Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 338/20.0BELLE-A |
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Secção: | JUIZ PRESIDENTE |
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Data do Acordão: | 07/21/2025 |
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Relator: | TÂNIA MEIRELES DA CUNHA |
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Descritores: | PEDIDO DE ESCUSA ESCUSA DE JUIZ IMPARCIALIDADE |
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Sumário: | I. A escusa, tal como a suspeição, é um meio instrumental da garantia da imparcialidade. No entanto, tratando-se de um desvio ao princípio do juiz natural, deve ser usado com ponderação e cautela.
II. Sendo o gerente único da Impugnante médico assistente do escusante e considerando as específicas caraterísticas de relação médico-doente, é razoável admitir que existe uma efetiva suscetibilidade de, na comunidade em geral, se poderem suscitar dúvidas e desconfianças sobre a isenção e imparcialidade. |
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Votação: | DECISÃO SINGULAR |
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Aditamento: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | Decisão [art.º 119.º n.º 5, do Código de Processo Civil (CPC)] I. O Senhor Juiz Desembargador …………………….., em exercício de funções neste TCAS, veio, ao abrigo do disposto no art.º 119.º do CPC, aplicável ex vi art.º 2.º, alínea e), do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), apresentar pedido de escusa de intervir nos autos n.º 338/20.0BELLE, por entender que tal intervenção, a manter-se, é suscetível de criar desconfiança acerca da sua imparcialidade. Sustenta o seu pedido, fundamentalmente, no seguinte: “1 – O processo foi distribuído neste Tribunal Central Administrativo Sul no início do mês, tendo sido aberta a primeira conclusão no passado dia 15. 2 – Até ao momento, o Requerente não proferiu qualquer despacho nem teve qualquer outra intervenção no processo – artigo 119.º, n.º 2, do CPC. 3 – Ao estudar o processo, o Requerente verificou no Relatório de Inspeção Tributária que a Recorrida tem como atividade principal «Atividades de prática médica em clínica especializada, ambulatório», 4 - Sendo António ………………….. o seu sócio-gerente, quer atualmente quer à data dos factos (IRC do exercício de 2008: diligências relativas à notificação para o exercício do direito de audião prévia – morada do domicílio fiscal - despesas não documentadas). 5 – Sucede que nas últimas férias da páscoa o Requerente decidiu consultar um médico cardiologista. 6 – Para o efeito, marcou uma consulta através do site do Hospital de Loulé, tendo optado, por compatibilidade de agenda, pelo Dr. …………….. 7 – A consulta realizou-se no passado dia 30 de maio, a meio da manhã. 8 – No final da consulta, o Dr. ………………… emitiu uma prescrição para realização de diversos exames cujos resultados o Requerente lhe deve apresentar em consulta a marcar para meados de setembro/outubro. 9 – Ao estudar o processo, o Requerente apercebeu-se, a partir da fotografia constante da cópia do bilhete de identidade que se encontra em Processo (84625) Documento(s) (005675029) Pág. 13 de 24/05/2021 19:34:28, que o sócio-gerente da Recorrida A ……………., Lda., António ………………….., é o médico cardiologista António …………… que o Requerente consultou em maio e consultará no futuro. 10 – O que o Requerente confirmou ao comparar a fotografia do processo com a fotografia de apresentação disponível em https://www.hospitaldeloule.com/pt/serviços/medico/130/, site do Hospital de Loulé no qual fizera a marcação da consulta. 11 – Nos termos do artigo 119.º, n.º 1, parte final, do Código de Processo Civil, o juiz não pode declarar-se voluntariamente suspeito, mas pode pedir que seja dispensado de intervir na causa quando, por circunstâncias ponderosas, entenda que pode suspeitar-se da sua imparcialidade. Assim, atendendo à relação de paciente-médico existente entre o Requerente e o sócio-gerente da Recorrida, e de modo a prevenir qualquer suspeita de parcialidade por causa desta, requer-se a V. Exa. a dispensa de intervenção no processo 338/20.0BELLE”.
II. Apreciando. O pedido de escusa do juiz, previsto no art.º 119.º do CPC, visa dotar o julgador de um instrumento que lhe permita ser dispensado de intervir na causa, quando considere que se verificam algumas das circunstâncias elencadas como motivadoras do incidente de suspeição, previsto no art.º 120.º do CPC, ou quando entenda que há outras circunstâncias ponderosas que conduzem à conclusão de que se pode suspeitar da sua imparcialidade (cfr. n.º 1 do mencionado art.º 119.º). A escusa, tal como a suspeição, é um meio instrumental da garantia da imparcialidade. No entanto, tratando-se de um desvio ao princípio do juiz natural, deve ser usado com ponderação e cautela. No caso, o Senhor Juiz Desembargador escusante invoca a suscetibilidade de ser posta em causa a sua imparcialidade, baseando-se na circunstância de a sociedade Impugnante nos autos principais ser sociedade cujo sócio-gerente é seu médico assistente, justificando-se o pedido de escusa pela relação paciente-médico existente. Em situação com contornos semelhantes aos presentes já foi proferida decisão neste TCAS, a 04.06.2025, no âmbito do processo 23701/25.6BELSB-A, pelo que se passará a seguir a fundamentação aí explanada, que se transcreve em parte: “Considera-se que os factos invocados são suscetíveis de pôr em causa as garantias de imparcialidade a que já nos referimos. Com efeito, sendo certo que nem todas as interações sociais que um juiz tenha são suscetíveis de justificar o deferimento de um pedido de escusa [cfr., v.g., as decisões deste TCAS de 27.04.2022 (Processo: 204/22.5BELLE-A) e de 03.02.2025 (Processo: 352/23.4BELRS-A)], a relação social que ora é chamada à colação tem uma natureza tal que sustenta o nosso entendimento de que a pretensão da escusante merece procedência. (…) [A] relação médico-doente tem ínsita a existência de mútua confiança [cfr., a este respeito, o art.º 139.º do Estatuto da Ordem dos Médicos (DL n.º 282/77, de 05 de julho) e o art.º 29.º Regulamento de Deontologia Médica (Regulamento n.º 707/2016, de 21 de julho)]. Da mesma forma, tal relação pressupõe o acesso por parte do médico assistente a um conjunto de informação sensível do seu doente. Ou seja, e retornando ao caso em análise, há aqui uma específica ligação que, sendo do foro profissional, tem inerente uma relação de mútua confiança, que implica, aliás, o acesso a dados sensíveis e da esfera íntima da escusante. Face a este contexto e considerando as específicas caraterísticas atinentes a esta relação, é razoável admitir que existe uma efetiva suscetibilidade de, na comunidade em geral, se poderem suscitar dúvidas e desconfianças sobre a isenção e imparcialidade da Senhora Juíza escusante na apreciação e julgamento dos autos principais. É certo que, do ponto de vista subjetivo, não existe notícia de que o comportamento da escusante possa inculcar uma possível falta de imparcialidade, bem pelo contrário, tendo sido o presente incidente suscitado pela própria magistrada, atitude que só pode ser qualificada de escrupulosa. Não estando, pois, em causa qualquer prevenção quanto à garantia de imparcialidade subjetiva, o certo é que pode estar criado um quadro de aparências capaz de sustentar, no juízo público conhecedor daquela situação de relacionamento, dúvidas, desconfianças ou suspeitas sobre a indispensável imparcialidade do julgador e sobre o modo de funcionamento da Justiça”. Como tal, o pedido formulado tem de ser deferido, nos termos do disposto no art.º 119.º, n.ºs 1 e 4, do CPC.
III. Face ao exposto: Defere-se o pedido de escusa apresentado pelo Senhor Juiz Desembargador Tiago Filipe Pereira Brandão de Pinho para intervir no julgamento do presente recurso. Sem custas. Registe e notifique.
Lisboa, d.s. A Juíza Desembargadora Presidente,
(Tânia Meireles da Cunha) |