Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1973/23.0BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:06/18/2025
Relator:MARA DE MAGALHÃES SILVEIRA
Descritores:INFORMAÇÃO PROCEDIMENTAL E NÃO PROCEDIMENTAL
JORNALISTA
DOCUMENTOS NOMINATIVOS
Sumário:I - Da conjugação do artigo 85.º, n.º 1 do CPA com o artigo 8.º, n.º 2 do EJ, decorre que, no que respeita ao acesso a informação procedimental, se considera, para o efeito da extensão do direito à informação procedimental, que os jornalistas são detentores de um interesse legítimo no acesso às fontes de informação;
II - O direito à informação não procedimental e procedimental, não é um direito absoluto, antes se encontra sujeito a restrições e limitações, entre as quais a constante do n.º 5 do artigo 6.º da LADA quanto aos documentos nominativos;
III - Da conjugação da al. b) do n.º 1 do artigo 3.º da LADA com o artigo 4.º 1) do RGPD, resulta que o simples nome de uma pessoa e números de identificação são elementos identificadores de uma pessoa singular e, como tal, integrantes do conceito de dados pessoais;
IV - O “artigo 6º nº 9 excepciona as restrições impostas no nº 5 ao acesso de documentos nominativos, presumindo que o pedido de informação formulado se fundamenta no direito de acesso a documentos administrativos quando os documentos nominativos [por conterem dados pessoais nos termos do RGPD] não contenham dados pessoais que revelem a origem étnica, as opiniões políticas, as convicções religiosas ou filosóficas, a filiação sindical, dados genéticos, biométricos ou relativos à saúde, ou dados relativos à intimidade da vida privada, à vida sexual ou à orientação sexual de uma pessoa” (Ac. do TCA Sul de 29.6.2023, proferido no processo 894/22.9BELSB);
V - O disposto no n.º 9 do artigo 6.º da LADA impõe um juízo de ponderação, pelo que, contendo os documentos dados pessoais na aceção da al. b) do artigo 3.º da LADA, tais documentos não deixam, nessa parte, de constituir documentos nominativos e, nesse sentido, o direito de acesso deve ser sempre ponderado com a proteção dos dados pessoais em causa nos documentos administrativos;
VI - A recusa de acesso a documentos administrativos deve ser fundamentada de forma consubstanciada, exteriorizando-se os motivos que permitem preencher os conceitos das previsões normativas que contemplam a exceção ao livre acesso;
VII - A mera circunstância de a requerente da informação ser jornalista e alegar a necessidade da informação para o exercício da profissão é insuficiente para se considerar a relevância, designadamente para o controlo de legalidade da atuação administrativa, no acesso a dados pessoais contidos nos documentos abrangidos pelo pedido, os quais, devem, portanto, ser objeto de expurgo, nos termos do disposto no artigo 6.º, n.º 8, da LADA;
VIII - À míngua da concretização pela Requerida do objeto das Recomendações e das atas do Plenário, não é possível concluir, por tal não emergir à evidência, que contemplem, efetivamente, dados pessoais, incluindo (apenas) aqueles que são identificativos de sujeitos a que as mesmas alegadamente se dirigem, constituindo documentos nominativos a que se aplique a restrição tipificada no n.º 5 do artigo 6.º da LADA;
IX - Estando em causa informação de natureza financeira da Recorrida, que não consubstancia documentos nominativos, não estão os documentos relativos aos pagamentos feitos aos seus membros, sujeitos à restrição de acesso prevista no n.º 5 do artigo 6.º, devendo ser concedido o direito de consulta e obtenção de cópia dos mesmos;
X - O direito de acesso aos documentos administrativos abrange o direito de consulta e de reprodução (artigo 5.º da LADA), sendo que essa consulta (e reprodução) pode ser realizada presencialmente e ter por objeto os originais dos documentos, pelo que a circunstância de esses mesmos documentos serem objeto de divulgação e publicitação, não constitui fundamento para a recusa de consulta presencial dos originais e reprodução destes.
XI - Não atestando o probatório o caráter repetitivo ou sistemático de pedidos no exercício do direito à informação, não se mostram preenchidos os pressupostos para a não obrigação da sua satisfação nos termos do artigo 15.º, n.º 3 da LADA.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção Administrativa Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, os juízes desembargadores da Secção Administrativa, Subsecção Comum, do Tribunal Central Administrativo Sul:

1. Relatório

E… (doravante A./Recorrente, A./Recorrida, A. ou Requerente) instaurou, no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, a presente intimação para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões, contra a Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (doravante R./Recorrida, R./Recorrente ou Requerida ou R.), pedindo que a Requerida fosse intimada a permitir a consulta e entregar à Requerente os documentos solicitados pelo seu requerimento de 11.5.2023.

Por sentença proferida em 29 de setembro de 2023, o referido Tribunal julgou parcialmente procedente a intimação e, em consequência, condenou a Entidade Requerida “a permitir à Requerente:
- A consulta da totalidade das atas do Plenário da CCPJ desde 2020;
- A consulta de documentos onde constem os pagamentos a qualquer título, mensal ou por presença, a cada um dos membros da CCPJ desde 2020 até à data;
- A consulta das contas anuais da CCPJ, contendo elementos contabilísticos (demonstrações financeiras) relativas a 2019, 2020, 2021 e 2022.
Contudo, note-se, o acesso a esses elementos deverá ser expurgado de dados pessoais, designadamente se respeitarem a procedimentos disciplinares e/ou contraordenacionais. No mais, improcede o pedido formulado pela Requerente, absolvendo-se, nessa parte, a Entidade Requerida do pedido.”

Inconformada, a A./Recorrente interpôs recurso jurisdicional para este Tribunal Central Administrativo Sul dessa decisão, cujas alegações contêm as seguintes conclusões:

“A. O Tribunal recorrido considerou improcedentes os seguintes pedidos da recorrente:
- consulta, e eventual obtenção de cópia digital ou em outro formato, eventualmente expurgando as partes sob reserva (...), da totalidade dos documentos relativos aos procedimentos desenvolvidos pela CCPJ no âmbito das suas competências em matéria de processos de contra-ordenação e processos disciplinares abertos desde 2020, incluindo as decisões de abertura desses processos e as decisões de arquivamento de participações, cumpre distinguir entre documentos de matriz não procedimental e procedimental, na medida em que o pedido elencado é vasto a ponto de englobar uma diversa panóplia de documentos;
-consulta, e obtenção de cópia digital ou em outro formato, eventualmente expurgando as partes sob reserva (...), da totalidade de documentos considerados como "Recomendações" pelo Secretariado da CCPJ emitidas desde a sua fundação em 1995 até à presente data.
B. Mais do que terem sido pedidos acesso aos processos de contra-ordenação, foram também pedidos os documentos relativos aos procedimentos desenvolvidos pela CCPJ no âmbito das suas competências em matéria de processos de contra-ordenação e processos disciplinares abertos desde 2020;
C. Em matéria disciplinar dos jornalistas rege o Estatuto Disciplinar dos Jornalistas que no seu artigo 5.° dispõe que: " "o processo disciplinar é secreto até à notificação do despacho de acusação ou da decisão de o mandar arquivar", presumindo-se que após esses momentos o processo disciplinar deixe de ser secreto.
D. Nomes e números de identificação, como número da carteira profissional, não são ou não constituem dados nominativos.
E. Há um conjunto considerável de exemplos em que associações e ordens profissionais publicitam, entre outras informações o nome completo dos seus associados ou dos seus membros, bem como o número da carteira ou da cédula profissional.
F. Estão nessa situação a própria CCPJ, requerida nestes autos, já que no sitio de internet publicita o nome completo e o número de carteira profissional dos jornalistas.
G. O mesmo fazem, e alguns deles com muito maior detalhe, por exemplo, a Ordem dos Médicos (https://ordemdosmedicos.pt/medicos-registados-na-ordem-dos-medicos/); a Ordem dos Enfermeiros. (https://www.ordemenfermeiros.pt/pesquisa-de-enfermeiros-registados/), ou a Ordem dos Advogados. Veja-se quanto a esta última os dados do mandatário da recorrente, tal como aparecem, publicamente, no sítio da internet da Ordem dos Advogados:
I. Dados pessoais são aqueles cuja divulgação invade a esfera da vida privada dos seus titulares, cf. Ac. TCA Norte que no processo 586/19.6 BELSB decidiu que a protecção de dados pessoais "deve ser interpretada no sentido de implicar uma situação de prejuízo para os direitos fundamentais de terceiros, e que dados pessoais são aqueles que, de modo geral, inserem-se na reserva da intimidade da vida privada"
J. E conforme decidiu o mesmo TCA Norte no processo 175/19.5BEAVR, a intimidade da vida privada "os aspectos relativos aos sentimentos e convicções da pessoa, aos seus comportamentos íntimos e sexuais, a características físicas e psicológicas, em geral a tudo o que ocorre dentro de casa e que a pessoa em causa pretende manter secreto ou reservado apenas a uma única pessoa ou a um número muito restrito de pessoas"
K. Não é nada disto que está em causa nos presentes autos. O que está em causa são, tão só e apenas, acções profissionais praticadas no âmbito de uma profissão de interesse público.
L. Ainda a propósito desta mesma questão veja-se o Acórdão do TCA Sul proferido em 29.06.2023 no processo 894/22.9 que, versando sobre questões semelhantes, colocou em confronto judicial um jornalista e, no caso, o Conselho Superior da Magistratura.
M. Neste Acórdão os Sr. Desembargadores consideraram que "Pese embora a latitude com que os dados pessoais são definidos no RGPD, crê-se que o comando legal acabado de transcrever carece de ser lido e interpretado cum granum salis em contexto do exercício de funções públicas, sob pena de uma coarctação - logo ab initio - injustificada (e, como tal, inadmissível) dos princípios da administração aberta e, a fortiori sensu, da transparência que, consabidamente, norteiam a actuação da Administração Pública. Crê-se, aliás, que esta é uma decorrência do disposto nos artigos 6.°, n.° 1, alínea e), e 86.° do RGPD, que prevêem que, por um lado, o tratamento de dados é lícito na medida em que se afigure 'necessário ao exercício de funções de interesse público'(coo[sic] é manifestamente o caso) e, por outro, que “Os dados pessoais que constem de documentos oficiais na posse de uma autoridade pública ou de um organismo público ou privado para a prossecução de atribuições de interesse público podem ser divulgados pela autoridade ou organismo nos termos do direito da União ou do Estado-Membro que for aplicável à autoridade ou organismo público, a fim de conciliar o acesso do público a documentos oficiais com o direito à proteção dos dados pessoais nos termos do presente regulamento'. Com efeito, a vingar a interpretação que aqui é propugnada pelo Requerido, isso significaria que o mero nome de um funcionário público que tenha intervindo num qualquer procedimento administrativo apenas poderia ser tornado acessível aos interessados após a ponderação dos interesses em jogo no âmbito de um juízo de proporcionalidade, o que não se mostra aceitável em face das exigências de transparência que impendem sobre a Administração, nos termos constitucional e infraconstitucionalmente consagrados."
N. Concluindo que: “O entendimento que antecede, de resto, vem sendo preconizado pela jurisprudência dos tribunais superiores, os quais, em ambiência de exercício de funções públicas, têm vindo a interpretar restritivamente a noção de documento nominativo, circunscrevendo-a aos documentos que contêm dados pessoais de natureza íntima", invocando" a título meramente exemplificativo, o acordado pelo Tribunal Central Administrativo Norte, em 25.01.2019, no âmbito do processo n° 01775/18.6BEBRG"(vd. aqui no dito Acórdão: https://diariodarepublica.pt/dr/detalhe/acordao/01775-2019-192135275), que refere que "não se estando em presença de matéria confidencial ou que se possa configurar como relativa a dados pessoais de natureza íntima, como seriam, por exemplo, os dados genéticos, de saúde ou que se prendessem com a vida sexual, bem como os relativos às convicções políticas, filosóficas ou religiosas, que pudessem traduzir-se numa invasão da reserva da vida privada, mas antes perante meros registos administrativos, não se mostra admissível a recusa na prestação de informações.
O. Mas mesmo face à inexistência de dados pessoais, ainda assim o raciocínio do tribunal recorrido é o de que " a Requerente esteja munida de autorizações escritas dos titulares dos dados, até porque o pedido é de tal modo genérico que não se dirige a um procedimento concreto, mas a toda uma miríade de procedimentos findos e em curso, desde 2020 até ao presente".
P. A jornalista recorrente não pretende saber aspectos da vida íntima dos jornalistas visados por processos disciplinares, não pretende saber nada da sua vida sexual, das suas características físicas e/ou psicológica, muito menos o que se passa dentro das suas casas.
Q. Voltamos a repetir, a jornalista recorrente (apenas) pretende aceder a documentos administrativos relacionados com processos e decisões de arquivamento no âmbito de processos de contra-ordenação e aos documentos administrativos relacionados com as "Recomendações" emanadas do secretariado da CCPJ desde 1995 até à data.
R. O Tribunal recorrido classificou o pedido como genérico, provavelmente para daí retirar a conclusão que seria um pedido de difícil concretização e eventualmente abusivo.
S. Não é assim. Os procedimentos administrativos da natureza daqueles que são pedidos não serão tão números que inviabilize a sua concretização.
T. Acresce que o pedido está bem balizado em termos temporais, o que facilita a sua concretização.
U. A sentença recorrida considera de uma forma muito perigosa, atentas as consequências de um tal pensamento, que "não se vislumbra que a Requerente seja detentora de um interesse direto, pessoal, legítimo e constitucionalmente protegido".
V. Se este pensamento tiver acolhimento, teremos que alterar a Constituição da República Portuguesa por forma a fazer desaparecer a liberdade de imprensas, o direito de informar e ser informado. Passarão a existir cada vez mais impedimentos dos jornalistas em aceder às fontes.
W. A censura encapotada estará instalada.
X. Mas pior que considerar que a jornalista requerente não é detentora de um interesse pessoal, directo e legitimo e considerar que a mesma jornalista não identificou o "alvo noticioso".
Y. Com o devido respeito pelo Tribunal recorrido, era o que mais faltava.
Z. Se por absurdo esta ideia vingasse, conforme o "alvo noticioso" passasse no crivo da entidade requerida assim o pedido seria deferido ou indeferido.
AA. Será que o Tribunal recorrido sugere uma censura prévia dos pedidos de documentos administrativos feitos por jornalistas, no âmbito da sua profissão? Documentos esses que constituem as suas fontes, a matéria prima com que trabalham?
BB. Lendo a sentença recorrida, é precisamente isso o que o Tribunal considera. Se o "alvo noticioso" agradar, os documentos serão disponibilizados; se o "alvo noticioso" não agradar, lamentamos mas o acesso a documentos não se fará.
CC. Nesta perspectiva, a sentença recorrida é, não só ilegal, mas inconstitucional.
Termos em que deve a sentença recorrida ser revogada e ser substituída por outra que intime a CCPJ a permitir o acesso a todos os documentos tal como foi pedido no Doc. 1 do requerimento inicial.
Fazendo assim, farão V.Ex. Justiça..”

Daquela decisão, na parte em que a intimação foi julgada procedente interpôs, também, recurso a R./Recorrente, apresentando as seguintes conclusões,
“A. A douta decisão de que se recorre é a que consta da sentença proferida a fls. ... e ss. nos autos de Intimação para a prestação de informações e passagem de certidões, com o n.° 1973/23.0BELSB, que correu termos no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, a qual julgou procedente os seguintes pedidos da Requerente - a saber:
i. A consulta da totalidade das atas do Plenário da CCPJ desde 2020.
ii. A consulta de documentos onde constem os pagamentos a qualquer título, mensal ou por presença, a cada um dos membros da CCPJ desde 2020 até à data.
iii. A consulta das contas anuais da CCPJ, contendo elementos contabilísticos (demonstrações financeiras) relativas a 2019, 2020, 2021 e 2022.
B. O Tribunal a quo julgou preenchidos os pressupostos de que depende a concessão do acesso à informação, porém sucede que o Tribunal mal andou ao considerar verificados tais pressupostos, conforme se verá.
C. Desde logo, na presença de um requerimento para acesso a informação administrativa que contenha dados nominativos, tem de ser dada, de antemão, relevância às finalidades do tratamento dos dados, competindo à entidade definir a necessidade de impedir ou permitir o acesso, segundo critérios de proporcionalidade.
D. Ora, o acesso a fontes oficiais de informação e a legitimidade do interesse ao acesso até para os jornalistas se encontra condicionada pela Constituição da República Portuguesa (doravante CRP), pelo Regulamento Geral de Proteção de Dados (doravante, RGPD), para o qual remete a própria LADA, pelo Código do Procedimento Administrativo (doravante CPA), pelo próprio Estatuto do Jornalista entre outros normativos legais.
E. Assim e conforme resulta do n.° 3, do artigo 8.° do Estatuto do Jornalista e, ainda, do n.° 2, que remete o interesse dos jornalistas no acesso a fontes de informação para o direito regulado nos artigos 82.° e 83.° do CPA.
F. Importa ter em consideração que, estamos perante um direito constitucionalmente consagrado dos jornalistas de aceder às fontes de informação, nos termos da lei (artigo 38.°, n.° 2, alínea b) da CRP). Mas não podemos olvidar que, temos os direitos de personalidade, ou seja o direito “à identidade pessoal, ao desenvolvimento da personalidade, à capacidade civil, à cidadania, ao bom nome e reputação, à imagem, à palavra, à reserva da intimidade da vida privada e familiar e à proteção legal contra qualquer forma de discriminação ” (artigo 26.°, n.° 1, da CRP).
G. Ora, para aplicação da LADA há que se considerar o RGPD, por força remissiva do artigo 3.°, n.° 1, alínea b) da LADA, pelo que, tem de ser ainda considerado o princípio da finalidade, resultante do RGPD (Cfr. artigo 5.° do RGPD).
H. Ou seja, os dados pessoais devem ser recolhidos para finalidades determinadas, explícitas e legítimas, não podendo posteriormente serem tratados de forma incompatível com a finalidade.
I. A CCPJ, dada a natureza das suas competências, é, segundo o RGPD, responsável pelo tratamento de dados pessoais inerentes ao exercício dessas competências. E por essa razão, não pode a CCPJ deixar de ser rigorosa e exigente na avaliação da necessidade e finalidade invocada para o acesso a dados pessoais.
J. Acresce ainda que, nos termos do artigo 28.°, n.° 1, do Regime de Organização e Funcionamento da Comissão da Carteira Profissional de Jornalista e da Acreditação Profissional do Jornalista (Decreto-Lei n.° 70/2008 de 15 de abril), “os membros e colaboradores da CCPJ estão obrigados a manter sigilo relativamente a todos os dados pessoais, documentos e informações apresentadas pelos requerentes, salvo se e na medida em que forem expressamente autorizados pelo interessado do contrário’.
K. Além do mais, o tratamento dos dados pessoais só é lícito se e na medida em que se verifique um dos pressupostos assinalados no artigo 6.° do RGPD.
L. Assim, não existindo a concretização de uma finalidade específica para aceder aos documentos administrativos por parte da requerente, e tendo ainda em conta o princípio da proporcionalidade, o facto de a requerente referir que a finalidade para a obtenção dos documentos é a “necessidade de obtenção de informação para o regular exercício da profissão de jornalista”, este argumento não se revela relevante perante os direitos fundamentais constitucionalmente em conflito, sobretudo porque os documentos a que pretende aceder contém, praticamente no seu todo, informação relativa a jornalistas, apreciações e ou juízos de valor sobre estes e, ainda outros dados suscetíveis de pôr em causa o seu bom nome e reputação e a reserva da intimidade da vida privada.
M. Face ao exposto temos que o pedido de acesso à informação é de natureza nominativa, pelo que sem a necessária autorização escrita do(s) titular(es) dos dados e, ainda porque não existem direitos absolutos, a efetivação de um eventual direito de acesso não pode ser concedido pela necessidade de salvaguarda de outros direitos e interesses constitucionalmente protegidos.
SEM PRESCINDIR, vejamos, em concreto, seguindo a mesma ordem, os fundamentos do presente recurso:
N. Quanto ao pedido de consulta da totalidade das atas do plenário da CCPJ desde 2020, o Tribunal a quo entendeu que “[e]fetivamente, não corporizando as atas documentos nominativos, entende-se que sendo expurgadas as mesmas de dados pessoais, nomeadamente menções relativas a procedimentos disciplinares e contraordenacionais, deverão ser as mesmas facultadas”.
O. Ora, o Tribunal parte da seguinte premissa, “por se concordar inteiramente com o Parecer 110/2023 da CADA, transcreve-se, por pertinente, um trecho com aplicação no caso dos autos”. E conclui que, as atas do Plenário não são documentos nominativos.
Sucede, porém, que a Recorrente não se conforma com esta decisão.
P. E não se conforma por entender que o mesmo padece de vícios de raciocínio, que se traduzem em erros de julgamento, e que inquinam todo o conteúdo decisório, porquanto, o Plenário tem, maioritariamente, como principais competências apreciar e deliberar sobre reclamações relativas a suspensão ou cancelamento de carteiras profissionais ou relativas a quaisquer atos de negação de direitos ou expectativas, determinados, fundamentalmente, pelo Secretariado; determinar a abertura de processos disciplinares; determinar a abertura de processos de contraordenação e apreciar e decidir sobre os recursos das decisões disciplinares apresentadas pelo Secretariado.
Q. Por outras palavras e enquanto órgão de recurso, o Plenário avalia, sobretudo, recursos de cujas decisões ainda cabe recurso, nos termos gerais, para os tribunais administrativos. Ou seja, as atas deste órgão ao refletirem a sua atuação, estão repletas de dados de natureza nominativa dos jornalistas visados e denunciantes, queixosos e ou participantes.
R. Deste modo, não pode a CCPJ dada a natureza nominativa da esmagadora maioria dos documentos na sua posse, sendo a sua esmagadora maioria da atividade desenvolvida pela CCPJ está envolta em procedimentos de natureza reservada e confidencial, incluindo as atas do Plenário, desconsiderar a aplicação do RGPD ao arrepio da lei e do princípio do primado do direito da União Europeia que impede que também o intérprete, e não só o legislador nacional, restrinjam a aplicabilidade do RGPD, o qual é diretamente aplicável no ordenamento jurídico nacional, tal como nos restantes estados-membros.
S. Nos termos do artigo 6.°, n.° 8, da LADA, tendo em conta a natureza de determinados documentos, quando se torna impossível expurgar informação relativa à matéria reservada, o acesso terá também de ser avaliado à luz do princípio da proporcionalidade e pode mesmo ser negado.
T. É o caso, por exemplo, dos documentos relativos aos procedimentos desenvolvidos pela CCPJ em matéria de processos de contraordenação e processos disciplinares e das “recomendações”, que pela sua natureza e teor, com o expurgo de informação relativa a matéria reservada levaria à “criação” de um “documento” de natureza apátrida e ou sem qualquer nexo.
U. O mesmo acontecendo com as atas do Plenário da CCPJ tendo em conta a natureza nominativa da esmagadora maioria dos assuntos ali vertidos.
V. Importa ter em consideração a definição de documento nominativo, nos termos do artigo 3.°, n.° 1, al. b) da LADA e ainda do n.° 1, do artigo 4.°, do Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados sobre o que configuram dados pessoais.
W. Assim e atendendo a que as informações que a Requerente pretende ter acesso contêm nomes, números de identificação (como números de carteira profissional), resulta claro que estes documentos consubstanciam documentos nominativos, na aceção da alínea b), do n.° 1, do artigo 3.°, da LADA.
X. Assim sendo e nos termos previstos, no n.° 5, do artigo 6.° da LADA só é permitido o acesso a documentos nominativos por terceiros: “a) Se estiver munido de autorização escrita do titular dos dados que seja explícita e específica quanto à sua finalidade e quanto ao tipo de dados a que quer aceder; b) Se demonstrar fundamentadamente ser titular de um interesse direto, pessoal, legítimo e constitucionalmente protegido suficientemente relevante, após ponderação, no quadro do princípio da proporcionalidade, de todos os direitos fundamentais em presença e do princípio da administração aberta, que justifique o acesso à informação”.
Y. Ora, nenhuma das situações contempladas na norma referida se verifica no presente pedido de acesso a informação, aliás o pedido é absolutamente genérico, sem especificar, sendo relativo ao geral das atas do plenário da CCPJ desde 2020.
Z. Aliás, a Requerente, apenas, invoca a sua qualidade profissional (jornalista), não invocando qualquer motivo específico mínimo para sustentar o acesso a essa documentação e, tal menção, por si só, é insuficiente para justificar o acesso a informações que contenham dados nominativos, tal como as Atas.
AA. Aqui, importa trazer à colação o Parecer n.° 317/2018, da CADA em que se diz que “a qualidade de jornalista, por si só, não justifica o acesso a essa informação pessoal, já que nos termos do artigo 8. °, 3, da Lei n. ° 1/99, de 1 de janeiro, que aprova o Estatuto do Jornalista, «O direito de acesso às fontes de informação não abrange os processos [...] os dados pessoais que não sejam públicos dos documentos nominativos relativos a terceiros». Assim, atendendo à natureza dos dados [artigo 3. °, n. ° 1, alínea b) da Lei n. ° 26/2016, de 22 de agosto - LADA)] e ao regime de acesso aos documentos nominativos [artigo 6. °, n. ° 5, da LADA] não pode considerar-se preenchida a previsão legal de acesso, pelo que não devem ser facultados os documentos. Naturalmente que tal não invalidará outra apreciação, perante um diverso quadro de solicitação.”
BB. Face ao exposto e atendendo às ponderações que derivam da aplicação deste normativo, o direito à privacidade terá de prevalecer, na medida em que a devassa da vida privada seria de tal ordem de grandeza que não se pode justificar o acesso a esses elementos com base em interesse jornalístico sem alvos noticiosos identificados, nem sendo peticionado o acesso a um concreto procedimento (de modo a restringir, na medida do possível, a devassa da vida privada dos visados), mas antes requerendo o acesso a dados nominativos desde 2020 até ao presente, de todos os jornalistas alvo de procedimentos disciplinares e/ou de procedimento contraordenacional, sem limitações, nomeadamente, dos que recorreram para o Plenário e ou os visados nos casos analisados por este órgão.
CC. Por fim, cumpre reiterar que a CCPJ tem adotado uma política de transparência pelo que toda a informação a que os cidadãos podem aceder está disponível em https://www.ccpj .pt/.
DD. Por tudo quanto foi dito, apenas se poderá concluir que Sentença recorrida enferma de manifesto erro de julgamento quanto à matéria de direito, violando o disposto na alínea b), do n.° 1, do artigo 3.° e no n.° 5, do artigo 6.° da LADA, no n.° 1, do artigo 4.°, do RGPD e o princípio do primado do direito da União Europeia, impondo-se, assim, a revogação da referida decisão e, consequentemente, a sua substituição por outra que indefira a pretensão da Requerente.
EE. Quanto à consulta de documentos onde constem os pagamentos a qualquer título, mensal ou por presença, a cada um dos membros da CCPJ desde 2020 até à data, entendeu o Tribunal a quo que, tendo em conta o Parecer 10/2023, da CADA, “uma vez que a
informação solicitada assume natureza financeira e, atenta a natureza pública dessa informação, ao abrigo do disposto no artigo 5. °da LADA, será de conceder acesso a esses elementos".
FF. Ora, o Tribunal a quo parte igualmente do Parecer 110/2023 da CADA e conclui que, concordando-se com a argumentação expendida no Parecer citado, uma vez que a informação solicitada assume natureza financeira e, atenta a natureza pública dessa informação, ao abrigo do disposto no artigo 5.° da LADA, será de conceder acesso a esses elementos.
GG. Sucede, porém, que a Recorrente não se conforma com esta decisão, desde logo, não pode concordar com a conclusão que o Tribunal a quo retira do Parecer n.° 110/2023, da CADA.
HH. Ora, se o Tribunal a quo concorda com a argumentação expendida no Parecer citado, mas concede o acesso à informação requerida e tal como requerida, a saber, documentos onde constem os pagamentos a qualquer título, mensal ou por presença, a cada um dos membros da CCPJ desde 2020 até à data, verifica-se uma contradição entre os fundamentos e a decisão, o que configura uma nulidade da sentença, nos termos do disposto na alínea c), do n.° 1, do artigo 615.° do CPC aplicável ex vi do artigo 1.° do CPTA.
Senão vejamos,
II. Recordamos que o juízo feito e descrito pela CADA no Parecer 110/2023, refere que “um conhecimento dia a dia, mês a mês, sobre o que foi efetivamente pago poderá colocar em questão não a atividade administrativa e de poderes públicos, mas o conhecimento a partir dela da vida dos que receberam abono", para concluir que, “deverá haver uma disponibilização de elementos de despesa efetuada de modo global", com o decidido pelo Tribunal a quo, que, ao decidir como decidiu, sugere que a informação tem de ser disponibilizada tal como requerida, isto é, o que foi p ago “dia a dia, mês a mês" a cada beneficiário dos abonos em causa.
JJ. Ora, de duas uma: ou a sentença é corrigida em sede de arguição de nulidades caso o tribunal a quo reconheça que o decidido extravasa os fundamentos invocados e, então, que apena haverá que disponibilizar dados em bloco, nos exatos termos do Parecer n.° 110/2023 da CADA, sem conceder, ou então a sentença incorre em erro de julgamento porquanto condena a CCPJ a fornecer dados financeiros que segundo a própria CADA permitirão conhecer a vida privada dos beneficiários dos abonos o que extravase o direito de acesso e viola o RGPD e lei nacional.
Sem prescindir,
KK. Novamente, a requerente, não só não está munida de autorização dos titulares dos dados, como não demonstrou fundamentadamente ser “titular de um interesse direto, pessoal, legítimo e constitucionalmente protegido suficientemente relevante"", pelo que, tal informação não é devida.
LL. A este título, importa ainda convocar o Parecer n.° 406/2018, emitido pela CADA (Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos), que remete para os Pareceres 242/2018 e 243/2018, segundo os quais: “Frequentemente, os recibos de vencimento contêm o NIF, o NIB, o número da segurança social e outros; podem, também, conter descontos resultantes de ato de vontade do trabalhador ou de decisão judicial. Ora, todos estes são dados pessoais do titular, não sendo de acesso livre [cfr. artigo 3.°, n.° 1, alínea b), e artigo 6. °, n. ° 5, da LADA]. Já a remuneração auferida pelo referido trabalhador decorre, certamente, de relação jurídica pública estabelecida entre ele e a entidade administrativa; trata-se de elemento de natureza pública - embora respeite a pessoa concreta, a sua natureza pública exonera do regime de proteção de dados pessoais".
MM. Conforme se extrai do parecer, a remuneração auferida é, também ela, um elemento integrado no regime de proteção de dados pessoais e, portanto, uma informação nominativa, pelo que, deverá ainda ser indeferido o acesso, conforme se retira a contrario do parecer, a remuneração não se trata de um elemento de natureza pública na medida em que os fundos da CCPJ não são de origem pública.
NN. Pese embora, a CCPJ seja considerada um organismo independente de direito público, a verdade é que estamos perante uma entidade sem paralelo no panorama nacional, em que os seus fundos são, maioritariamente, privados.
OO. Por tudo quanto foi dito, apenas se poderá concluir que Sentença recorrida enferma de manifesto erro de julgamento quanto à matéria de direito, violando o disposto no RGPD e o princípio do primado do direito da União Europeia, impondo-se, assim, a revogação da referida decisão e, consequentemente, a sua substituição por outra que indefira a pretensão da Requerente ou que condena a CCPJ a fornecer as informações em causa em bloco.
PP. Por sua vez e quanto à consulta das contas anuais da CCPJ, contendo elementos contabilísticos (demonstrações financeiras) relativas a 2019, 2020, 2021 e 2022 entendeu o Tribunal a quo que, “[t]al como mencionado quanto ao ponto antecedente, com os fundamentos ali expostos, uma vez que a informação em causa se reporta a informação financeira, a mesma é admissível (cfr. n.° 3 do artigo 29. ° do Decreto-Lei n. ° 70/2008, de 15 de abril) ”.
Sucede, porém, que a Recorrente não se conforma com esta decisão.
QQ. Em primeiro lugar, não se entende a fundamentação no artigo 29.° do Decreto-Lei n.° 70/2008, de 15 de abril, que aprovou o Regime de Organização e Funcionamento da CCPJ e da Acreditação Profissional dos Jornalistas.
RR. Até porque a CCPJ adota uma política de transparência pelo que toda a informação a que os cidadãos podem aceder está disponível em https://www.ccpj .pt/.
SS. E repetem-se ainda, os argumentos invocados no capítulo anterior, em que a Recorrente discorda da conclusão que o Tribunal a quo assaca do Parecer 110/2023, dado que toda a informação financeira que não seja nominativa está disponível a qualquer cidadão.
TT. Por tudo quanto foi dito, apenas se poderá concluir que Sentença recorrida enferma de manifesto erro de julgamento quanto à matéria de direito, violando o disposto no artigo 29.° do Decreto-Lei n.° 70/2008, de 15 de abril, impondo-se, assim, a revogação da referida decisão e, consequentemente, a sua substituição por outra que indefira a pretensão da Requerente.
UU. Por fim e quanto ao manifesto abuso(s) no(s) pedido(s) entendeu o Tribunal a quo que, “tal argumentação não corporiza fundamento de indeferimento do pedido de acesso, até porque a entidade requerente não pode recusar o seu acesso com base em juízos opinativos quanto ao uso que será dado a essa informação. Ademais, verifica-se que a Requerente não efetuou qualquer pedido, em momento prévio, semelhante ao dos autos”.
V. E conclui que, “[n]a verdade, a entidade requerida juntou aos autos pedido semelhante, contudo efetuado por outro jornalista, que não a Requerente, ainda que com um elemento de conexão que se reporta à entidade P.... Todavia, esses pedidos foram efetuados a título individual, por pessoas singulares, inexistindo repetição de pedidos quanto ao seu autor”. Sucede, porém, que a Recorrente não se conforma com esta decisão.
WW. Em janeiro e fevereiro de 2023, P…, diretor da Publicação P…, repetidamente, apresentou pedidos de igual teor ao aqui em causa, conforme Erro! A origem da referência não foi encontrada. que se juntou com a Resposta à Intimação e se dá por integralmente reproduzido.
XX. Neste sentido e inconformado com a decisão do Secretariado da CCPJ, o identificado diretor deixou claro, publicamente, que os pedidos poderiam voltar a ser feitos por outro colaborador do P... (disponível em: https://p.../ ).
YY. Na presente situação dá-se o caso de a CCPJ, há menos de dois anos, ter praticado um ato administrativo sobre o mesmo pedido, formulado pelo mesmo requerente, enquanto membro da publicação P..., com os mesmos fundamentos, pelo que a CCPJ não pretende dar uma resposta diferente de a já anteriormente produzida quanto à Requerente e ainda quanto ao P…, todos requerentes, em nome da publicação P..., a decisão sobre o presente pedido movido pela requerente não é devida, por força do princípio da decisão – cfr. artigo 13.º, n.º 2 do CPA.
ZZ. Por outras palavras e contrariamente ao entendimento do Tribunal a quo quando conclui que “[a]demais, verifica-se que a Requerente não efetuou qualquer pedido, em momento prévio, semelhante ao dos autos”, não deveria ter olvidado o que o Requerente, P…, confessa na mensagem do dia 24 de abril, disponível na https://p.../ que o pedido iria ou poderia ser feito por outra pessoa do P... exatamente com o propósito de ludibriar os limites do princípio da decisão em clara fraude à lei.
AAA. Neste sentido, resulta claro que o pedido feito pela requerente é na sua essência uma réplica aos sucessivos pedidos que têm vindo a ser efetuados pelo diretor da publicação P..., pelo que se revela, desde logo, um pedido manifestamente abusivo nos termos do n.° 3 do artigo 15.° do regime de acesso à informação administrativa e ambiental e de reutilização dos documentos administrativos (doravante, “LADA” - Lei n.° 26/2016, de 22 de agosto - versão atualizada).
BBB. Pese embora, como afirma S..., seja “muito difícil à Administração concluir pela existência de um pedido ‘manifestamente abusivo ’”, o facto é que a CCPJ considera que o P... recorre a pedidos manifestamente abusivos, não só nos termos descritos no n.° 3 do artigo 15.° da LADA como, ainda, com o claro propósito de aceder a informação e dados pessoais dos jornalistas que esta Comissão tem a obrigação e, ainda o dever de proteger, bem como sobre eles guardar reserva.
CCC. Neste sentido, resulta claro que o pedido feito pela requerente é na sua essência uma réplica aos sucessivos pedidos que têm vindo a ser efetuados pelo diretor da publicação P..., que confessa instrumentalizar uma colaboradora da publicação, revelando inclusive um mau uso do processo, pelo que se revela, desde logo, um pedido manifestamente abusivo nos termos do n.° 3 do artigo 15.° do regime de acesso à informação administrativa e ambiental e de reutilização dos documentos administrativos (doravante, “LADA” - Lei n.° 26/2016, de 22 de agosto - versão atualizada).
DDD. Por tudo quanto foi dito, apenas se poderá concluir que Sentença recorrida enferma de manifesto erro de julgamento quanto à matéria de direito, violando o disposto no artigo 13.°, n.° 2 do CPA do e do n.° 3, do artigo 15.° da LADA, bem como do RGPD e o princípio do primado do direito da União Europeia, impondo-se, assim, a revogação da referida decisão e, consequentemente, a sua substituição por outra que indefira a pretensão da Requerente.
EEE. Em suma, por manifestamente infundados, os argumentos invocados pela Requerente devem ser todos considerados improcedentes (destacado e sublinhado nosso), devendo a presente
Sentença Recorrida, sendo substituída por outra que indefira a pretensão da Requerente de acesso à informação solicitada.
Termos em que, com o mui Douto e Venerando suprimento de Vossas Excelências, deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, e, em consequência deve a sentença recorrida ser anulada e substituída por outra que recuse o acesso à informação requerida.
Com o que se fará a costumada JUSTIÇA!”

O Tribunal a quo admitiu o recurso interposto pela A./Recorrente, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo.

A Entidade Requerida/Recorrida apresentou contra-alegações ao recurso interposto pela A./Recorrente, formulando as seguintes conclusões,
«A. Vem o recurso interposto da douta decisão proferida nos presentes autos, a qual julgou improcedente os pedidos da Requerente, a saber:
Pedido 1. Consulta e, eventual obtenção de cópia digital ou em outro formato, da totalidade dos documentos relativos aos procedimentos desenvolvidos pela CCPJ no âmbito das suas competências em matéria de processos de contraordenação e processos disciplinares abertos desde 2020, incluindo as decisões de abertura desses processos e as decisões de arquivamento de participações.
Pedido 2. Consulta e, obtenção de cópia digital ou em outro formato, da totalidade de documentos considerados como “Recomendações” pelo Secretariado da CCPJ desde a sua fundação em 1995 até à presente data.
B. Para o efeito, a Recorrente apresenta dois argumentos:
a. Erro de interpretação do que está em causa nos presentes autos (conclusões A a T).
b. Erro de julgamento de Direito por violação da Liberdade de Imprensa (Conclusões U a CC)
C. Em primeiro lugar, a CCPJ não omitiu informação procedimental, pela simples razão que ela não é devida, dado que na presente situação dá-se o caso de a CCPJ, há menos de dois anos, ter praticado um ato administrativo sobre o mesmo pedido, formulado pelo mesmo requerente, enquanto membro da publicação P..., com os mesmos fundamentos, pelo que a CCPJ não pretende dar uma resposta diferente de a já anteriormente produzida quanto à Requerente e ainda quanto ao P…, todos requerentes, em nome da publicação P..., a decisão sobre o presente pedido movido pela requerente não é devida, por força do princípio da decisão - cfr. artigo 13.°, n.° 2 do CPA.
D. Neste sentido, resulta claro que o pedido feito pela requerente é na sua essência uma réplica aos sucessivos pedidos que têm vindo a ser efetuados pelo diretor da publicação P..., pelo que se revela, desde logo, um pedido manifestamente abusivo nos termos do n.° 3 do artigo 15.° do regime de acesso à informação administrativa e ambiental e de reutilização dos documentos administrativos (doravante, “LADA” - Lei n.° 26/2016, de 22 de agosto - versão atualizada).
SEM PRESCINDIR, vejamos, em concreto, seguindo a mesma ordem, os fundamentos do presente recurso:
E. Em sede de Alegações de Recurso, a Recorrente alega que o Tribunal a quo, errou quanto à interpretação do pedido de informação em causa nos presentes autos, uma vez que “[o] que está em causa são, tão só e apenas, acções profissionais praticadas no âmbito de uma profissão de interesse público”, dado que a Recorrente defende que “não pretende saber aspectos da vida íntima dos jornalistas visados por processos disciplinares, não pretende saber nada da sua vida sexual, das suas características físicas e/ou psicológica, muito menos o que se passa dentro das suas casas”.
F. Ora, importa recordar o pedido 1: Consulta e, eventual obtenção de cópia digital ou em outro formato, da totalidade dos documentos relativos aos procedimentos desenvolvidos pela CCPJ no âmbito das suas competências em matéria de processos de contraordenação e processos disciplinares abertos desde 2020, incluindo as decisões de abertura desses processos e as decisões de arquivamento de participações.
G. Desde logo, na presença de um requerimento para acesso a informação administrativa que contenha dados nominativos, tem de ser dada, de antemão, relevância às finalidades do tratamento dos dados, competindo à entidade definir a necessidade de impedir ou permitir o acesso, segundo critérios de proporcionalidade.
H. Ora, o acesso a fontes oficiais de informação e a legitimidade do interesse ao acesso até para os jornalistas se encontra condicionada pela Constituição da República Portuguesa (doravante CRP), pelo Regulamento Geral de Proteção de Dados (doravante, RGPD), para o qual remete a própria LADA, pelo Código do Procedimento Administrativo (doravante CPA), pelo próprio Estatuto do Jornalista entre outros normativos legais.
I. Assim e conforme resulta do n.° 3, do artigo 8.° do Estatuto do Jornalista e, ainda, do n.° 2, que remete o interesse dos jornalistas no acesso a fontes de informação para o direito regulado nos artigos 82.° e 83.° do CPA.
J. Importa ter em consideração que, estamos perante um direito constitucionalmente consagrado dos jornalistas de aceder às fontes de informação, nos termos da lei (artigo 38.°, n.° 2, alínea b) da CRP). Mas não podemos olvidar que, temos os direitos de personalidade, ou seja o direito “à identidade pessoal, ao desenvolvimento da personalidade, à capacidade civil, à cidadania, ao bom nome e reputação, à imagem, à palavra, à reserva da intimidade da vida privada e familiar e à proteção legal contra qualquer forma de discriminação” (artigo 26.°, n.° 1, da CRP).
K. Ora, para aplicação da LADA há que se considerar o RGPD, por força remissiva do artigo 3.°, n.° 1, alínea b) da LADA, pelo que, tem de ser ainda considerado o princípio da finalidade, resultante do RGPD (Cfr. artigo 5.° do RGPD).
L. Ou seja, os dados pessoais devem ser recolhidos para finalidades determinadas, explícitas e legítimas, não podendo posteriormente serem tratados de forma incompatível com a finalidade.
M. A CCPJ, dada a natureza das suas competências, é, segundo o RGPD, responsável pelo tratamento de dados pessoais inerentes ao exercício dessas competências. E por essa razão, não pode a CCPJ deixar de ser rigorosa e exigente na avaliação da necessidade e finalidade invocada para o acesso a dados pessoais.
N. Acresce ainda que, nos termos do artigo 28.°, n.° 1, do Regime de Organização e Funcionamento da Comissão da Carteira Profissional de Jornalista e da Acreditação Profissional do Jornalista (Decreto-Lei n.° 70/2008 de 15 de abril), “os membros e colaboradores da CCPJ estão obrigados a manter sigilo relativamente a todos os dados pessoais, documentos e informações apresentadas pelos requerentes, salvo se e na medida em que forem expressamente autorizados pelo interessado do contrário”.
O. Além do mais, o tratamento dos dados pessoais só é lícito se e na medida em que se verifique um dos pressupostos assinalados no artigo 6.° do RGPD.
P. Assim, não existindo a concretização de uma finalidade específica para aceder aos documentos administrativos por parte da requerente, e tendo ainda em conta o princípio da proporcionalidade, o facto de a requerente referir que a finalidade para a obtenção dos documentos é a “necessidade de obtenção de informação para o regular exercício da profissão de jornalista”, este argumento não se revela relevante perante os direitos fundamentais constitucionalmente em conflito, sobretudo porque os documentos a que pretende aceder contém, praticamente no seu todo, informação relativa a jornalistas, apreciações e ou juízos de valor sobre estes e, ainda outros dados suscetíveis de pôr em causa o seu bom nome e reputação e a reserva da intimidade da vida privada.
Q. Face ao exposto temos que o pedido de acesso à informação é de natureza nominativa, pelo que sem a necessária autorização escrita do(s) titular(es) dos dados e, ainda porque não existem direitos absolutos, a efetivação de um eventual direito de acesso não pode ser concedido pela necessidade de salvaguarda de outros direitos e interesses constitucionalmente protegidos.
R. Todos estes documentos são avaliações de alegadas ou eventuais violações de deveres e ou incompatibilidades por parte de jornalistas que incluem as razões que levaram, por exemplo, à apresentação de queixas, denúncias e ou participações, também estas repletas de dados nominativos sobre os denunciantes.
S. Mais acresce que, estes documentos que contêm necessariamente apreciações de juízos de valor sobre os jornalistas, que em muitos casos revelam aspetos do seu foro privado (além do foro privado dos denunciantes), pelo que o seu conhecimento por terceiro viria a traduzir-se numa clara violação da reserva da intimidade da sua vida privada.
T. Por fim, cumpre reiterar que a CCPJ adota uma política de transparência toda a informação a que os cidadãos podem aceder está disponível em https://www.ccpj .pt/ , incluindo a relativa aos processos de contraordenação e disciplinares, nomeadamente, nos termos previstos no artigo 21.°, n.° 8, do Estatuto do Jornalista.
U. Por sua vez e quanto caso concreto das “recomendações”, acresce às mesmas razões já expostas até aqui, que no estamos perante elementos que levam a que os jornalistas visados pelas recomendações possam ser identificáveis e ainda, levarem à identificação dos denunciantes, queixosos e ou participantes.
V. As recomendações, enquanto documentos opinativos deste organismo incumbido de assegurar o cumprimento dos deveres profissionais dos jornalistas que transmitem um juízo de valor e que consubstanciam um apelo ao jornalista para que adote determinada atitude, contém diversos elementos cuja probabilidade de terceiros identificarem, através da conjugação da informação, a identidade do(s) visado(s) na recomendação é muita elevada.
W. Assim, tem a CCPJ não só o dever de reserva e proteção dos dados dos jornalistas, como os próprios jornalistas têm o direito de ver protegida toda a informação que contenha dados pessoais, o que se verifica no caso em apreciação, dado que estamos, claramente, perante documentos nominativos nos termos da alínea b) do n.° 1 do artigo 3.° da Lei n.° 26/2016, de 22 de agosto, na sua redação atual (LADA).
X. Assim, o acesso a estes documentos de carácter nominativos só seria legítimo se a requerente apresentasse uma autorização escrita dos próprios jornalistas (titulares dos dados) visados e uma autorização escrita dos denunciantes, queixosos e ou participantes, explícita e específica quanto à sua finalidade e quanto ao tipo de dados a que quer aceder, ou tivesse demonstrado fundamentadamente ser titular de um interesse pessoal direto, pessoal, legítimo e constitucionalmente protegido suficientemente relevante, após ponderação, no quadro do princípio da proporcionalidade, de todos os direitos fundamentais em presença e do princípio da administração aberta que justificasse o acesso à informação (Cfr. artigo 6.°, n.° 5, alíneas a) e b) da LADA).
Y. Face ao exposto, verifica-se in casu que os documentos pedidos pela Requerente, aqui Recorrente revestem carácter nominativos e a Recorrida não só tem o dever de reserva e proteção dos dados dos jornalistas, como os próprios jornalistas têm o direito de ver protegida toda a informação que contenha dados pessoais, nos termos da alínea b) do n.° 1 do artigo 3.° da Lei n.° 26/2016, de 22 de agosto, na sua redação atual (LADA).
Z. Bem andou por isso a sentença recorrida ao julgar improcedente a alegação da Recorrente nesta matéria dado que não se verifica que os documentos pedidos, em 1 e 2, não sejam documentos nominativos.
AA. Nestes termos, por tudo quanto se expôs, carece de fundamento o alegado erro de interpretação, assim devendo improceder, desde logo, as conclusões A a T do recurso.
BB. A Recorrente insurge-se, ainda, porquanto «[a] sentença recorrida considera de uma forma muito perigosa, atentas as consequências de um tal pensamento, que “não se vislumbra que a Requerente seja detentora de um interesse, pessoal, legítimo e constitucionalmente protegido" e que “[s]e este pensamento tiver acolhimento, teremos que alterar a Constituição da República Portuguesa por forma a fazer desaparecer a liberdade de imprensas, o direito de informar e ser informado. Passarão a existir cada vez mais impedimentos dos jornalistas em aceder às fontes ”.
CC. Mas vejamos que, artigo 35.° da CRP refere que: “2. A lei define o conceito de dados pessoais, bem como as condições aplicáveis ao seu tratamento automatizado, conexão, transmissão e utilização, e garante a sua proteção, designadamente através de entidade administrativa independente. 3. A informática não pode ser utilizada para tratamento de dados referentes a convicções filosóficas ou políticas, filiação partidária ou sindical, fé religiosa, vida privada e origem étnica, salvo mediante consentimento expresso do titular, autorização prevista por lei com garantias de não discriminação ou para processamento de dados estatísticos não individualmente identificáveis. 4. É proibido o acesso a dados pessoais de terceiros, salvo em casos excecionais previstos na lei. "
DD. Assim e em termos de normativos infraconstitucionais, o regime de acesso aos documentos administrativos (não procedimentais) deve ser analisado á luz de duas disposições plasmadas na LADA, nomeadamente os artigos 5.° e 6.°, tal como (e bem!) andou a douta Sentença a quo.
EE. Aliás, a Requerente, apenas, invoca a sua qualidade profissional (jornalista), continuando sem invocar qualquer motivo específico mínimo para sustentar o acesso a essa documentação e, tal menção, por si só, é insuficiente para justificar o acesso a informações que contenham dados nominativos, tal como as Atas.
FF. Aqui, importa trazer à colação o Parecer n.° 317/2018, da CADA em que se diz que “a qualidade de jornalista, por si só, não justifica o acesso a essa informação pessoal, já que nos termos do artigo 8. °, 3, da Lei n. ° 1/99, de 1 de janeiro, que aprova o Estatuto do Jornalista, «O direito de acesso às fontes de informação não abrange os processos [...] os dados pessoais que não sejam públicos dos documentos nominativos relativos a terceiros». Assim, atendendo à natureza dos dados [artigo 3.°, n.° 1, alínea b) da Lei n.° 26/2016, de 22 de agosto - LADA)] e ao regime de acesso aos documentos nominativos [artigo 6.°, n.° 5, da LADA] não pode considerar-se preenchida a previsão legal de acesso, pelo que não devem ser facultados os documentos. Naturalmente que tal não invalidará outra apreciação, perante um diverso quadro de solicitação.”
GG. Face ao exposto e atendendo às ponderações que derivam da aplicação deste normativo, o direito à privacidade terá de prevalecer, na medida em que a devassa da vida privada seria de tal ordem de grandeza que não se pode justificar o acesso a esses elementos com base em interesse jornalístico sem alvos noticiosos identificados, nem sendo peticionado o acesso a um concreto procedimento (de modo a restringir, na medida do possível, a devassa da vida privada dos visados), mas antes requerendo o acesso a dados nominativos desde 2020 até ao presente, de todos os jornalistas alvo de procedimentos disciplinares e/ou de procedimento contraordenacional, sem limitações, nomeadamente, dos que recorreram para o Plenário e ou os visados nos casos analisados por este órgão.
HH. Bem andou por isso a sentença recorrida ao julgar improcedente os pedidos da Recorrente, nesta matéria dado que não se verifica qualquer violação do direito à liberdade de expressão, informação e imprensa, previsto nos artigos 37.° e 38.° da Constituição da República Portuguesa.
II. Nestes termos, por tudo quanto se expôs, carece de fundamento o alegado erro de julgamento de direito, assim devendo improceder, desde logo, as conclusões U a CC do recurso.
Nestes termos e nos demais de Direito que V.as Ex.as doutamente suprirão, não deve ser dado provimento ao presente recurso, mantendo-se a decisão recorrida da qual resulta a absolvição da Requerida, ora Recorrida, quanto aos pedidos constantes em 1 e 2, e a condenação da Requerente, ora Recorrente, em custas e demais encargos com o processo,
Assim se fazendo Justiça!»

O Ministério Público junto deste TCA Sul, notificado nos termos e para efeitos do disposto no n.º 1, do artigo 146.º do CPTA, não emitiu parecer.

Os autos baixaram ao TAC de Lisboa para cumprimento do disposto nos art.ºs 144.º, n.º 3 e 145.º do CPTA relativamente ao recurso interposto pela R./Recorrente, não tendo sido apresentadas contra-alegações pela A./Recorrida.

O Tribunal a quo admitiu o recurso, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo.

Prescindindo-se dos vistos legais, atento o carácter urgente do processo, mas com envio prévio do projeto de acórdão aos juízes desembargadores adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.


2. Delimitação do objeto do recurso

Conforme jurisprudência firmada, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação dos apelantes, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (cfr. artigos 144.º, n.º 2 e 146.º, n.º 4 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), 608.º, n.º2, 635.º, nºs 4 e 5 e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC ex vi artigos 1.º e 140.º do CPTA).
Tendo em conta o exposto, a este Tribunal cumpre apreciar se a sentença recorrida padece de
(i) Nulidade por contradição entre os fundamentos e a decisão;
(ii) Erro de julgamento de direito.


3. Fundamentação de facto

3.1. Na decisão recorrida foi julgada provada a seguinte factualidade:

«Com relevância para a decisão da causa, julgo provados os seguintes factos:

1. A Requerente é portadora da carteira profissional de jornalista 2432 – conforme se extrata do documento n.º 1, junto com o requerimento inicial(r.i.);

2. Com data de 10-05-2023, a Requerente endereçou à COMISSÃO DA CARTEIRA PROFISSIONAL DE JORNALISTA um pedido de documentos com o seguinte teor:

«


«Imagem em texto no original»




«Imagem em texto no original»



Lisboa, 10 de Maio de 2023
Assunto: Pedido de acesso a documentos administrativos

Exma. Senhora Presidente da Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ), Dra. L…:
E…, portador da carteira profissional de jornalista 2… e do cartão de cidadão 1…, tendo em consideração os direitos consagrados no Estatuto do Jornalista, na Lei da Imprensa e na Constituição da República, e considerando a necessidade de obtenção de informação para o regular exercício da profissão de jornalista, requerer a V. Exa., ao abrigo do estatuído na Lei do Acesso aos Documentos Administrativos (LADA), na sua mais recente versão (Lei n9 68/2021, de 26 de Agosto), o seguinte:
1 - Consulta, e eventual obtenção de cópia digital ou em outro formato, eventualmente expurgando as partes sob reserva (exclusivamente dados pessoais, na acepção do n.º 9 do artigo 6º da LADA, isto é, dados pessoais que revelem a origem étnica, as opiniões políticas, as convicções religiosas ou filosóficas, a filiação sindical, dados genéticos, biométricos ou relativos à saúde, ou dados relativos à intimidade da vida privada, à vida sexual ou à orientação sexual de uma pessoa, sendo que, portanto, os nomes não são considerados dados pessoais pelo RGPD), da totalidade dos documentos relativos aos procedimentos desenvolvidos pela CCPJ no âmbito das suas competências em matéria de processos de contra-ordenação e processos disciplinares abertos desde 2020, incluindo as decisões de abertura desses processos e as decisões de arquivamento de participações. Caso estejam em causa documentos preparatórios de uma decisão ou constantes de processos não concluídos deverá ser aplicado o previsto no n.º 3 do artigo 6º da LADA. 
2 - Consulta, e obtenção de cópia digital ou em outro formato, eventualmente expurgando as partes sob reserva (exclusivamente dados pessoais, na acepção do n.º 9 do artigo 6.ºda LADA, isto é, dados pessoais que revelem a origem étnica, as opiniões políticas, as convicções religiosas ou filosóficas, a filiação sindical, dados genéticos, biométricos ou relativos à saúde, ou dados relativos à intimidade da vida privada, à vida sexual ou à orientação sexual de uma pessoa, sendo que, portanto, os nomes não são considerados dados pessoais pelo RGPD), da totalidade de documentos considerados como "Recomendações" pelo Secretariado da CCPJ emitidas desde a sua fundação em 1995 até à presente data.
Essas "recomendações" do Secretariado da CCPJ não devem incluir os processos disciplinares, uma vez que, nesses casos, estamos perante decisões (e não "recomendações"), além de que, no caso de processos disciplinares, o visado tem direito de audição, o que aparentemente não sucede com as "recomendações".
No caso de não existir nenhum documento com este tipo de "recomendação" feita pelo Secretariado da CCPJ desde a sua fundação em 1995, queira V. Exa. informar-me dessa inexistência, de acordo com o estabelecido na LADA.
3 Consulta da totalidade das actas do Plenário da CCPJ desde 2020, devendo estas serem os originais, sobre os quais se requer, desde já, cópia simples.
4 - Consulta presencial dos documentos administrativos originais onde constem os pagamentos a qualquer título, mensal ou por presença, a cada um dos membros da CCPJ desde 2020 até à data, devendo estes serem os originais, sobre os quais se requer, desde já, cópias simples.
5 - Consulta presencial dos originais das contas anuais da CCPJ, contendo elementos contabilísticos (demonstrações financeiras) relativas a 2019,2020, 2021 e 2022, sobre os quais se requere desde já cópia simples.»
– cfr. documento n.º 1 junto com o r.i.;

3. Com data de 24-05-2023 o IGAS elaborou o documento designado “decisão ao pedido de acesso a documentos administrativos”, com o seguinte teor:

«Exma. Senhora E…
Assunto: Decisão ao pedido de acesso a documentos administrativos
1. Em resposta ao pedido feito pela requerente cumpre começar por referir que, claramente, este é, na sua essência uma réplica aos sucessivos pedidos que têm vindo a ser efetuados pelo diretor da publicação P..., pelo que se revela, desde logo, um pedido manifestamente abusivo nos termos do n.° 3 do artigo 15.° do regime de acesso à informação administrativa e ambiental e de reutilização dos documentos administrativos (LADA — Lei n.° 26/2016, de 22 de agosto - versão atualizada) - as entidades não estão obrigadas a satisfazer pedidos que, face ao seu carácter repetitivo e sistemático ou ao número de documentos requeridos, sejam manifestamente abusivos (negrito nosso).
2. Deixou claro, publicamente, o diretor do P..., inconformado com a decisão do Secretariado da Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (doravante CCPJ), que os pedidos poderiam voltar a ser feitos por outro colaborador do P... - ''Relativamente a esses dois últimos casos (pareceres e acesso a processos disciplinares contra directores de órgãos de comunicação social mainstream), a interpretação da CADA é que a CCPJ não tem obrigação agora de responder ao director do P..., porque já recusou anteriormente há menos de dois anos, mas tal não significa que este tenha perdido o direito de acesso. Mesmo sendo interpretação questionável, que poderá se dirimida no Tribunal Administrativo, na verdade bastará que outro jornalista do P... (ou de outro órgão de comunicação social) faça similar pedido para que o direito de acesso a esses mesmos documentos seja juridicamente inquestionável" (disponível em: https://p.../).
3. Pese, como afirma Sérgio Pratas, ser “muito difícil à Administração concluir pela existência de um pedido manifestamente abusivo o facto é que a CCPJ considera que o P... recorre a pedidos manifestamente abusivos, não só nos termos descritos no n.° 3 do artigo 15.° da LADA como, ainda, com o claro propósito de aceder a informação e dados pessoais dos jornalistas que esta Comissão tem o a obrigação e dever de proteger e sobre eles guardar reserva.
4. Depois da demonstração de que o pedido efetuado não diretamente pelo mesmo particular, mas pela mesma publicação (P...), há que convocar o princípio da decisão - artigo 13.° do CPA-, que prevê no n.° 2: “Não existe o dever de decisão quando, há menos de dois anos, contadas da data da apresentação do requerimento, o órgão competente tenha praticado um ato administrativo sobre o mesmo pedido, formulado pelo mesmo particular com os mesmos fundamentos. ”
5. Assim, na presente situação, tal como já comunicado anteriormente, acontece que a CCPJ, há menos de dois anos, praticou um ato administrativo sobre o mesmo pedido, formulado pelo mesmo requerente (publicação P...) com os mesmos fundamentos.
6. Por isso não é possível uma outra decisão sobre o presente pedido, nomeadamente no que respeita à parte do pedido 1 (a que engloba o acesso a todos os documentos relativos a procedimentos desenvolvidos pela CCPJ sobre o P…, G…, D…, J… e J…), c ao pedido 2, pedido 3 e pedido 4, por íorça do artigo 13.°, n.° 2 do CPA.
7. O presente pedido de acesso a documentos administrativos é, portanto, indeferido, por decisão do Secretariado da CCPJ, ainda com os seguintes fundamentos:
a. Desde logo, a requerente vem alegar a “necessidade de obtenção de informação para o regular exercício da profissão de jornalista (...) ao abrigo do estatuído na Lei do Acesso aos Documentos Administrativos (LADA), na sua mais recente versão (Lei nº 68/2021. de 26 de Agosto). “tendo em consideração os direitos consagrados no Estatuto do Jornalista, na Lei da Imprensa e na Constituição da República
b. Na presença de um requerimento para acesso a informação administrativa que contenha dados nominativos, tem de ser dada, de antemão, relevância às finalidades dos tratamentos dos dados, competindo à entidade definir a necessidade de impedir ou permitir o acesso, segundo critérios de proporcionalidade.
c. Também para os jornalistas o acesso a fontes oficiais de informação e a legitimidade do interesse ao acesso encontra-se condicionada pela Constituição da República Portuguesa (doravante CRP), pelo Regulamento Geral de Proteção de Dados (doravante, RGPD), para o qual remete a própria LADA, pelo Código do Procedimento Administrativo (doravante CPA), pelo próprio Estatuto do Jornalista entre outros normativos legais.
d. Como resulta do n.° 3 do artigo 8.° do Estatuto do Jornalista e, ainda, do n.° 2, do mesmo instituto legal, que remete o interesse dos jornalistas no acesso a fontes de informação para o direito regulado nos artigos 82.° e 83.° do CPA. 
e. Sendo claro no artigo 83.° do CPA que: n.° 1 - Os interessados têm o direito de consultar o processo que não contenha documentos classificados ou que revelem segredo comercial ou industrial ou segredo relativo à propriedade literária, artística ou cientifica; n.º 2 - O direito referido no número anterior abrange os documentos relativos a terceiros, sem prejuízo da proteção dos dados pessoais nos termos da lei. (negrito e sublinhado nosso).
f. Logo, tratando-se de um terceiro que procura aceder a informação e documentos de carácter nominativo, mesmo na qualidade de jornalista, este tem de demonstrar o interesse direto, pessoal e constitucionalmente protegido suficientemente relevante, após ponderação, no quadro do princípio da proporcionalidade, de todos os direitos fundamentais em presença e do princípio da administração aberta que justifique o acesso à informação (Cfr. artigo 6.° LADA) (negrito e sublinhado nosso).
g. Por um lado, estamos perante um direito constitucionalmente consagrado dos jornalistas de aceder às fontes de informação, “nos termos da lei” (artigo 38.°, n.° 2, alínea b) da CRP) (sublinhado e negrito nosso). Mas, por outro, temos os direitos de personalidade, ou seja o direito “à identidade pessoal, ao desenvolvimento da personalidade, à capacidade civil, à cidadania, ao bom nome e reputação, à imagem, à palavra, à reserva da intimidade da vida privada e familiar e à proteção legal contra qualquer forma de discriminação” (artigo 26.°, n.° 1, da CRP). Além de que, a CRP assegura que “a lei estabelecerá garantias efetivas contra a obtenção e utilização abusivas, ou contrárias á dignidade humana, de informações relativas às pessoas e famílias", (artigo 26.°, n.° 2, da CRP) (sublinhado e negrito nosso).
h. Perante direitos fundamentais conflituantes há então que considerar que não existem direitos (nem valores) absolutos, nem hierarquia entre direitos fundamentais constitucionalmente consagrados, nomeadamente entre os que estão elencados no Título II, Capítulo I (Direitos, liberdades e garantias pessoais) da CRP.
i. Mas, a verdade é que alguns dos direitos de personalidade são eles próprios, como é entendimento dos constitucionalistas Gomes Canotilho e Vital Moreira, “limite de outros direitos fundamentais, que com eles possam conflituar (v.g., limite à liberdade de informação e de imprensa)'".
j. Ora, para aplicação da LADA há que se considerar o supra constitucional RGPD (para a qual remete a própria LADA (Cfr. artigo 3.°. n.° 1, alínea b)), pelo que, tem de ser ainda considerado o princípio da finalidade, resultante da RGPD (Cfr. artigo 5.°). Ou seja, os dados pessoais devem ser recolhidos para finalidade determinadas, explícitas e legítimas, não podendo posteriorinente serem tratados de forma incompatível com a finalidade (sublinhado e negrito nosso).
k. A CCPJ, dada a natureza das suas competências, é, segundo o RGPD, responsável pelo tratamento de dados pessoais inerentes ao exercício dessas competências. Razão porque tem esta entidade de ser rigorosa e exigente na avaliação da necessidade e finalidade invocada para o acesso a dados pessoais.
l. E a reforçar esta posição está o facto de, nos termos do artigo 28.°, n.° 1, do Regime de Organização e Funcionamento da Comissão da Carteira Profissional de Jornalista e da Acreditação Profissional do Jornalista (Decreto-Lei n.° 70/2008 de 15 de abril), se referir que “os membros e colaboradores da CCPJ estão obrigados a manter sigilo relativamente a todos os dados pessoais, documentos e informações apresentadas pelos requerentes, salvo se e na medida em que forem expressamente autorizados pelo interessado do contrário".
m. Além do mais, o tratamento dos dados pessoais só é lícito se e na medida em que se verifique um dos pressupostos assinalados no artigo 6.° do RGPD.
n. Assim, não existindo a concretização de uma finalidade específica para aceder aos documentos administrativos por parte da requerente, e tendo ainda em conta o princípio da proporcionalidade, o facto de a requerente referir que a finalidade para a obtenção dos documentos é a “necessidade de obtenção de informação para o regular exercício da profissão de jornalista”, este argumento não se revela relevante perante os direitos fundamentais constitucionalmente em conflito, sobretudo porque os documentos a que pretende aceder contém, praticamente no seu todo, informação relativa a jornalistas, apreciações e ou juízos de valor sobre estes e, ainda outros dados suscetíveis de pôr em causa o seu bom nome e reputação e a reserva da intimidade da vida privada.
o. Deste modo, ou a requerente do acesso à informação, que é na generalidade de natureza nominativa, se mune de autorização escrita do(s) titular(es) dos dados ou, e porque não existem direitos absolutos, a efetivação de um eventual direito de acesso tem de ser negado pela necessidade de salvaguarda de outros direitos e interesses constitucionalmente protegidos.

Pedido a pedido

p. No pedido 1 a requerente vem solicitar consulta e eventual obtenção de cópiada totalidade dos documentos relativos aos procedimentos desenvolvidos pela CCPJ no âmbito das suas competências em matéria de processos de contra-ordenação e processos disciplinares aberto desde 2020, incluindo as decisões de abertura desses processos e as decisões de arquivamento de participações’’'.
q. Ora, como se demonstrou, a requerente não tem legitimidade para aceder a estes documentos. Estamos perante documentos de natureza nominativa. Documentos que contém dados pessoais na aceção do regime jurídico da proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados (Cfr. artigo 3.°, n.° 1, alínea b) da LADA).
r. Dados pessoais que, nos termos do artigo 4.°, n.° 1 do RGPD, consistem em informação relativa a uma pessoa singular identificada ou identificável.
s. Nos termos do artigo 4.°, 1) do RGPD entende-se por dados pessoais a 1informação relativa a uma pessoa singular identificada ou identificável (“titular dos dados’’): é considerada identificável uma pessoa singular que possa ser identificada, direta ou indiretamente, em especial por referência a um identificador, conto por exemplo, um nome, um numero de identificação, dados de localização, identificação por via eletrónica ou um ou mais elementos específicos de identidade física, fisiológica, genética, mental, económica, cultural ou social dessa pessoa singular".
t. Fica claro que o direito de acesso aos arquivos e registos administrativos possui exceções, nomeadamente, as que resultam da lei no que toca a matérias relativa à salvaguarda do bom nome e reputação e da intimidade das pessoas. É então dever do Estado (e deste organismo independente em sua representação) assegurar aos cidadãos uma esfera intocável de privacidade o que fundamenta a necessidade de excluir o direito de acesso a documentos que contenham dados pessoais não públicos.
u. A procurar aceder a estes documentos, a requerente está a indagar no sentido de querer deitar mão de documentos que contém, predominantemente, dados nominativos. Ou seja, são, na sua generalidade, estritamente pessoais.
v. Mesmo os que num primeiro olhar poderiam ser considerados mais neutros, como as decisões de abertura de processos, decisões de arquivamento e ou documentos preparatórios de uma decisão, na verdade são documentos repletos de dados pessoais, de informação relativa a uma pessoa singular identificada ou identificável.
w. São avaliações de alegadas ou eventuais violações de deveres e ou incompatibilidades por parte de jornalistas que incluem as razões que levaram, por exemplo, à apresentação de queixas, denúncias e ou participações, também estas repletas de dados nominativos sobre os denunciantes.
x. Documentos que contém necessariamente apreciações de juízos de valor sobre os jornalistas, que em muitos casos revelam aspetos do seu foro privado (além do foro privado dos denunciantes), pelo que o seu conhecimento por terceiro viria a traduzir-se numa clara violação da reserva da intimidade da sua vida privada.
y. Além de que, como a CCPJ adota uma política de transparência toda a informação a que os cidadãos podem aceder está disponível em https://www.ccpi.pt/, incluindo a relativa aos processos de contraordenação e disciplinares, nomeadamente, nos termos previstos no artigo 21,°, n.° 8, do Estatuto do Jornalista.
z. Assim, o acesso a estes documentos de carácter nominativos só seria legítimo se a requerente apresentasse uma autorização escrita dos próprios jornalistas (titulares dos dados) visados e uma autorização escrita dos denunciantes, queixosos e ou participantes, explícita e específica quanto à sua finalidade e quanto ao tipo de dados a que quer aceder, ou tivesse demonstrado fundamentadamente ser titular de um interesse pessoal direto, pessoal, legítimo e constitucionalmente protegido suficientemente relevante, após ponderação, no quadro do princípio da proporcionalidade, de todos os direitos fundamentais em presença e do princípio da administração aberta que justificasse o acesso à informação (Cfr. artigo 6.°, n.° 5, alíneas a) e b) da LADA).
aa. Inexistindo autorização escrita de todos os visados e sendo a amplitude do acesso requerido manifestamente desajustada em relação aos interesses que se impõem salvaguardar, é de indeferir o acesso porque a revelação de dados nominativos pode causar danos graves, e dificilmente reversíveis, a bens e interesses de terceiros supra constitucional e constitucionalmente protegidos.
bb. Quanto ao pedido 2 relativo ao acesso às "Recomendações" emitidas desde a fundação da CCPJ em 1985 até à presente data, vai também o pedido indeferido. Acresce às mesmas razões já expostas até aqui, que no caso concreto das “recomendações’', estamos perante elementos que levam a que os jornalistas visados pelas recomendações possam ser identificáveis. Além de levarem à identificação dos denunciantes, queixosos e ou participantes.
cc. As recomendações, enquanto documentos opinativos deste organismo incumbido de assegurar o cumprimento dos deveres profissionais dos jornalistas que transmitem um juízo de valor e que consubstanciam um apelo ao jornalista para que adote determinada atitude, contém diversos elementos cuja probabilidade de terceiros identificarem, através da conjugação da informação, a identidade do(s) visado(s) na recomendação é muita elevada.
dd. Tem a CCPJ não só o dever de reserva e proteção dos dados dos jornalistas, como os próprios jornalistas têm o direito de ver protegida toda a informação que contenha dados pessoais. E no caso em apreciação estamos, claramente, perante documentos nominativos nos termos da alínea b) do n.° 1 do artigo 3.° da Lei n.° 26/2016, de 22 de agosto, na sua redação atual (LADA).
ee. No que concerne ao ponto 3, segundo o qual é requerida a “consulta da totalidade das atas do Plenário da CCPJ desde 2020, devendo estas serem os originais, sobre os quais se requer, desde já, cópia simples", mantém a CCPJ também a decisão de indeferimento ao pedido de acesso.
ff. O Plenário tem, maioritariamente, como principais competências apreciar e deliberar sobre reclamações relativas a suspensão ou cancelamento de carteiras profissionais ou relativas a quaisquer atos de negação de direitos ou expectativas, determinados, fundamentalmente, pelo Secretariado; determinar a abertura de processos disciplinares; determinar a abertura de processos de contraordenação e apreciar e decidir sobre os recursos das decisões disciplinares apresentadas pelo Secretariado. Significa isto, que como órgão de recurso o Plenário avalia, sobretudo, recursos de cujas decisões ainda cabe recurso, nos termos gerais, para os tribunais administrativos. As atas deste órgão ao refletirem a sua atuação, estão repletas de dados de natureza nominativa dos jornalistas visados e denunciantes, queixosos e ou participantes.
gg. Além do mais, tendo em conta que, predominantemente, a atividade da CCPJ é desenvolvida no âmbito principal das suas competências, ou seja, as que se encontram consagradas no artigo 4.° do Regime de Organização e Funcionamento da Comissão da Carteira Profissional de Jornalista c da Acreditação Profissional do Jornalista, que, resumidamente, confere à CCPJ a competência de atribuir, renovar, suspender ou cassar os títulos de acreditação dos profissionais da atividade jornalística, além de apreciar, julgar e sancionar a violação dos deveres profissionais por parte dos jornalistas, facilmente se depreende que a esmagadora maioria da atividade desenvolvida pela CCPJ está envolta em procedimentos de natureza reservada e confidencial. Logo não em presença de documentos administrativos à luz do conceito definido pela LADA. Mas, sobretudo e maioritariamente, perante documentos nominativos.
hh. Não pode a CCPJ dada a natureza nominativa da esmagadora maioria dos documentos na sua posse, incluindo as atas do Plenário, desconsiderar a aplicação do RGPD ao arrepio da lei e do princípio do primado do direito da União Europeia que impede que também o intérprete, e não só o legislador nacional, restrinjam a aplicabilidade do RGPD, o qual é diretamente aplicável no ordenamento jurídico nacional, tal como nos restantes estados-membros.
ii. Ainda nos termos do artigo 6.°, n.° 8, da LADA, “os documentos administrativos sujeitos a restrições de acesso são objeto de comunicação parcial sempre que seja possível expurgar a informação relativa à matéria reservada (negrito e sublinhado nosso).
jj. O que só por si consubstancia, claramente, que tendo em conta a natureza de determinados documentos, quando se torna impossível expurgar informação relativa à matéria reservada, o acesso terá também de ser avaliado à luz do princípio da proporcionalidade e pode mesmo ser negado.
kk. É o caso, por exemplo, dos documentos relativos aos procedimentos desenvolvidos pela CCPJ em matéria de processos de contraordenação e processos disciplinares e das “recomendações”, que pela sua natureza e teor, com o expurgo de informação relativa a matéria reservada levaria à “criação” de um “documento” de natureza apátrida e ou sem qualquer nexo. O mesmo acontecendo com as atas do Plenário da CCPJ tendo em conta a natureza nominativa da esmagadora maioria dos assuntos ali debatidos.
ll. Ademais, como já referido, a CCPJ tem adotado uma política de transparência pelo que toda a informação a que os cidadãos podem aceder está disponível em https://www.ccpj.pt/ .
mm. No que respeita ao pedido 4, relativamente à “consulta presencial dos documentos administrativos originais onde constem os pagamentos a qualquer título, mensal ou por presença, a cada um dos membros da CCPJ desde 2020 até à data, simples”, o Secretariado da CCPJ indefere também o pedido.
nn. A requerente, mais uma vez, não só não está munida de autorização dos titulares dos dados, como não demonstrou fundamentadamente ser '“'titular de um interesse direto, pessoal, legítimo e constitucionalmente protegido suficientemente relevante”, pelo que, tal informação não é devida.
oo. A este título, importa ainda convocar o Parecer n ° 406/2018, emitido pela CADA (Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos), que remete para os Pareceres 242/2018 e 243/2018, segundo os quais: i. “Frequentemente, os recibos de vencimento contêm o NIF, o NIB, o número da segurança social e outros; podem, também, conter descontos resultantes de ato de vontade do trabalhador ou de decisão judicial. Ora, todos estes são dados pessoais do titular, não sendo de acesso livre [cfr. artigo 3.°, //." /, alínea b), e artigo 6.", n.° 5, da LADAJ. Já a remuneração auferida pelo referido trabalhador decorre, certamente, de relação jurídica pública estabelecida entre ele e a entidade administrativa; trata-se de elemento de natureza pública - embora respeite a pessoa concreta, a sua natureza pública exonera do regime de proteção de dados pessoais.
pp. Conforme se extrai do parecer, a remuneração auferida é, também ela, um elemento integrado no regime de proteção de dados pessoais e, portanto, uma informação nominativa. Deverá ainda ser vedado o acesso porquanto, conforme se retira a contrario do parecer, a remuneração não se trata de um elemento de natureza pública na medida em que os fundos da CCPJ não são de origem pública.
qq. Pese a CCPJ ser considerada um organismo independente de direito público, a verdade é que estamos perante uma entidade sem paralelo no panorama nacional. Os seus fundos são, maioritariamente, privados.
rr. Além do mais, esta Comissão subscreve ainda na íntegra o juízo feito e descrito pela CADA no Parecer 110/2023 (onde foram avaliados a esmagadora maioria dos pedidos aqui feitos pela requerente em nome da mesma publicação - P... - que apresentou queixa à CADA pela mãos do seu diretor que já anteriormente solicitou o acesso a estes mesmos documentos) onde é referido que “o conhecimento dia a dia, mês a mês, sobre o que foi efetivamente pago poderá colocar em questãonão a atividade administrativa e de poderes públicos, mas o conhecimento a partir dela da vida dos que receberam abono” (negrito nosso).
ss. Quanto ao pedido 5: “consulta presencial dos originais das contas anuais da CCPJ, contendo elementos contabilísticos (demonstrações financeiras) relativas a 2019, 2020, 2021 e 2022", vai também o pedido indeferido. Isto porque a CCPJ adota uma política de transparência pelo que toda a informação a que os cidadãos podem aceder está disponível em https://www.cepj.pt/.
Conclusão
Pelo exposto, o Secretariado da CCPJ decidiu por unanimidade indeferir a totalidade dos pedidos da requerente.»
– cfr. documento n.º 2 junto com o r.i.;

4. Em 14-06-2023, deu entrada em juízo a presente intimação – cfr. fls. 1 sitaf.»


3.2. Quanto aos factos não provados nada se consignou na sentença recorrida.

3.3. Foi a seguinte a motivação quanto à matéria de facto:

«A respetiva fundamentação assenta na apreciação da prova documental oferecida pela Autora (não impugnada; cfr. artigos 374.º e 376.º do Código Civil) e constante do processo administrativo em formato digital junto no SITAF (cuja veracidade não foi colocada em crise; cfr. artigos 373.º, 374.º e 376.º do Código Civil), bem como na posição assumida pelas partes nos seus articulados (na parte em que foi possível obter a sua expressa admissão, nos termos do n.º 4 do artigo 83.º do CPTA), tal como se encontra especificado nos vários pontos do probatório.»

4. Fundamentação de direito

4.1. Da nulidade da sentença

A R./Recorrente, CCPJ, imputa à sentença nulidade nos termos da al. c) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC aduzindo, em suma, que, quanto à decisão tomada a respeito da pretensão de consulta de documentos onde constem os pagamentos a qualquer título, mensal ou por presença. a cada um dos membros da CCPJ desde 2020 até à data, se verifica uma contradição entre os fundamentos e a decisão porquanto, não obstante concordar com o Parecer 110/2023 da CADA conclui, de forma oposta a este – que sustenta que “um conhecimento dia a dia, mês a mês, sobre o que foi efetivamente pago poderá colocar em questão não a atividade administrativa e de poderes públicos, mas o conhecimento a partir dela da vida dos que receberam abono”, pelo que (apenas) “deverá haver uma disponibilização de elementos de despesa efetuada de modo global” -, que a informação tem de ser disponibilizada tal como requerida, isto é, o que foi pago “dia a dia, mês a mês” a cada beneficiário dos abonos em causa.
As nulidades da sentença são vícios da própria decisão, deficiências da estrutura da sentença e encontram-se previstas no artigo 615.º, n.º 1 do CPC, no qual se prescreve que é nula a sentença se, além do mais, ocorrer oposição entre fundamentos e decisão ou se verifique alguma obscuridade ou ambiguidade que torne a decisão ininteligível [al. c)].
A invocada contradição respeita à oposição entre os fundamentos e a decisão, ou seja, «à contradição intrínseca da decisão judicial, pela circunstância de “os fundamentos invocados pelo tribunal conduzirem logicamente a uma conclusão oposta ou, pelo menos, diferente daquela que consta da decisão”» (Ac. do STJ de 12.01.2021, proferido no proc. 4258/18.0T8SNT.L1.S1, disponível em https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/e732755b1899627f8025865b004e5c8c?OpenDocument).
Assim, “é pacífico na doutrina e jurisprudência o entendimento segundo o qual a nulidade por contradição entre os fundamentos e a decisão aí contemplada pressupõe um erro de raciocínio lógico consistente em a decisão emitida ser contrária à que seria imposta pelos fundamentos de facto ou de direito de que o juiz se serviu ao proferi-la: a contradição geradora de nulidade ocorre quando os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente não ao resultado expresso na decisão, mas a resultado oposto ou, pelo menos, de sentido diferente (cf. nesse sentido, na doutrina Professor Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, , Vol. V, pág. 141, Coimbra Editora, 1981, Amâncio Ferreira, Manual de Recursos no Processo Civil, 9ª edição, pág. 56 e Lebre de Freitas e Isabel Alexandra, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2º, 3ª edição, pág. 736-737, e na jurisprudência, entre outros, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, Secção Social, de 28.10.2010, Procº nº 2375/18.6T8VFX.L1.S3, 21.3.2018, Procº nº 471/10.7TTCSC.L1.S2, e 9.2.2017, Procº nº 2913/14.3TTLSB.L1-S1)” (Ac. do STJ de 14.4.2021, proferido no processo 3167/17.5T8LSB.L1.S1, disponível em https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/f78a35774ba29550802586b7003a68e2?OpenDocument).
Feito este enquadramento verifica-se que a fls. 25 e ss. da sentença, a propósito do pedido identificado no ponto 4 do requerimento indicado no ponto 2 dos factos provados, e que respeitava à pretensão de “Consulta presencial dos documentos administrativos originais onde constem os pagamentos a qualquer título, mensal ou por presença, a cada um dos membros da CCPJ desde 2020 até à data.”, o Tribunal a quo, concordando com fundamentação do Parecer 10/2023 da CADA, cuja argumentação citou, considerou que a “informação solicitada assume natureza financeira e, atenta a natureza pública dessa informação, ao abrigo do disposto no artigo 5.º da LADA, será de conceder acesso a esses elementos”.
Na fundamentação desse parecer consta, após indicação do teor do artigo 29.º do Decreto-Lei n.º 70/2008, de 15 de abril que “[u]m conhecimento dia a dia, mês a mês, sobre o que foi efetivamente pago poderá colocar em equação não a atividade administrativa e de poderes públicos, mas o conhecimento a partir dela da vida dos que receberam o abono. Mas deverá haver uma disponibilização de elementos de despesa efetuada de modo global. Não há lugar, assim, a uma recusa em bloco do acesso solicitado.”. Pelo que, se bem se compreende, o que a R./Recorrente entende é que se imporia que o Tribunal a quo, ancorando-se naquele parecer, coerentemente, apenas assegurasse a consulta da informação em causa de modo global.
Sucede que não existe qualquer erro de raciocínio. Com efeito, atenta a conclusão vertida pelo Tribunal a quo a fls. 26, embora citando, nessa parte, integralmente o Parecer, aquilo em que o acompanhou foi que a “informação solicitada assume natureza financeira e, atenta a natureza pública dessa informação, ao abrigo do disposto no artigo 5.º da LADA, será de conceder acesso a esses elementos”. Ou seja, o que o Tribunal considerou foi que a informação relativa a despesas relativas ao funcionamento, porque de natureza financeira, era acessível, nos termos do artigo 5.º da LADA, por deter natureza pública.
Assim sendo, de forma coesa, no segmento decisório condenou a R./Recorrente a permitir a consulta de documentos onde constem os pagamentos a qualquer título, mensal ou por presença, a cada um dos membros da CCPJ desde 2020 até à data.
Poderá aí ter incorrido em erro, por a informação apenas poder ser disponibilizada de forma global, mas não em qualquer erro lógico entre os fundamentos que aportou e a decisão que tomou.
Improcede, pois, a nulidade apontada à sentença.

4.2. Do erro de julgamento de direito

A A./Recorrente insurge-se quanto à sentença na parte em que esta julgou improcedentes as suas pretensões de “consulta, e eventual obtenção de cópia digital ou em outro formato, eventualmente expurgando as partes sob reserva (...), da totalidade dos documentos relativos aos procedimentos desenvolvidos pela CCPJ no âmbito das suas competências em matéria de processos de contra-ordenação e processos disciplinares abertos desde 2020, incluindo as decisões de abertura desses processos e as decisões de arquivamento de participações. Caso estejam em causa documentos preparatórios de uma decisão ou constantes de processos não concluídos deverá ser aplicado o previsto no n° 3 do artigo 6° da LADA” (doravante identificado como pedido 1) e “consulta, e obtenção de cópia digital ou em outro formato, eventualmente expurgando as partes sob reserva (...), da totalidade de documentos considerados como "Recomendações" pelo Secretariado da CCPJ emitidas desde a sua fundação em 1995 até à presente data” (correspondente ao doravante identificado como pedido 2) e, bem assim, na parte em que, quanto ao pedido de “consulta da totalidade das atas do Plenário da CCPJ desde 2020, devendo estas serem os originais, sobre os quais se requer, desde já, cópia simples” (doravante pedido 3), apenas permitiu a sua consulta “expurgadas as mesmas de dados pessoais, nomeadamente menções relativas a procedimentos disciplinares e contraordenacionais”.
Sustenta que, quanto ao pedido 1, o Tribunal a quo faz errada interpretação do conceito de documentos nominativos porquanto os nomes e os números de identificação (como os números de carteira profissional) são públicos, sendo ademais consultáveis no site da Requerida. Advoga que os processos de contraordenação e processos disciplinares aplicados a jornalistas, já concluídos, e também as decisões de abertura ou de arquivamento executados pelos membros (em funções públicas) não estão abrangidos pelo Regulamento Geral da Proteção de Dados, porque não estão em causa “os aspectos relativos aos sentimentos e convicções da pessoa, aos seus comportamentos íntimos e sexuais, a características físicas e psicológicas, em geral a tudo o que ocorre dentro de casa e que a pessoa em causa pretende manter secreto ou reservado apenas a uma única pessoa ou a um número muito restrito de pessoas”, mas sim tarefas e ações de profissionais que exercem atividades de interesse público, estando a noção de documento nominativo circunscrita aos documentos que contêm dados pessoais de natureza íntima.
Acrescenta que, além do seu pedido não ser genérico, porque assente numa janela temporal definida e curta, dispõe de um interesse direto, pessoal, legítimo e constitucionalmente protegido, porquanto age no exercício da liberdade de imprensa e os documentos dizem respeito a uma entidade relacionada com a imprensa e o jornalismo, tendo o Tribunal a quo definido um novo limite para o acesso à informação correspondente ao “alvo noticioso”.
Alega que também quanto ao pedido 2 o Tribunal erra ao considerar estar-se perante documentos nominativos, confundindo dados nominativos com a circunstância de alguns dos documentos respeitarem a pessoas identificadas e que o facto de um documento conter o nome de uma pessoa, não o torna imediatamente, documento nominativo. Entende que cabia ao Tribunal a quo verificar se as Recomendações continham, efetivamente, dados nominativos.
Quanto ao pedido 3, entende não ser aceitável que sejam expurgados dados pessoais, nomeadamente menções relativas a procedimentos disciplinares contraordenacionais, apenas podendo esse expurgo ser relativo aos elementos da vida íntima dos visados. Também aqui defende que cabia ao Tribunal a quo verificar se as atas continham, efetivamente, elementos da vida íntima.
A R./Recorrida, por sua vez, interpôs recurso da sentença na parte em que julgou procedentes as pretensões de consulta da totalidade das atas do Plenário da CCPJ desde 2020 (pedido 3), consulta de documentos onde constem os pagamentos a qualquer título, mensal ou por presença, a cada um dos membros da CCPJ desde 2020 até à data (pedido 4) e consulta das contas anuais da CCPJ, contendo elementos contabilísticos (demonstrações financeiras) relativas a 2019, 2020, 2021 e 2022 (pedido 5).
Advoga que o Tribunal erra ao considerar que as atas do plenário da CCPJ (pedido 3) não são documentos nominativos, violando o disposto na alínea b), do n.º 1, do artigo 3.º e no n.º 5, do artigo 6.º da LADA, no n.º 1, do artigo 4.º, do RGPD e o princípio do primado do direito da União Europeia.
Assim, aduz que, em face das competências do Plenário e as da CCPJ, desenvolvendo-se a sua atividade em procedimentos de natureza reservada e confidencial, as atas ao refletirem a atuação, estão repletas de dados de natureza nominativa dos jornalistas visados e denunciantes, queixosos e ou participantes. Pelo que, dada a natureza nominativa da maioria dos documentos na sua posse, não pode ser desconsiderada a aplicação do RGPD, sendo que, à luz do n.º 8 do artigo 6.º da LADA, o expurgo da informação relativa à matéria reservada levaria à criação de documentos sem nexo.
Considera que, conjugado o disposto no artigo 3.º, n.º 1 al. b) da LADA com o n.º 1 do artigo 4.º do RGPD, atendendo a que as informações a que a Requerente pretende ter acesso contêm nomes, números de identificação (como números de carteira profissional), resulta claro que estes documentos consubstanciam documentos nominativos, donde o acesso por terceiros apenas é admitido nas hipóteses do n.º 5 do artigo 6.º da LADA, o que não se verifica no caso em que o pedido é genérico e a Requerente apenas invoca a sua qualidade profissional de jornalista, o que é insuficiente.
Quanto ao pedido 4, de consulta de documentos onde constem os pagamentos a qualquer título, mensal ou por presença, a cada um dos membros da CCPJ desde 2020 até à data, sustenta que a sentença incorre em erro de julgamento porquanto condena a CCPJ a fornecer dados financeiros que, segundo o parecer da CADA que cita, permitirão conhecer a vida privada dos beneficiários dos abonos o que extravasa o direito de acesso e viola o RGPD e lei nacional, quanto a Requerente não só não está munida de autorização dos titulares dos dados, como não demonstrou fundamentadamente ser “titular de um interesse direto, pessoal, legítimo e constitucionalmente protegido suficientemente relevante” e que a remuneração auferida é um elemento integrado no regime de proteção de dados pessoais e, portanto, uma informação nominativa.
No que se reporta ao pedido de consulta das contas anuais da CCPJ (pedido 5) aduz que a sentença viola o artigo 29.º do DL 70/2008, porquanto adota uma política de transparência permitindo o acesso público a toda a sua informação financeira no site https://www.ccpj.pt/.
Discorda, ainda, da sentença na parte em que considerou inexistir abuso de direito nos pedidos porquanto em janeiro e fevereiro de 2013 o diretor da publicação P..., repetidamente, apresentou pedidos de igual teor e, inconformado com a decisão, alertou que os pedidos poderiam vir a ser feitos por outro jornalista da publicação, tendo em 11.5.2023 a Requerente, em nome da publicação, apresentado o pedido. Entende que, no presente caso, tendo anteriormente praticado um ato administrativo sobre o mesmo pedido, formulado pelo mesmo requerente, não é devida decisão nos termos do artigo 13.º, n.º 2 do CPA. Sustentando que o pedido feito pela requerente é na sua essência uma réplica aos sucessivos pedidos que têm vindo a ser efetuados pelo diretor da publicação P..., que confessa instrumentalizar uma colaboradora da publicação, o que representa um pedido manifestamente abusivo nos termos do n.º 3 do artigo 15.º da LADA.

Como deu conta o Tribunal a quo, o direito à informação administrativa desdobra-se no direito à informação procedimental, consagrado no n.º 1 do artigo 268.º da Constituição da República Portuguesa (“CRP”) e no direito ao acesso a arquivos e registos administrativos, previsto no n.º 2 do mesmo preceito (que corresponde a um direito à informação não procedimental, cf. Mário Aroso de Almeida e Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 5ª ed., pág. 903). Direitos que visando primacialmente objetivos diversos, no primeiro caso, a informação sobre procedimentos administrativos, numa perspetiva de conhecimento das incidências procedimentais, e, no segundo, o acesso aos registos e arquivos administrativos, numa dimensão de administração aberta a todos os cidadãos, determinam que sejam também diferenciados os regimes jurídicos que lhes correspondem (neste sentido, entre outros, o Ac. STA de 25.02.2009, proferido no processo n.º 998/08).
Ou seja, o direito à informação abrange a informação procedimental (vg. arts. 82.º a 85.º do CPA) e a informação não procedimental (vg. art.º 17.º do CPA e art.º 5.º da Lei n.º 26/2016, de 22 de agosto, Lei que regula o acesso aos documentos administrativos e à informação administrativa, doravante apenas LADA), sendo que a primeira “reporta-se a factos, atos ou documentos que integram ou resultam de um concerto procedimento administrativo que se encontre ainda em curso” e a segunda “respeita a documentos contidos em arquivos ou registos administrativos, aí se incluindo os documentos existentes em procedimentos administrativos já findos” (cf. Mário Aroso de Almeida e Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 4ª ed., pág. 903).
No caso dos autos o Tribunal a quo entendeu estarmos quanto aos pedidos formulados 2 a 5 perante informação não procedimental e que o pedido 1 contempla, simultaneamente, informação procedimental e não procedimental simultaneamente, “uma vez que a requerente solicita informação de todos os processos disciplinares e de contraordenação abertos pela entidade requerida desde 2020, ou seja, peticiona o acesso quer a processos disciplinares e de contraordenação findos (e, como tal, enquadráveis no âmbito de informação não procedimental) como relativamente a informação relativa a procedimentos em curso e, nessa medida, consubstanciando acesso a informação procedimental”.
Não se acompanha, todavia, este enquadramento quanto ao pedido 3 respeitante às atas do Plenário da CCPJ, pois que, face às suas competências alargadas (artigo 3.º do Regulamento da CCPJ), não se afigura líquido – desde logo, face às diferentes fases em que se desenvolvem os procedimentos administrativos – que todas as deliberações do Plenário (e vertidas nas atas cuja consulta é requerida) – e que podem, inclusive, corresponder a atos praticados no âmbito de procedimentos disciplinares e contraordenacionais, respeitem a procedimentos findos. Donde, também quanto ao pedido 3, haverá que considerar que o mesmo é suscetível de abranger informação procedimental e não procedimental.

Como decorre dos autos a Requerente peticionou que a Entidade Requerida lhe possibilitasse a “consulta, e eventual obtenção de cópia digital ou em outro formato, eventualmente expurgando as partes sob reserva (...), da totalidade dos documentos relativos aos procedimentos desenvolvidos pela CCPJ no âmbito das suas competências em matéria de processos de contra-ordenação e processos disciplinares abertos desde 2020, incluindo as decisões de abertura desses processos e as decisões de arquivamento de participações. Caso estejam em causa documentos preparatórios de uma decisão ou constantes de processos não concluídos deverá ser aplicado o previsto no n° 3 do artigo 6° da LADA” (pedido 1), tendo o Tribunal negado tal pretensão por considerar estarmos perante documentos nominativos sem que a Requerente demonstrasse assistir-lhe o direito de acesso nos termos do n.º 5 do artigo 6.º da LADA.
Atenta a diferenciação impõe-se considerar que a respeito do direito à informação procedimental – portanto, considerando-se aqui os documentos abrangidos pelo pedido 1 relativos aos procedimentos de contra-ordenação e processos disciplinares em curso (informação procedimental) - dispõe-se no artigo 82.º do CPA que “[o]s interessados têm o direito de ser informados pelo responsável pela direção do procedimento, sempre que o requeiram, sobre o andamento dos procedimentos que lhes digam diretamente respeito, bem como o direito de conhecer as resoluções definitivas que sobre eles forem tomadas” (n.º 1) e que “[as] informações a prestar abrangem a indicação do serviço onde o procedimento se encontra, os atos e diligências praticados, as deficiências a suprir pelos interessados, as decisões adotadas e quaisquer outros elementos solicitados” (n.º 2).
Prevê-se, ainda, no n.º 1 do art.º 83.º do CPA que os “interessados têm o direito de consultar o processo que não contenha documentos classificados ou que revelem segredo comercial ou industrial ou segredo relativo à propriedade literária, artística ou científica”. De acordo com o n.º 2 deste preceito, esse direito abrange os documentos relativos a terceiros, mas “sem prejuízo da proteção dos dados pessoais nos termos da lei”. E por fim, o n.º 3 determina que os “os interessados têm o direito, mediante o pagamento das importâncias que forem devidas, de obter certidão, reprodução ou declaração autenticada dos documentos que constem dos processos a que tenham acesso.”.
No artigo 84.º, n.º 1 do CPA impõe-se aos serviços competentes a obrigação de passar aos interessados, certidão, reprodução ou declaração autenticada de documentos de que constem, consoante o pedido, todos ou alguns dos seguintes elementos:
a) Data de apresentação de requerimentos, petições, reclamações, recursos ou documentos semelhantes;
b) Conteúdo dos documentos referidos na alínea anterior ou pretensão nestes formulada;
c) Andamento que tiveram ou situação em que se encontram os documentos a que se refere o n.º 1;
d) Resolução tomada ou falta de resolução.
Dever esse que não abrange os documentos classificados ou que revelem segredo comercial ou industrial ou segredo relativo à propriedade literária, artística ou científica (n.º 2).
Acrescente-se, ainda, que nos termos do n.º 3 do artigo 6.º da LADA, prevê-se que o acesso aos documentos administrativos preparatórios de uma decisão ou constantes de processos não concluídos pode ser diferido até à tomada de decisão, ao arquivamento do processo ou ao decurso de um ano após a sua elaboração, consoante o evento que ocorra em primeiro lugar.
A respeito do conceito de interessados dispõe-se no n.º 1 do artigo 68.º do CPA que “têm legitimidade para iniciar o procedimento ou para nele se constituírem como interessados os titulares de direitos, interesses legalmente protegidos, deveres, encargos, ónus ou sujeições no âmbito das decisões que nele forem ou possam ser tomadas, bem como as associações, para defender interesses coletivos ou proceder à defesa coletiva de interesses individuais dos seus associados que caibam no âmbito dos respetivos fins”.
No Ac. do STA de 1.2.2017, proferido no processo 0991/16 (disponível em https://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/e2bee0b251c1d015802580c0004d7ade?OpenDocument) entendeu-se que,
“os titulares do «direito à informação procedimental» são apenas os «cidadãos directamente interessados» num procedimento administrativo [direito à informação uti singuli] […] pressupõe a existência de uma relação procedimental concreta entre a administração e o particular passível de vir a ser afectado, directamente, pela decisão a tomar; […]
Os seus titulares ou são interessados directos [artigo 61º do CPA], ou seja, administrados que desencadearam o processo ou contra quem ele foi desencadeado, ou são interessados indirectos, ou seja, qualquer cidadão que demonstre ter interesse legítimo em aceder à informação em causa [artigo 64º do CPA - ver artigo 2º, nº4, da Lei nº46/2007, de 24.08 - LADA].
Este direito de acesso «à informação procedimental» tutela, assim, a posição do administrado enquanto sujeito do procedimento administrativo ou enquanto sujeito por ele de alguma forma afectado, e consubstancia-se num conjunto de direitos instrumentais, nomeadamente o direito a obter informações, o direito a consultar processos e o direito à passagem de certidões.”
Também no Ac. do STA de 25.3.2015, proferido no processo 0179/15 (disponível em https://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/7594d8173a58c83480257e2900450eed?OpenDocument), se sumariou que “[o] direito à informação procedimental só existe na titularidade de quem intervenha no procedimento ou disponha de um interesse legítimo no seu desenvolvimento e desfecho”.
Explicitando-se no Ac. deste TCA Sul de 27.2.2020, proc. 2232/18.6BELSB (in https://www.dgsi.pt/jtca.nsf/170589492546a7fb802575c3004c6d7d/ddeeed2aa04b093a8025851c0033bba9?OpenDocument) que “dispõem de legitimidade procedimental, para além dos particulares que tomaram a iniciativa de solicitar a abertura do procedimento, “todos aqueles que poderão ser afetados pelas decisões que venham a ser nele adotadas” (assim defendem Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, ob. cit., p. 868).
No que se refere à extensão do direito à informação estabelecida no art.º 85.º do CPA, impera esclarecer que não se exige um interesse “direto”, que permita ao interessado intervir no procedimento ou impugnar um ato administrativo, mas um mero interesse legítimo no acesso aos documentos. “Como interesse legítimo, deve entender-se um interesse específico atendível, que deverá ser avaliado casuisticamente (…), dentro de critérios de razoabilidade, em função da relação existente entre o requerente e a matéria sobre a qual ele pretendeu obter informação” (Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, ob. cit., p. 869, sendo que também milita neste mesmo sentido José Carlos Vieira de Andrade, ob. cit., p. 252).”
Refira-se a este respeito que, para o efeito do exercício do direito à informação procedimental, no artigo 8.º, n.º 2 do Estatuto dos Jornalistas (doravante EJ) prevê-se que “[o] interesse dos jornalistas no acesso às fontes de informação é sempre considerado legítimo”. Dispondo-se no número 3 desse normativo que “[o] direito de acesso às fontes de informação não abrange os processos em segredo de justiça, os documentos classificados ou protegidos ao abrigo de legislação específica, os dados pessoais que não sejam públicos dos documentos nominativos relativos a terceiros, os documentos que revelem segredo comercial, industrial ou relativo à propriedade literária, artística ou científica, bem como os documentos que sirvam de suporte a actos preparatórios de decisões legislativas ou de instrumentos de natureza contratual”.
Da conjugação do artigo 85.º, n.º 1 do CPA com o artigo 8.º, n.º 2 do EJ, decorre que, no que respeita ao acesso a informação procedimental, se considera, para o efeito da extensão do direito à informação procedimental, que os jornalistas são detentores de um interesse legítimo no acesso às fontes de informação.
Beneficiando os jornalistas deste regime especial, e tendo a Requerente alegado a necessidade de obtenção de informação para o regular exercício da profissão de jornalista, entende-se que, para efeitos deste artigo 85.º, n.º 1 do CPA conjugado com o artigo 8.º, n.º 2 do EJ, dispõe de legitimidade no acesso a informação procedimental. Contudo, por força do n.º 3 do artigo 8.º do EJ e do artigo 83.º, n.º 2 do CPA, os jornalistas não deixam de estar sujeitos às restrições de acesso que se encontrem legalmente previstas, incluindo as respeitantes à proteção de dados pessoais o que, por força do disposto no artigo 26.º da Lei n.º 58/2019, de 8 de agosto (LPDP, Lei de Proteção de Dados Pessoais), determina a aplicação (também ao direito de informação procedimental) do artigo 6.º da Lei n.º 26/2016, de 22 de agosto (LADA, Lei de Acesso aos Documentos Administrativos).
Quanto à pretensão de consulta e obtenção de cópia dos documentos relativos aos procedimentos, já findos, que tenham sido desenvolvidos pela CCPJ no âmbito das suas competências em matéria de processos de contraordenação e processos disciplinares (pedido 1), situamo-nos no seio do exercício do direito à informação não procedimental, regulado pelo art.º 17.º do CPA e 5.º da Lei n.º 26/2016, de 22 de agosto, em que se dispensa a invocação ou demonstração de qualquer interesse relevante no acesso às informações ou documentos em causa.
O direito de informação não procedimental - direito de acesso aos arquivos e registos administrativos constitucionalmente –, tal como o direito à informação procedimental, não é um direito absoluto. Antes se encontra sujeito a restrições e limitações, previstas quer na Constituição, que no n.º 2 do seu artigo 268.º as identifica como relativas à segurança interna e externa, à investigação criminal e à intimidade das pessoas, quer na lei ordinária, designadamente no regime de acesso à informação administrativa e ambiental e de reutilização dos documentos administrativos (LADA).
A este respeito recorda-se que, consagrando a lei o princípio da administração aberta (art.º 268.º, n.º 2 da CRP, artigo 5.º da LADA) e dado que “o direito à informação, de resto, vem sendo considerado como um direito fundamental cujo sacrifício só tem justificação quando confrontado com direitos e valores constitucionais de igual ou de maior valia, como são, por ex., os relativos à segurança interna e externa, à investigação criminal e à reserva da intimidade das pessoas (de resto excepcionados na norma constitucional) ou quando a recusa de informação se funde num dever funcional legalmente previsto como é, por ex., os casos do segredo de justiça, do segredo da correspondência ou da confidencialidade fiscal”, “isto não significa que os órgãos das referidas entidades estão obrigados, em todos os casos, a facultar a documentação que lhes é solicitada pois que a recusa a esse acesso é admissível sempre que daí possa resultar o seu uso ilegítimo - seja porque põe em causa segredos comerciais, industriais, ou sobre a vida interna das empresas, seja porque pode significar o desrespeito dos direitos de autor, dos direitos de propriedade industrial, seja porque possam conduzir a práticas de concorrência desleal (…). Importa, porém, precisar que a justificação destas restrições deve fazer-se com observância dos mencionados princípios, por eles estarem subjacentes a toda a actividade administrativa, e elas só serem legítimas se não se traduzirem numa injustificada denegação do direito à informação (vd. n.º 6 daquele art.º 6.º). O que significa que, também aqui, tanto o Requerente da informação como o órgão a quem ela é pedida devem agir segundo os princípios da boa-fé, da justiça, da proporcionalidade e da adequação tendo sempre em atenção que a prossecução do interesse público deve fazer-se no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos interessados (vd. art.º 4.º do CPA).” (Ac. do STA de 20.1.2010, proc. 01110/09, in https://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/a96d67ba5c044d15802576b7004cd444?OpenDocument).
A problemática em causa nos autos situa-se, portanto, na qualificação dos documentos (informação procedimental e não procedimental), cuja consulta é requerida, como nominativos.
No artigo 6.º da LADA, epigrafado “Restrições ao direito de acesso”, e no que aos autos releva, dispõe-se,
5 - Um terceiro só tem direito de acesso a documentos nominativos:
a) Se estiver munido de autorização escrita do titular dos dados que seja explícita e específica quanto à sua finalidade e quanto ao tipo de dados a que quer aceder;
b) Se demonstrar fundamentadamente ser titular de um interesse direto, pessoal, legítimo e constitucionalmente protegido suficientemente relevante, após ponderação, no quadro do princípio da proporcionalidade, de todos os direitos fundamentais em presença e do princípio da administração aberta, que justifique o acesso à informação.
8 - Os documentos administrativos sujeitos a restrições de acesso são objeto de comunicação parcial sempre que seja possível expurgar a informação relativa à matéria reservada.
9 - Sem prejuízo das ponderações previstas nos números anteriores, nos pedidos de acesso a documentos nominativos que não contenham dados pessoais que revelem a origem étnica, as opiniões políticas, as convicções religiosas ou filosóficas, a filiação sindical, dados genéticos, biométricos ou relativos à saúde, ou dados relativos à intimidade da vida privada, à vida sexual ou à orientação sexual de uma pessoa, presume-se, na falta de outro indicado pelo requerente, que o pedido se fundamenta no direito de acesso a documentos administrativos.
Assim, entre as restrições ao direito de acesso encontra-se a constante do n.º 5 do artigo 6.º da LADA quanto aos documentos nominativos.
No que respeita aos documentos nominativos, na al. b) do n.º 1 do artigo 3.º da citada Lei, este define-se como “o documento que contenha dados pessoais, na aceção do regime jurídico de proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados”. Remetendo, assim, para o Regulamento (UE) n.º 679/2016, de 27/4, que no seu artigo 4.º, os define como «1) Dados pessoais», informação relativa a uma pessoa singular identificada ou identificável («titular dos dados»); é considerada identificável uma pessoa singular que possa ser identificada, direta ou indiretamente, em especial por referência a um identificador, como por exemplo um nome, um número de identificação, dados de localização, identificadores por via eletrónica ou a um ou mais elementos específicos da identidade física, fisiológica, genética, mental, económica, cultural ou social dessa pessoa singular».
Sendo que no artigo 26.º da Lei 58/2019, de 8 de agosto dispõe-se que o acesso a documentos administrativos que contenham dados pessoais rege-se pelo disposto na Lei n.º 26/2016, de 22 de agosto. Pelo que, da conjugação da al. b) do n.º 1 do artigo 3.º da LADA com o artigo 4.º 1) do RGPD, resulta de forma expressa que, opostamente à posição da A./Recorrente, o simples nome de uma pessoa e números de identificação são elementos identificadores de uma pessoa singular e, como tal, integrantes do conceito de dados pessoais. Não consubstanciando apenas dados pessoais, como pretende a A./Recorrente, “os aspectos relativos aos sentimentos e convicções da pessoa, aos seus comportamentos íntimos e sexuais, a características físicas e psicológicas, em geral a tudo o que ocorre dentro de casa e que a pessoa em causa pretende manter secreto ou reservado apenas a uma única pessoa ou a um número muito restrito de pessoas”.
Recorda-se, aliás que já abrigo da revogada Lei 67/98, de 26/10, se entendeu no Ac. deste TCA Sul de 4.5.2017, proferido no processo 2937/16.6BELSB (in https://www.dgsi.pt/jtca.nsf/170589492546a7fb802575c3004c6d7d/f10b04d65e9975b28025812300515d9e?OpenDocument) que,
«Dado pessoal é, portanto, a informação que identifica uma pessoa singular directa ou indirectamente, como ocorre, desde logo, com o nome, neste sentido se tendo pronunciado designadamente:
- Alexandre Sousa Pinheiro, A protecção de dados no novo Código do Procedimento Administrativo, in Comentários ao novo Código do Procedimento Administrativo, Coordenação de Carla Amado Gomes, Ana Fernanda Neves e Tiago Serrão, Volume I, 3ª Edição, 2016, págs. 346 [“A natureza de uma informação como dado pessoal extrai-se, unicamente, da relação entre a CRP e a LPD, ou, de uma forma mais clara, do art.º 3.º, alínea a), da LPD.”] e 347 [“Com base nesta disposição (3), o conceito de dados pessoais abrange uma pluralidade de informação pessoal que pode variar do nome à informação genética.” (sublinhado e sombreado nossos)];
- Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, 2005, pág. 379 [“Cabem assim neste conceito de dados pessoais, dados ou elementos informativos da mais variada natureza (sinais ou elementos de natureza não convencional, ou convencional, como é o nome da pessoa, dados de natureza biométrica, de que fazem parte a identificação da retina, das impressões digitais, e da geometria da mão, dados genéticos, entre tantos outros)” (sublinhado e sombreado nossos)];
- Catarina Sarmento e Castro, in Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, Comentada, Coordenada por Alessandra Silveira e Mariana Canotilho, 2013, pág. 122, em anotação ao art. 8º [“Deste modo, e a título meramente exemplificativo, são dados pessoais, para além do nome ou da morada, outros dados de identificação como o número de identificação civil, de passaporte, da segurança social, de contribuinte, ou de cliente de um estabelecimento comercial, assim como o número de telefone, o e-mail, o IP do nosso computador, uma chapa de matrícula, o valor de uma retribuição, o som da voz registada para permitir o acesso a uma conta bancária, as classificações escolares e curriculum, a história clínica, as dívidas e créditos, as compras que alguém efetua, o registo dos meios de pagamento que utiliza, desde que, por estarem associados a uma pessoa, permitam identificá-la. É também o caso de uma impressão digital, de uma imagem biométrica do rosto, de uma imagem recolhida através do uso de uma câmara, como nos casos da videovigilância, ou de um conjunto de fotografias divulgadas na internet.” (sublinhado e sombreado nossos)];
- o Manual da Legislação Europeia sobre Proteção de Dados, Agência dos Direitos Fundamentais da União Europeia e Conselho da Europa, 2014, in fra.europa.eu/sites/default/ files/fra-2014-handbook-data-protection-pt.pdf [no qual, a pág. 40, refere-se o seguinte: “Nos termos do direito da UE, bem como nos termos do direito do CdE (4), considerase que as informações contêm dados sobre uma pessoa se:
• essa pessoa estiver identificada nessas informações; ou
• essa pessoa, embora não esteja identificada, estiver descrita nestas informações de forma que permita descobrir quem é a pessoa em causa efetuando pesquisas adicionais.
Ambos os tipos de informações são protegidos da mesma forma na legislação europeia sobre proteção de dados. O TEDH tem afirmado repetidamente que o conceito de «dados pessoais» é o mesmo na CEDH e na Convenção 108, especialmente no que respeita à exigência de serem relativos a pessoas singulares identificadas ou identificáveis.
As definições legais de dados pessoais não esclarecem em que casos se considera que uma pessoa está identificada. Evidentemente, a identificação exige elementos que descrevam uma pessoa de forma a distingui-la de todas as outras e de a tornar reconhecível enquanto indivíduo. O nome de uma pessoa é um exemplo perfeito desse tipo de elementos descritivos. Em casos excecionais, outros elementos de identificação poderão produzir o mesmo efeito que um nome. Por exemplo, no caso das figuras públicas, poderá ser suficiente mencionar o cargo da pessoa (por ex., Presidente da Comissão Europeia).” (sublinhado e sombreado nossos)];
- o Parecer 4/2007 adoptado sobre o conceito de dados pessoais, pelo Grupo de Trabalho de Protecção de Dados da União Europeia (cfr. art. 29º, da Directiva n.º 95/46/CE), in http://www.gpdp.gov.mo/uploadfile/others/wp136_pt.pdf [no qual, a pág. 13, refere-se o seguinte: “Relativamente às pessoas “directamente” identificadas ou identificáveis, o nome da pessoa é, de facto, o identificador mais comum e, na prática, a noção de “pessoa identificada” implica na maioria das vezes a referência ao seu nome.”].»
E foi nesse sentido que o Tribunal a quo concluiu, ou seja, que por estarmos perante documentos relativos a processos de contraordenação e processos disciplinares, “as informações almejadas contêm nomes, números de identificação (como números de carteira profissional)” e, como tal, “consubstanciam documentos nominativos, na aceção da alínea b) do n.° 1 do artigo 3.° da Lei n.° 26/2016, de 22 de agosto, na sua redação atual (LADA)” (fls. 20 da sentença).
Como de resto, e contrariamente à leitura da Recorrente, também se considerou no Ac. deste TCA Sul de 29.6.2023, proferido no processo 894/22.9BELSB (in https://www.dgsi.pt/jtca.nsf/170589492546a7fb802575c3004c6d7d/7fee1ea5082232cc802589e8003358fe?OpenDocument), assumindo-se que os documentos relativos a um procedimento de averiguações “contenham dados que permitam identificar, pelo menos, o participante/queixoso/ informador e o Magistrado visado”, que “à luz da noção de documento nominativo como documento administrativo que contém dados pessoais, nos termos do artigo 4.º, n.º 1 do RGPD, leva a concluir que os documentos referentes ao procedimento de averiguações em referência nos autos são nominativos”.
O que sucede é que, tal como se entendeu nesse Acórdão, o “artigo 6º nº 9 excepciona as restrições impostas no nº 5 ao acesso de documentos nominativos, presumindo que o pedido de informação formulado se fundamenta no direito de acesso a documentos administrativos quando os documentos nominativos [por conterem dados pessoais nos termos do RGPD] não contenham dados pessoais que revelem a origem étnica, as opiniões políticas, as convicções religiosas ou filosóficas, a filiação sindical, dados genéticos, biométricos ou relativos à saúde, ou dados relativos à intimidade da vida privada, à vida sexual ou à orientação sexual de uma pessoa.
O mesmo é dizer que nas situações em que o pedido de informação visa obter o acesso a documentos que ainda que nominativos nos termos do RGPD, não se prendam com qualquer destas concretas vertentes da vida privada do titular dos dados pessoais, presume-se que está apenas em causa o acesso a documentos administrativos, o qual, nos termos do artigo 5º da LADA, é livre ou não sujeito a restrições.
[…] De referir que o nº 9 do artigo 6º da LADA foi aditado pelo artigo 65º desta Lei da Protecção de Dados Pessoais, permitindo inferir que o legislador estava[está] consciente que o alargamento dos documentos nominativos a todos aqueles que contêm dados pessoais susceptíveis de identificar ou permitir identificar um individuo, ainda que no exercício de funções públicas ao abrigo da legislação aplicável, redundaria, em matéria de acesso a informação não procedimental, em substituir a regra do direito de livre acesso por todos os administrados, pela excepção, consubstanciada nas restrições enunciadas no artigo 6º, mormente no seu nº 5, pondo em causa o exercício do princípio da administração aberta, a transparência da actuação da Administração e o respectivo controlo.
[…] até porque as situações indicadas no referido nº 9 já eram aquelas que a jurisprudência [bem como a CADA], referida na sentença, na concretização dos conceitos indeterminados que consubstanciavam as restrições previstas nos artigos 268.º, nº 2 da CRP e 17º, nº 1 do CPA ao direito fundamental de acesso à informação não procedimental, elencavam como matéria confidencial por a sua divulgação poder traduzir-se numa invasão da vida privada pessoas identificadas ou identificáveis nos documentos em referência.”.
Ou seja, não está em causa que os documentos cuja consulta é pretendida não correspondam a documentos nominativos nos termos da al. b) do n.º 1 do artigo 3.º da LADA, mas sim aferir se a entidade administrativa que recebeu o pedido da Requerente e conhece o teor dos documentos, sabendo ou podendo verificar se respeitam (ou não) a origem étnica, opiniões políticas, convicções religiosas ou filosóficas, filiação sindical, dados genéticos, biométricos ou relativos à saúde, ou dados relativos à intimidade da vida privada, à vida sexual ou à orientação sexual de uma pessoa, titular/es dos dados pessoais neles constantes, afastou a presunção do n.º 9 do artigo 6.º da LADA de estarmos perante documentos administrativos.
Em caso afirmativo atuam as restrições previstas no n.º 5 do artigo 6.º da LADA, ou seja, o acesso por terceiros aos documentos nominativos dependerá de estar munido de autorização escrita do titular dos dados que seja explícita e específica quanto à sua finalidade e quanto ao tipo de dados a que quer aceder [al. a)] ou de “demonstrar fundamentadamente ser titular de um interesse direto, pessoal, legítimo e constitucionalmente protegido suficientemente relevante, após ponderação, no quadro do princípio da proporcionalidade, de todos os direitos fundamentais em presença e do princípio da administração aberta, que justifique o acesso à informação” [al. b)].
Contudo, o disposto no n.º 9 do artigo 6.º da LADA não significa que, não afastando a Entidade Requerida a presunção ali estabelecida assista ao requerente o direito de acesso irrestrito a tais documentos, quando se verifique que, efetivamente, contêm (ainda que outros) dados pessoais.
É que o n.º 9 do artigo 6.º não deixa de impor um juízo de ponderação – “sem prejuízo das ponderações previstas nos números anteriores”. Ou seja, contendo os documentos dados pessoais na aceção da al. b) do artigo 3.º da LADA tais documentos não deixam, nessa parte, de constituir documentos nominativos e, nesse sentido, o direito de acesso deve ser sempre ponderado com a proteção dos dados pessoais em causa nos documentos administrativos.
Acompanhando-se aqui o Parecer da CADA n.º 52/2025, proferido no processo n.º 1333/2024 (in https://www.cada.pt),
“11. Esse direito deve ser ponderado com a proteção dos dados pessoais em causa nos documentos administrativos, devendo, após essa ponderação, serem facultados apenas os dados pessoais que sejam estritamente necessários ao conhecimento e controlo da atividade administrativa, procedendo-se ao expurgo dos que se mostrem desnecessários a esse controlo (cfr. artigo 6.º, n.º 8, da LADA).
12.Assim, apesar de para as matérias não especificadas no artigo 6.º, n.º 9, da LADA, em termos de ponderação, haver menor exigência de razões tendo em conta os pressupostos do direito de acesso a documentos administrativos e o tipo de dados pessoais em causa (não sensíveis), elas não são totalmente dispensadas.”
Acrescente-se que, tal como se deu nota no já citado Ac. deste TCA Sul de 13.4.2023, proferido no processo 3381/22.1BELSB, dado que nos termos do artigo 5.º, n.º 1 da LADA, “todos, sem necessidade de enunciar qualquer interesse, têm direito de acesso aos documentos administrativos, o qual compreende os direitos de consulta, de reprodução e de informação sobre a sua existência e conteúdo”, cabe à entidade requerida fundamentar a recusa de acesso ao documento [artigo 15.º, n.º 1 al. c) da LADA], para o que «não basta invocar a restrição, pertencendo-lhe o ónus de o fazer de forma consubstanciada, isto é, exteriorizando os motivos que permitem preencher os conceitos das previsões normativas que contemplam a excepção, sob pena de não ser possível sindicar a correcção da sua decisão».
Ou seja, a recusa de acesso «deverá fazer-se “(…) sempre de um modo fundamentado, isto é, não poderá, simplesmente, referir que o conhecimento dessa documentação por parte de um requerente bole com determinado tipo de valores. Haverá, pois, que indicar o "porquê" dessa decisão, que o mesmo é dizer que haverá que apontar os motivos pelos quais tal revelação, se fosse feita, afetaria esses valores. Mais: essa fundamentação há-de ser de molde a permitir ao requerente conhecer não só os pressupostos em que assentou o (hipotético) ato de denegação do acesso, bem como aquilatar se foram (ou não) cumpridas as normas do procedimento administrativo, se a decisão reflete (ou não) a exatidão material dos factos, se houve (ou não) erro manifesto de apreciação e se existiu (ou não) desvio de poder. Em suma, a fundamentação deverá revelar, de forma clara e inequívoca, a argumentação da entidade requerida e autora do ato e, a montante, os pressupostos em que radicou por forma a permitir ao requerente conhecer as razões da medida adotada» (Ac. do TCA Sul de 24.2.2016, proferido no processo 12672/15, in https://www.dgsi.pt/jtca.nsf/170589492546a7fb802575c3004c6d7d/ed49d1b44cfaa65680257f720034a6ea?OpenDocument).
Sem prejuízo, tal como se entendeu nos Acórdãos deste TCA Sul de 26.1.2023 e de 13.4.2023, proferidos, respetivamente, no âmbito dos processos n.º 1375/22.6BELSB e 3381/22.1BELSB, em situações em que, ainda que deficientemente cumprida pela Entidade Requerida a obrigação de fundamentar a restrição ao direito de acesso à informação, se verifique com certeza que a informação solicitada contém dados nominativos, impor-se-á, para garantia e compatibilização de todos os interesses envolvidos, que o Tribunal a quo notifique a entidade requerida no sentido de explicitar e concretizar relativamente a cada um dos documentos as razões para a respetiva recusa de acesso. Cabendo posteriormente ao Tribunal a quo, em face conhecimento das razões concretamente invocadas para a recusa de acesso a cada um dos documentos em questão, apreciar do mérito das mesmas, para o efeito de determinar se, efetivamente, as mesmas se verificam, se o requerente dispõe de legitimidade no acesso às mesmas nos termos dos n.º 5 e/ou 6 do artigo 6.º e se pode, e em que medida, haver lugar à comunicação parcial nos termos do n.º 8 do artigo 6.º da LADA.
Ora, como resulta do facto provado 3 (vindo a ser reiterado na resposta à petição inicial), verifica-se que a Requerida recusou o acesso à informação porque “os documentos a que pretende aceder contêm, praticamente no seu todo, informação relativa a jornalistas, apreciações e ou juízos de valor sobre estes e, ainda outros dados suscetíveis de pôr em causa o seu bom nome e reputação e a reserva da intimidade da vida privada”, sustentando quanto ao pedido 1 que,
“w. São avaliações de alegadas ou eventuais violações de deveres e ou incompatibilidades por parte de jornalistas que incluem as razões que levaram, por exemplo, à apresentação de queixas, denúncias e ou participações, também estas repletas de dados nominativos sobre os denunciantes.
x. Documentos que contém necessariamente apreciações de juízos de valor sobre os jornalistas, que em muitos casos revelam aspetos do seu foro privado (além do foro privado dos denunciantes), pelo que o seu conhecimento por terceiro viria a traduzir-se numa clara violação da reserva da intimidade da sua vida privada.”
Ora, a circunstância de estar em causa a imputação de violações aos deveres profissionais e/ou incompatibilidades, formulando-se juízos de valor a respeito dos visados e das respetivas condutas, é insuficiente para que se possa considerar afastada a presunção do n.º 9 do artigo 6.º da LADA. Como, ademais, afirmar que os documentos contêm aspetos do foro privado dos visados ou dos denunciantes/queixosos nada diz quanto a que elementos são esses que possibilitasse a concretização da restrição de acesso.
Com efeito, ainda que se esteja no âmbito de procedimentos de natureza sancionatória, em que os documentos conterão a imputação de factos - e a formulação de juízos quanto à conduta dos visados - que seriam suscetíveis de configurar ou efetivamente assim foram considerados ilícitos disciplinares ou contraordenacionais, daí não resulta, muito menos com elevado grau de evidência, que os documentos em causa – todos eles ou alguns – contenham elementos que “revelem a origem étnica, opiniões políticas, convicções religiosas ou filosóficas, filiação sindical, dados genéticos, biométricos ou relativos à saúde, ou dados relativos à intimidade da vida privada, à vida sexual ou à orientação sexual de uma pessoa”, em termos que afastassem a presunção de estar apenas em causa o acesso a documentos administrativos.
O que se deteta é que a R./Recorrida se ancora na mera natureza sancionatória dos procedimentos a que os documentos respeitam como fundamento da recusa sem sequer ter procedido à análise dos procedimentos, aferindo o que ali está em causa, para o efeito de explicitar e concretizar relativamente a cada um deles as razões para a respetiva recusa de acesso.
Acresce que atenta a multiplicidade de circunstâncias que podem constituir ilícitos disciplinares ou contraordenacionais em matéria do exercício da profissão de jornalista, não é possível alcançar com certeza que os documentos revelem o tipo de dados pessoais a que se refere o n.º 9 do artigo 6.º da LADA, designadamente para o efeito de determinar a notificação da Requerida à concretização das razões da recusa.
Contudo, sendo certo a R./Recorrida não afastou a presunção do n.º 9 do artigo 6.º da LADA, daí não resulta que à A./Recorrente assista o direito de acesso ao teor, pelo menos, integral, da documentação em causa. Desde logo, porque o n.º 9 do artigo 6.º da LADA não afasta as ponderações previstas, além do mais, na al. b) do n.º 5.º e no n.º 8 desse normativo.
Com efeito, é que se mostra inegável que a documentação respeitante a processos disciplinares e contraordenacionais conterá dados pessoais dos sujeitos por eles visados ou abrangidos, designadamente nomes, moradas, números de identificação, que assumem natureza nominativa e relativamente aos quais a Requerente/Recorrente não apresenta qualquer justificação que possa preponderar no acesso a tais dados pessoais.
É aqui que alinhamos com a sentença proferida, não para negar o direito da A./Recorrente a aceder in totum à documentação em causa como fez o Tribunal a quo, mas sim para, no quadro da ponderação dos direitos e interesses em presença, assegurar a salvaguarda dos dados pessoais contidos na documentação requerida.
Ora, reconhece-se que, em termos de ponderação, haverá menor exigência de razões por não estarem em causa dados pessoais sensíveis (como os elencados no n.º 9 do artigo 6.º da LADA), contudo, como deu nota o Tribunal a quo a A./Recorrente limitou-se a sustentar “a necessidade de obtenção de informação para o regular exercício da profissão de jornalista”, vindo, em sede de recurso, aduzir assistir-lhe um interesse resultante da circunstância de agir no exercício da liberdade de imprensa, respeitando os documentos a entidade que atua no âmbito da imprensa e jornalismo e não se limitar essa legitimidade à existência de um “alvo noticioso”.
Ou seja, verdadeiramente para além de indicar a sua qualidade profissional (jornalista), não invoca qualquer motivo que releve para que lhe seja concedido acesso a dados pessoais contidos na informação procedimental e não procedimental em causa, como os respeitantes a nomes, morada, números de identificação e outros elementos identificativos dos sujeitos (arguido, participantes, denunciantes, queixosos) de cada um dos procedimentos disciplinares e contraordenacionais em causa.
Não se trata, como alega a Recorrente de lhe ser exigido um “alvo noticioso”, mas sim de, atenta a necessidade de ponderação dos interesses envolvidos, se recolher a concretização do interesse noticioso que possibilitaria considerar a relevância e preponderância do acesso a tais dados, o que não se basta com a alegação de estar no exercício da liberdade de imprensa e a entidade requerida atuar nos domínios da imprensa e do jornalismo, pois que nada se adianta quanto à específica atendibilidade do seu interesse.
É certo que o direito de acesso à informação integra o núcleo essencial da liberdade de imprensa [artigo 38.º, n.ºs 1 e 2, alínea b), da Constituição da República Portuguesa], constituindo direito fundamental dos jornalistas [artigos 2.º e 22.º, alínea b), da Lei de Imprensa, e artigo 6.º, alínea b), do Estatuto do Jornalista]. O que significa que, enquanto princípio geral, os jornalistas têm, no desempenho da sua atividade, e em razão desta, liberdade de acesso às fontes de informação necessárias à realização do direito à informação, o que inclui o direito de se informar e de ser informado. Todavia, a extensão e o modo de exercício do conjunto de faculdades compreendidas no direito de acesso à informação não é absoluta, nem ilimitada, encontrando-se, designadamente, vinculada ao respeito das normas jurídicas que regem o direito à informação administrativa. Incluindo, portanto, os normativos legais que salvaguardam a proteção de dados pessoais de terceiros.
Assim sendo, a mera circunstância de a requerente da informação ser jornalista e alegar a necessidade da informação para o exercício da profissão é insuficiente para se considerar a relevância, designadamente para o controlo de legalidade da atuação administrativa, no acesso a dados pessoais contidos nos documentos abrangidos pelo pedido 1, os quais, devem, portanto, ser objeto de expurgo, nos termos do disposto no artigo 6.º, n.º 8, da LADA.
A R./Recorrida sustenta a impossibilidade de expurgo da informação relativa à matéria reservada nos termos do n.º 8 do artigo 6.º da LADA. Contudo, o que se constata é que afirma conclusivamente essa impossibilidade de expurgo, reconduzindo-a ao caráter sancionatório dos procedimentos, sem, contudo, concretizar os factos de onde se poderia extrair essa impossibilidade.
Acrescente-se que, como dissemos, para além do que à evidência resulta quanto ao que são os dados pessoais contidos na documentação abrangida pelo pedido 1 – ou seja, os elementos de identificação dos sujeitos dos procedimentos sancionatórios -, a Requerida/Recorrida não demonstrou que estes contivessem outro tipo de dados pessoais de natureza sensível. Pelo que não se afigura que o expurgo de tais dados se mostre difícil ou torne incompreensível a documentação requerida.
O que significa, portanto, que assistirá à Requerente/Recorrente o direito de consulta e obtenção de cópia dos documentos relativos aos procedimentos, em curso e já findos, que tenham sido desenvolvidos pela CCPJ no âmbito das suas competências em matéria de processos de contraordenação e processos disciplinares, expurgados dos dados pessoais identificativos dos sujeitos nos mesmos envolvidos (pedido 1).

Quanto ao pedido de “consulta e obtenção de cópia digital ou em outro formato, eventualmente expurgando as partes sob reserva (…), da totalidade de documentos considerados como "Recomendações" pelo Secretariado da CCPJ emitidas desde a sua fundação em 1995 até à presente data” (pedido 2), verifica-se que o Tribunal a quo considerou que, porque “[a]s recomendações emitidas pela entidade requerida consubstanciam documentos de matriz opinativa emitidos ao abrigo das suas competências legais, de modo a assegurar o cumprimento dos deveres profissionais dos jornalistas, pelo que, tais recomendações corporizam, inevitavelmente, opiniões ou juízos de valor dirigidos a destinatários identificados ou identificáveis, nomeadamente apelando aos jornalistas alvos dos pareceres que adotem (ou se abstenham) um determinado comportamento”, tratando-se de “documentos que respeitam a pessoa identificada ou identificável”, estamos perante documentos nominativos, na aceção da alínea b) do n.° 1 do artigo 3.° da LADA, passando daí a fazer recair sobre a Requerente o ónus de demonstrar ter direito de acesso ao abrigo das als. a) e b) do n.º 5 do artigo 6.º da LADA, que entendeu não se verificar.
A este respeito a Entidade Requerida fundamenta a recusa na circunstância de estarmos “perante elementos que levam a que os jornalistas visados pelas recomendações possam ser identificáveis. Além de levarem à identificação dos denunciantes, queixosos e ou participantes” e que, estando em causa assegurar o cumprimento dos deveres profissionais dos jornalistas, as recomendações, porque “transmitem um juízo de valor e que consubstanciam um apelo ao jornalista para que adote determinada atitude, contêm diversos elementos cuja probabilidade de terceiros identificarem, através da conjugação da informação, a identidade do(s) visado(s) na recomendação é muita elevada”.
Só que esta alegação é patentemente genérica, sequer se adiantando que elementos são esses, contidos nas “Recomendações”, que seriam suscetíveis de identificar os visados por aqueles. Será o nome? O número de carteira de jornalista? Serão dados pessoais que “revelem a origem étnica, as opiniões políticas, as convicções religiosas ou filosóficas, a filiação sindical, dados genéticos, biométricos ou relativos à saúde, ou dados relativos à intimidade da vida privada, à vida sexual ou à orientação sexual de uma pessoa”? E essa possibilidade de identificação verifica-se em todas as recomendações emitidas? É que, na realidade, as recomendações, consistindo em soft law administrativo, nem sempre se dirigem especificadamente a sujeitos determinados, antes podendo ser orientadas para a generalidade de jornalistas, equiparados a jornalistas, correspondentes e colaboradores da área informativa dos órgãos de comunicação social (veja-se, exemplificativamente, a “Recomendação Secretariado da CCPJ - Estágio profissional deverá ser orientado por jornalistas que exercem funções nos órgãos onde decorrem os estágios” disponível em https://www.ccpj.pt/pt/deliberacoes/comunicados/recomendacao-secretariado-da-ccpj-estagio-profissional-devera-ser-orientado-por-jornalistas-que-exercem-funcoes-nos-orgaos-onde-decorrem-os-estagios/).
In casu a Requerida, omitindo o seu dever de consubstanciação dos fundamentos da recusa, nada diz ou concretiza. Limita-se a retirar do objeto que, em abstrato, as recomendações poderão ter a sua suscetibilidade de conterem dados pessoais.
É certo que o Secretariado é um órgão permanente de competência delegada, responsável por despachar processos de emissão, renovação, suspensão e cassação de títulos profissionais, contudo, opostamente ao que sucede relativamente ao pedido 1 em que a delimitação aos procedimentos sancionatórios evidencia que os documentos em causa contêm os dados pessoais identificativos dos sujeitos nos termos supra referenciados (sendo, portanto, documentos nominativos, sem prejuízo da presunção do n.º 9 do artigo 6.º da LADA), já o mesmo não sucede quanto às “Recomendações”. É que à míngua da concretização pela Requerida do efetivo objeto das Recomendações ou dos concretos procedimentos em que estas foram emitidas ou dos elementos que subjazem às mesmas – designadamente a sua emissão no âmbito de procedimentos de atribuição, suspensão ou cancelamento de carteiras profissionais -, desconhece-se a que respeitam as “recomendações”, pelo que não é possível a este Tribunal concluir, por tal não emergir à evidência, que as abrangidas pelo pedido 2 contemplem, efetivamente, dados pessoais, incluindo (apenas) aqueles que são identificativos de sujeitos a que as mesmas alegadamente se dirigem, constituindo documentos nominativos a que se aplique a restrição tipificada no n.º 5 do artigo 6.º da LADA.
Como dissemos, em primeira linha, incumbia à Requerida o ónus de, consubstanciadamente, exteriorizar os motivos que permitiriam aferir estarmos perante documentos nominativos. O que, opostamente ao que entendeu o Tribunal a quo, não fez. É que o que se impõe atender é que, no caso da informação não procedimental, a regra é a do livre acesso, sendo excecionais as restrições, de tal forma que cabe à entidade requerida fundamentar concretizadamente a recusa.
Não o tendo feito, estamos, perante, documentos administrativos, cujo acesso é livre, não havendo, pois, lugar à aplicação do disposto no n.º 8 do artigo 6.º da LADA.
Donde, a este respeito o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento.

Quanto ao pedido de consulta e cópia “da totalidade das atas do Plenário da CCPJ desde 2020” (pedido 3) entendeu-se, na sentença recorrida, que deveriam ser facultadas por não corporizarem documentos nominativos e, quando contivessem dados pessoais, nomeadamente menções relativas a procedimentos disciplinares e contraordenacionais, deveriam destes ser expurgados.
A Requerente/Recorrente sustenta não haver lugar a esse expurgo de dados pessoais.
A Requerida/Recorrente, por sua vez, aduz que, opostamente ao entendimento do Tribunal a quo, estamos perante documentos nominativos, porquanto o Plenário delibera, além do mais, sobre reclamações relativas a suspensão ou cancelamento de carteiras profissionais ou relativas a quaisquer atos de negação de direitos ou expectativas, processos disciplinares e procedimentos contraordenacionais, com natureza reservada e confidencial, de tal forma que as atas estão repletas de dados de natureza nominativa dos jornalistas, denunciantes, queixosos e participantes.
Primeiramente cumpre evidenciar que, consistindo as atas nos documentos que resumem o ocorrido nas reuniões do Plenário, quando estas documentam deliberações ou outros atos praticados por aquele órgão no âmbito ou a respeito dos procedimentos disciplinares e contraordenacionais levados a cabo pela CCPJ, o seu conteúdo encontra-se abrangido pelo pedido 1.
Daí que, a respeito desses segmentos das atas, nada mais há acrescentar ao que ficou exposto a respeito do pedido 1. Ou seja, a Requerente/Recorrente tem direito à informação procedimental e não procedimental contida nas atas do Plenário, ou segmentos destas, que respeite a procedimentos disciplinares ou contraordenacionais em curso ou findos, expurgada dos dados pessoais identificativos dos sujeitos nos mesmos envolvidos.
Assim, o pedido 3 abrange (apenas) todas as demais atas, ou segmentos destas, que não se reconduzam a procedimentos disciplinares ou contraordenacionais (em curso ou findos).
Nos termos do artigo 3.º do Regulamento da Comissão da Carteira Profissional de Jornalista
“Compete à CCPJ, reunida em plenário:
a) Exercer todas as funções que lhe forem atribuídas por lei ou regulamento;
b) Nomear e substituir os vogais do secretariado;
c) Deliberar sobre protocolos a celebrar;
d) Apreciar e deliberar, nomeadamente, sobre reclamação relativa a suspensão ou cancelamento de carteiras profissionais ou relativa a quaisquer actos de negação de direitos ou expectativas, determinados, fundamentadamente, pelo secretariado;
e) Aprovar as contas anuais e zelar pela regularidade do funcionamento financeiro da CCPJ.”
Ora, com exceção das deliberações ou outros atos praticados no exercício das competências referidas em b) e d) deste artigo 3.º, e sendo certo que as competências da al. d) respeitam ao exercício do poder disciplinar e contraordenacional já abrangido pelo pedido 1 e a informação relativa à identificação dos membros da CCPJ é pública [artigo 10.º, n.º 1 al. c) ii) da LADA], não se vislumbra que dados pessoais são esses que estarão contidos nas atas cuja consulta é requerida.
Não se vislumbra, nem a Entidade Requerida o concretiza. Novamente, sustenta-se, abstratamente, nas suas competências decisórias para daí fundamentar a sua recusa. Essa falta de concretização é tão ademais evidente quanto a Recorrente nem sequer indica que – quantas, quais, a que respeito/domínio, em que procedimentos – deliberações ou atos se encontram registados nas atas cuja consulta recusa. Isto é, nem sequer sabemos, porque a Requerida/Recorrente não o alegou ou demonstrou, que, no período em questão, o Plenário tenha, efetivamente, deliberado ou praticado atos, registados em ata, que respeitem ao exercício das competências a que se reporta, designadamente, a alínea d) do artigo 3.º do Regulamento da CCPJ.
Na realidade, insiste em que “as atas deste órgão ao refletirem a sua atuação, estão repletas de dados de natureza nominativa dos jornalistas visados e denunciantes, queixosos e ou participantes”, ou seja, reportando-se (apenas) aos procedimentos sancionatórios que, como vimos, se inserem no âmbito do pedido 1.
E o que se evidencia é que pretende que seja negado à Requerente em bloco o direito à informação omitindo que (também) exerce competências em matérias que não respeitam a procedimentos administrativos que contendem com direitos ou deveres de particulares e relativamente aos quais nem sequer alegou que contivessem matéria reservada. Matérias essas que poderão, na realidade, consistir exclusivamente no conteúdo das atas (para além do que se reporte aos procedimentos sancionatórios).
Cumpria-lhe, de forma concretizada, evidenciar, face ao concreto conteúdo das atas cuja consulta lhe foi requerida, designadamente por referência às correspondentes ordens do dia, os motivos que permitiriam considerar que os documentos em causa continham dados pessoais, consubstanciando documentos nominativos. Não o fez. Limitou-se a conclusivamente afirmar que a esmagadora maioria dos assuntos ali vertidos teria natureza nominativa, porque conteriam nomes, números de identificação (como números de carteira profissional). Juízos conclusivos esses que, porque não ancorados em elementos e dados concretos, não permitem a este Tribunal infirmar o juízo do Tribunal a quo de que as atas do Plenário não constituem documentos nominativos.
Acrescente-se que, ainda que assim sucedesse quanto à maioria, então onde já não se encontra justificação é que a R./Recorrente também defenda a recusa de consulta e obtenção de cópia das atas, ou segmentos destas, respeitantes à alegada “minoria” de assuntos que admite não conterem dados de caráter nominativo, sabido que a restrição de acesso apenas se aplica a documentos nominativos (artigo 6.º, n.º 5 da LADA).
Sem prejuízo, como dissemos, o que sucede é que a R./Recorrente não demonstrou que as atas do Plenário consubstanciem documentos nominativos e, como tal, são aquelas de livre acesso nos temos do n.º 1 do artigo 5.º da LADA.
Daí que nem sequer havia que considerar a tal respeito, como erroneamente fez o Tribunal a quo, a necessidade de expurgo de dados pessoais. Se entendeu não estarmos perante documentos nominativos então é porque os mesmos não contêm dados pessoais nos termos do artigo 3.º, al. b) da LADA, nada havendo a expurgar ao abrigo do artigo 6.º, n.º 8 da LADA.

Quanto à pretensão de consulta e cópia “dos documentos administrativos originais onde constem os pagamentos a qualquer título, mensal ou por presença, a cada um dos membros da CCPJ desde 2020 até à data” (pedido 4), não assiste razão à Requerida/Recorrente no erro de julgamento que aponta à sentença.
Importa considerar que a “Comissão da Carteira Profissional de Jornalista é um organismo independente de direito público, ao qual incumbe assegurar o funcionamento do sistema de acreditação profissional dos profissionais de informação da comunicação social, bem como o cumprimento dos respetivos deveres profissionais (artigo 18.º-A n.º 1 do Estatuto do Jornalista e 3.º do Regime de Organização e Funcionamento da CCPJ e da Acreditação profissional dos Jornalistas, DL n.º 70/2008, de 15 de abril).
As receitas da CCPJ encontram-se elencadas no artigo 31.º do DL 70/2008, regendo-se a atividade financeira da CCPJ pelas disposições legais aplicáveis aos serviços e fundos autónomos (vg. artigos 43.º e ss. do DL 155/92), e estando a realização de despesas e pagamento sujeito a autorização do Presidente (artigo 32.º do DL 70/2008).
Por sua vez, o artigo 29.º do Decreto-Lei n.º 70/2008, de 15 de abril prevê que,
“1 - Os membros da CCPJ e do secretariado têm direito a uma senha de presença por cada participação em reuniões ou sessões de trabalho.
2 - O montante de cada senha de presença é fixado através de despacho conjunto dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da comunicação social.
3 - A compensação referida nos números anteriores não prejudica o direito de reembolso pelas despesas a que o exercício das respetivas funções dê causa, as quais são pagas mediante documentação comprovativa.”
Ora, não obstante a origem primordial das receitas da CCPJ poder ser de natureza própria, oriunda de emolumentos, estamos perante um organismo de direito público cuja atividade financeira é, consequentemente, disciplinada por um regime de gestão económica e financeira público, o que significa que a sua informação financeira é, efetivamente, de natureza pública [artigo 10.º, n.º 1 al. c) da LADA].
Informação financeira essa que abrange não só as receitas auferidas, mas também as despesas suportadas, incluindo as que se encontram previstas no artigo 29.º do DL 70/2008, respeitantes aos montantes auferidos pelos membros da CCPJ a título de abonos ou de compensação pelo reembolso de despesas.
Note-se, aliás, que a natureza pública dessa informação financeira é, ademais, evidenciada quanto à informação relativa aos abonos dos membros da CCPJ pela circunstância de o seu valor ser fixado por despacho governamental. De tal forma que “decorrendo o valor das senhas de presença de despacho governamental, o valor global pago a esse título pela CCPJ será uma decorrência do número de reuniões/sessões de trabalho realizadas pela CCPJ durante o mesmo período” (Parecer da CADA n.º 110/2023).
Como, também, é pública a identificação dos membros da CCPJ. Pois que os respetivos membros são designados nos termos dos artigos 20.º e ss. do DL n.º 70/2008, sendo que a lista contendo a identificação dos membros da CCPJ é objeto de publicação em Diário da República (artigo 21.º, n.º 5 do DL n.º 70/2008), estando ainda a composição publicitada no sítio eletrónico da CCPJ [artigo 10.º, n.º 1 al. c) ii) da LADA].
Refira-se que, além da identificação (nome) dos membros da CCPJ, a Requerida/Recorrida, nem sequer concretiza que outros dados pessoais identificativos constem nos elementos a disponibilizar e que permitam fazer o paralelismo com os recibos de vencimento quanto, designadamente, a números de identificação. O que impede que se afira que dados pessoais, que não sejam públicos, são esses que estão contidos nos documentos em causa.
Ou seja, na realidade os membros da CCPJ são identificáveis e, enquanto membros de um organismo de direito público, os abonos que daquele auferem não integram a sua vida privada. Os montantes percecionados por aqueles não consubstanciam, e a Requerida/Recorrente verdadeiramente nem sequer o sustenta normativamente - desde logo, esta não se encontra no âmbito dos elementos protegidos pelo artigo 4.º 1) do Regulamento (UE) n.º 679/2016, de 27/4 -, dados pessoais.
Daqui emerge que o conhecimento que possa emergir de tal documentação respeita ao exercício das funções de membros da CCPJ, funções essas que são de natureza pública, pelo que não se encontra aí fundamento para que a informação não possa ser disponibilizada na sua integralidade.
Consequentemente, estando em causa informação de natureza financeira da Recorrida, não consubstanciando documentos nominativos, não estão sujeitos à restrição de acesso prevista no n.º 5 do artigo 6.º, devendo ser concedido o direito de consulta e obtenção de cópia dos mesmos (artigo 5.º da LADA). Improcedendo, pois, a tal respeito o erro de julgamento que a Requerida/Recorrente imputou à sentença.
Esclarece-se que, não tendo sido imputado erro de julgamento quanto à decisão de expurgo quanto ao pedido 4, também nessa parte se mantém o julgado.

Quanto ao pedido de “Consulta presencial dos originais das contas anuais da CCPJ, contendo elementos contabilísticos (demonstrações financeiras) relativas a 2019, 2020, 2021 e 2022” (pedido 5) se bem se compreende o que a Requerida/Recorrente entende é que não assiste à A./Recorrente o direito à informação porque, na realidade, a informação não nominativa já se encontra acessível ao público.
Embora, efetivamente, não se encontre no n.º 3 do artigo 29.º do DL 70/2008, normativo em que se ancorou o Tribunal a quo, o fundamento legal para a consideração de que “uma vez que a informação em causa se reporta a informação financeira, a mesma é admissível”, nem por isso se deteta erro na decisão de considerar que à Requerida se impõe o dever de permitir à Requerente a consulta dos documentos integrados no objeto do pedido 5.
Com efeito, é que, além da CCPJ se encontrar abrangida pelo âmbito subjetivo da LADA, o que significa que, no que respeita a informação não procedimental – como é o caso dos documentos integrantes da contabilidade geral, designadamente as demonstrações financeiras -, o acesso aos documentos administrativos é, salvo as restrições legalmente previstas, livre (artigo 5.º da LADA), mostra-se inegável que em face da garantia de transparência da atividade administrativa e de administração aberta a informação em causa é de natureza pública, no sentido de ser acesso livre.
Tal resulta do artigo 10.º, n.º 1 al. c) i) da LADA que impõe a publicitação de toda “a informação cujo conhecimento seja relevante para garantir a transparência da atividade relacionada com o seu funcionamento, pelo menos, a seguinte: i) Planos de atividades, orçamentos, relatórios de atividades e contas, balanço social e outros instrumentos de gestão similares;”. Mas, também, regendo-se a atividade financeira da CCPJ pelas disposições legais aplicáveis aos serviços e fundos autónomos (artigo 31.º do DL 70/2008), os quais se encontram sujeitos à Lei de Enquadramento Orçamental, sobre esta recai a obrigação de publicitação das suas demonstrações financeiras nos termos do artigo 79.º da LEO.
É certo que, em face destes normativos, a informação abrangida pelo pedido 5 encontrar-se-á publicitada no sítio eletrónico da Requerida, o que significa que a Requerente poderá, à partida, tomar conhecimento daquela. Contudo o que foi requerido foi “a consulta presencial dos originais das contas anuais da CCPJ, contendo elementos contabilísticos (demonstrações financeiras) relativas a 2019, 2020, 2021 e 2022” e cópia simples daqueles (sublinhado nosso). Ou seja, independentemente da publicitação de tais elementos, a Requerente pretende consultar, de forma presencial, os documentos originais e destes obter cópia simples.
O direito de acesso aos documentos administrativos abrange o direito de consulta e de reprodução (artigo 5.º da LADA), sendo que essa consulta (e reprodução) pode ser realizada presencialmente e ter por objeto os originais dos documentos.
Daí que a circunstância de esses mesmos documentos serem objeto de divulgação e publicitação, não constitui fundamento para a recusa de consulta presencial dos originais e reprodução destes.
Acrescente-se que, se bem se entende a posição da Requerida, poderão existir documentos abrangidos pelo pedido 5 que não estarão publicitados, porquanto esta admite que só se encontrarão publicitados os elementos que entende poderem estar acessíveis ao público. Só que o que deixou por esclarecer é qual o fundamento para a recusa de consulta de outra documentação de natureza financeira contemplada por aquele pedido, que não tenha sido objeto de publicitação.
Note-se que não se vislumbra, nem a Requerida/Recorrente o alega ou demonstra, que as “contas anuais da CCPJ” relativas a 2019, 2020, 2021 e 2022 e os respetivos “elementos contabilísticos (demonstrações financeiras)”, contenham dados pessoais, segredos comerciais, industriais ou sobre a vida interna ou outros elementos sujeitos a interdição de acesso. Pelo que, assim sendo, a consulta dos mesmos faz-se livremente.
Não havendo fundamento, como entendeu o Tribunal a quo, para que seja negada à Requerente a “consulta presencial dos originais das contas anuais da CCPJ, contendo elementos contabilísticos (demonstrações financeiras) relativas a 2019,2020, 2021 e 2022” e obtenção de cópia simples destes.

Quanto à questão suscitada pela Requerida/Recorrente de não assistir à Requerente o direito de acesso à informação por estarmos perante um uso abusivo do direito, o qual se bem se entende resultaria de terem sido anteriormente apresentados, pelo diretor da publicação onde a Requerente exerce funções, sucessivos pedidos idênticos, que foram objeto de decisão, sem que outra se mostre devida nos termos do artigo 13.º, n.º 2 do CPA, também não lhe assiste razão quanto ao erro de julgamento que imputa à sentença.
A respeito do abuso no exercício do direito de acesso à informação, escreveu-se no Ac. deste TCA Sul de 16.1.2018, proferido no processo 1319/17.7.BELSB, disponível em https://www.dgsi.pt/jtca.nsf/170589492546a7fb802575c3004c6d7d/d23b39fb78df2fa280258225004232df?OpenDocument,
«Convoca-se a este respeito o disposto no artigo 334.º do Código Civil, relativo ao abuso do direito (de acesso).
Nos termos da citada norma legal proíbe-se ou veda-se ao titular do direito, que exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos costumes ou pelo fim social ou económico desse direito, apreciados segundo as conceções ético-jurídicas dominantes.
O que o instituto da proibição do abuso do direito aponta é para o exercício equilibrado e racional dos direitos, no sentido de que veda esse exercício quando o mesmo se apresente danoso, inútil ou seja de tal modo desproporcionado entre a vantagem que concede ao interessado e o sacrifício que impõe.
Conforme José Renato Gonçalves, “estaremos perante uma destas situações [de abuso do direito de acesso] quando alguém requerer repetitivamente os mesmos documentos ou em número manifestamente “excessivo” de um ou mais serviços públicos sem que nisso se vislumbre qualquer utilidade. (…) Sem prejuízo de não ser negado o direito de acesso, a Administração dispõe de meios, que deve utilizar, para se defender de pedidos que tenham por efeito a paralisação ou o entorpecimento dos seus serviços.”, in Acesso à Informação das Entidades Públicas, Almedina, pp. 45-46.
Tal instituto do abuso do direito mostra-se expressamente acolhido no disposto no n.º 3 do artigo 15.º da LADA, ao preceituar:
“3 – As entidades não estão obrigadas a satisfazer pedidos que, face ao seu carácter repetitivo e sistemático ou ao número de documentos requeridos, sejam manifestamente abusivos, sem prejuízo do direito de queixa do requerente.” ».
Nos termos do artigo 15.º, n.º 3 da LADA afasta-se a obrigação de satisfação de pedidos de informação e acesso a documentos administrativos quando tais pedidos sejam “manifestamente abusivos”, o que sucederá em face do seu “carácter repetitivo e sistemático” ou do “número de documentos requeridos”.
Como vem sendo entendimento da jurisprudência dos tribunais superiores “[a] alegação de desproporcionalidade e exercício abusivo do direito à informação deve alicerçar-se em factos concretos, também alegados pelo requerido, ou em factos notórios, de conhecimento oficioso” [veja-se, a título de exemplo, o Acórdão deste TCA Sul de 27.2.2020, proferido no processo n.º 2232/18.6BELSB, disponível em www.dgsi.pt].
Ora, como deu nota o Tribunal a quo “a Requerente não efetuou qualquer pedido, em momento prévio, semelhante ao dos autos” e, embora o Tribunal a quo tenha feito constar da fundamentação de direito que “a entidade requerida juntou aos autos pedido semelhante, contudo efetuado por outro jornalista, que não a Requerente, ainda que com um elemento de conexão que se reporta à entidade P...”, analisado o probatório – com o qual a Requerente/Recorrente se conformou -, não foram dados como provados factos que permitam sequer considerar que, por outro elemento da mesma publicação, tenham sido apresentados pedidos idênticos, quantos, em que momento e sobre os quais a Requerida se tenha pronunciado.
Ou seja, os factos provados não permitem atestar um caráter repetitivo ou sistemático em pedidos que tenham sido apresentados, mas tão só que a requerente apresentou o pedido indicado no facto provado 2 e sobre o qual recaiu a recusa da Requerida constante do facto provado 3.
Acrescente-se que, de todo o modo, para que se pudessem imputar à Requerente – para o efeito de sustentar o caráter abusivo do pedido -, pedidos formulados por outro requerente, necessário se tornava a demonstração de uma forte conexão entre ambos, que não se basta com o facto de ambos serem jornalistas na mesma publicação.
Por outro lado, nem se compreende a invocação do disposto no artigo 13.º, n.º 2 do CPA, que respeita à inexistência do dever de decisão quando, há menos de dois anos, tenha sido praticado um ato administrativo sobre o mesmo pedido. É que além não estar em causa a prática de um ato administrativo para que fosse convocável tal normativo, mas sim uma pretensão de consulta e reprodução de documentos administrativos a que (apenas) não caberia ser dada satisfação se se mostrassem preenchidos os pressupostos do artigo 15.º, n.º 3 da LADA, ainda se se verifica que a Requerida/Recorrente efetivamente deu resposta ao pedido apresentado.
Daí que a Requerida/Recorrente não se encontra dispensada de, com tal fundamento, prestar à Requerente/Recorrida a informação que por esta lhe foi solicitada, não incorrendo a este respeito o Tribunal em qualquer erro de julgamento.

Em face do exposto, haverá que dar parcial provimento ao recurso da Requerente/Recorrente
a) Na parte em a sentença julgou improcedente o pedido de “consulta, e eventual obtenção de cópia digital ou em outro formato, eventualmente expurgando as partes sob reserva (...), da totalidade dos documentos relativos aos procedimentos desenvolvidos pela CCPJ no âmbito das suas competências em matéria de processos de contra-ordenação e processos disciplinares abertos desde 2020, incluindo as decisões de abertura desses processos e as decisões de arquivamento de participações. Caso estejam em causa documentos preparatórios de uma decisão ou constantes de processos não concluídos deverá ser aplicado o previsto no n° 3 do artigo 6° da LADA” (pedido 1), por assistir à Requerente/Recorrente o direito de consulta e obtenção de cópia dos documentos relativos aos procedimentos, em curso e já findos, que tenham sido desenvolvidos pela CCPJ no âmbito das suas competências em matéria de processos de contraordenação e processos disciplinares, expurgados dos dados pessoais identificativos dos sujeitos nos mesmos envolvidos;
b) Na parte em que a sentença julgou improcedente o pedido de “consulta e obtenção de cópia digital ou em outro formato, eventualmente expurgando as partes sob reserva (…), da totalidade de documentos considerados como "Recomendações" pelo Secretariado da CCPJ emitidas desde a sua fundação em 1995 até à presente data” (pedido 2);
c) Na parte em que a sentença, quanto ao pedido de “Consulta da totalidade das actas do Plenário da CCPJ desde 2020, devendo estas serem os originais, sobre os quais se requer, desde já, cópia simples” (pedido 3) impôs o expurgo de informação.
Sendo de negar total provimento ao recurso da Entidade Requerida/Recorrente.

4.3. Da condenação em custas

Quanto ao recurso interposto pela Recorrente E…, porque vencidas ambas as partes, na proporção de 10% para a Recorrente e 90% para a Recorrida, CPCJ, são estas responsáveis pelas custas na respetiva medida.
Quanto ao recurso interposto pela CCPJ, vencida é esta condenada nas custas.
(art.ºs 527.º n.ºs 1 e 2 do CPC, 7.º, n.º 2 e 12.º, n.º 2 do RCP e 189.º, n.º 2, do CPTA)


V. Decisão

Nestes termos, acordam os juízes desembargadores da Secção Administrativa, subsecção administrativa comum, do Tribunal Central Administrativo Sul, em,
a. Conceder parcial provimento ao recurso da Requerente/Recorrente, E…,
a) Na parte em que a sentença julgou improcedente o pedido de “consulta, e eventual obtenção de cópia digital ou em outro formato, eventualmente expurgando as partes sob reserva (...), da totalidade dos documentos relativos aos procedimentos desenvolvidos pela CCPJ no âmbito das suas competências em matéria de processos de contra-ordenação e processos disciplinares abertos desde 2020, incluindo as decisões de abertura desses processos e as decisões de arquivamento de participações. Caso estejam em causa documentos preparatórios de uma decisão ou constantes de processos não concluídos deverá ser aplicado o previsto no n° 3 do artigo 6° da LADA” (pedido 1), e, em consequência, condena-se a Recorrida CCPJ a permitir à Requerente/Recorrente a consulta e obtenção de cópia dos documentos relativos aos procedimentos, em curso e já findos, que tenham sido desenvolvidos pela CCPJ no âmbito das suas competências em matéria de processos de contraordenação e processos disciplinares abertos desde 2020, incluindo as decisões de abertura desses processos e as decisões de arquivamento de participações, expurgados dos dados pessoais identificativos dos sujeitos nos mesmos envolvidos;
b) Na parte em que a sentença julgou improcedente o pedido de “consulta e obtenção de cópia digital ou em outro formato, eventualmente expurgando as partes sob reserva (…), da totalidade de documentos considerados como "Recomendações" pelo Secretariado da CCPJ emitidas desde a sua fundação em 1995 até à presente data” (pedido 2), condenando-se a Recorrida CCPJ a permitir à Recorrente a consulta e reprodução das "Recomendações" emitidas pelo Secretariado da CCPJ emitidas desde 1995 até à presente data;
c) Na parte em que a sentença, quanto ao pedido de “Consulta da totalidade das actas do Plenário da CCPJ desde 2020, devendo estas serem os originais, sobre os quais se requer, desde já, cópia simples” (pedido 3) impôs o expurgo de dados, devendo a consulta e reprodução ser feita sem expurgo de informação;
b. Negar total provimento ao recurso interposto pela Recorrente CCPJ e, em consequência, nessas partes confirmar a sentença recorrida;
c. Condenar a Recorrente E… nas custas do recurso por si interposto na proporção de 10%;
d. Condenar a CCPJ na proporção de 90% das custas do recurso interposto pela Recorrente E… e na totalidade das custas do recurso por si interposto.
Mara de Magalhães Silveira
Marcelo Mendonça
Carlos Araújo