Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:61/25.0BECTB
Secção:CT
Data do Acordão:10/16/2025
Relator:MARIA DA LUZ CARDOSO
Descritores:MANIFESTAÇÃO DE FORTUNA
Sumário:I - A norma da alínea f) do n.º 1 do artigo 87.º da LGT consagra uma presunção legal de que os acréscimos patrimoniais de valor superior a € 100.000,00, que não se mostrem justificados pelos rendimentos declarados, resultam de rendimentos subtraídos à tributação.
II - Caso o sujeito passivo não cumpra com este ónus probatório, «considera-se como rendimento tributável em sede de IRS, a enquadrar na categoria G, (...) a diferença entre o acréscimo de património ou a despesa efetuada, e os rendimentos declarados pelo sujeito passivo no mesmo período de tributação» [alínea a) do n.º 5 do artigo 89.º-A da LGT].
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção Tributária Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a 1ª Subsecção Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul


I - RELATÓRIO

E...... (doravante Recorrente), inconformada com a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco, que julgou improcedente o recurso por si interposto da decisão do Diretor de Finanças de Castelo Branco, de fixação do rendimento coletável por avaliação indireta, dela veio interpor recurso.
*

Nas alegações de recurso apresentadas, a Recorrente formulou, a final, as seguintes conclusões:

“«Tudo visto, formulam-se as seguintes conclusões:

1ª. O Tribunal a quo entendeu que a questão da nulidade não pode ser apreciada no âmbito do presente processo e que não ficou provado que o montante de € 4 009 150,00 (quatro milhões e nove mil cento e cinquenta euros) foi transferido com vista ao pagamento de uma dívida da sociedade T...... Limited à sociedade K...... Inc..

2ª. No entendimento do Tribunal a quo o objeto do processo restringe-se à legalidade da decisão de avaliação da matéria coletável e não da sua notificação.

3ª. Contrariamente, porém, ao que é sustentada pelo tribunal a quo o que está em causa não é a notificação mas a própria decisão de determinação da matéria coletável por métodos indiretos.

4ª. Com efeito, a fixação do rendimento coletável por métodos indiretos diz respeito não só à ora Recorrente mas também aos restantes herdeiros, o que significa que terão que ser chamados a pronunciar-se no sentido de concordarem ou não com tal fixação da matéria coletável.

5ª. A eventual matéria coletável, a existir, deve ser imputada à recorrente, na proporção de 50%, devendo a parte restante ser imputada à própria herança e, por via da eventual aceitação da herança, aos restantes herdeiros.

6ª. Resulta assim evidente que, ao tomar conhecimento do óbito do marido da Recorrente, a Autoridade Tributária deveria ter suspendido o procedimento, de forma a efetuar a habilitação dos herdeiros.

7ª. Não tendo sido promovida a habilitação dos herdeiros, a notificação que foi efetuada ao marido da Recorrente fica inevitavelmente ferida de invalidade.

8ª. A jurisprudência, concretamente o acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul, no âmbito do processo nº 234/11.2BEBJA, de 29 de setembro de 2022, tem decidido no sentido de que ocorrendo o óbito de um dos sujeitos passivos durante o procedimento de inspeção tributária torna-se necessário efetuar a habilitação de herdeiros.

9ª. A falta de habilitação de herdeiros compromete o direito de acesso à justiça e a um processo justo, nos termos do disposto no artigo 20º da Constituição da República Portuguesa.

10ª. O tribunal a quo deu como provado, na página 11 da sentença, o contrato de agência celebrado entre a sociedade K...... INC e a T...... LIMITED.

11ª. Deu igualmente como provado o Acordo de Transferência de Dívidas entre a T...... LIMITED, J...... e a K...... INC.

12ª. Os contratos considerados provados revelam que a T...... tem uma dívida no valor de 4 009 150,00 (quatro milhões, nove mil e cento e cinquenta euros) à K...... INC e que o falecido marido da Recorrente recebeu a quantia de 4 009 150,00 (quatro milhões, nove mil e cento e cinquenta euros), comprometendo-se a efetuar o pagamento a esta última entidade.

13ª. O Tribunal a quo deu igualmente como provado que o Balanço da sociedade T...... LIMITED, reportado a 31/12/2019, evidenciava dívidas a credores a pagar até um ano no valor de € 4 392 459.

14ª. Ainda que os contratos configurem documentos particulares, a verdade é que ficou provado que foram celebrados, o respetivo conteúdo não foi contestado pela Autoridade Tributária e foram confirmados pelas testemunhas inquiridas.

15ª. Contrariamente ao que é sustentado na douta decisão ora recorrida, o contrato de agência não fragiliza o acordo e não é inverosímil a acumulação de uma dívida de tão elevado montante, uma vez que está devidamente registada na contabilidade da empresa e foi objeto de certificação por parte dos auditores.

16ª. Para se colocar em causa a existência da dívida implicaria, teria que ser posta em causa a contabilidade da empresa e a certificação efetuada pelos auditores, que foram dadas como provadas.

17ª. Não é relevante que o balanço não identifique diretamente a K......, já que tal identificação, usual no domínio contabilístico, quer em Portugal quer no Reino Unido, é efetuada através da conjugação do balanço com os contratos celebrados pela sociedade.

18ª. Também não é relevante a cláusula de exoneração de responsabilidade, que é habitualmente colocada em quaisquer certificações e auditorias realizadas, quer em Portugal quer nos diversos países da União Europeia.

19ª. Só por manifesto desconhecimento se pode, com o devido respeito, sustentar a falta de racionalidade económica e a existência de prática anómala na opção de transferir a responsabilidade pelo pagamento da dívida para um terceiro.

20ª. É usual na liquidação das sociedades comerciais, de forma a facilitar a extinção imediata da sociedade, evitando que continue ativa e a gerar custos sem ter qualquer atividade, transferir as dívidas ou os créditos para outra pessoa ou entidade, que fica com a responsabilidade de pagar ou receber.

21ª. É o que resulta de forma clara do disposto nos artigos 162º e seguintes do Código das Sociedade Comerciais e, entre outros, do acórdão da Relação de Lisboa de 27 de janeiro de 2022, que dispõe que a extinção de uma sociedade não extingue as obrigações a que aquela se encontrava adstrita e que as ações judiciais pendentes continuam, mesmo após a sua extinção, sendo a mesma substituída pela generalidade dos sócios, representados pelos liquidatários.

22ª. Contrariamente ao que é defendido na douta sentença, a falta de pagamento da dívida por parte do falecido marido da Recorrente não fico a dever-se a inércia, sendo público e notório que nos anos de 2020 e 2021 o mundo inteiro esteve praticamente paralisado por via da Covid 19.

23ª. Para além da pandemia, ficou demonstrado em audiência, mediante o depoimento das duas testemunhas arroladas, que a falta de pagamento ficou a dever-se igualmente aos graves problemas de saúde que, a partir do ano de 2021, o falecido marido da Recorrente, já com idade avançada, começou a ter e que culminaram com a sua morte.

24ª. O Tribunal a quo não deu como provado, como devia, dado que ficou claramente evidenciado na audiência, mediante o depoimento das duas testemunhas arroladas, que os herdeiros, logo após o falecimento do marido da Recorrente, procuraram identificar alguém com poderes de representação da sociedade K......, sendo certo porém que não tiveram sucesso.

25ª. Por essa razão, os herdeiros tomaram a iniciativa de proceder à devolução do dinheiro, na plena convicção que não lhes pertencia, pelo que não é possível sustentar um acréscimo não justificado de uma importância que nunca foi utilizada e que foi devolvida.”

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A Recorrido, notificada para o efeito, apresentou contra-alegações, com as seguintes conclusões:

«a) O óbito do marido da R., no decurso da tramitação do procedimento inspetivo, não constitui fundamento legal para a suspensão do procedimento inspetivo, conforme decorre do disposto no nº 5 do art. 36º do RCPITA;

b) Tendo a R. e o marido apresentado declaração conjunta de rendimentos, na declaração modelo 3 de IRS, referente ao ano de 2020, os pressupostos do facto tributário têm-se por verificados em relação a ambos, sendo que qualquer um deles é responsável solidário pelo cumprimento da dívida (art. 21º, nº 1 da LGT; art. 102º, nº 1 do CIRS);

c) E, por essa razão, a ação inspetiva seguiu os seus trâmites, dirigida à R., a qual requereu prorrogações de prazo, juntou documentos e prestou esclarecimentos, sem, aliás, em momento algum ter suscitado a intervenção de herdeiros do marido ou a habilitação de herdeiros.

d) Porém, mesmo que se perfilhe o entendimento de que a herança deveria estar presente no procedimento inspetivo, o que não se concede, sendo a R. a cabeça de casal na herança aberta por óbito do marido, nos termos da alínea a) do nº 1 do art. 2080º do C.Civil, também nesta qualidade, ao abrigo do art. 2079º do C. Civil, a R., por via das notificações que lhe foram dirigidas, teve conhecimento de todo o procedimento no qual, aliás, participou apresentando documentação, prestando esclarecimentos e solicitando prorrogações de prazo para exercício do contraditório. Se a R. não exerceu o direito de pronúncia em sede de audição prévia foi por decisão própria, porque foi notificada pela AT para o efeito.

e) Ou seja, nos termos dos artºs 8º, nº 1 do CPPT e 16º, nº 3 da LGT, a herança esteve efetivamente representada no procedimento inspetivo;

f) A notificação efetuada à R. não enferma, pois, do vicio invocado. Porém, e como decidido na sentença em crise, sempre esse vicio, ou outro, podem ser invocados em sede de impugnação da liquidação resultante da fixação da matéria tributável, pelo que a decisão recorrida não merece censura quanto ao que decidiu nesta matéria;

g) A jurisprudência invocada pela R. nada tem a ver com a factualidade a que se referem estes autos, antes debruçando-se, para efeitos de aferir da tributação de mais-valias obtidas com a alienação de um imóvel adquirido por herança, sobre o momento relevante da aquisição desse imóvel (a data da abertura da herança ou a data da escritura de partilha);

h) A decisão em crise também não enferma de manifesta contradição com os factos provados, para além de não ter dado relevância a factos provados que, só por si, são susceptíveis de afastar o acréscimo patrimonial injustificado;

i) A sentença recorrida fez uma correta análise dos factos, apreciou a prova produzida, testemunhal e documental e, corretamente, concluiu que não estava demonstrado que o movimento a crédito na conta bancária CH 27......domiciliada no banco U........ AG no montante de € 4.009.150,00, recebido a 29.09.2020, titulada pela R. e o seu marido, se subsumia a um acordo de transferência de divida celebrado entre a T......, J........, o marido da R. e a K.......

j) São evidentes as contradições, incoerências e insuficiências probatórias evidenciadas nos documentos apresentados, tanto no procedimento inspetivo, como já nos autos, nada contribuindo para a descoberta da verdade os depoimentos das testemunhas da R. que, desde logo, não tinham conhecimento direto dos factos;

l) Bem andou o tribunal a quo quando deu como não provado que 1) O montante de 4.009.150,00€ transferido em 29/09/2020 para a conta bancária da Recorrente e seu falecido marido destinava-se ao pagamento de uma dívida, nesse exato montante, da sociedade T...... LIMITED à sociedade K...... INC. decorrente de um contrato de agência.”

m) Como de forma fundamentada e clara consta da decisão em crise, uma coisa são os factos assentes, entre eles, a existência de um acordo de transferência de divida e de um contrato de agência, outra, distinta, é a apreciação feita pelo tribunal desses factos no sentido de aferir se a concreta transferência efetuada para a conta da R., no montante de 4.009.150,00€, assentou nesses factos.

n) Não existe, pois, qualquer contradição ou antagonismo entre os factos dados como provados e a decisão em crise.

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O Ministério Público neste Tribunal Central Administrativo Sul, emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
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Colhidos os vistos legais (artigo 657º, n. º2 do Código de Processo Civil (CPC), ex vi artigo 281º, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT)), cumpre apreciar e decidir.
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Delimitação do objeto do recurso

Em ordem ao consignado no artigo 639º do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282º do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.

Assim, ponderando o teor das conclusões de recurso cumpre aferir:


- se a decisão recorrida incorreu em erro de julgamento de facto e de direito.

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II. FUNDAMENTAÇÃO

II.1- De facto

“Com interesse para a decisão, considera-se provada a seguinte factualidade constante dos autos:

A) A Recorrente e J...... submeteram, no estado de casados, a declaração modelo 3 de IRS relativa ao ano de 2020, optando pela tributação conjunta de rendimentos [cf. fls. 1 a 15 do documento SITAF n.º 006923258].

B) Em 20/09/2024 os Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Castelo Branco expediram, por correio registo e aviso de receção, o ofício n.º 798s, dirigido a J...... e à ora Recorrente, recebido em 23/09/2024, cujo teor aqui se dá como reproduzido e do qual se destaca o seguinte:

«Assunto: JUSTIFICAÇÃO DE INCREMENTOS PATRIMONIAIS

De acordo com os dados disponíveis na Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) verificou-se um incremento patrimonial de 3 923 015,58€, nos saldos das contas bancárias no período de 31/12/2019 a 31/12/2020, dos sujeitos passivos J......, NIF (…) e E......, NIF (…), designadamente de 24 822,88€ nas seguintes contas existentes em instituições financeiras nacionais:

(…)

e 3 898 192,70€ nas seguintes contas existentes em instituições financeiras fora de Portugal:

(…)

No ano de 2020, os sujeitos passivos identificados em epigrafe declararam na declaração de rendimentos modelo 4 de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) rendimento líquidos no valor total de 430 967,03€:

Considerando o disposto na alínea f) do número 1 do artigo 87.º da Lei Geral Tributária (LGT), o acréscimo de património ou despesa efetuada, incluindo liberalidades, de valor superior a (euro) 100 000€, verificados simultaneamente com a falta de declaração de rendimentos ou com a existência, no mesmo período de tributação, de uma divergência não justificada com os rendimentos declarados, é alvo de avaliação indireta, cabendo ao sujeito passivo, de acordo com o número 3 do artigo 89.º-A da LGT, a comprovação de que correspondem à realidade os rendimentos declarados e de que é outra a fonte do acréscimo de património identificado.

Nos termos das disposições conjugadas do número 4 do artigo 59.º da LGT e alínea b) do numero 3 do artigo 29.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira (RCPITA) ficam notificados para, no prazo de 10 (dez) dias a contar da assinatura da presente notificação, remeter a esta Direção de Finanças, a justificação do acréscimo patrimonial acima referenciado.

Não sendo apresentados quaisquer factos justificativos, informa-se que considerar-se-á como rendimento tributável em sede de IRS, a enquadrar na categoria G, a diferença entre o acréscimo de património e os rendimentos declarados pelos sujeitos passivos no mesmo período de tributação (2020), nos termos da alínea a) do número 5 do artigo 89.º-A da LGT. (…)» [cf. fls. 2 a 6 do documento SITAF n.º 006923259].

C) J...... faleceu em 26/09/2024 [cf. fls. 9 e 10 do documento SITAF n.º 006923259].

D) Por requerimento datado de 01/10/2024 a Recorrente, invocando o falecimento do seu marido e o seu estado de saúde e debilidade, solicitou à Direção de Finanças de Castelo Branco alargamento do prazo para apresentação da justificação para 50 dias [cf. fls. 7 a 11 do documento SITAF n.º 006923259].

E) Através de ofício da Direção de Finanças de Castelo Branco datado de 04/10/2024 a Recorrente foi notificada do alargamento do prazo para a apresentação da justificação dos incrementos patrimoniais até ao dia 12/11/2024 [cf. fls. 12 a 13 do documento SITAF n.º 006923259].

F) Em 29/10/2024 foi emitida a Ordem de Serviço N.º OI2……, para realização de um procedimento externo de inspeção, de âmbito parcial, ao IRS do ano de 2020 da Recorrente e de J...... [cf. fls. 14 do documento SITAF n.º 006923259].

G) Por requerimento datado de 04/11/2024 a Recorrente solicitou à Direção de Finanças de Castelo Branco novo alargamento do prazo até ao dia 24/12/2024 [cf. fls. 1 a 4 do documento SITAF n.º 006923260].

H) Em 12/11/2024 a Recorrente deslocou-se à Direção de Finanças de Castelo Branco, onde lhe foi comunicado verbalmente a prorrogação do prazo para a apresentação da justificação até ao dia 25/12/2024 [artigos 4.º e 5 da PI e artigo 20.º da Oposição].

I) Na mesma data de 12/11/2024 a Recorrente assinou a Ordem de Serviço n.º OI2….. [cf. fls. 14 do documento SITAF n.º 006923259].

J) Por requerimento de 10/12/2024 a Recorrente solicitou à Direção de Finanças de Castelo Branco novo alargamento do prazo, por mais 60 dias, para justificação dos incrementos patrimoniais [cf. fls. 5 a 7 do documento SITAF n.º 006923260].

K) Através de ofício da Direção de Finanças de Castelo Branco datado de 17/12/2024 a Recorrente foi notificada do alargamento do prazo, por mais 30 dias, para justificação dos incrementos patrimoniais, com fixação do termo do prazo no dia 24/01/2025 [cf. fls. 8 a 10 do documento SITAF n.º 006923260].

L) Em 24/01/2025 a Recorrente apresentou na Direção de Finanças de Castelo Branco uma exposição escrita, cujo teor aqui se dá como reproduzido, acompanhada de documentação, na qual conclui que «os documentos apresentados são prova bastante dos factos, para justificar que a diferença entre saldos das contas bancária identificadas pela AT, entre as datas de 31 de Dezembro de 2019 e a 31 de Dezembro 2020, não resultou de rendimentos de qualquer natureza, e portanto não passíveis de integrar a referenciada Declaração mod.3 do IRS de 2020 e consequentemente a tributação por via deste regime, na categoria G, pois se referem a capitais próprios de J......» [cf. fls. 11 a 15 do documento SITAF n.º 006923260 e fls. 1 a 11 do documento SITAF n.º 006923262].

M) Com a exposição referida em L) foi junta uma declaração emitida pela sociedade B........, datada de 16/01/2025, da qual consta o seguinte teor:

«Assunto: T...... Limited

Confirmamos que elaborámos as contas da empresa acima referida para os anos fiscais terminados a 31 de dezembro de 2019 e 32 de dezembro de 2020.

Em resultado, declaramos que:

O total dos credores com vencimento no prazo de um ano a 31 de dezembro de 2019 era composto por:

O saldo de 4.389.753 € relativo a outros credores incluía um saldo de 4.009.150 € que foi posteriormente pago a J......, enquanto último beneficiário efetivo da empresa, a título de pagamentos aos credores da mesma.

Recebemos o extrato bancário que consta do Anexo 1, que indica o montante de 4.009.150 € transferido da conta bancária do U… em nome da T...... Ltd para J........ em 29 de setembro de 2020.

Recebemos também o aviso de transferência bancária que consta do Anexo 2 que indica os dados da conta bancária para a qual foi efetuado este pagamento.

Confirmamos que, nas contas do ano fiscal que terminou a 31 de dezembro de 2020, o montante a pagar a J...... era de zero.

A B........está a emitir a presente informação em boa fé, e não aceita qualquer responsabilidade sobre a mesma, sendo que quem a desejar utilizar fará por sua conta e risco.» [cf. fls. 6 do documento SITAF n.º 006923262].

N) Com a exposição referida em L) foram juntos extratos bancários que confirmam que, em 29/09/2020, foi recebida uma transferência no valor de 4 009 150,00€ na conta

bancária CH 2........ domiciliada no Banco U........ AG, titulada pela Recorrente e J......, com origem na conta bancária da sociedade T...... LIMITED domiciliada no mesmo Banco [cf. fls. 7 e 8 do documento SITAF n.º 006923262].

O) Em 28/01/2025 foi elaborado o projeto de relatório de inspeção de cujas conclusões resultaram propostas de correção à matéria tributável, em sede de IRS do ano de 2020, com recurso a métodos indiretos, no valor de 3.492.048,57€ [cf. fls. 15 a 18 do documento SITAF n.º 006923262 e fls. 1 a 12 do documento SITAF n.º 006923263].

P) Em 29/01/2025 os Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Castelo Branco expediram, por correio registado, o ofício n.º 00066s, dirigido a J...... e à ora Recorrente, para notificação do projeto de relatório de inspeção e a conceder prazo de 15 dias para o exercício do direito de audição [cf. fls. 12 e 13 do documento SITAF n.º 006923262].

Q) Em 26/02/2025 foi elaborado o relatório final da inspeção tributária, cujo teor aqui se dá como reproduzido e do qual se destaca o seguinte:

«(…)

IV. Descrição da análise efetuada

No âmbito da ficha de codificação n.º 11, do PNAITA 2023 – Incrementos Patrimoniais – Ano 2020, referente ao controlo dos sujeitos passivos singulares com um valor de acréscimo de património não justificado face aos rendimentos declarados na modelo 3 de IRS do ano de 2020, foi emitido o Despacho Interno n.º DI202400094, de 21/05/2024, para o ano de 2020.

No âmbito da troca de informação internacional no que respeita a saldos de contas bancárias estrangeiras, e de informação financeira de residentes foi efetuada pela Direção de Serviços de Planeamento e Coordenação da Inspeção Tributária (DSPCIT) um procedimento de análise e investigação com o objetivo de identificar incoerências entre os rendimentos declarados e a evolução global dos sujeitos passivos.

Relativamente aos sujeitos passivos J......, NIF (…) e E......, NIF (…), foi verificado um incremento patrimonial de 3 923 015,60€, nos saldos das contas bancárias no período de 31/12/2019 a 31/12/2020, designadamente de 24 822,88€ nas seguintes contas existentes em instituições financeiras nacionais:


“(texto integral no original; imagem)”


e 3 898 192,72€ nas seguintes contas existentes em instituições financeiras fora de Portugal:

“(texto integral no original; imagem)”


No ano de 2020, os sujeitos passivos declararam na declaração de rendimentos modelo 3 de IRS de rendimentos líquidos no valor total de 430 967,03€:

Nos termos da alínea f) do número 1 do artigo 87.º da LGT, o acréscimo de património ou despesa efetuada, incluindo liberalidades, de valor superior a (euro) 100 000€, verificados simultaneamente com a falta de declaração de rendimentos ou com a existência, no mesmo período de tributação, de uma divergência não justificada com os rendimentos declarados, é alvo de avaliação indireta.

De acordo com o numero 3 do artigo 89.º-A da LGT, nestes casos cabe ao sujeito passivo a comprovação de que corresponde à realidade os rendimentos declarados e de que é outra a fonte do acréscimo de património identificado.

Conjugando a alínea f) do número 1 do artigo 87.º, com o número 5 do artigo 89.º - A, ambos da LGT considera-se como rendimento tributável em sede de IRS, a enquadrar na categoria G, quando não existam indícios fundados, de acordo com os critérios previstos no artigo 90.º, também da LGT, que permitam á administração fiscal fixar rendimento superior, a diferença entre o acréscimo de património ou a despesa efetuada, e os rendimentos declarados pelo sujeito passivo no mesmo período de tributação.

(…)

No dia 24/01/2025 (registo de entrada 202E000256731) foi entregue nesta Direção uma carta datada de 24/01/2025 e assinada pela Sra. E......, onde anexa documentação oriunda do Reino Unido, designadamente documentos bancários e 1 documento da empresa de contabilidade B........, C........dirigido a E...... e datado de 16/01/2025.

Nesta carta assinada pela Sra. E......, refere que “vem o sujeito passivo sobrevivo do casal, comprovar com documentos, que a presunção de acréscimo de património identificado no âmbito deste processo, caraterizado pelo facto de ter sido calculado por simples diferença, obtida entre saldos das contas bancárias ali identificadas pela AT, nas datas de 31 de dezembro de 2019 e 31 de dezembro de 2020, não resultou de rendimentos de qualquer natureza, e portanto passiveis de integrar a referenciada Declaração mod.3 de IRS de 2020 e consequentemente a tributação por via deste regime, na categoria G, pois se referem a capitais próprios de J.......”

Informa ainda que “Tomando referência a conta bancária CH 27......domiciliada no banco U........ AG, que consta do Processo de Notificação da AT, a qual entre todas as contas registou o maior saldo em 31.12.2020, (…) foi solicitada informação ao próprio Banco U… sobre os movimentos ocorridos em 2020. No registo, para além da múltipla movimentação que se registou por transferência dos saldos de outras contas domiciliadas no mesmo Banco U…, entre outros movimentos, se destacava o movimento a crédito no montante de € 4.009.150,00, recebido a 29.09.2020 (…) tendo como conta bancária de origem CH 8….., também domiciliada no mesmo Banco U…, de que era titular a sociedade T...... Ltd.. Com base nesta informação, e tendo eu conhecimento de que esta tinha sido uma das suas atividades empresariais, foi possível obter mais informação junto do U… e conseguir chegar ao contato com Contabilistas Certificados da sociedade – B........ - com escritórios em Londres, (…) Assim, foi-me enviada toda a documentação e informação necessária para o esclarecimento e prova dos factos, pelo que, considerando o âmbito formal e legal do atual Processo de Notificação da AT em curso, lhes solicitamos Declaração /Certificação formal enquanto Contabilistas Certificados da sociedade, (…) com o teor necessário para informar sobre os registos na contabilidade da sociedade, e a confirmação do montante objeto de transferência e também da natureza dos capitais transferidos. Na referida Declaração / Certificação (…), entre as informações que ali constam, a mais relevante (…) é a que refere explicitamente que: O saldo de 4.389.753 € relativo a outros credores incluía um saldo de 4.009.150 € e que posteriormente foi pago a J......, enquanto último beneficiário efetivo da empresa, a título de pagamento aos credores da mesma.”.

Vem também esclarecer que “A referência a J...... como “…último beneficiário efetivo da empresa…”, decorre do facto de ele não ser o acionista direto da sociedade, mas sim outra sociedade, tendo contudo, responsabilidade, interesses e compromissos na T...... Limited e com os seus credores, informação que decorre da obrigação legal internacional de identificar o beneficiário efetivo das sociedades. Na mesma Declaração/Certificação não só confirmam os movimentos efetuados na contabilidade, mas também anexam os Appendix de cópia dos documentos bancários probatórios, que sustentam os movimentos contabilísticos, em tempos efetuados pelo Contabilistas Certificados da sociedade.”.

Finaliza referindo que “(…) a presunção de acréscimo de património identificado no âmbito deste processo, foi extemporânea, pois a variação / diferença de saldos não resultou de rendimentos de qualquer natureza, e portanto não se pode identificar por “acréscimo de património”, pois este montante já integrava o património do sujeito passivo, como crédito na referida sociedade, e portanto não passível de integrar a referenciada Declaração mod. 3 do IRS de 2020, e consequentemente a tributação por via deste regime, na categoria G, pois se referem a capitais próprios de J.......” solicitando “(…) o arquivamento do Processo de Notificação da AT referenciado em epigrafe.”.

No documento, datado de 16/01/2025, a empresa B........, C........declara que elabora as contas da empresa T...... Limited para os anos fiscais terminados a 31 de dezembro de 2019 e a 31 de dezembro de 2020 e que esta empresa detinha um saldo de Outros Credores no valor total de 4 389 753,00€, dos quais 4 009 150,00€ foi pago a J......, enquanto último beneficiário efetivo da empresa, a título de pagamento aos credores da empresa.

Anexam 2 extratos bancários onde se verifica que foi efetuada a transferência do valor de 4 009 150,00€ da conta em nome da T...... Ltd para a conta no banco U........ AG, com o IBAN CH0……, em nome de J...... e E….., no dia 29/09/2020.

Vem, assim, o sujeito passivo alegar que a transferência efetuada para a sua conta privada no banco da Suíça se refere a capitais próprios e como tal não sujeitos a qualquer tributação no território nacional.

No entanto, conforme refere, o seu marido J......, não era o acionista direto da sociedade T...... Limited, mas sim outra sociedade, pelo que, na Declaração da empresa B........, C........referiram que o montante de 4 009 150,00€ foi pago a J...... enquanto ultimo beneficiário efetivo da empresa.

Contudo, não foram apresentados quaisquer documentos, designadamente extratos contabilísticos referentes aos movimentos efetuados na contabilidade da sociedade T...... Limited, nem identificada a outra sociedade e as eventuais relações existentes entre as duas sociedades e o sujeito passivo J.......

De acordo com os elementos e documentos apresentados, não sabemos se essa sociedade se encontrava sediada em território nacional ou fora dele, assim como não foi justificada a natureza concreta da operação efetuada que originou o crédito em causa, nem a que título foi efetuada a transferência do montante em causa para a conta privada do sujeito passivo, pelo que, não se encontra comprovado que o acréscimo patrimonial verificado na conta bancária sediada na Suíça não é passível de tributação em sede de IRS.

Deste modo e face ao exposto, na ausência da apresentação de concretos elementos justificativos por parte do sujeito passivo de qual a natureza concreta da fonte do acréscimo, verificam-se os pressupostos de tributação relativos a “manifestações de fortuna e outros acréscimos patrimoniais não justificados”, estabelecidos no número 3 do artigo 89.º-A, e na

alínea f) do número 1 do artigo 87.º, ambos da LGT, propondo-se a respetiva tributação na categoria G de IRS (incrementos patrimoniais, cfr. artigo 9.º - número 1, alínea d) do CIRS).

Assim, e tendo ainda presente a disciplina vertida no artigo 39.º do CIRS, proceder-se-á ao apuramento da matéria tributável, mediante o recurso a métodos indiretos, de acordo com os critérios descritos nos capítulos VI e VII, infra.

(…)

VI. Motivo e exposição dos factos que implicam o recurso a métodos indiretos

Verificados os pressupostos para aplicação de métodos indiretos, descritos anteriormente, e tendo em conta que foi apresentada pelo sujeito passivo a declaração de rendimentos Modelo 3 de IRS, a que se refere o artigo 57.º do CIRS, relativa ao ano de 2020 e, não foi justificado, o acréscimo patrimonial detetado, cabe à AT proceder à correção dos rendimentos declarados em sede de IRS, através da aplicação de métodos indiretos na determinação do rendimento coletável do sujeito passivo, conforme número 2 do artigo 65.º do Código do IRS, que estabelece que “2- A Autoridade Tributária e Aduaneira procede à fixação do conjunto dos rendimentos líquidos sujeitos a tributação quando ocorra alguma das situações ou factos previstos no (…) no artigo 39.º (…).”.

Por sua vez, o artigo 39.º do CIRS determina que “1- A determinação do rendimento por métodos indiretos verifica-se nos casos e condições previstos nos artigos 87.º a 89.º da lei geral tributária (…).”.

De acordo com a alínea f) do numero 1 do artigo 87.º da LGT “1 – A avaliação indireta só pode efetuarse em caso de: (…) f) Acréscimo de património ou despesa efetuada, incluindo liberalidades, de valor superior a €100 000, verificados simultaneamente com a falta de declaração de rendimentos ou com a existência, no mesmo período de tributação, de uma divergência não justificada com os rendimentos declarados”.

O número 5 do mesmo artigo 89.º-A da LGT estabelece que “5 - Para efeitos da alínea f) do n.º 1 do artigo 87.º: a) Considera-se como rendimento tributável em sede de IRS, a enquadrar na categoria G, quando não existam indícios fundados, de acordo com os critérios previstos no artigo 90.º, que permitam à administração tributária fixar rendimento superior, a diferença entre o acréscimo de património ou a despesa efetuada, e os rendimentos declarados pelo sujeito passivo no mesmo período de tributação; b) Os acréscimos de património consideram-se verificados no período em que se manifeste a titularidade dos bens ou direitos e a despesa quando efetuada;c) Na determinação dos acréscimos patrimoniais, deve atender-se ao valor de aquisição e, sendo desconhecido, ao valor de mercado; d) Consideram-se como rendimentos declarados os rendimentos líquidos das diferentes categorias de rendimentos.”.

VII. Critérios de cálculo dos valores corrigidos com recurso a métodos indiretos

Conforme já referido supra, foi apurado um incremento patrimonial de 3 923 015,60€, nos saldos das contas bancárias do sujeito passivo no período de 31/12/2019 a 31/12/2020, tendo sido declarado na declaração de rendimentos modelo 3 de IRS rendimentos líquidos no valor total de 430 967,03€, verificando-se assim, uma divergência entre o acréscimo de património e os rendimentos declarados de 3 492 048,57€ (3 923 015,60€ - 430 967,03€).

Este acréscimo patrimonial deverá ser considerado como rendimento da categoria G de IRS, de acordo com a alínea d) do número 1 do artigo 9.º do CIRS (“1 – Constituem incrementos patrimoniais, desde que não considerados rendimentos de outras categorias: d) Os acréscimos patrimoniais não justificados, determinados nos termos dos artigos 87.º, 88.º e 89.º - A da lei geral tributária.”) e com o número 3 do mesmo artigo 9.º (“São igualmente considerados incrementos patrimoniais aqueles a que se refere o n.º 5 do artigo 89.-A da lei geral tributária.”), devendo ser tributado no ano em que se verificou (Ano 2020), conforme previsto na alínea b) do número 5 do artigo 89.º-A da LGT, já anteriormente referido.

Desta forma, propõe-se o acréscimo ao resultado tributável do sujeito passivo do incremento patrimonial não justificado no valor de 3 492 048,57€, a enquadrar na categoria G de IRS.

O referido acréscimo patrimonial deverá ser tributado à taxa especial de 60%, prevista no número 16 do artigo 72.º do CIRS que determina “os acréscimos patrimoniais não justificados a que se refere a alínea d) do n.º 1 do artigo 9.º, de valor superior a €100 000, são tributados à taxa especial de 60%”.

(…)

X. Direito de audição

O sujeito passivo foi notificado por via postal, em 03/02/2025, nos termos previstos no art.º 60º da Lei Geral Tributária e no art.º 60º do Regime Complementar do Procedimento da Inspeção Tributária e Aduaneira (RCPITA), pelo nosso ofício n.º 00066s (Registo do CTT n.º RF816901185PT), de 29/01/2025, para exercer o direito de audição previsto naqueles preceitos, relativamente às correções descritas no Projeto de Relatório, não tendo exercido esse direito.

(…)» [cf. fls. 7 a 6 do documento SITAF n.º 006923266 e fls. 1 a 6 do documento SITAF n.º 006923267].

R) Em 26/02/2025 o Diretor de Finanças de Castelo Branco proferiu despacho de concordância com o relatório de inspeção e com as correções ali propostas, fixando o rendimento coletável de IRS do ano de 2020 no valor de 3.923,005,42€ [cf. fls. fls. 10 e 11 do documento SITAF n.º 006923267].

S) Em 26/02/2025 os Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Castelo Branco expediram, por correio registado, o ofício n.º 00120s, dirigido a J...... e à ora Recorrente, para notificação do relatório de inspeção tributária [cf. fls. 4 a 6 do documento SITAF n.º 006923266].

T) Em 26/02/2025 os Serviços da Direção de Finanças de Castelo Branco expediram, por correio registado e aviso de receção, o ofício n.º 00121s, dirigido a J...... e à ora Recorrente, recebido em 27/02/2025, para notificação do despacho de fixação do rendimento coletável mencionado em R) [cf. fls. 7 a 9 do documento SITAF n.º 006923267].

U) A petição inicial que deu origem aos presentes autos foi remetida ao Tribunal, por site, em 10/03/2025 [cf. 1 a 3 do documento SITAF n.º 006916493].

V) Em 01/10/2000 foi celebrado um «Contrato de Agente» entre a sociedade K...... INC (designada “O Principal”) e a T...... LIMITED (designada “O Agente”), cujo teor aqui se dá como reproduzido, nos termos do qual o Agente conduziria as atividades comerciais em nome do

Principal, constando da sua cláusula 1.5) que «Todos os valores recebidos pelo Agente em nome do Principal serão remetidos para uma conta especificada pelo Principal no último dia útil de cada mês calendário» [cf. fls. 1 a 4 do documento SITAF n.º 006920001].

W) Em 30/08/2020 foi celebrado um «Acordo de Transferência de Dívida» entre a T...... LIMITED (Primeiro Outorgante), J...... (Segundo Outorgante, identificado como acionista do primeiro outorgante e novo credor) e a K...... INC (Terceiro Outorgante), cujo teor aqui se dá como reproduzido e do qual se destaca o seguinte

«(…)

1) Reconhecimento da dívida

O Primeiro Outorgante tem uma dívida no valor de 4.009.150,00 Euro (quatro milhões nove mil e cento e cinquenta euros) perante o Terceira Outorgante, K...... INC, relacionada com o Contrato de Agente firmado entre o Primeiro e o Terceiro Outorgantes, no qual o Primeiro concordou conduzir as atividades comerciais em nome do Terceiro Outorgante.

2) Transferência da Dívida

Com a execução deste contrato, o Primeiro Outorgante cede ao Segundo Outorgante, que aceita, a dívida referida na cláusula anterior, mediante contrapartida no valor de 4.009.150,00 Euro (quatro milhões nove mil e cento e cinquenta euros), que o Primeiro Outorgante se compromete a pagar ao Segundo Outorgante e acionista.

3) Assunção da Dívida

Com a transferência da dívida, o Segundo Outorgante se compromete a pagar a dívida ao credor, Terceiro Outorgante, conforme acordo entre ambas, declarando ambas as partes que nenhuma outra dívida é devida em aplicação ao contrato de agente firmado com o Primeiro Outorgante, ou por qualquer outro facto.

4) Rescisão do contrato de Agência

Com a assinatura deste acordo de transferência de dívida, o Primeiro Outorgante e o Terceiro Outorgantes concordam com o termo do Contrato de Agente entre elas, declarando o Terceiro Outorgante que, nos termos do Contrato de Agente, recebeu do Primeiro Outorgante todos os documentos, extratos bancários, contratos, correspondências e quaisquer outros documentos relacionados com as atividades comercias.

5) Exoneração

Ao assinar este contrato, o Terceira Outorgante ratifica este contrato, declarando expressamente para todos os fins, que pretende exonerar o Primeiro Outorgante de todas as dívidas, diretas e indiretas, relacionadas ao contrato de agente (…)»

[cf. fls. 1 a 3 do documento SITAF n.º 006920003].

X) J...... era detentor de 75% ou mais das ações da sociedade B........ LIMITED, tendo esta sido dissolvida em 22/02/2022 [cf. fls. 1 e 2 do documento SITAF n.º 006919996].

Y) A sociedade B........ LTD era uma pessoa com controlo significativo da T...... LTD [cf. fls. 2 do documento SITAF n.º 006919999].

Z) A sociedade T...... LIMITED foi encerrada em 31/08/2021 e dissolvida em 07/09/2021, tendo as últimas contas sido elaboradas até 31/12/2019 [cf. fls. 1 e 2 do documento SITAF n.º 006919999].

AA) O Balanço da sociedade T...... LIMITED reportado a 31/12/2019 evidenciava dívidas a credores a pagar até um ano no valor de 4.392.459€ e dinheiro no banco e em caixa no valor de 6.059.621€ [cf. fls. 2 do documento SITAF n.º 006920005].”

*

Factos não provados

“Com interesse para a decisão não se provou que:

1) O montante de 4.009.150,00€ transferido em 29/09/2020 para a conta bancária da Recorrente e seu falecido marido destinava-se ao pagamento de uma dívida, nesse exato montante, da sociedade T...... LIMITED à sociedade K...... INC. decorrente de um contrato de agência.”

*

Motivação

Motivação: a convicção do tribunal quanto aos factos provados efetuou-se com base nos documentos juntos aos autos na plataforma informática SITAF e nas posições assumidas pelas partes, conforme discriminado em cada uma das alíneas do probatório.

Quanto ao facto não provado descrito em 1), o tribunal considerou que a prova produzida se revelou insuficiente para demonstrar a sua veracidade.

A fragilidade desta prova documental é acentuada pela manifesta falta de racionalidade económica e de verosimilhança do negócio descrito no "Acordo de Transferência de Dívida". Efetivamente, tendo a sociedade T...... meios financeiros para liquidar diretamente a sua alegada dívida à K...... [alínea AA) dos factos provados], a opção por transferir essa responsabilidade e os fundos correspondentes para a conta pessoal de J...... (seu beneficiário efetivo), para que este saldasse a dívida, é uma prática anómala, carecida de qualquer lógica empresarial, constituindo um forte indício de que o negócio jurídico formalizado não correspondeu à real intenção das partes. Acresce que, a circunstância de o dinheiro transferido ter continuado na conta bancária da Recorrente e seu falecido marido durante vários anos, até pelo menos à intervenção da inspeção tributária, aponta igualmente no sentido de que a transferência bancária não tinha a finalidade alegada, pois tal inércia contraria o propósito de um pagamento a um credor.

Por fim, as testemunhas A....... e C....... não revelaram conhecimento direto dos factos. Os seus depoimentos baseiam-

se em informações que lhes foram transmitidas por terceiros e na interpretação que fizeram dos documentos que então obtiveram. Nenhum deles demonstrou ter conhecimento direto da existência da dívida, do propósito do "Acordo de Transferência de Dívida" e da transferência bancária.

Em suma, as fragilidades, inconsistências e inverosimilhanças que emergem da análise da prova documental produzida e a falta de conhecimento direto das testemunhas impedem este Tribunal de formar uma convicção positiva quanto à veracidade do alegado, motivo pelo qual deu o facto como não provado.”

*
II.2 - De direito

In casu, a Recorrente não se conforma com a decisão que julgou improcedente o recurso por si interposto ao abrigo do disposto nos n.ºs 7 e 8 do artigo 89.º-A da LGT, na sequência da sua notificação da decisão do Diretor de Finanças, que fixou, por avaliação indireta, o rendimento coletável de IRS do ano de 2020 da Recorrente e do seu falecido marido, ao abrigo do nº 7 do art. 89º- A da LGT.

Em causa está uma decisão do Diretor de Finanças de Castelo Branco, de 26/2/2025, que fixou à Recorrente, relativamente ao ano de 2020, um rendimento coletável em IRS, apurado por métodos indiretos, no montante de €3.492.048,57.


Vejamos então.

Com o recurso da decisão do Diretor de Finanças de Castelo Branco que fixou, por avaliação indireta, o rendimento coletável de IRS do ano de 2020, a ora Recorrente suscitou, a título de questão prévia, a nulidade da notificação da decisão de avaliação da matéria coletável pelo método indireto, por entender que face ao conhecimento do óbito do seu cônjuge, a AT tinha o dever de promover o incidente de habilitação de herdeiros, nos termos do n.º 2 do artigo 29º da LGT, de forma a que a notificação fosse efetuada aos respetivos herdeiros.

O Tribunal a quo entendeu que “A eventual nulidade ou ineficácia da notificação da decisão de avaliação da matéria coletável pelo método indireto, por não contender com a legalidade desta decisão, é questão que não pode ser apreciada no âmbito do presente processo, cujo objeto se restringe à legalidade da decisão de avaliação da matéria coletável e não da sua notificação.”

A Recorrente entende que o Tribunal recorrido, errou ao assim considerar, pois, a fixação do rendimento coletável por métodos indiretos diz respeito não só à ora Recorrente mas também aos restantes herdeiros, o que significa que terão que ser chamados a pronunciar-se no sentido de concordarem ou não com tal fixação da matéria coletável.

Mais aduz a Recorrente nas suas alegações e conclusões de recurso que, “…ao tomar conhecimento do óbito do marido da Recorrente, a Autoridade Tributária deveria ter suspendido o procedimento, de forma a efetuar a habilitação dos herdeiros.” E ainda, que, “Não tendo sido promovida a habilitação dos herdeiros, a notificação que foi efetuada ao marido da Recorrente fica inevitavelmente ferida de invalidade.”

Sucede que, como bem entendeu o Tribunal a quo, a única questão a decidir nos autos é a de saber se a decisão de fixação do rendimento coletável de IRS com recurso à avaliação indireta incorre em vício de violação de lei, por erro nos pressupostos, por alegada inexistência de um acréscimo de património não justificado.

A eventual nulidade ou ineficácia da notificação da decisão de avaliação da matéria coletável pelo método indireto, por não contender com a legalidade desta decisão, é questão que não pode ser apreciada no âmbito do presente processo, cujo objeto se restringe à legalidade da decisão de avaliação da matéria coletável e não da sua notificação.

Pelo que terá o recurso que improceder nesta parte.

Prosseguindo.

Atentemos, ora, no erro de julgamento de facto.

Ora, se o que está em causa é o Tribunal a quo ter errado o seu julgamento de facto, cumpre ter em conta a tramitação processual atinente à impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto.

Para o efeito, importa começar por aferir se a Recorrente cumpriu os requisitos consignados no artigo 640º do CPC.

Preceitua o aludido normativo que:

1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.os 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.”

Com efeito, no que diz respeito à disciplina da impugnação da decisão de 1ª. instância relativa à matéria de facto, a lei processual civil impõe ao Recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso, quanto ao fundamento em causa. Ele tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorretamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizadas, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adotada pela decisão recorrida (António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 5ª edição, pp 165 e 166; José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, C.P.Civil anotado, Volume 3º., Tomo I, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 2008, pág.61 e 62; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª. edição, Almedina, 2009, pág.181; Vide, designadamente, Acórdão do TCA Sul, proferido no processo nº 6505/13, de 2 de julho de 2013.).

No concernente à observância dos requisitos constantes do citado normativo relativamente à prova testemunhal, importa relevar que a indicação exata das passagens de gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados, além de constituírem uma condição essencial para o exercício esclarecido do contraditório, servem sobretudo de parâmetro da amplitude com que o tribunal de recurso deve reapreciar a prova.

Mais importa ter presente que nem todos os factos alegados pelas partes, ainda que provados, carecem de integrar a decisão atinente à matéria de facto, porquanto apenas são de considerar os factos cuja prova (ou não prova) seja relevante face às várias soluções plausíveis de direito. Por outro lado, cumpre distinguir entre factos provados e meios de prova, sendo que uns não se confundem com os outros.

Feitos estes considerandos iniciais, verifica-se que, in casu, a Recorrente impugna a matéria de facto, alegando que o Tribunal a quonão deu como provado, como devia, dado que ficou claramente evidenciado na audiência, mediante o depoimento das duas testemunhas arroladas, que os herdeiros, logo após o falecimento do marido da Recorrente, procuraram identificar alguém com poderes de representação da sociedade K......, sendo certo porém que não tiveram sucesso.” [Conclusão 24.ª], sem para tanto ter indicado com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso.

Como tal, não basta ao Recorrente manifestar de forma não concretizada a sua discordância com a decisão da matéria de facto efetuada pelo Tribunal a quo, impondo­-se-lhe os ónus já mencionados

In casu, verifica-se que a Recorrente não cumpriu com o exigido pelo disposto no artigo 640º do CPC.

Face ao exposto, rejeita-se o recurso nesta parte.

Uma vez estabilizada a matéria de facto, prossigamos.
*

Erro de julgamento de direito.

No seu recurso da decisão do Diretor de Finanças de Castelo Branco que fixou, por avaliação indireta, o rendimento coletável de IRS do ano de 2020, no montante de 3.492.048,57€, alega a ora Recorrente, que, não se verifica um acréscimo patrimonial injustificado aduzindo a seguinte argumentação: no ano de 2020, e na sequência da liquidação das sociedades B........, LIMITED e T...... , LIMITED, o marido da Recorrente recebeu na sua conta bancária a importância correspondente a €4.009,150; a T...... , LIMITED era devedora à empresa K...... INTERNACIONAL INC. de uma quantia correspondente a €4.009,150, e na sequência da liquidação da empresa devedora, foi celebrado um acordo, através do qual o marido da Recorrente ficou com a incumbência de saldar tal dívida, sendo certo, porém, que até ao final do ano de 2024, não tinha sido possível identificar o verdadeiro beneficiário efetivo da empresa credora, razão pela qual a quantia em causa continua depositada na sua conta.

Conclui que o acréscimo evidenciado na conta da Recorrente e do seu falecido marido não faz parte do património de ambos e encontra a sua justificação no facto de este último ter sido incumbido, em função da liquidação da sociedade devedora, de efetuar o pagamento a uma empresa credora daquele valor, em função de um contrato de agência celebrado no ano de 2000.

A AT, por seu turno, defende que se verificam os pressupostos legais para a aplicação de métodos indiretos, previstos na alínea f) do nº 1 do artigo 87º e no artigo 89º-A, ambos da LGT, porquanto existe uma divergência não justificada entre o elevado incremento de saldos bancários verificado (3.923.015,60€) e os rendimentos declarados pelo agregado familiar em 2020 (430.967,03€). Sustenta que a Recorrente não fez prova em sede inspetiva de que o acréscimo patrimonial evidenciado nas contas bancárias não é passível de tributação em sede de IRS, não tendo também logrado fazer essa prova nos presentes autos, apresentando, aliás, aqui, uma versão diferente e contraditória da que havia apresentado em sede inspetiva.

O Tribunal a quo entendeu que, “…não tendo a Recorrente logrado ilidir a presunção legal, ou seja, não tendo cumprido o ónus que sobre si impedia de provar que a fonte do acréscimo patrimonial era outra que não um rendimento sujeito a tributação, impõe-se concluir que a decisão da AT de recorrer à avaliação indireta da matéria tributável não incorre em vício de violação de violação de lei por erro nos pressupostos.

Com tal entendimento não se conforma a Recorrente.

Mas será que tem razão?

Nas suas conclusões de recurso, defende a Recorrente, que, contrariamente ao que é sustentado na decisão ora recorrida, o contrato de agência não fragiliza o acordo e não é inverosímil a acumulação de uma dívida de tão elevado montante, uma vez que está devidamente registada na contabilidade da empresa e foi objeto de certificação por parte dos auditores.

Mais refere, que, para se colocar em causa a existência da dívida, teria que ser posta em causa a contabilidade da empresa e a certificação efetuada pelos auditores, que foram dadas como provadas.

Para a Recorrente, não é relevante que o balanço não identifique diretamente a K......, já que tal identificação, usual no domínio contabilístico, quer em Portugal quer no Reino Unido, é efetuada através da conjugação do balanço com os contratos celebrados pela sociedade.

Também não é relevante a cláusula de exoneração de responsabilidade, que é habitualmente colocada em quaisquer certificações e auditorias realizadas, quer em Portugal quer nos diversos países da União Europeia.

Aduz, que só por manifesto desconhecimento se pode sustentar a falta de racionalidade económica e a existência de prática anómala na opção de transferir a responsabilidade pelo pagamento da dívida para um terceiro.

No entender da Recorrente, é usual na liquidação das sociedades comerciais, de forma a facilitar a extinção imediata da sociedade, evitando que continue ativa e a gerar custos sem ter qualquer atividade, transferir as dívidas ou os créditos para outra pessoa ou entidade, que fica com a responsabilidade de pagar ou receber.

Diz ainda a Recorrente nas suas alegações e conclusões de recurso, que contrariamente ao que é defendido na sentença, a falta de pagamento da dívida por parte do falecido marido da Recorrente não fico a dever-se a inércia, sendo público e notório que nos anos de 2020 e 2021 o mundo inteiro esteve praticamente paralisado por via da Covid 19.

O Tribunal a quo não deu como provado, como devia, dado que ficou claramente evidenciado na audiência, mediante o depoimento das duas testemunhas arroladas, que os herdeiros, logo após o falecimento do marido da Recorrente, procuraram identificar alguém com poderes de representação da sociedade K......, sendo certo porém que não tiveram sucesso.

Continua defendendo, que, por essa razão, os herdeiros tomaram a iniciativa de proceder à devolução do dinheiro, na plena convicção que não lhes pertencia, pelo que não é possível sustentar um acréscimo não justificado de uma importância que nunca foi utilizada e que foi devolvida.

Apreciando.

Preceitua a alínea f) do n.° 1 do artigo 87°, da LGT (na redação introduzida pela Lei n.° 94/2009, de 1 de setembro), que a “avaliação indireta só pode efetuar-se em caso de: (...) acréscimo de património ou despesa efetuada, incluindo liberalidades, de valor superior a € 100 000, verificados simultaneamente com a falta de declaração de rendimentos ou com a existência, no mesmo período de tributação, de uma divergência não justificada com os rendimentos declarado”.

E como bem refere a sentença recorrida, são dois os pressupostos de aplicação da alínea f) do n.° 1 do artigo 87°, da LGT, a: (i) existência de acréscimo de património ou de despesa efetuada, incluindo liberalidades, de valor superior a €100.000,00; (ii) verificados com uma falta de declaração de rendimentos ou com a existência, no mesmo período de tributação de uma divergência não justificada com os rendimentos declarados.

Resultando da matéria de facto provada, e não impugnada com sucesso, que a Administração Tributária, demonstrou a existência de um incremento nos saldos das contas bancárias tituladas pela Recorrente e seu falecido marido no valor de 3.923.015,60€ durante o ano de 2020, e que no mesmo período o casal declarou rendimentos líquidos no valor de 430.967,03€.

A sentença recorrida fez uma correta análise dos factos, apreciou a prova produzida, testemunhal e documental e, sem merecer reparo, concluiu que não estava demonstrado que o movimento a crédito na conta bancária CH 27......domiciliada no banco U........ AG no montante de € 4.009.150,00, recebido a 29.09.2020, titulada pela Recorrente e o seu marido, se subsumia a um acordo de transferência de divida celebrado entre a T......, J........, o marido da R. e a K.......

A Recorrente, em sede inspetiva, afirmou que tal quantia correspondia a capitais próprios não sujeitos a tributação, juntando um documento datado de 16/01/2025, da B….., que se identifica como responsável pelas contas da T...... Limited, redigido em português, no qual, em síntese, é dito que o montante de 4.009.150€ foi pago a J........ enquanto último beneficiário efetivo da empresa, a título de pagamentos aos credores da mesma.

Com a PI a Recorrente apresentou uma justificação diversa, que a importância de €4.009.150,00 que foi transferida para a sua conta no banco U........ AG, corresponde ao valor de uma divida da T...... Limited à K...... INC., tendo o marido da R. a Incumbência de a saldar entregando essa quantia a esta última – o que não fez até ao momento porque não foi possível identificar o beneficiário efetivo da empresa credora. Afinal tal quantia não correspondia a capitais próprios e também não era um pagamento, como afirmado no documento da B........

Posteriormente, após a instauração do recurso ao abrigo do art. 89º-A, a R. vem juntar a cópia de um contrato de agência, celebrado em 01/10/2000, entre a K…. Internacional inc. e a T...... Limited, o qual se encontra assinado por “P….. e K…..” ambos na qualidade de diretores das duas sociedades, com assinaturas reconhecidas por notário, bem como a cópia de um documento particular designado por “Acordo de transferência de divida”, datado de 30/08/2020, também redigido na língua inglesa e traduzido para a língua portuguesa, celebrado entre a T......, o marido da R., na qualidade de acionista da T...... e a K...... na qualidade de credora, segundo o qual a T...... reconhece a existência de uma divida de 4.009.150,00€ para com a K......, quantia que é transferida para o marido da R. o qual se compromete a entrega-la à K......, declarando esta última que fica assim saldada a divida da T.......



Quase cinco anos depois a dita quantia de 4.009.150,00€ mantinha-se depositada na conta da Recorrente com o fundamento de que não era possível localizar os responsáveis pela K......, ainda que esteja demonstrado nos autos, através do acordo de agência, que ambas as partes – T...... e K...... – tinham os mesmos diretores. E a K...... estava, portanto, representada no acordo.

Sendo certo também que está demonstrado nos autos, através de um extrato contabilístico apresentado pela Recorrente, que, à data da sua celebração, existia liquidez na T...... para efetuar diretamente o pagamento à K....... E a K...... era parte nesse acordo.

Igualmente sem fundamento válido está a invocação pela Recorrente de que o acordo de transferência de divida foi celebrado por causa da dissolução da T......, pois esta apenas foi dissolvida mais de um ano depois da celebração desse acordo.

Acresce que nunca foi apresentada pela Recorrente a contabilidade da K......, que teria permitido apurar se não existiram outros movimentos contabilísticos que porventura pudessem ter anulado essa divida, passando a quantia de 4.009.150,00€ a ser efetivamente um capital próprio da Recorrente, ainda que com as consequências fiscais daí advindas.

Para além de se tratar de um documento particular, o acordo de transferência de divida está contextualizado num conjunto de contradições assentes numa evidente falta de racionalidade económica e numa prática anómala.

Pois se a K...... estava presente no acordo de transferência de divida e a T...... tinha liquidez para efetuar, na altura, o pagamento à K...... por que razão é que a quantia de 4.009.150,00€ foi transferida para o marido da R. que depois procederia ao pagamento à K......?

O contrato de agência celebrado em 2000, que alegadamente estava na génese do acordo de transferência de divida, contribui cabalmente para a fragilização do valor probatório deste último. Efetivamente, incluindo o acordo de agência uma cláusula que exigia uma liquidação mensal obrigatória, é incompreensível como é que se atingiu um valor de mais de 4 milhões de euros a débito.

Aqui chegados, e perante a matéria de facto dada como provada, não impugnada com sucesso, teremos de concluir que existem indícios fundados que conduzem à verificação dos pressupostos para o recurso à avaliação indireta, pelo que a sentença não incorreu em erro de julgamento de facto nem direito, não se verificando qualquer afronta à alínea f) do art.º 87.º da LGT

Estão assim preenchidos os pressupostos previstos na alínea f) do artigo 87º da LGT: um acréscimo patrimonial superior a 100.000,00€ e uma divergência não justificada com os rendimentos declarados.

Perante estes pressupostos a AT, e em cumprimento do disposto no n.º 3 do artigo 89.º-A da LGT, notificou os sujeitos passivos para justificarem a origem do referido acréscimo patrimonial.

A Recorrente em resposta à notificação da AT procurou justificar a diferença nos saldos bancários, alegando que uma transferência para conta bancária do casal no montante de 4 009 150,00€, efetuada pela sociedade T...... LIMITED, se refere a capitais próprios de seu marido não sujeitos a tributação.

Já nos presentes autos a Recorrente apresenta a tese de que a referida quantia de 4 009 150,00€ recebida na conta bancária se destinava a saldar uma dívida da sociedade T...... LIMITED à sociedade K...... INC., decorrente de um contrato de agência, tendo o seu falecido marido atuado como intermediário nesse pagamento.

Tendo a Administração Fiscal demonstrado os pressupostos da tributação, por força do n.º3 do artigo 89.ºA da LGT, competia ao contribuinte a comprovação de que correspondem à realidade os rendimentos declarados e de que é outra a fonte das manifestações de fortuna ou do acréscimo de património ou da despesa efetuada.

Não bastará ao Recorrente, fazer a demonstração de factos que permitam duvidar da existência do facto tributário ou da quantificação.

Contudo, não resulta provado nos autos que o montante de 4.009.150,00€ transferido em 29/09/2020 para a conta bancária da Recorrente e seu falecido marido se destinasse ao pagamento de uma dívida da sociedade T...... LIMITED à sociedade K...... INC.

Efetivamente, conforme o Tribunal a quo, bem salientou na motivação do facto não provado descrito em 1):

Motivação: a convicção do tribunal quanto aos factos provados efetuou-se com base nos documentos juntos aos autos na plataforma informática SITAF e nas posições assumidas pelas partes, conforme discriminado em cada uma das alíneas do probatório.

Quanto ao facto não provado descrito em 1), o tribunal considerou que a prova produzida se revelou insuficiente para demonstrar a sua veracidade.

A prova documental produzida revela-se frágil e inconclusiva.

O "Acordo de Transferência de Dívida" [alínea W) dos factos provados], sendo um documento particular, por si só, tem reduzida força probatória. O "Contrato de Agência" celebrado em 2000 [alínea V) dos factos provados], invocado como causa subjacente da alegada dívida, não só não corrobora o "Acordo de Transferência de Dívida", como o fragiliza. Com efeito, a cláusula 1.5) do contrato ao estabelecer um mecanismo de liquidação mensal obrigatório, torna inverosímil a acumulação de uma dívida de tão elevado montante, vinte anos depois. Os restantes documentos não superam esta inconsistência. O balanço da T......, reportado a 31/12/2019 [alínea AA) dos factos provados], embora evidencie uma rubrica de “Credores”, não permite identificar a K...... como titular de um crédito de 4.009.150,00€. A declaração emitida pelos contabilistas da T...... [alínea M) dos factos provados], além de vaga e ambígua, não identifica a K...... como credora, e contém uma cláusula de exoneração de responsabilidade que lhe retira credibilidade.

A fragilidade desta prova documental é acentuada pela manifesta falta de racionalidade económica e de verosimilhança do negócio descrito no "Acordo de Transferência de Dívida". Efetivamente, tendo a sociedade T...... meios financeiros para liquidar diretamente a sua alegada dívida à K...... [alínea AA) dos factos provados], a opção por transferir essa responsabilidade e os fundos correspondentes para a conta pessoal de J...... (seu beneficiário efetivo), para que este saldasse a dívida, é uma prática anómala, carecida de qualquer lógica empresarial, constituindo um forte indício de que o negócio jurídico formalizado não correspondeu à real intenção das partes. Acresce que, a circunstância de o dinheiro transferido ter continuado na conta bancária da Recorrente e seu falecido marido durante vários anos, até pelo menos à intervenção da inspeção tributária, aponta igualmente no sentido de que a transferência bancária não tinha a finalidade alegada, pois tal inércia contraria o propósito de um pagamento a um credor.

Por fim, as testemunhas A....... e C....... não revelaram conhecimento direto dos factos. Os seus depoimentos baseiam-se em informações que lhes foram transmitidas por terceiros e na interpretação que fizeram dos documentos que então obtiveram. Nenhum deles demonstrou ter conhecimento direto da existência da dívida, do propósito do "Acordo de Transferência de Dívida" e da transferência bancária.

Em suma, as fragilidades, inconsistências e inverosimilhanças que emergem da análise da prova documental produzida e a falta de conhecimento direto das testemunhas impedem este Tribunal de formar uma convicção positiva quanto à veracidade do alegado, motivo pelo qual deu o facto como não provado.

A prova produzida revelou-se insuficiente para sustentar a versão da Recorrente.

Destarte, improcedem as pretensões da Recorrente.

Em face do exposto, concluímos que a sentença recorrida terá de manter-se.

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III. DECISÃO


Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO, SUBSECÇÃO COMUM, deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida.

Custas pela Recorrente.

Registe e notifique.

Lisboa, 16 de outubro de 2025.
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[Maria da Luz Cardoso]

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[Vital Lopes]
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[Ana Cristina Carvalho]