dos contratos de fornecimento de água e de recolha de efluentes, pois, conforme resulta do n.º 1 do art.º 289.º do CC, sempre teria de efectuar o pagamento dos serviços que lhe foram prestados, uma vez que, não os podendo devolver em espécie, teria de restituir o valor correspondente.
Entendimento este que já foi adoptado pelo STA no âmbito do acórdão de 15/03/2018, processo n.º 487/08.3BECTB, em que foram partes os ora Recorrente e Recorrida.
Decisão
Pelo exposto, acordam, em conferência, os juízes da subsecção de contratos públicos do TCAS, em negar provimento ao recurso e manter o decidido na sentença recorrida.
Custas pelo Recorrente – art.º 527.º do CPC.

Lisboa, 23 de Outubro de 2025

Jorge Martins Pelicano


Ana Carla Teles Duarte Palma

Paula Cristina de Ferreirinha Loureiro