Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:251/15.3BECTB-S1
Secção:CT
Data do Acordão:06/05/2025
Relator:ISABEL SILVA
Descritores:JUNÇÃO DE DOCUMENTOS EM SEDE DE INQUIRIÇÃO TESTEMUNHAL
APELAÇÃO AUTONOMA
PRINCÍPIO DO INQUISITORIO
Sumário:I-Pedida em sede de inquirição de testemunhas, por uma das partes, a junção de documentos, a sua rejeição é impugnável em recurso autónomo, nos termos da al. d) do nº 2 do art. 644º do CPC.

II- Os documentos apresentados fora dos momentos referidos no artigo 423º nº 1 e 2 do CPC, podem ser juntos em sede de inquirição de prova testemunhal, em situações de superveniência (objetiva ou subjetiva), e/ou quando a apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior e o documento se mostre pertinente, isto é, se destine a confirmar ou infirmar factos pertinentes ao objeto da ação.

III- Tanto o CPPT, no artigo 13º, como a LGT, no artigo 99º, assim como o artigo 411º do CPC, consagram o princípio do inquisitório/investigação, que se traduz no poder do juiz de ordenar as diligências que entenda serem úteis e necessárias para a descoberta da verdade material.

Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção Tributária Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: *
Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Subsecção Tributária Comum do Tribunal Central Administrativo Sul:
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I - RELATÓRIO

A L......................-Lacticínios de T..............., S.A., ora recorrente, deduziu recurso contra o despacho do Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco, prolatado em 13 de maio de 2024, que, não autorizou a junção aos autos de documentos apresentados em sede de diligência de inquirição da prova testemunhal.


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A Recorrente apresentou as suas alegações de recurso, com as seguintes conclusões:


A. Os documentos devem ser entranhados nos autos, por;


B. A impugnante os ter oferecido e o Representante da Fazenda Pública não se opor à sua junção aos autos;


C. Por ter sido arguida a superveniência subjetiva e objetiva, ao contrário do que expressa o despacho da digna juíza do Tribunal à quo;


D. A prova ser admissível, à luz do artigo 115º do CPPT;


E. Por ter cabimento temporal, a junção aos autos, no artigo 423º, n.º 3 do Código do Processo Civil, que determina que “Após o limite temporal previsto no número anterior" "são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento, bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior”.


F. Ora, a junção dos documentos foi requerida no decurso da inquirição de testemunhas e foi-o com a invocação de verificação de ocorrência posterior constituída pelo depoimento da testemunha José ……………….. que referiu que havia feito o cruzamento de alguns cheques constantes da listagem de fls. 371 375 verso do PA tendo a mesma testemunha conseguido identificar os mencionados documentos que comprovam que os cheques em causa se destinavam a pagar dividas de clientes devidamente faturadas e contabilizadas. Pelo que,


G. Estamos perante factos de natureza instrumental, complementar ou de concretização dos que a Impugnante alegou na PI e dos que resultam da instrução dos autos, na medida em que os mesmos apresentam pertinência e relevância para o esclarecimento da origem e razão de ser dos cheques em causa, sobretudo, esclarecer a inexistência de vendas omitidas.


H. Tratando-se de factos instrumentais e tendo-se em conta que, apesar de serem produzidos pela Impugnante, só agora foi possível a conjugação ou cruzamentos dos mesmos com os cheques cuja cópia foi pedida no âmbito da inspeção, é manifesto que a apresentação dos documentos em causa não foi possível em momento anterior, sendo ainda que tal apresentação tornou-se necessária em virtude de ocorrência posterior, nomeadamente em virtude do depoimento da testemunha que os coligiu e cruzou.


I. Concluindo-se que o depoimento de uma testemunha pode constituir ocorrência posterior que torna necessária a apresentação de um documento fora dos momentos previstos no artigo 423.º, n.º 1 e 2, do CPC,


J. Como se verifica no caso dos autos, na medida em que no depoimento da testemunha em questão foram invocados factos (novos) que interessam indiretamente à solução do pleito, por servirem para demonstrar a verdade ou falsidade dos factos pertinentes, servindo para, da sua existência, se concluir pela existência dos próprios factos fundamentadores do direito à anulação dos atos tributários invocado pela Impugnante, nomeadamente para se concluir pela inexistência de omissão de vendas e faturação.


K. Sublinhando-se que não foi suscitada qualquer objecção à junção dos documentos em causa por parte do digno Representante da Fazenda Pública, "sendo certo que estão em causa documentos supervenientes", como este referiu.


L. Sem prejuízo disso, não podemos deixar de salientar que a aparente rigidez das regras estabelecidas no citado artigo 423º deviam, no caso concreto, ter sido temperada à luz do mesmo critério de justiça material que levou o Tribunal a quo a introduzir oficiosamente documentos, nomeadamente de documentos em virtude do depoimento da testemunha João …………………...


M. Sem prescindir, entende também a Recorrente, salvo o devido respeito, que mal andou o Tribunal a quo ao decidir como decidiu, pois o despacho em crise faz tábua rasa do princípio da procura da verdade material com vista à justa composição do litígio e à realização da justiça, constituindo tal decisão numa recusa injustificada de procura da verdade material, violadora dum princípio essencial e estruturante do processo.


N. In casu, e sem prejuízo do alegado supra quanto à motivação e oportunidade da junção, os documentos cuja junção se indeferiu, dizem respeito a factos que complementam ou concretizam os factos alegados na PI pela Impugnante, sendo absolutamente determinantes para a descoberta da verdade material e para a realização da justiça material, em prejuízo de uma justiça formal.


O. Neste conspecto, estamos perante um dos casos em que se verifica a ocorrência posterior que constitui concretização da previsão do supra citado artigo 5º., nº 2, alínea b) do CPC.


P. Além disso, sem preterir, a decisão de os não admitir constitui a violação do dever oficioso do Tribunal constante do artigo 411º do CPC, à semelhança do que foi oficiosamente determinado quanto aos documentos aludidos pela testemunha João ………………………..

Nestes termos e nos melhores de direito que Vªs Exªs suprirão deve a douta decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que admita os documentos trazidos a juízo pela testemunha José …………….. e nos quais suportou o seu depoimento, para que assim se faça JUSTIÇA.”


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Notificada, a Recorrida apresentou contra-alegações nos termos que se seguem:
a) É objeto do presente recurso o despacho interlocutório proferido pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco em sede de ata de produção de prova, datada de 13/05/2024, que indeferiu a junção de documentos, tendo os autos como objeto as liquidações adicionais de IRC e respectivos juros compensatórios dos anos de 2008, 2009 e 2010.
b) Sendo que, o despacho interlocutório que indeferiu a junção de documentos tem como objeto uma correção ao IRC/2010 – “ponto III.4 do relatório de inspeção tributária – omissões aos proveitos de valores recebidos por cheque de clientes emitentes não identificados”, no montante de 187.842,19€.
c) Da competência do Tribunal Central Administrativo do Sul. Embora a recorrente não faça apelo nem ao TCA Norte nem ao TCA Sul, nos termos do artigo 31/2 do ETAF (Lei nº 13/2002, de 19/02), o qual prescreve que “2 - As áreas de jurisdição dos tribunais centrais administrativos são determinadas por decreto-lei”, e do artigo 2/2 do DL nº 325/2003, de 29/12, “A área de jurisdição do Tribunal Central Administrativo Sul abrange o conjunto das áreas de jurisdição atribuídas no mapa anexo aos Tribunais Administrativos de Círculo e Tributários de Almada, Beja, Castelo Branco, Funchal, Leiria, Lisboa, Loulé, Ponta Delgada e Sintra”.
d) Tendo corrido os presentes autos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco revelar-se-á, pois, competente para análise do presente recurso o TCA Sul.
e) Da inexistência de superveniência objetiva ou subjetiva para junção dos documentos em sede de inquirição de testemunha. Da confissão que os documentos foram produzidos pela impugnante nos idos de 2010 e que os tem na sua posse desde sempre.
f) Como doutamente salientado pelo Tribunal “a quo”, “… os documentos que são juntos são produzidos pela parte, podiam ter sido juntos com a petição inicial, não é arguida qualquer causa de superveniência objectiva ou subjectiva em relação à sua produção, pelo que são extemporâneos, uma vez ultrapassado o prazo de 20 (vinte) dias anterior à realização da audiência, pelo que indefiro a junção dos documentos em apreço”.
g) Sendo que, a impetrante confessa, como não poderia deixar de ser, que os documentos foram “produzidos pela impugnante”, encontrando-se, a existirem, desde sempre na sua posse.
h) Revelando-se importante salientar também, que embora tenha sido notificada no âmbito do procedimento de inspeção para juntar prova da faturação/cheques e/ ou identificação dos clientes concernentes ao depósito de cheques nas contas bancárias no montante de 187.842,19€, e depois notificada do projeto de relatório de inspeção para exercer o direito de audição e juntar a prova documental pertinente, a impetrante nunca ofereceu qualquer prova. Comportamento que viria a manter nos presentes autos.
i) Por outro lado, refere de forma atabalhoada, no sentido de procurar argumentar a existência de “ocorrência posterior”, que “só agora foi possível a conjugação ou cruzamentos dos mesmos com os cheques cuja cópia foi pedida no âmbito da inspeção”. Ou seja, nada justifica, argumentando no vazio, não arguindo “qualquer causa de superveniência objectiva ou subjectiva em relação à … produção” dos documentos, como evidenciado no douto despacho objeto do presente recurso, documentos que, a existirem, há muito haviam sido produzidos.
j) Como evidenciado no Acórdão proferido pelo STA em 13/01/2021, no processo nº 02567/08.6BEPRT: “I - O n.º 3 do artigo 108.º do CPPT exige que, com petição, o impugnante ofereça os documentos de que disponha, arrole testemunhas e requeira as demais provas que não dependam de ocorrências supervenientes. II - Pode admitir-se, por aplicação subsidiária do disposto no artigo 423.º do CPC, que, se não forem juntos com o articulado respectivo, os documentos sejam apresentados até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final e, após esse limite temporal, só são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento. III - O impugnante que alegue ter documentos, mas não proceda à sua junção nos termos anteriores, não cumpre o ónus que sobre ele impende de afastar a força probatória dos documentos oficiais”.
k) Sendo também clarividente o Acórdão proferido pelo STA em 18/02/2021, no processo nº 01227/10.2BEPRT-S1, do qual humildemente se transcrevem algumas passagens elucidativas: “2.1.3. Podemos, por isso, concluir, numa primeira análise, estribando-nos nos argumentos literal, histórico e teleológico da interpretação normativa, que a intencionalidade da modificação legislativa do CPC [relativamente ao então novo artigo 423/2 do CPC] à alteração da redação do artigo parece ter sido a de “reduzir” ou “limitar” o prazo máximo admitido para a junção de documentos – que antes se estendia até ao encerramento da discussão em primeira instância (coincidindo com as então “alegações de facto”) – fazendo-o coincidir com o regime legal previsto para a modificação do rol de testemunhas. Quer isto significar que, em circunstâncias normais – ou seja, sem ser nos casos em que não tenha sido possível obter os documentos em momento anterior ou quando a sua apresentação apenas se venha a tornar necessária em virtude de ocorrência posterior –, a apresentação de novos documentos só será permitida até 20 dias antes da data em que se realize a audiência de julgamento. Desta forma, assegurar-se-á o contraditório e garantir-se-á que a junção de novos documentos não poderá ser utilizada como expediente dilatório pelas partes, ou seja, não afectará o saneamento processual que se faz antes do início da audiência final …”.
l) Prosseguindo o Acórdão proferido pelo STA em 18/02/2021, no processo nº 01227/10.2BEPRT-S1: “2.2. … Assim, das regras processuais fazem parte, no que importa para efeitos de produção de prova documental e testemunhal: i) o ónus da produção de prova (que não se confunde com o ónus da prova), o que significa que as partes devem fazer prova (no sentido de a oferecer aos autos) dos fundamentos que alegam (que está acolhida no n.º 1 do artigo 423.º do CPC) e assumir as consequências decorrentes dessa não produção (incluindo a sua não produção atempada); ii) o princípio do contraditório, do qual decorre que apresentada prova por uma parte deve ser dada oportunidade à outra parte de contraditar esses factos (artigos 3.º, 415.º, n.º 1 do 427.º e 521.º do CPC); iii) o dever de indicação dos meios de prova juntamente com os articulados (No caso da P. I. a regra é a da apresentação imediata do rol de testemunhas e dos outros meios de prova, sem prejuízo de ser admissível a alteração do requerimento probatório na réplica, caso haja lugar a esta, ou no prazo de 10 dias a contar da notificação da contestação – artigos 78.º, n.º 4 do CPTA e artigo 552.º, n.º 6 do CPC.) Já no caso da contestação, a regra é também a da apresentação imediata do rol de testemunhas e dos outros meios de prova, sem prejuízo de, havendo reconvenção, ser igualmente admitida a alteração do requerimento probatório inicialmente apresentado, no prazo de 10 dias a contar da notificação da réplica – artigos 83.º, n.º 2 do CPTA e artigo 572.º, al. d) do CPC.) ; iv) o poder dever do juiz de, em sede de gestão inicial do processo pré-saneador), providenciar pelo suprimento dos elementos probatórios necessários, sobretudo à decisão das excepções dilatórias (artigos 87.º do CPTA e 590.º do CPC), e, ainda, de decidir pela necessidade de impor a junção de documentos em poder da parte contrária ou de terceiro ou de os requisitar, para além, claro, da obrigatoriedade de junção do processo administrativo, que impende sobre a entidade demandada nas acções administrativas (artigos 429.º, 432.º e 436.º do CPC e 84.º do CPTA); e, por último, o poder de apresentar documentos, justificadamente, para além do prazo indicado (artigo 423.º, n.º 3 do CPC).
m) “Tudo compulsado, é possível inferir do universo de regras que disciplinam a produção da prova documental, que a interpretação que mais se adequa à efectivação dos princípios fundamentais nesta matéria é a que foi professada no acórdão recorrido e que considera que os 20 dias antes da audiência final de prazo limite para a entrega dos documentos se deve contar a partir da primeira audiência de julgamento, admitindo-se que essa data tenha como referência a audiência efectivamente realizada e não apenas o seu primeiro agendamento”.
n) “E concluímos ser esta a melhor interpretação por ser aquela que assegura a concordância prática entre o ónus da produção de prova a cargo do impugnante, com os princípios da economia processual, do contraditório e da igualdade processual. Com efeito, as regras processuais indicam que toda a fixação dos meios de prova tem de ocorrer antes do início da audiência final, de forma a assegurar que as partes podem contraditar reciprocamente os elementos adquiridos para o processo e que é com base neles que o tribunal “gere” a produção da prova na audiência antes de proferir a decisão. Depois deste momento a “aquisição de novos elementos processuais” só se deve admitir, a título excepcional, e nos casos legalmente previstos, por serem aqueles em que o legislador considera que se sobrepõe fundadamente o princípio da verdade material, ou seja, em que, sem culpa das partes ou por razões supervenientes, se justifica alterar o quadro probatório já estabilizado para assegurar a correcta decisão judicial”.
o) “No mais, seja por esquecimento, seja por estratégia processual, corre por conta das partes o risco da não produção da prova (leia-se, junção de documentos ou aditamento ou alteração ao rol de testemunhas) dentro daquele prazo” (sublinhado nosso).
p) “Rejeita-se a solução de que o prazo se possa contar a partir de cada “nova sessão” da audiência final que venha a ser marcada, ainda que sobrevenha suspensão ou interrupção da mesma. Estes casos (de suspensão e interrupção da audiência), que estão expressamente previstos na lei, em nada contendem com o princípio da continuidade da audiência, ou seja, com a regra de que a prova que aí se visa produzir se reconduz “ao quadro instrutório previamente definido”. Mais, esta ideia de estabilização dos temas e meios de prova previamente ao início da audiência final tem hoje consagração expressa nas regras em matéria de gestão inicial do processo, estipuladas nos artigos 590.º a 598.º do CPC, com previsão legal também no processo administrativo, nos artigos 87.º a 91.º-A do CPTA. Aliás, uma das “marcas” do novo CPC, como vimos antes pelas referências à exposição de motivos da lei, foi precisamente a intenção de estabilizar antecipadamente o quadro probatório para assegurar a agilização da fase de audiência final, de modo a garantir a necessária decisão em tempo útil, que é também uma dimensão inalienável da justiça. Por essa razão, durante a audiência final, as alterações a esse quadro probatório só podem justificar-se com base nas regras que permitem a atendibilidade de documentos posteriormente apresentados, nos termos do n.º 3 do artigo 423.º do CPC”.
q) “Assim, também o elemento sistemático permite extrinsecar um argumento interpretativo favorável à solução interpretativa que veio a ser adoptada no acórdão recorrido. E também acompanhamos o aresto recorrido na “flexibilização” da interpretação quanto ao que deve entender-se por data do início da audiência final, aceitando que a mesma se reporte à data em que aquela efectivamente tenha lugar e não à data que venha a ser inicialmente indicada. Não só porque a segunda é a que efectivamente determina o início desta fase, mas também porque assim se salvaguarda que não corra contra o interesse das partes na eventual junção tardia e não especialmente motivada de um documento, um atraso que só ao funcionamento da justiça deve ser imputado”.
r) Concluindo então o Acórdão proferido pelo STA em 18/02/2021, no processo nº 01227/10.2BEPRT-S1: “2.3. Em suma, compulsados os elementos da interpretação normativa e os princípios fundamentais e processuais, concluímos que, no caso dos autos, nenhuma censura merece o despacho que não admitiu a junção aos autos de 20 documentos e o aditamento de duas testemunhas, depois de iniciada a audiência final e durante o período de suspensão da mesma, atento o facto de o requerente não ter motivado aquela alteração do quadro probatório em impossibilidade prévia de junção dos documentos ou na necessidade superveniente daquele aditamento, significando, assim, que tivesse ou não intuito meramente dilatório, aquela diligência de prova, por não respeitar o ónus da produção atempada da mesma, não tinha fundamento legal para ser aceite”.
s) A fazenda pública acompanha a bondade e justeza do douto despacho em apreço.
t) Deverá, pois, ser negado provimento ao recurso, mantendo-se na ordem jurídica o douto despacho em apreço.
Por todo o exposto e sempre confiando no douto suprimento de V.Exªs, deve, pois, ser negado provimento ao recurso mantendo-se na ordem jurídica douta decisão em apreço”.
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Os autos tiveram vista do Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo Sul, nos termos do artigo 288.º, n.º 1 do CPPT, o qual emitiu parecer, entendendo que o recurso deveria subir no final com a decisão que vier a ser proferida, nos termos do artigo 644º nº 3 do CPC.
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Colhidos os vistos legais, nos termos do art. 657.º, n.º 2, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT, vem o processo à Conferência para julgamento.
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II -QUESTÕES A DECIDIR:
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas, estando o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas as questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer (cf. artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.ºs 4 e 5 do CPC, ex vi artigo 2.º, alínea e) e artigo 281.º do CPPT).
Nesta conformidade, cabe apreciar e decidir:

(i) - Previamente, uma vez que o Ministério Publico entende que não há rejeição in totum de um meio de prova, importa aferir se a impugnação do despacho devia ser apresentada com o recurso interposto da decisão final;
(ii) - A ser admitido o recurso autonomamente, importa aferir se o despacho recorrido padece de erro de julgamento, ao entender que inexiste superveniência objetiva e subjetiva na apresentação dos documentos em sede de inquirição de testemunhas, à luz do disposto no nº 3 do artigo 423º do CPC;
(iii) - se fez tábua rasa da busca da verdade material, e
(iv) – se atenta, o despacho recorrido, contra o estabelecido no artigo 411º do CPC.
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III-Consultando os autos, nomeadamente a ata da diligência de 13.05.2024 (pág. 776 e ss do STAF), constatamos o seguinte:

A) - Em sede de inquirição da prova testemunhal arrolada, na diligência de 13.05.2024, após a inquirição da testemunha José ……………………., a mandatária da recorrente solicitou a junção aos autos de documentos.

B) – O requerimento a solicitar a junção de documentos, foi apresentado nos seguintes termos:

«Tendo em conta que relativamente ao ponto 3.4 do relatório inspetivo se põe em causa o recebimento de cheques alegadamente por clientes não identificados, foi efetuado uma análise da relação de cheques constante de fls. 371 a 375 v do Processo Administrativo, pela testemunha que acabou de prestar depoimento tendo a mesma conseguido relativamente a diversos cheques constantes da referida relação encontrar documentos que comprovam que os cheques em causa se destinavam a pagar dividas de clientes devidamente faturadas e contabilizadas. Em face do exposto e, tendo em conta que importa esclarecer a origem e a razão de ser de tais cheques e, sobretudo, esclarecer a inexistência de vendas omitidas por parte da Impugnante requer a V. Exa. se digne admitir a junção aos autos dos documentos referidos pela testemunha Dr. José ……………………………………... documentos esses que, conforme a testemunha referiu, só agora foi possível obter e conjugar com os cheques cuja cópia havia sido perdida no âmbito do procedimento de inspeção na medida em que, em tal data, o que foi solicitado à Impugnante foi a cópia dos cheques que a mesma não tinha à data, nem não lhe tendo sido pedido que juntasse documentos de suporte relativamente aos cheques constantes da listagem.»

C) Dada a palavra ao Exmo. Representante da Fazenda Pública (ora recorrida) pelo mesmo foi dito nada ter a opor, sendo certo que estão em causa documentos supervenientes.

D) A Mª Juiz a quo, nessa sequência, proferiu o seguinte despacho agora posto em crise:
“Nos termos no disposto no artigo 423.º, n.º 2, do Código do Processo Civil, os documentos são juntos com os respectivos articulados, ou até 20 dias antes do início da audiência de julgamento, sendo, neste caso, a parte condenada em multa se a junção tardia não for objectivamente ulterior.
Após aquele limite temporal, apenas são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento, ou cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior (n.º 3).
Ora, os documentos que são juntos são produzidos pela parte, podiam ter sido juntos com a petição inicial, não é arguida qualquer causa de superveniência objectiva ou subjectiva em relação à sua produção, pelo que são extemporâneos, uma vez ultrapassado o prazo de 20 (vinte) dias anterior à realização da audiência, pelo que indefiro a junção dos documentos em apreço.”

E) Consta ainda da ata de inquirição de testemunhas, o seguinte:

“Declarada aberta a sessão pelas 10:15 horas com observância das formalidades legais, pela Ilustre Mandatária da Impugnante foi dito que prescinde do depoimento da testemunha Carla …………………. Requer ainda a junção aos autos do documento com o n.º 1 que protestara juntar no requerimento de 24/04/2024.
Dada a palavra ao Exmo. Representante da Fazenda Pública, pelo mesmo foi dito nada ter a opor.
De imediato, foi proferido o seguinte:
Despacho
Não havendo oposição por parte da Fazenda Pública à sua junção, sendo pertinente para a descoberta da verdade material e considerando o próprio teor do requerimento de 24/04/2024, defiro a sua junção
(…)
José …………….., casado, residente no ……., .-212 ……………….. Prestou juramento legal e foi advertido de que incorre em responsabilidade penal caso falte à verdade. Aos costumes, disse que é acionista da Impugnante desde há 15/20 anos (não tem presente), com uma pequena participação de cerca de 1%, mas que tal facto não o impede de dizer a verdade.
Durante o depoimento, a testemunha foi confrontada com o documento n.º 3 junto com o requerimento da Impugnante de 24/04/2024 e com fls. 292, 298 e 364 do Processo Administrativo.
O âmbito da matéria à qual a testemunha foi indicada, foi alargado aos artigos 106.º a 112.º, 117.º, 128.º e 132.º, da Petição Inicial.
O respectivo depoimento foi gravado através do sistema de gravação do SITAF e decorreu entre as 15:07 horas e as 16:19 horas.
Findo o depoimento da testemunha José ……………….., pela Ilustre Mandatário da Impugnante foi requerido para a acta o seguinte: (…)”
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IV- DO DIREITO:
Nos presentes autos está em causa o despacho proferido pelo Tribunal recorrido, por via do qual foi, em sede de inquirição da prova testemunhal arrolada, indeferida a junção de documentos pela recorrente, na sequência do depoimento de uma testemunha.
Importa, primeiramente, atentar à questão colocada pelo MP relativa à apreciação do presente recurso, autonomamente, ou com o recurso da decisão que vier a ser proferida a final.
Vejamos.
Estabelece o nº 2, alínea d), do artigo 644º nº 2 do CPC, ex vi artigo 282º do CPPT, que:
“2- Cabe ainda recurso de apelação das seguintes decisões do tribunal de 1.ª instância: (…) d) Do despacho de admissão ou rejeição de algum articulado ou meio de prova;”
Dispondo o nº 3 do mesmo normativo que:
“As restantes decisões proferidas pelo tribunal de 1.ª instância podem ser impugnadas no recurso que venha a ser interposto das decisões previstas no n.º 1.

Em auxílio do normativo transcrito, relativamente ao entendimento de rejeição de meio de prova e seu imediato recurso, doutrina António Santos Abrantes Geraldes, em anotação ao artigo 644º do CPC, o seguinte:
“ b) Quanto aos meios de prova:
Atento o relevo dos meios de prova para a resolução dos litígios, sendo questionada a sua admissão ou a sua rejeição, justifica-se que tal decisão seja objeto de impugnação imediata.
A previsão legal abarca designadamente os casos em que o juiz admite ou rejeita o depoimento de parte ou a prova por declarações de parte, admite ou rejeita um rol de testemunhas, autoriza ou não o seu aditamento ou substituição, defere ou indefere a realização de uma perícia ou inspecção judicial, admite ou desconsidera determinados documentos ou defere ou indefere a requisição de documentos ou obtenção de informações em poder da outra parte ou de terceiros.
Em qualquer destes casos a opção pela recorribilidade imediata, sob a cominação de a decisão se tornar definitiva, potencia a questão atinente ao direito probatório, com larga repercursão no mérito da acção, ainda possa ser reapreciada pela Relação antes de concluída a fase de instrução ou a audiência de julgamento e, assim, antes de ser proferida a sentença.”
Em chamada de rodapé, sublinha aquele doutrinador, que: “Do mesmo modo, o despacho que se pronuncia sobre a junção de documentos em audiência final (Ac. Do STJ de 16-12-18, 300/13..)”, consubstancia um despacho que admite apelação autónoma -In, Recursos em Processo Civil, 7ª Ed. Atualizada, almedina, pág.253 e 254.
Tal como sumariado no acórdão do STJ de 16.12.2018, acabado de enunciar: “I – Pedida em audiência de julgamento por uma das partes a junção de documentos, a sua rejeição é impugnável em recurso autónomo, nos termos da al. d) do nº 2 do art. 644º do CPC.”
Assim, também na situação trazida, o despacho que não admitiu a junção de documentos em sede de diligência de prova testemunhal, não pode deixar de ser reconduzido à previsão da alínea d) do nº 2 do art. 644º do CPC, sendo de admitir o recurso, sem aguardar pelo recurso da sentença que vier a ser proferida no final (artigo 644º nº 3 do CPC).
Prosseguindo.

- Do erro de julgamento.
Cabe agora analisar se o despacho recorrido é merecedor da censura que lhe é desferida, analisando se padece de erro (s) de julgamento no ajuizado.
Começa por referir a recorrente que, ao contrário do entendimento vertido no despacho posto em crise, que foi por si arguida a superveniência objetiva e subjetiva, motivadora da junção, em sede de inquirição da prova testemunhal dos documentos que pretendia ver nos autos, que estavam na posse da testemunha que só agora os encontrara.
Analisando.
Noticiam os autos que, em 23.05.2024, a testemunha José ……………………………, pequeno acionista da impugnante há 15/20 anos, durante o seu depoimento declarou que conseguiu encontrar documentos que comprovariam que alguns cheques se destinavam a pagar dívidas de clientes, devidamente faturadas e contabilizadas, pretendendo a junção aos autos dos mesmos em ordem a contrariar o ponto 3.4 do RIT, onde constam cheques referentes a recebimentos por clientes não identificados.
Na sequência desse depoimento e mediante o alegado conhecimento e posse de documentos pela testemunha e a sua relação com os cheques identificados no procedimento inspetivo, a mandatária da impugnante/recorrente, com intuito de esclarecer a origem e a razão de ser de tais cheques, a inexistência de vendas omitidas por parte da Impugnante, requereu a junção aos autos dos documentos referidos pela testemunha (José ……………..), sublinhando que tais documentos, de acordo com a testemunha “ só agora foi possível obter e conjugar com os cheques cuja cópia havia sido perdida no âmbito do procedimento de inspeção na medida em que, em tal data, o que foi solicitado à Impugnante foi a cópia dos cheques que a mesma não tinha à data, nem não lhe tendo sido pedido que juntasse documentos de suporte relativamente aos cheques constantes da listagem”
Relativamente à junção dos documentos em posse da testemunha, cuja explicação oferecida para a sua apresentação foi feita na data da inquirição, a FP, depois de lhe ser dada a palavra, não se opôs à junção dos mesmos, declarando que estavam em causa documentos supervenientes.
Consultando o RIT e os autos, constatamos que em causa estão correções apoiadas em alegadas omissões de proveitos, que ocasionaram as liquidações controvertidas.
É verdade que os documentos devem ser juntos com a petição inicial, podendo também ser oferecidos noutros momentos processuais, quando requeridos oficiosamente pelo Tribunal, com vista à busca da verdade material e justa composição do litígio, que deve nortear a atividade do julgador.
Com efeito, atento o disposto nos artigos 99º da LGT e 13º do CPPT o juiz deve realizar ou ordenar todas as diligências que considere úteis ao apuramento da verdade material relativamente aos factos alegados, designadamente, ordenar a junção de documentos aos autos, respeitando assim o princípio do inquisitório (vd. acórdão deste TCAS de 02.03.2023, Processo nº
2056/13.7BELRS-S1).

Tal como se sumariou no acórdão do TRC de 26.10.2021, Processo nº 852/20.8T8FIG-A.C1:
1. Desde a fase da instrução do processo (art.ºs 410º e seguintes do CPC) até à sentença (art.º 607º, n.º 1 do CPC), o juiz poderá/deverá realizar ou ordenar todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer (art.º 411º do CPC).
2. Salvaguardado o dever de imparcialidade (equidistância), tal poder-dever, inerente ao indeclinável compromisso do juiz com a verdade material, emerge e justifica-se independentemente da vontade das partes na realização das diligências/produção de meios de prova (e da tempestividade dessa iniciativa).
3. Ponderados os princípios do dispositivo, do inquisitório e da auto-responsabilidade das partes, situações de conduta grosseira e indesculpavelmente negligente da parte (v. g., na junção tempestiva dos documentos) poderão ditar a inobservância daquela regra”.

É igualmente certo que, quando apenas em momento posterior à fase dos articulados é possível apresentar o documento (porque só mais tarde foi conhecido, por exemplo), o documento pode ser oferecido nos termos do disposto no artigo 423º do CPC.
Assim, os documentos devem ser juntos:
i) com os articulados em que se aleguem os factos correspondentes (artigo 423º, nº 1, do CPC), ou
ii) sobretudo no processo civil, até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final ou inquirição da prova testemunhal, com sujeição, todavia, a multa nos termos do art. 423º, nº 2, CPC (embora no contencioso tributário inexista uma audiência de julgamento mas inquirição de testemunhas), nada obstando que nesta fase sejam, também aqui juntos documentos;
iii) Após os momentos referidos em i) ou ii), de acordo com o normativo referido atrás, poderão ser juntos quando a apresentação, até aí, não tenha sido possível (casos da superveniência objetiva ou subjetiva) ou quando a apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior e o documento se mostre pertinente, isto é, se destine a confirmar ou infirmar factos pertinentes ao objeto da ação;
iv) Na situação referida em iii) poderá caber a necessidade de junção de documento para infirmar, ou corroborar, factos referidos no depoimento de testemunha (desde que, como referido em iii), os factos se mostrem pertinentes). – Vd. neste sentido o acórdão do TRP de 19.12.2023, Processo nº 15877/20.5T8PRT-B.P1.
v) Não obstante o referido em ii), iii) e iv), no processo tributário, inexistindo fase de julgamento, cabendo o encerramento da discussão, não já ao julgamento, mas ao prazo para apresentação de alegações finais, nos termos do artigo 120º do CPPT, podem nessa fase ser juntos documentos – Vd. Jorge Lopes de Sousa in CPPT anotado, vol.II, comentários 5 e 5 a), pág. 296;
vi) A título excecional, podem ainda as partes juntar documentos com as próprias alegações de recurso, desde que façam prova de que não lhes foi possível promover essa junção em momento anterior, ou quando essa junção se tenha tornado necessária em virtude do julgamento em 1ª instância – vd. acórdão do STA de 30.06.2020, processo nº 02383/07.2BELSB.
Na situação colocada, os documentos cuja junção foi requerida, ocorreu na sequência do depoimento da testemunha, tendo a mesma prestado o seu depoimento relativamente à factualidade alegada na PI que se prendia com a alegada omissão de proveitos que deu origem às correções (aritméticas) e subsequente liquidação, que a impugnante pretendia contrariar.
Na verdade, consultando a PI, no ponto 103 e seguintes, alega a impugnante que, andaram mal os Serviços Inspetivos nas correções efetuadas, sobretudo no que respeita à omissão de proveitos relativos a valores recebidos por cheque de clientes não identificados, no valor de 187.843,19 EUR, partindo os mesmos (SIT), segundo a impugnante, de premissas falsas.
Foi a própria testemunha que referiu ser possuidora dos documentos que, entretanto, encontrou.
Assim, mediante os contornos descritos, tendo em conta que alegara a impugnante a inexistência da alegada omissão de proveitos, pretendendo justificar os valores subjacentes à emissão de cheques, por via da testemunha José ……………………… e dos documentos que a mesma possuía para justificar a razão de ser dos cheques (alguns), os quais, segundo advoga “só agora” foi possível obter e conjugar com os cheques, cuja cópia havia sido perdida no âmbito do procedimento de inspeção na medida em que, em tal data, o que havia sido solicitado à Impugnante foi a cópia dos cheques (que a mesma não tinha à data), não lhe tendo sido pedido que juntasse documentos de suporte relativamente aos cheques constantes da listagem.
Perante este circunstancialismo alegado, e tendo em conta que a própria AT entende estar justificada a superveniência dos documentos, cremos que estaria justificada a razão de ser da tardia junção, desde logo, também, à luz do artigo 423º nº 3 do CPC, nos termos acima elencados, na medida em que, como se disse, abrangendo no CPPT o encerramento da discussão dos termos do litigio não na fase da inquirição de testemunhas mas com as alegações a que alude o artigo 120º do CPPT, até essa discussão da matéria de facto e de direito, sempre poderiam ser juntos os documentos, nos termos em que o foram (com observância do principio do contraditório).
Esclarece JORGE LOPES DE SOUSA, fazendo contraponto com o Processo Civil, que:
“ A apresentação de alegações constitui o encerramento da discussão da causa na 1ª instância. (…) Por isso, poderão com as alegações ser apresentados documentos, embora o apresentante, se for o impugnante, deva ser condenado em multa, se não provae que não os pôde apresentar com a petição (…)”, recordando que: “No processo judicial tributário, as alegações referidas neste artigo destinam-se, concomitantemente, a discussão da matéria de facto e de direito, pelo que não pode entender-se que o encerramento da discussão da causa, no tocante à matéria de facto, ocorra antes delas.” - in CPPT anotado, vol. II, comentários 5 e 5 a) ao artigo 120º do CPPT, pág.296.
Como visto, a admissão de documentos implica a verificação de dois pressupostos, a tempestividade e pertinência.
A pertinência decorre de entre eles e os factos que constituem o objeto de instrução existir uma relação funcional nos termos do artigo 341º do CC, na medida em que os meios de prova têm na mira a prova de factos em controvérsia.
A tempestividade do documento apresentado em sede de inquirição de testemunhas, implica a demonstração de que a apresentação anterior não foi possível, ou que se tornou necessária em virtude de ocorrência posterior.
Constitui ocorrência posterior justificativa de apresentação de documento, fora dos tempos legalmente previstos, o depoimento que afirma que possui documentos, não solicitados anteriormente e que encontrou, sendo relevantes, para, numa análise conjugada com a demais prova, complementar e auxiliar o Tribunal na busca da verdade material.
A este respeito, discorreu-se no acórdão do TRL de 25.09.2018, processo nº 744/11.1TBFUN-D.L1-1, no que concerne à necessidade de assegurar o direito a um processo equitativo e justo na interpretação da norma do artigo 423.º, n.º 3, do CPC, o seguinte:
“Segundo a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem a garantia de processo equitativo (‘fair trial’) coloca o tribunal sob o dever de levar a cabo um exame aprofundado dos pedidos, fundamentos e provas aduzidos pelas partes; e se se reconhece uma larga margem de apreciação aos legisladores e tribunais nacionais para estabelecerem as regras de admissibilidade e apreciação das provas, não se deixa de afirmar que as restrições à apresentação de provas não podem ser arbitrárias ou desproporcionadas, antes têm de ser consistentes com a exigência de julgamento equitativo e que sempre se deve exigir que o procedimento na sua globalidade, incluindo os aspectos relativos à admissibilidade das provas, seja equitativo. E nesse sentido haverá de interpretar-se, também, o disposto no art. 20º, nº 4, da Constituição da República por força do disposto no art.º 16º, nº 2, do mesmo diploma.
(…)
Tratando-se as apontadas circunstâncias de excepções à regra da proibição de apresentação de documentos, sendo por conseguinte constitutivas da possibilidade dessa apresentação, têm as mesmas de ser alegadas e demonstradas pela parte que requer a junção do documento depois de ultrapassado aquele limite temporal.
A impossibilidade da prévia apresentação haverá de ser apreciada segundo critérios objectivos e de acordo com padrões de normal diligência, que será aquela para que aponta o art.º 487º do CCiv – a diligência de um bom de família em face das circunstâncias do caso.
Já a junção ter-se tornado necessária em virtude de ocorrência posterior se afigura de mais problemática definição, designadamente por ser susceptível de abranger plúrimas e diversificadas situações.
(…)
A ocorrência posterior deve ser relacionada com a dinâmica do desenvolvimento do próprio processo, designadamente tendo em vista a dialéctica que se desenvolve durante o processo de produção de prova no julgamento da causa (relativamente a alterações factuais exteriores ao processo a forma adequada de as tornar relevantes é a dedução de articulado superveniente, não se levantando aí qualquer problemática quanto à possibilidade de com esse articulado se apresentarem os correspondentes documentos). E nesse conspecto haverá de ter em conta o regime legal relativamente ao apuramento dos factos relevantes”
Ou seja, pese embora a diligência de prova testemunhal seja impressa de celeridade, não sendo o meio usual para juntar documentos, a verdade é que não devem ser olvidadas as garantias de acesso ao direito sem que haja uma ponderação proporcional, sem imposição de ónus ou restrições demasiado rigorosas.
Como sublinha o Conselheiro Lopes do Rego: “(…) as exigências formais não podem impossibilitar ou dificultar, de modo excessivo ou intolerável, a actuação procedimental facultada ou imposta às partes.
(…) As exigências de simplificação e celeridade – assentes na necessidade de dirimição do litígio em tempo útil – terão, pois, necessariamente que implicar um delicado balanceamento ou ponderação de interesses por parte do legislador infraconstitucional – podendo nelas fundadamente basear-se o estabelecimento de certos efeitos cominatórios ou preclusivos para as partes (…), sem, todavia, aniquilar ou restringir desproporcionadamente o núcleo fundamental do direito de acesso à justiça e os princípios e garantias de um processo equitativo e contraditório que lhe estão subjacentes, como instrumentos indispensáveis à obtenção de uma decisão jurisdicional – não apenas célere – mas também justa, adequada e ponderada” – Vd. Conselheiro Lopes do Rego p. 835 e 855 Os Princípios constitucionais da proibição da indefesa, da proporcionalidade dos ónus e cominações e o regime da citação em processo civil in Estudos em Homenagem ao Conselheiro José Manuel Cardoso da Costa Coimbra Editora, 2003-2005, vol. 1.
A outro passo, tal como se disse, entre outros, no acórdão do TCAN de 14.10.2021, tirado do processo nº 00947/21.0BEBRG:
“I –Nos termos do disposto do artigo 206º do CPPT e do 423º do CPC, ex vi alínea e) do artigo 2º do CPPT, a regra é a de todos os documentos serem apresentados com a petição inicial;
II - Os artigos 651º, nº 1 e 425º, do CPC, ex vi alínea e) do artigo e) do CPPT, permitem, a título excepcional, a junção de documentos depois do encerramento da discussão e em caso de recurso. Mas, exclusivamente os documentos cuja apresentação não tenha sido possível anteriormente ou quando a sua junção se tenha tornado necessária por causa do julgamento proferido em 1ª instância;”

Já o STA, em acórdão de 22.06.2022, tirado do Processo nº 01085/17.6BEPRT-S1, esclareceu que:
“Na verdade, sobre a questão existe doutrina e numerosa jurisprudência dos tribunais superiores, maxime dos diversos Tribunais da Relação, das quais as instâncias deram exemplos, no sentido de que o depoimento de uma testemunha pode constituir ocorrência posterior que torna necessária a apresentação de um documento fora dos momentos previstos no art. 423.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, desde que no seu depoimento invoque factos que sejam novos no processo e não possam ser qualificados como factos essenciais. As mesmas doutrina e jurisprudência também têm vindo a distinguir claramente entre as situações de contradita da testemunha e de apresentação de documentos para infirmar o depoimento da testemunha, em termos que o acórdão recorrido respeitou.
O acórdão recorrido insere-se nessa corrente doutrinal e jurisprudencial, não tendo a Recorrente dado nota de entendimentos diversos.
Ou seja, os tribunais e a doutrina têm vindo a pronunciar-se sobre a questão, sem divergências conhecidas (…)”
Diante o exposto, tal como avançado, cremos que estavam reunidas as condições para admitir o documento atento, quer o estabelecido no artigo 423º nº 3 do CPC, quer tudo que acima fomos expondo.
Por outra banda, há que recordar que o processo contencioso tributário, enquanto tutela dos direitos subjetivos e dos interesses legítimos dos contribuintes, tem como objetivo a obtenção da verdade material.
A obtenção dessa verdade material como fim do processo fiscal, como afirmava J. L. Saldanha Sanches: “…impõe a estruturação do contencioso fiscal sob a predominância do princípio do inquisitório, ou, numa formulação corporizada em diferentes soluções legais, do princípio da investigação, o que se vai reflectir imediatamente nos poderes de cognição do juiz na delimitação fáctica do processo, na natureza e limites do objecto do processo.
O juiz fiscal não está, assim, limitado pelas alegações fácticas das partes nem pelos vícios do acto por estas alegados.
A existência de um ónus da prova subjectivo é incompatível com a existência dos poderes-deveres do juiz e da Administração. A situação processual desta vai ter efeitos decisivos na determinação dos factos de que o tribunal deve tomar conhecimento, favoráveis ou desfavoráveis para o contribuinte, devido ao princípio da aquisição processual.
A admissão do princípio da verdade material como objectivo do procedimento da Administração para atingir o acto tributário não pode ser mantida isolada do problema do ónus da prova no processo contencioso.
O escrutínio judicial deverá, pois, centrar-se na questão de verificar se a Administração fez prova plena dos pressupostos da pretensão processual e se existe correspondência entre os factos que logrou provar e o facto tipo contido na previsão legal.” - in “O Ónus da Prova no Processo Fiscal”, publicado em “Ciência e Técnica Fiscal”, n.º 340/342, Centro de Estudos Fiscais, Lisboa.
Na verdade, tanto o CPPT, no art. 13º, como a LGT, no art. 99º, assim como o artigo 411º do CPC, consagram o princípio do inquisitório, que se traduz no poder do juiz de ordenar as diligências que entenda serem úteis e necessárias para a descoberta da verdade.
Desta forma o tribunal deve realizar ou ordenar oficiosamente todas as diligências que se lhe afigurem úteis para conhecer a verdade material relativamente aos factos alegados, apesar de não poder substituir-se às partes realizando ele a prova que as partes tinham que produzir.
Estes normativos não descaracterizam, nem invalidam, o princípio base do processo tributário quanto ao impulso processual, quer do sujeito passivo quer da Fazenda Pública, designadamente no tocante à prova dos factos que se pretende que o tribunal reconheça.
O princípio do inquisitório tem por objetivo superar insuficiências de alegação e de prova das partes, movendo-se dentro dos limites fixados dos factos alegados e do conhecimento oficioso.
O juiz tributário deve realizar e ordenar todas as diligências úteis para o apuramento da verdade material relativamente aos factos que lhe seja lícito conhecer (artigo 13º do CPPT).
Naturalmente que ao julgador caberá determinar quais as diligências que entende serem úteis para o apuramento da verdade, segundo a sua convicção. No entanto, como sublinha Jorge Lopes de Sousa “ a necessidade da realização das diligências pode ser controlada objectivamente, em face da sua real necessidade para o apuramento da verdade, podendo, por isso, ser apreciada em recurso a correção da decisão de recusa de realização de qualquer diligência. Assim, se for requerida….o juiz só não deve levar a cabo se a considerar inútil ou dilatória em despacho fundamentado.” In Código do Procedimento e Processo Tributário, área editora, 6ª ed., 2011, página 180.
In casu, como avançado, entendemos que andou mal o Tribunal recorrido ao indeferir a junção aos autos dos documentos em posse da testemunha na medida que os mesmos são suscetíveis de contribuir para o apuramento da verdade material, tendo em conta que da sua valoração conjugada com a demais prova, podem auxiliar o Tribunal no desfecho do litigo quanto a alegados proveitos omitidos, não se podendo afirmar que a junção seja inútil (nem isso é afirmado no despacho recorrido).
Sumariou-se no acórdão deste TCAS de 02.03.2023, tirado do processo nº 2056/13.7BELRS-S1, que na íntegra subscrevemos, que: “Nos termos dos artigos 99º da LGT e 13º do CPPT o juiz deve realizar ou ordenar todas as diligências que considere úteis ao apuramento da verdade material relativamente aos factos alegados, designadamente, ordenar a junção de documentos aos autos, respeitando assim o princípio do inquisitório”
Por outro lado, sabemos que no processo judicial tributário são admitidos todos meios de prova (artigo 115º nº 1 do CPPT).
Assim sendo, ante o exposto, assuma concluir que o despacho sob recurso está inquinado de erro de julgamento, pelo que se impõe conceder provimento ao recurso.
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DAS CUSTAS

No que respeita a custas, considerando o princípio da causalidade vertido no artigo 122º nº 2 do CPPT e bem assim no 527º nº 1 e 2 do CPC, as custas ficam a cargo da recorrida, por ser parte vencida.


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V- DECISÃO

Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Subsecção de Contencioso Tributário Comum deste Tribunal Central Administrativo Sul, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202.º da Constituição da República Portuguesa, em conceder provimento ao recurso e revogar o despacho recorrido.

Custas a cargo da recorrida.


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Lisboa, 05 de junho de 2025

Isabel Silva
(Relatora)

Rui A. S. Ferreira
(1º adjunto)

Maria da Luz Cardoso
(2ª adjunta)