Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:554/10.3BECTB
Secção:CA
Data do Acordão:10/09/2025
Relator:HELENA TELO AFONSO
Descritores:AMPLIAÇÃO DO PEDIDO
Sumário:I – A atualização das tarifas para o ano de 2010 não altera a relação jurídica processual inicialmente configurada pelas partes, constituindo um desenvolvimento do pedido inicial, pelo que é admissível a ampliação do pedido ao montante relativo ao recálculo dos fornecimentos em função da atualização das tarifas para o ano de 2010, em conformidade com o previsto no artigo 273.º, n.º 2, do CPC`61.
II – E consequentemente, deve o réu ser condenado a pagar à autora a quantia total de € 28 811,04 (vinte e oito mil oitocentos e onze euros e quatro cêntimos), referente à atualização da tarifa de fornecimento de água para vigorar no ano de 2010 e o total de € 32 257,80 (trinta e dois mil duzentos e cinquenta e sete euros e oitenta cêntimos), referente à atualização da tarifa de saneamento para vigorar no ano de 2010, a acrescer ao valor de € 516.447,79, acrescidos de juros de mora vencidos até 30/09/2010, no valor de €5.918,92, e de juros vincendos, relativo aos serviços prestados – fornecimento de água e saneamento – relativos ao ano de 2010.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção de Contratos Públicos
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I – Relatório:
Águas do Vale do Tejo, S.A., que sucedeu ope legis, a Águas do Zêzere e Coa, S.A., instaurou a presente ação administrativa contra o Município do Fundão, na qual peticionou a condenação do réu no pagamento de € 516.447,79 (quinhentos e dezasseis mil quatrocentos e quarenta e sete euros e setenta e nove cêntimos), relativos à prestação de serviços de abastecimento de água e de recolha de efluentes prestados ao Réu; de € 5.918,92 (cinco mil novecentos e dezoito euros e noventa e dois cêntimos), a título de juros de mora vencidos até 30 de Setembro de 2010, perfazendo a importância global, de € 522.366,71 (quinhentos e vinte e dois mil trezentos e sessenta e seis euros e setenta e um cêntimos); e do montante que se mostrar devido a título de juros de mora vincendos até efetivo e integral pagamento.

Por requerimento, constante a fls. 1933-1951 do SITAF, apresentado em 17 de setembro de 2012, a autora requereu a ampliação do pedido inicial, de forma a incluir a condenação do Município do Fundão no pagamento à AzC do valor de € 61.068,85 (sessenta e um mil sessenta e oito euros e oitenta e cinco cêntimos), decorrente da alteração tarifária, por parte do concedente, devido pelos serviços de abastecimento de água e de recolha de efluentes prestados pela autora ao réu, acrescido de juros de mora vencidos e vincendos até efetivo e integral pagamento.

Por sentença proferida a 7 de março de 2025, foi a presente ação julgada procedente e, em consequência, condenado o réu a pagar à autora o valor de € 516.447,79, acrescidos de juros de mora vencidos até 30/09/2010, no valor de € 5.918,92, e de juros vincendos, calculados à taxa dos juros de mora aplicáveis às dívidas ao Estado até efetivo e integral pagamento.

Em despacho prévio à referida sentença foi decidido rejeitar a ampliação do pedido apresentada pela autora com o fundamento “que foi formulada fora dos pressupostos previstos no artigo 273.º, n.º l, do CPC61 Rev. 95/96.”.

Inconformados, a autora interpôs recurso do despacho interlocutório e o réu interpôs recurso da sentença.

Na sua alegação de recurso a Autora, formulou as seguintes conclusões:
A) O presente recurso vem interposto do douto despacho que, previamente à sentença proferida em 07 de março de 2025, rejeitou o articulado de ampliação do pedido, no valor de 61 068,85 €, formulado pela Autora.
B) A ÁGUAS DO ZÊZERE E CÔA, S. A., a quem sucedeu ope legis, a sociedade "ÁGUAS DO VALE DO TEJO, S.A.", propôs ação administrativa comum, na forma ordinária, contra o MUNICÍPIO DO FUNDÃO, pedindo, a final, a condenação deste a pagar-lhe a quantia de 516 447,79 €, acrescida de juros de mora vencidos até 30.09.2010, no montante de 5 918,92 €, e de juros de mora vincendos.
C) Como fundamento da ação alegou, entre o mais, que: (i) é uma sociedade que tem por objeto social a exploração e gestão do Sistema Multimunicipal de Abastecimento de Água e de Saneamento do Alto Zêzere e Côa para captação, tratamento e distribuição de água para consumo público e para recolha, tratamento e rejeição de efluentes de vários municípios, entre os quais, o município do Fundão; (ii) sendo o Réu utilizador do Sistema Multimunicipal de Abastecimento de Água e de Saneamento do Alto Zêzere e Côa, celebrou com a Autora, em 15 de setembro de 2000, e no âmbito do exercício das atividades desta última, um contrato de fornecimento e um de recolha, nos termos dos quais a Autora se obrigava a fornecer ao Réu água "em alta" e a recolher efluentes provenientes do sistema próprio do Réu, mediante o pagamento de tarifas devidas; (iii) as tarifas aprovadas pela entidade reguladora e praticadas durante o ano de 2009 e até ao mês de julho de 2010 eram as seguintes: (a) 0,5463 por m3 (abastecimentos de água) e (b) 0,5776 por m3 (saneamento); (iv) entretanto, a entidade reguladora aprovou as tarifas referentes ao ano de 2010, sendo o acerto daí resultante objeto de cobrança autónoma ao Município do Fundão e não ficando naturalmente prejudicado pela pretensão formulada na presente ação: (a) 0,6009 por m3 (abastecimentos de água) e (b) 0,6642 por m3 (saneamento).
D) Por outro lado, no requerimento de ampliação do pedido de fls. 1933 a 1951 do SITAF, a Autora invocou que: (i) o Município do Fundão se encontrava obrigado ao pagamento de tarifas pelos fornecimentos e serviços prestados pela Autora, sendo o valor dessas tarifas estabelecido nos termos do n° 3 do artigo 7° do D.L. n° 121/2000, de 04 de julho, que dispõe que as tarifas a cobrar aos utilizadores serão aprovadas pelo concedente, após emissão de parecer do Instituto Regulador de Águas e Resíduos; (ii) nesse sentido, o cálculo do valor devido pelo Município do Fundão foi efetuado, como se refere no artigo 54° da petição inicial, em função do valor das tarifas aprovadas para o ano de 2009 e que, à data da entrada da petição inicial, também estavam a ser aplicadas aos fornecimentos e serviços prestados no ano de 2010; (iii) por despacho proferido em 28 de julho de 2010, o concedente aprovou as tarifas referentes ao ano de 2010, o que aliás é referido no artigo 55° da petição inicial: (a) 0,6009 por m3 (abastecimentos de água) e (b) 0,6642 por m3 (saneamento), (iv) tal alteração representava as seguintes diferenças nos valores das tarifas aplicáveis em relação às tarifas referentes o ano de 2009: (a) Acréscimo de 0,0546 por m3 (abastecimentos de água) e (b) Acréscimo 0,0866 por m3 (saneamento); (v) tendo presente a fixação, pelo concedente, da tarifa aplicável, o valor a esse título devido devia ser ampliado em 27 336,04 €, que, acrescido de IVA à taxa legal, perfazia o valor de 28 811,04 €, bem como no valor de 30 622,19 €, que, acrescido de IVA à taxa legal, perfazia o valor de 32 257,80 €.
E) Nos termos do artigo 273.°, n.º 2 do Código de Processo Civil o pedido pode ser alterado ou ampliado na réplica e pode, além disso, ser ampliado até ao encerramento da discussão em 1.a instância se a ampliação for o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo, constituindo, assim uma exceção ao princípio da estabilidade da instância previsto no art.º 268. ° do CPC.
F) Na definição de causa de pedir, para efeito de alteração desse elemento objetivo, "deve atender-se a um conceito amplo”, nos termos do qual somente haverá alteração da causa petendi se os novos factos alegados não coincidirem com os factos (essenciais ou principais) constitutivos da pretensão material originariamente alegada. Registando-se essa coincidência não poderá, com propriedade, falar-se em alteração da causa de pedir, na medida em que os factos inicialmente constitutivos se mantêm como elemento de fundamentação do pedido. Portanto, desde que se mantenha esse núcleo essencial não pode deixar de se entender que a causa de pedir não é alterada por uma alegação de factos que apenas complementem ou constituam desenvolvimento dos factos (essenciais) já anteriormente articulados". (1-Cfr. MARIANA FRANÇA GOUVEIA, in A causa de pedir na ação declarativa, Almedina, 2004, págs. 308311, escrevendo, mais adiante (pág. 508), "haverá alteração da causa de pedir apenas quando nenhum dos novos factos principais já tiver sido alegado. E, ao contrário, não haverá alteração quando pelo menos um desses factos principais seja comum aos alegados originariamente e aos alegados em sua alteração").
G) A ampliação do pedido constitui o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo quando esse (novo) pedido esteja virtualmente contido no âmbito do pedido primeiramente deduzido, por forma a que pudesse tê-lo sido também aquando da petição inicial, sem a dedução de novos factos, ou seja, dito de outro modo, a ampliação do pedido constitui o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo, quando o pedido formulado esteja virtualmente contido no pedido inicial e na causa de pedir da ação, isto é, que dentro da mesma causa de pedir o pedido primitivo se modifique para mais.
H) A lei não impede que se formule uma ampliação do pedido, ainda que esse valor já pudesse ter sido contemplado na petição inicial, conforme se defende no Ac. do TRL de 28.01.2010 proferido no proc. 3345/05 e Ac. do mesmo Tribunal da Relação de 20.11.2008, proferido no proc. n° 1346/2008, ambos disponíveis em www.dgsi.pt., por ser a solução que é mais consentânea com o princípio da economia processual, permitindo a apreciação da situação globalmente considerada, em todos as suas consequências, evitando a necessidade de propositura de uma nova ação, com inerentes custos e demoras - neste sentido, veja-se Acórdão da Relação de Guimarães de 03/05/2011, onde se encontram referidos os Acórdãos da Relação de Lisboa citados.
I) A propósito do artigo 273°, n° 2, do CPC61 Rev 95/96, diz o Acórdão da Relação de Coimbra de 27.02.2007 (1-Ac. da R.C., de 27.02.2007, tirado no proc. n° 424/2001.C2) que "[o] que na expressão da norma se procura significar é que, movendo-se na mesma causa de pedir, seria viável ao autor a formulação do pedido ampliado logo na petição inicial. Não obstante, a dedução deste pedido mais abrangente não veio a ocorrer inicialmente - por simples omissão do autor ou por indisponibilidade de elementos suplementares cuja superveniência já nesse momento se apontava como possível. Trata-se, portanto, de ampliação virtualmente admitida sim mas na concreta causa de pedir explanada na petição."
J) E depois prossegue, afirmando: "Mas não chega a haver alargamento da causa de pedir inicial quando o autor logo deixa a porta entreaberta para a probabilidade de surgimento de novos elementos circunstanciais que, sem descaracterizarem aquela, todavia a reforçam, qualitativa ou quantitativamente. O que importa é que o réu já pôde precaver-se quanto a essa probabilidade na fase dos articulados (assim se assegurando o imperioso contraditório), tudo se resumindo à demonstração pelo autor da factualidade complementar em sede de julgamento." (sublinhado nosso).
K) No caso concreto, o Réu, confrontado com o teor da alegação da Autora no artigo 55° da petição inicial, e, portanto, alertado para o acerto resultante da aprovação das tarifas referentes ao ano de 2010, teve oportunidade de contrariar aquelas afirmações, fosse por negação simples, fosse pela invocação de matéria impeditiva ou modificativa, o que, efetivamente, fez no artigo 20° da contestação, porquanto impugnou, nos termos do então n° 2 do artigo 490° do CPC, a factualidade vertida nos artigos 13° a 55° do petitório.
L) Assim, com o requerimento de fls. 1933 a 1951 do SITAF, verificou-se um desenvolvimento do pedido inicial que, por sua vez, é produto da evolução anunciada de factos já esgrimidos na causa de pedir inicial, que não foi alterada, mas meramente atualizada com o recálculo das tarifas reportadas às mesmas relações contratuais, aos mesmos fornecimentos e serviços prestados e não pagos e à mesma situação de incumprimento contratual, ampliação que até poderia nem vir a suceder caso o Réu liquidasse as notas de débito em causa nos autos até à data do seu vencimento, ou seja, até 16 de novembro de 2010, o que significa que, aquando da interposição da ação, em 30 de setembro de 2010, ainda estava em curso o prazo de pagamento voluntário de tais acertos tarifários.
M) Assim "No caso dos autos, a causa de pedir (o fundamento da pretensão da Autora) corresponde aos contratos celebrados entre Autora e Réu (contratos de fornecimento de água e recolha de efluentes) através dos quais a Autora assumiu fornecer água e recolher efluentes mediante o pagamento de tarifas cujo valor reclamado na presente acção foi aprovado pelo concedente, nos termos do n.° 3 do art.° 7° do D.L. n.° 121/2000, de 04 de Julho. Por sua vez, a ampliação do pedido funda-se no facto de aquele valor reclamado a título de tarifas ter sido actualizado. Estamos, assim, perante uma ampliação do pedido em função de um recalculo do valor das tarifas por referência à mesma causa de pedir constituindo um desenvolvimento ou consequência do pedido primitivo." - É esta a posição sufragada pelo TAF de Castelo Branco em pedidos de ampliação formulados em vários processos, como sucedeu no Proc. n.° 416/11.7BECTB -.
N) O douto despacho recorrido violou, pois, disposto no artigo 273°, n° 2, do CPC61 Rev. 95/96.”.

O Município do Fundão, notificado da interposição de recurso pela autora e respetiva alegação, não apresentou contra-alegação.

Na sua alegação de recurso, o Município do Fundão formulou as seguintes conclusões:
“1. O Tribunal a quo, parte da existência de um Contrato de Concessão celebrado entre o Estado português e a Autora, ao abrigo do qual são celebrados, entre a Autora e o ora Recorrente, os Contratos de Fornecimento e Recolha em crise nos presentes autos.
2. O Tribunal a quo dá como provado que, o que está na base dos Contratos de Fornecimento e Recolha - contratos que deram origem às facturas cuja cobrança esteve (também) em discussão nos presentes autos - é o Contrato de Concessão celebrado entre a Autora e o Estado Português.
3. A 26 de Janeiro de 2023, o recorrente, juntou aos autos a decisão final que foi proferida em sede de Tribunal arbitral.
4. O que se discute no Tribunal arbitral, é, para além do mais, saber se a matéria que está também em discussão nos presentes autos, é ou não da sua competência (do Tribunal arbitral), e o Tribunal arbitral decidiu que sim.
5. O Tribunal a quo não dispunha, como não dispõe de todos os elementos necessários ao conhecimento do mérito da causa, não sem antes se pronunciar sobre a junção de um documento da importância da decisão proferida no Tribunal arbitral
6. A decisão do Tribunal arbitral é essencial para a descoberta da verdade material, pelo que devia ser valorada por este Tribunal.
7. Estamos perante uma omissão de pronuncia pois o Tribunal a quo não se pronunciou sobre questões com relevância para a decisão de mérito da causa
8. O Tribunal a quo não se pronunciou quanto à questão de fundo, i. e, quanto à questão da nulidade do Contrato de Concessão e quais as consequências da declaração da nulidade nos Contratos de Fornecimento e Recolha.
9. O Tribunal a quo não se pronunciou sobre quais as consequências da declaração de nulidade do Contrato de Concessão, quando a acção arbitral transitar em julgado
10. O Tribunal não se pronunciou sobre quais as consequências para os Contratos de Recolha e Fornecimento da decisão proferida em Tribunal arbitral
11. A matéria relativa à validade dos contratos que suportam juridicamente os pagamentos que se reclamam nos autos recorridos, mormente a validade do Contrato de Concessão, bem como a ilegalidade do sistema multimunicipal são matérias que deveriam ter sido conhecidas a final
12. No caso de o Contrato de Concessão e/ou de os Contratos de Fornecimento de água e de Recolha de efluentes vierem a ser declarados nulos, tal declaração terá efeitos retroactivos com consequências na exequibilidade na sentença ora recorrida,
13. A quase totalidade da relação contratual pressuposta na petição inicial e nas facturas reclamadas, está regulada no Contrato de Concessão.
14. É do interess[e] da Justiça e do Direito, aceitar uma decisão judicial que, mais tarde, não possa efectivar-se em virtude de a mesma não ser aplicável a todos os seus interessados, ou a todos aqueles que por ela, em abstracto seriam afectados, mormente à ora Recorrente.
15. A decisão proferida em sede do tribunal arbitral acarreta, no entender do ora recorrente, consequências sobre todos os demais contratos celebrados para concretizar a referida concessão, nomeadamente os contratos de fornecimento de água e de recolha e tratamento de efluentes subjacentes à emissão das facturas cujo pagamento a A. ora recorrida reclama nos autos.
16. Ignorar este facto, é ignorar o regime jurídico das nulidades aplicável no âmbito do direito administrativo, nomeadamente o princípio da total improdutividade de efeitos jurídicos dos actos administrativos nulos, constante do art. 134°, n° 1 do CPA, norma que a decisão recorrida violou.”

A autora Águas do Vale do Tejo, S.A. contra-alegou, formulando as seguintes conclusões:
“A) O objeto do recurso, delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, resume-se em saber se houve erro de julgamento na interpretação e aplicação do disposto no n.º 1 do art. 134°, do CPA, entendendo o Recorrente que houve por parte do tribunal recorrido omissão de pronúncia (art. 615.°, n° 1, al. d), do Código de Processo Civil).
B) A jurisprudência e a doutrina são consensuais no sentido de que as questões cuja falta de apreciação pelo tribunal é suscetível de a gerar identificam-se com os pedidos formulados, com a causa de pedir ou com as exceções invocadas, desde que não prejudicadas pela solução de mérito encontrada para o litígio (Cfr. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 23/5/2022, proferido no processo n° 588/14.9TVPRT, e Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, vol. 5°, pág. 143).
C) A questão a decidir nos presentes autos consiste em saber se a Autora tem direito a exigir do Réu o pagamento de 516 447,79 €, decorrentes da prestação de serviços de abastecimento de água e de recolha de efluentes, acrescidos de juros de mora vencidos, no valor de 5 918,92 €, e vincendos, tendo a douta sentença impugnada considerado os elementos de facto necessário ao conhecimento da referida questão, aplicando o respetivo quadro jurídico em conformidade.
D) Aliás, a questão da nulidade do Contrato de Concessão não foi sequer debatida nos respetivos articulados, daí que o Tribunal tenha considerado que a questão principal e acessória a decidir se resumia a saber se a Autora se podia arrogar o direito a obter a condenação do Réu no pagamento da quantia peticionada a título de capital refletido nas faturas reclamadas, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, e, não tendo a validade do contrato de concessão sido foi posta em causa nos presentes autos, não poderia a mesma ter sido incluída no objeto do litígio.
E) Não tendo tal questão sido submetida à apreciação do Tribunal a quo e não sendo a mesma de conhecimento oficioso, não tinha a decisão recorrida de se pronunciar sobre a alegada nulidade do contrato de concessão e as consequências para os contratos de fornecimento e de recolha da declaração da nulidade daquele contrato, inexistindo, por conseguinte, a invocada nulidade por omissão de pronuncia.
MAS NÃO SÓ,
F) A propósito de matéria idêntica à dos presentes autos - que a sentença recorrida não se pronunciou sobre a questão da nulidade do contrato de concessão, nem sobre as consequências para os contratos de fornecimento e de recolha dessa declaração da nulidade - já se pronunciou a decisão sumária proferida, em 25 de março de 2019, no processo n° 487/08.3 BECTB - 2° Juízo - 1a Secção - pelo TCA Sul - Desembargadora Relatora: Catarina Jarmela - em que era recorrente o aqui MUNICÍPIO DO FUNDÃO, que decidiu no sentido de que, não tendo sido levantada qualquer questão relativa à validade do contrato de concessão e/ou dos contratos de fornecimento e de recolha nem ter sido indicado nas alegações de recurso qualquer razão de facto e/ou de direito que fundamentasse tal declaração de nulidade, não podia ser conhecida na sentença recorrida - razão pela qual aí não foi analisada -, nem podia ser apreciada no (...) recurso jurisdicional (cfr. art. 264°n.° 1, do CPC de 1961, e art. 5° n.° 1, do CPC de 2013), além de que o conhecimento de tal questão era inútil - e sendo certo que, de acordo com o estatuído no art. 130°, do CPC de 2013, não é lícito realizar no processo atos inúteis -, pois, mesmo que se viesse a concluir pela nulidade do contrato de concessão e, em consequência, pela invalidade dos contratos de fornecimento e de recolha, tal não implicaria qualquer modificação na sentença recorrida (na qual o réu foi condenado a pagar à autora as importâncias relativas aos serviços prestados - fornecimento de água e saneamento - e respectivos juros de mora), ou seja, tal nulidade não tem qualquer influência na exequibilidade da sentença recorrida.
G) Também nos presentes autos tal questão não podia ser conhecida na sentença recorrida, nem pode ser apreciada no presente recurso jurisdicional, pois não foi invocada na contestação, sendo antes uma questão que o Recorrente se lembrou de trazer agora em sede de recurso sem indicação de qualquer razão de facto e/ou de direito que fundamente tal declaração de nulidade, o que gera a improcedência do presente recurso jurisdicional.
SEM PRESCINDIR,
H) Ao invés do que o Recorrente pretende fazer crer, a decisão do Tribunal Arbitral não se reporta à nulidade do Contrato de Concessão e às consequências dessa nulidade sobre os contratos de fornecimento e recolha, mas antes à “interpretação ou execução” do Contrato de Recolha de Efluentes - Cfr. al. c) do ponto 11, pág. 8 do Acórdão -.
I) De facto, o Recorrente sabe perfeitamente que a decisão do Tribunal Arbitral, que juntou aos autos em 26 de janeiro de 2023, não se reporta à nulidade do Contrato de Concessão e às consequências dessa nulidade sobre os contratos de fornecimento e recolha, uma vez que o Recorrente, juntamente com os Municípios de Almeida, Guarda, Pinhel e Sabugal, interpôs no Tribunal Arbitral ação que teve por objeto a declaração de nulidade do Contrato de Concessão subscrito, em 15 de setembro de 2000, pelo Ministério da Agricultura, Mar, Ambiente e Ordenamento do Território e a sociedade Águas do Zêzere e Côa, bem como os Contratos de Fornecimento, Recolha e Valorização e Cedência de Infraestruturas, tendo o Tribunal Arbitral, em 14 de janeiro de 2021, declarado que era incompetente para decidir - ex professo - sobre a validade do Contrato de Concessão, por os Demandantes não serem partes no referido Contrato, avançando, posteriormente, para o conhecimento da invocada nulidade dos contratos celebrados entre os Demandantes e a Demandada (Contratos de Fornecimento, Recolha e Valorização e Cedência de Infraestruturas), ainda que para decidir essa nulidade tivesse que incidentalmente apreciar a invocada nulidade do Contrato de Concessão, sendo que o Tribunal Arbitral decidiu que os vícios invocados pelos Demandantes não eram suscetíveis de gerar a nulidade do contrato de concessão, concluindo pela declaração de caducidade do direito à ação, na medida em que todos os vícios invocados relativamente ao Contrato de Concessão são - se se viessem a provar - geradores de anulabilidade, tendo o prazo de impugnação da validade do Contrato já caducado.
J) O recurso interposto desta decisão por tais Municípios foi julgado improcedente por douto acórdão proferido, em 13 de setembro de 2023, pelo TCA Sul no Proc. n° 68/21.6BCLSB, já transitado em julgado.
K) Assim, para além de se tratar de uma questão já decidida, o que, por si só, gera a improcedência do presente recurso, o Recorrente, ao vir invocar que o Tribunal recorrido não se pronunciou sobre a nulidade do contrato de concessão sem ter suscitado essa questão nos autos e depois de ter conhecimento - porque foi parte no processo - da decisão proferida pelo Tribunal Arbitral em 14 de janeiro de 2021, confirmada por Acórdão do TCA Sul, de 13 de setembro de 2023, tirado no Proc. n° 68/21.6BCLSB, o mínimo que se pode dizer desta argumentação recursiva é que o Recorrente litiga de má fé.
AINDA SEM PRESCINDIR,
L) Na situação vertente, o Recorrente juntou aos autos um documento sem ter alegado concretamente qual o direito ou facto que por meio do mesmo pretendia ver demonstrado ou infirmado.
M) Ora, estando a parte interessada na junção de um documento quando todos os articulados já foram apresentados, deve indicar os factos concretos que pretende demonstrar com o documento e, além disso, aludir ao objeto do processo que o justificam, não tendo, porém, nada disto sido efetuado pelo Recorrente, logo não pode vir dizer que o mesmo é essencial à descoberta da verdade.
N) Efetivamente, desconhecendo-se que concretos factos pretendia o Recorrente provar com a junção do acórdão do Tribunal Arbitral, não pode considerar-se que esse documento respeite a factos incluídos na globalidade da matéria de facto carecida de prova, pelo que também por esta via o recurso deve ser julgado improcedente.
O) A douta sentença recorrida não violou os preceitos legais invocados.”.

O Ministério Público, notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 146.º, n.º 1, do CPTA, emitiu parecer no sentido de que o recurso do Réu não merece provimento.

Com dispensa de vistos legais, vem o processo à conferência.

*
II. Questões a apreciar e decidir:
A questão suscitada pela autora delimitada pela alegação de recurso e respetivas conclusões, é a de decidir se o despacho prévio à sentença que rejeitou a ampliação do pedido formulada pela autora incorreu em violação da previsão do artigo 273.º do CPC`61.

As questões suscitadas pelo Município delimitadas pela alegação de recurso e respetivas conclusões, são as de decidir se a sentença incorreu em nulidade por omissão de pronúncia sobre a decisão do Tribunal Arbitral proferida a 23/01/2023 e se incorreu em erro de direito na interpretação do disposto no n.º 1 do art.º 134.º do CPA.


III – Fundamentação:
3.1. De facto:
Na sentença recorrida foi julgada a matéria de facto com interesse para a decisão, nos seguintes termos:
Provaram-se os seguintes factos:
1) Em 15/09/2000 a autora e o Estado português assinaram um documento designado por “CONTRATO DE CONCESSÃO”, com o teor que consta do documento n.° 2, da petição inicial, que se dá aqui por integralmente reproduzido, e do qual consta o seguinte:
«(...)
Cláusula 1.ª
(Conteúdo)
1. O concedente atribui à concessionária, em regime de exclusivo, a concessão da exploração e gestão, as quais abrangem a concepção, a construção das obras e equipamentos, bem como a sua exploração, reparação, renovação e manutenção, nos termos da cláusula 23.ª, do sistema multimunicipal de abastecimento de água e de saneamento do Alto Zêrere e Côa para captação, tratamento e distribuição de água para consumo público e para recolha, tratamento e rejeição de efluentes dos municípios de Almeida, Belmonte, Covilhã, Figueira de Castelo Rodrigo, Fundão, Guarda, Manteigas, Meda, Penamacor, Pinhel e Sabugal, que foi criado pelo artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 121/2000, de 4 de Julho (adiante designado por sistema).
(...)
Cláusula 14.ª
(Financiamento)
A concessionária adoptará e executará, tanto na construção das infra-estruturas como na correspondente exploração do serviço concedido, o esquema financeiro constante do estudo económico constituído pelo Anexo 3, o qual se baseia nas seguintes fontes de financiamento:
a) O capital da concessionária;
b) As comparticipações financeiras e os subsídios atribuídos à concessionária;
c) As receitas provenientes das tarifas ou dos valores garantidos cobrados pela concessionária;
d) Quaisquer outras fontes de financiamento, designadamente empréstimos.
Cláusula 15.ª
(Critérios para a fixação das tarifas ou valores garantidos)
1. As tarifas ou valores garantidos serão fixados por forma a assegurar a protecção dos interesses dos utilizadores, a gestão eficiente do sistema, o equilíbrio económico-financeiro da concessão e as condições necessárias para a qualidade do serviço durante e após o termo da concessão.

(...)
Cláusula 16.ª
(Fixação das tarifas ou valores garantidos)
1. Os valores mínimos (a corrigir em cada ano de acordo com a variação do índice de preços no consumidor, divulgado pelo Instituto Nacional de Estatística em relação ao ano anterior) a receber anualmente pela concessionária como condição do equilíbrio económico-financeiro da concessão são garantidos pelos utilizadores e resultarão da aplicação aos caudais anuais que constam do Anexo 4 da tarifa adoptada para o respectivo ano no estudo de viabilidade económico-financeira que constitui o Anexo 3.
2. Enquanto não for possível proceder à medição dos caudais, por razões de ordem técnica, designadamente decorrente da articulação dos sistemas municipais com as condutas e os interceptores do sistema, os valores a receber pela concessionária coincidirão com os valores mínimos a que se refere o número 1.
3. Os valores fixados no número anterior serão sempre sujeitos a uma primeira revisão à data do início da exploração da integralidade do sistema, de acordo com os princípios do estudo económico constante do Anexo 3 e tendo em consideração, designadamente, os seguintes critérios:
a) Montante do investimento global efectivamente realizado;
b) Montante do investimento global realizado e efectivamente comparticipado por subsídios não reembolsáveis;
c) Alteração de outros pressupostos do estudo económico não imputável à concessionária.
4. A concessionária procederá à medição dos caudais logo que o concedente, ouvidos a concessionária, os municípios utilizadores e o IRAR, reconheça estarem criadas por cada um dos municípios utilizadores todas as condições de afectação dos caudais ao sistema, tanto no que respeita a cada um dos sistemas municipais como às ligações destes com as adutoras e os interceptores do sistema.
5. No ano de arranque da medição dos caudais de fornecimento de água e dos caudais de efluentes, o preço do metro cúbico de água e o preço do metro cúbico de efluente será determinado, no final do ano pelo quociente resultante da divisão do valor mínimo a receber nesse ano pela concessionária, nos termos dos números anteriores e para o conjunto dos utilizadores, pelo número total de metros cúbicos medidos para o conjunto dos utilizadores, sendo a facturação desse ano corrigida de acordo com a medição efectiva de cada um e a facturação dos anos anteriores corrigida em função da percentagem de cada um dos utilizadores na medição total desse ano de arranque. A correcção da facturação respeitante a todos os anos determinará entregas, durante um prazo máximo de dois anos, por parte dos utilizadores que tenham de completar os seus pagamentos anteriores, com imediata reversão a efectuar pela concessionária - que não poderá ficar prejudicada por quaisquer eventuais onerações, fiscais ou outras - para os utilizadores que tenham anteriormente procedido a pagamentos superiores aos resultantes da correcção.
(...)» - 2.° facto assente.

2) Em 15/09/2000 a autora e o réu assinaram um documento designado por “CONTRATO DE FORNECIMENTO”, com o teor que consta do documento n.° 3, da petição inicial, que se dá aqui por integralmente reproduzido, do qual consta o seguinte:
«(…)
Cláusula 1.ª
1. A Sociedade obriga-se a fornecer água ao Município, destinada ao abastecimento público, nos termos e de acordo com as condições previstas no contrato de concessão, adiante como tal designado, celebrado entre o Estado e a Sociedade relativo à atribuição da concessão da exploração e gestão do sistema multimunicipal de abastecimento de água e saneamento do Alto Zêzere, criado pelo artigo 1º do Decreto-Lei n° 121/2000, de 4 de Julho, adiante designado, abreviadamente, por "Sistema".
(…)
Cláusula 3.ª
1. O regime tarifário a aplicar ao Município, reger-se-á pelo estabelecido no contrato de concessão.
(…)
4. Os valores mínimos garantidos a entregar pelo Município, os quais constituem uma condição essencial do equilíbrio da concessão, são os fixados no Anexo 1. Até 31 de Dezembro de 2004, os valores mínimos fixados no anexo 1 poderão não ser garantidos, sem prejuízo da cláusula 16.ª do contrato de concessão.
5. O Município garante à Sociedade o pagamento dos mínimos fixados no Anexo 1 para os sucessivos anos de utilização do Sistema, de acordo com as tarifas aplicáveis nos termos do n.º 1 da cláusula 4ª, nº 2, com excepção das situações em que haja acordo com outro ou outros utilizadores, que pressuponha a alteração daqueles mínimos, e sem prejuízo do pagamento de todos os caudais verificados cujo valor ultrapasse esses mínimos.
6. As facturas referentes a débitos de consumo, bem assim como as relativas a quaisquer outros
fornecimentos ou serviços prestados, serão pagas pelo município na sede da concessionária até
sessenta dias após a data da facturação.
7. Em caso de mora no pagamento das facturas, estas passarão a vencer juros de mora nos termos da legislação aplicável às dívidas do Estado, com a taxa prevista na mesma legislação, sem prejuízo de a sociedade poder recorrer às instâncias judiciais como forma de obter o ressarcimento dos seus débitos, bem como de exercer os demais direitos previstos no contrato de concessão.
(…)
Cláusula 4.ª
1. A medição e facturação de água consumida, serão efectuadas nos termos constantes do Аnехо 2:
2. O Município adoptará tarifários de venda de água aos seus consumidores que se adequem à cobertura dos seus encargos perante a Sociedade.
(…)
CONTRATO DE FORNECIMENTO
Аnехо 2
Medição e Facturação da Água Consumida
1.1. A quantidade de água a facturar nas condições do presente contrato será determinada pela contagem feita nos primeiros dez dias úteis de cada mês nos contadores ou medidores colocados nos locais de fornecimento previamente definidos.
1.2. Quando o valor do consumo efectivo do Município, em cada ano, seja inferior ao mínimo fixado no Anexo 1, a facturação de Janeiro será acrescida da importância necessária para perfazer o pagamento total anual do valor mínimo garantido estabelecido.
2.1. Considerar-se-á avariado um contador ou medidor a partir do momento em que, sem motivo justificado, o mesmo haja começado a registar consumos que, face ao seu registo habitual e à época da ocorrência, se possam considerar anormais.
2.2. No caso de avaria, dano, deterioração ou desaparecimento do contador ou medidor, o volume de água presumivelmente consumido será determinado pela média dos consumos dos vinte dias anteriores à data em que presumivelmente tenha ocorrido a situação.
(…)” - 5. °, 7.º e 8.º factos assentes.

3) Em 15/09/2000 a autora e o réu assinaram um documento designado por “CONTRATO DE RECOLHA”, com o teor que consta do documento n.° 4, da petição inicial, que se dá aqui por integralmente reproduzido, do qual consta o seguinte:
«(...)
Cláusula 1ª
1. A Sociedade obriga-se a recolher efluentes provenientes do sistema próprio do Município, nos termos e de acordo com as condições previstas no contrato de concessão, adiante como tal designado, celebrado entre o Estado e a Sociedade e relativo à atribuição da concessão da exploração e gestão do sistema multimunicipal de abastecimento de água e saneamento do Alto Zêzere e Côa, criado pelo artigo 1.º do Decreto-Lei n° 121/2000, de 4 de Julho, adiante designado abreviadamente por Sistema.
(...)
Cláusula 3ª
l. O regime tarifário e o regime de facturação e de pagamentos a aplicar ao Município, respeitantes à recolha de efluentes, reger-se-ão pelo estabelecido no contrato de concessão.
(…)
4. Os valores mínimos garantidos a entregar pelo Município, os quais constituem uma condição essencial do equilíbrio da concessão, são os fixados no Anexo 1. Até 31 de Dezembro de 2004, os valores mínimos fixados no anexo 1 poderão não ser garantidos, sem prejuízo da cláusula 16.ª do contrato de concessão.
5. A facturação será apresentada mensalmente e, quando, nos termos previstos no contrato de concessão, não resultar de medição, corresponderá a um duodécimo dos valores mínimos anuais previstos no mesmo.
6. As facturas referentes a débitos de recolha de efluentes, bem assim coino as relativas a quaisquer outros fornecimentos ou serviços prestados, serão pagas pelo utilizador na sede da concessionária até sessenta dias após a data da facturação.
(...)
7. Em caso de mora no pagamento das facturas, estas passarão a vencer juros de mora nos termos da legislação aplicável às dívidas do Estado, com a taxa prevista na mesma legislação, sem prejuízo de a sociedade poder recorrer às instâncias judiciais como forma de obter o ressarcimento dos seus débitos, bem como de exercer os demais direitos previstos no contrato de concessão.
(…)
Cláusula 5.ª
1. A medição dos efluentes recolhidos, quando efectuada, sê-lo-á nos termos constantes do contrato de concessão e do Anexo 2 ao presente contrato.
(…)
CONTRATO DE RECOLHA
ANEXO 2
Medição dos Efluentes
(...)

1. Os medidores serão colocados nos locais próximos dos órgãos de ligação técnica entre o sistema multimunicipal e o sistema municipal, incluindo-se nestes órgãos os colectores de ligação integrados nos sistemas municipais, sendo tais locais determinados pela Sociedade, em função das razões técnicas atendíveis e após audição do Município.
2. Considerar-se-á avariado um medidor a partir do momento em que, sem motivo justificado, o mesmo haja começado a registar consumos que, face ao seu registo habitual e à época da ocorrência, se possam considerar anormais.
(…)
3. No caso de avaria, dano, deterioração ou desaparecimento do medidor, o volume de efluentes presumivelmente recolhido será determinado pela média dos consumos do mês anterior à data em que presumivelmente tenha ocorrido a situação.
(...)» - 6.° 7.° e 8.° factos assentes.

4) Em execução dos contratos descritos nos pontos precedentes a autora, desde então, fornece ao réu água e presta-lhe serviços de saneamento, recolha e tratamento de efluentes - 10.° facto assente.

5) A autora no âmbito do contrato de fornecimento descrito em 2) emitiu as seguintes faturas:
i) n.º 3040384348, relativa ao período de 7 de Abril a 5 de Maio de 2010, datada de 10/05/2010, com vencimento assinalado em 09/07/2010, num volume total de 149.035 m3 (x € 0,5463/m3), com um valor de € 81.417,81 (mais IVA no montante de € 4.070,89), onde tal valor (mais IVA) foi contabilizado, mais a taxa de recurso hídricos no valor de € 3.010,51, num total de € 88.499,2 - 10.° e 12.° facto assente;
ii) n° 3040384382, datada de 06/06/2010, relativa ao período 05 de Maio a 01 de Junho de 2010, com vencimento assinalado em 08/08/2010, num volume total de 153.448 m3 (x €0,5463/m3), com um valor de € 83.828,64 (mais IVA no montante de € 4.191,43), onde tal valor (mais IVA) foi contabilizado, mais a taxa de recurso hídricos no valor de € 3.099,65, num total de € 91.119,72 - 10.° e 14.° facto assente;
iii) n° 3040384414, relativa ao período 01 de Junho a 01 de Julho de 2010, datada de 08/07/2010, com vencimento assinalado em em 06/09/2010, num volume total de 198.177 m3 (x € 0,5463/m3), com um valor de € 108.264,09 (mais IVA no montante de 6 6.495,85) onde tal valor (mais IVA) foi contabilizado, mais a taxa de recursos hídricos no valor de € 4.003,18, num total de € 118.763,12 -10.° e 16.° factos assentes.

6) A autora no âmbito do contrato de recolha descrito em 3) emitiu as seguintes faturas;
i) 3040384364, datada de 10/05/2010, relativa ao período de 7 de Abril a 5 de Maio de 2010 e à recolha e tratamento de efluentes das ETAR's de Atalaia do Campo, Barroca, Silvares, Fundão, Capinha, Escarigo, recolha e tratamento de efluentes das ETAR/s de Atalaia do Campo, Barroca, Silvares, Fundão, Capinha, Escarigo, com vencimento assinalado em 09/07/2010, num volume total de 140.450 m3 (x € 0,5776/m3), com um valor de € 81.123,92 (mais IVA no montante de € 4.056,20), onde tal valor (mais IVA) foi contabilizado, mais a taxa de recurso hídricos (apurada sobre 168.706 m3 x € 0,0073/m3) no valor de€ 1.231,55, num total de€ 86.411,67 -10.º e 13.° factos assentes;
ii) 3040384397, datada de 09/06/2010, relativa ao período de 05 de Maio a 01 de Junho de 2010 e à recolha e tratamento de efluentes das ETAR's de Atalaia do Campo, Barroca, Silvares, Fundão, Capinha, Escarigo, Orca, Castelejo, Soalheira, Janeiro de Cima, Lavacolhos e Bogas de Cima com vencimento assinalado em 08/08/2010, num volume total de 92.484 m3 (x € 0,5776/m3), com um valor de € 53.418,76 (mais IVA no montante de € 2.670,94), onde tal valor (mais IVA) foi contabilizado, mais a taxa de recursos hídricos no valor de € 741,58 (apurada sobre 101,586 m3 x € 0,0073/m3), num total de € 56.831,28 -10.° e 15.° factos assentes;
iii) 3040384430, datada de 08/07/2010, relativa ao período de 01 de Junho a 01 de Julho de 2010 e à recolha e tratamento de efluentes das ETAR's de Atalaia do Campo, Barroca, Silvares, Fundão, Capinha, Escarigo, Orca, Castelejo, Soalheira, Janeiro de Cima, Lavacolhos e Bogas de Cima, com vencimento assinalado em 06/09/2010, num volume total de 120.671 m3 (x € 0,5776/m3), com um valor de € 69.699,57 (mais 1VA no montante de € 941,25), onde tal valor (mais IVA) foi contabilizado, mais a taxa de recursos hídricos no valor de € 941,25 (apurada sobre 128,938 m3 x € 0,0073/m3), num total de € 74.822,79 -10.° e 17.° factos assentes.

7) O réu não pagou as faturas descritas em 5) e 6) - 11.° facto assente.

8) A autora prestou os serviços e forneceu os bens nos volumes referidos nas faturas identificadas em 5) e 6) - resposta ao quesito único [cf. fundamentação infra].

**
Os factos assentes nos pontos l.º, 3. °, 4.° - cf. despacho proferido em sede de saneamento - são matéria de direito, pelo que não estão incluídos na matéria de facto.

Quanto ao único quesito [ponto 8), da matéria de facto], a convicção do tribunal quanto à sua veracidade dos factos assenta no depoimento de A… (engenheiro, funcionário da prestadora de serviços para a autora desde a sua fundação), o qual se mostrou congruente com os depoimentos dos funcionários da autora: H…, F…, J…, B…, J…, E…. Os depoimentos foram prestados de forma objetiva, clara, revelando um conhecimento direito e detalhado do modo de funcionamento das operações da autora. Os depoimentos foram, ainda, coerentes com os autos de medicação anexos às faturas apresentadas com a petição inicial, bem com os documentos n.º 22, n.º 7 e com os certificados de calibração juntos aos autos. O depoimento de R…, trabalhador do réu, não abalou a convicção gerada pelos meios de prova supra indicados, na medida em que dele não resultou um conhecimento direto das operações da autora, nem quanto às medições, nem quanto ao modo de funcionamento dos aparelhos de medição nem quanto às circunstâncias que concretamente (e não em abstrato) influenciaram o resultado da medicação.”.


Ao abrigo do art.º 662.º n.º 1, do CPC de 2013, ex vi art.º 140.º n.º 3, do CPTA, procede-se ao aditamento da seguinte factualidade:
9) - Em 28 de julho de 2010 a Ministra do Ambiente e do Ordenamento do Território proferiu o seguinte despacho:
"Aprovo o orçamento para 2010 que conduz à aplicação duma tarifa a praticar pela AdZC, no valor de 0,6009€/m3 para a actividade de abastecimento e de 0,6642€/m3 para a actividade de saneamento.
Deve a empresa ter em atenção a necessidade de solicitar previamente ao concedente autorização para realizar investimentos não contemplados no contrato de concessão em vigor.
Com conhecimento à AdZC e à ERSAR” – cfr. documento anexo ao requerimento junto aos autos a fls. 1933-1951 do SITAF;

10) – Por ofício datado de 22 de setembro de 2010, a autora remeteu ao “Presidente Município do Fundão”, comunicação relativa ao assunto “Acerto Tarifa 2010”, com o seguinte teor:
Pela presente vimos enviar a V. Exa. cópia do Despacho de Sua Excelência a Ministra do Ambiente e do Ordenamento do Território, com a aprovação das tarifas para o corrente ano.
Em anexo seguem as Notas Débito correspondentes ao acerto das tarifas.
A empresa Águas do Zêzere e Côa, S.A. compreende as dificuldades acrescidas que estas novas tarifas vêm colocar aos Municípios, pelo que o tratamento dado a estes valores será naturalmente diferente, do das facturas mensais.” – cfr. documento anexo ao requerimento junto aos autos a fls. 1933-1951 do SITAF;

11) - Com data de 17 de setembro de 2010 a autora emitiu a fatura/Nota de Débito: 2300000245, com data de vencimento de 16 de novembro de 2010, retificada pela Nota de Crédito: 2400000038, de 18 de novembro de 2010, referente, entre o mais, a “FORNECIMENTO DE ÁGUA
ACERTO TARIFA REF. AOS CAUDAIS FACT JANEIRO A AGOSTO 2010
1.400.920M3x(0,6009EUR-0,5463EUR)” – cfr. documento anexo ao requerimento junto aos autos a fls. 1933-1951 do SITAF;

12) - Com data de 17 de setembro de 2010 a autora emitiu a fatura/Nota de Débito: 2300000262, com data de vencimento de 16 de novembro de 2010, retificada pela Nota de Crédito: 2400000054, de 18 de novembro de 2010, referente, entre o mais, a
“SANEAMENTO-RECOLHA E TRAT.EFLUENTES
ACERTO TARIFA REF. AOS CAUDAIS FACT JANEIRO A AGOSTO 2010
1.172.187M3x(0,6642BUR-0,5776EUR)” - cfr. documento anexo ao requerimento junto aos autos a fls. 1933-1951 do SITAF.

3.2. De Direito.
Em despacho que, imediatamente, antecedeu a sentença proferida em 7 de março de 2025, decidiu o Tribunal a quo rejeitar a ampliação do pedido formulada pela autora, com a seguinte fundamentação, em síntese:
Trata-se, antes, da alegação de novos factos, ocorridos na pendência da causa, sem os quais não é possível uma condenação que a autora voluntária e expressamente, na petição inicial (artigo 55.°), excluiu do objeto do presente litígio.
Deste modo, é aplicável o artigo 273.°, n.° 1, do CPC61 Rev. 95/96, na medida inexiste acordo das partes e a ampliação do pedido acarretar inelutavelmente uma alteração dos factos geradores da obrigação (i.e da causa de pedir).
Por estes motivos, rejeita-se a ampliação na medida em que foi formulada fora dos pressupostos previstos no artigo 273.°, n.° 1, do CPC61 Rev. 95/96.”.

Por sentença proferida a 7 de março de 2025, a fls. 2870-2885 do SITAF, foi julgada a presente ação procedente e, em consequência, condenado o réu a pagar à autora o valor de €516.447,79, acrescidos de juros de mora vencidos até 30/09/2010, no valor de €5.918,92, e de juros vincendos, calculados à taxa dos juros de mora aplicáveis às dívidas ao Estado até efetivo e integral pagamento.

É contra o despacho interlocutório e contra o saneador-sentença que autora e réu, respetivamente, se insurgem e interpõem os respetivos recursos.
*

3.2.1. Da violação da previsão do artigo 273.º do CPC`61 pelo despacho prévio à sentença que rejeitou a ampliação do pedido formulada pela autora
A autora, ora recorrente, apresentou o presente recurso do douto despacho que, previamente, à sentença proferida em 07 de março de 2025, rejeitou o articulado de ampliação do pedido, no valor de 61 068,85 €, formulado pela Autora.
Defendeu a autora que a ampliação do pedido constitui o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo quando esse (novo) pedido esteja virtualmente contido no âmbito do pedido primeiramente deduzido, por forma a que pudesse tê-lo sido também aquando da petição inicial, sem a dedução de novos factos, ou seja, a ampliação do pedido constitui o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo, quando o pedido formulado esteja virtualmente contido no pedido inicial e na causa de pedir da ação, isto é, que dentro da mesma causa de pedir o pedido primitivo se modifique para mais. O réu, confrontado com o teor da alegação da Autora no artigo 55° da petição inicial, e, portanto, alertado para o acerto resultante da aprovação das tarifas referentes ao ano de 2010, teve oportunidade de contrariar aquelas afirmações, fosse por negação simples, fosse pela invocação de matéria impeditiva ou modificativa, o que, efetivamente, fez no artigo 20.º da contestação, porquanto impugnou, nos termos do então n° 2 do artigo 490° do CPC, a factualidade vertida nos artigos 13° a 55° do petitório. Assim, com o requerimento de fls. 1933 a 1951 do SITAF, verificou-se um desenvolvimento do pedido inicial que, por sua vez, é produto da evolução anunciada de factos já esgrimidos na causa de pedir inicial, que não foi alterada, mas meramente atualizada com o recálculo das tarifas reportadas às mesmas relações contratuais, aos mesmos fornecimentos e serviços prestados e não pagos e à mesma situação de incumprimento contratual, ampliação que até poderia nem vir a suceder caso o Réu liquidasse as notas de débito em causa nos autos até à data do seu vencimento, ou seja, até 16 de novembro de 2010, o que significa que, aquando da interposição da ação, em 30 de setembro de 2010, ainda estava em curso o prazo de pagamento voluntário de tais acertos tarifários.
Vejamos.
O artigo 268.º, do CPC`61 consagrava o princípio da estabilidade da instância e dispunha que “Citado o réu, a instância deve manter-se a mesma quanto às pessoas, ao pedido e à causa de pedir, salvas as possibilidades de modificação consignadas na lei.”.
Nos artigos 272.º e 273.º do CPC`61 estavam previstas algumas das situações em que eram admissíveis alterações ao pedido e à causa de pedir por acordo e na falta de acordo.
Com efeito, estabelecia o artigo 273.º do CPC`61, com a epígrafe “alteração do pedido e da causa de pedir na falta de acordo”, o seguinte:
1 - Na falta de acordo, a causa de pedir só pode ser alterada ou ampliada na réplica, se o processo a admitir, a não ser que a alteração ou ampliação seja consequência de confissão feita pelo réu e aceita pelo autor.
2 - O pedido pode também ser alterado ou ampliado na réplica; pode, além disso, o autor, em qualquer altura, reduzir o pedido e pode ampliá-lo até ao encerramento da discussão em 1.ª instância se a ampliação for o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo.
(…)
6 - É permitida a modificação simultânea do pedido e da causa de pedir, desde que tal não implique convolação para relação jurídica diversa da controvertida.”.

A Águas do Zêzere e Côa, S. A. (doravante designada como AzC), a quem sucedeu ope legis, a Águas do Vale do Tejo, S.A., propôs a presente ação administrativa comum, na forma ordinária, contra o Município do Fundão, pedindo a condenação deste a pagar-lhe a quantia de 516 447,79 €, acrescida de juros de mora vencidos até 30.09.2010, no montante de 5 918,92 €, e de juros de mora vincendos.
Em sede de petição inicial a autora alegou em síntese que é uma sociedade anónima que tem por objeto social a exploração e gestão do Sistema Multimunicipal de Abastecimento de Água e de Saneamento do Alto Zêzere e Côa para captação, tratamento e distribuição de água para consumo público e para recolha, tratamento e rejeição de efluentes; é concessionária da exploração e da gestão do referido sistema multimunicipal, nos termos do artigo 6.° do Decreto-Lei n.º 121/2000, de 4 de Julho, e do contrato de concessão celebrado entre o Estado e a AZC, em 15 de Setembro de 2000. Segundo os artigos 1.°, n.° 2, e 2.°, n.° 4, do Decreto-Lei n.° 379/93, de 5 de novembro, e também o artigo 1.° do Decreto-Lei n.° 121/2000, de 4 de julho, o Município do Fundão, é utilizador do Sistema Multimunicipal de Abastecimento de Água e de Saneamento do Alto Zêzere e Côa. Nessa conformidade, em 15 de setembro de 2000, e no exercício das suas atividades, a AzC celebrou com o Município do Fundão um contrato de fornecimento, através do qual se obrigou a fornecer água àquele município - em "alta" - destinada ao subsequente abastecimento público - "em baixa" -, mediante o pagamento pelo Município do Fundão à AzC das tarifas que se mostrassem devidas. Na mesma data, as duas entidades celebraram também um contrato de recolha, no qual a AzC se obriga a recolher efluentes provenientes do sistema próprio do Município do Fundão, mediante o pagamento de tarifas devidas por esta última entidade. Em execução dos dois contratos referidos, a AzC presta, desde então, ao Réu serviços de fornecimento de água "em alta" - que, depois, é objeto de distribuição, "em baixa", aos munícipes e devidamente faturada a estes últimos por aquele mesmo Município e serviços de saneamento, recolha e tratamento de efluentes também "em alta", tendo procedido, nos termos acordados e depois de prestados os serviços, à emissão e envio das correspondentes faturas ao Réu, pela importância devida por esses mesmos serviços nos termos que resultam dos contratos previamente celebrados. O Réu não pagou, no devido prazo, diversas faturas respeitantes ao valor devido por serviços efetivamente prestados pela AzC, apurado com base nas tarifas devidas por esses serviços e nos caudais efetivamente medidos, acrescido do valor referente à sua repercussão da Taxa de Recursos Hídricos, nomeadamente, as faturas referentes ao período de 07 de abril a 01 de julho de 2010. Encontra-se atualmente por liquidar - ainda que este valor não espelhe a totalidade da dívida do Ré à AzC, parte da qual objeto de várias outras ações administrativas comuns a correr termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco - a importância de € 522.366,71 (quinhentos e vinte e dois mil trezentos e sessenta e seis euros e setenta e um cêntimos) correspondente à soma das faturas identificadas e aos juros de mora vencidos que lhe estão associados, respeitantes à prestação dos serviços discriminados em cada uma dessas faturas, de fornecimento de água e de saneamento, e cujos valores não foram pagos pelo Réu, sendo certo que tais faturas foram recebidas por esta entidade e não foram minimamente contestadas por esta mesma entidade.
Alegou ainda “Com relevância para a presente instância, tenha-se presente que as tarifas aprovadas pela entidade reguladora e praticadas durante o ano de 2009 e até ao mês de Julho de 2010 são as seguintes: a) € 0,5463 por m³ (abastecimento de água); b) € 0,5776 por m³ (saneamento).” e, “Entretanto, a entidade reguladora aprovou as tarifas referentes ao ano de 2010, sendo o acerto daí resultante objecto de cobrança autónoma ao MUNICÍPIO DO FUNDÃO e não ficando naturalmente prejudicado pela pretensão formulada na presente acção: a) € 0,6009 por m³ (abastecimento de água); b) € 0,6642 por m³ (saneamento).”.
Defendeu, assim, que o réu encontra-se em mora quanto ao cumprimento das obrigações por si assumidas perante a AZC, mora essa que teve início na data de vencimento de cada uma das faturas identificadas, conforme resulta do disposto nos artigos 406.°, 790.° e 805.°, n.º 2, alínea a), do Código Civil, aplicáveis ao caso presente.
A fls. 1933-1951 do SITAF a autora veio requerer “a ampliação do pedido inicial, de forma a incluir também a condenação do réu no pagamento à AzC do valor de € 61.068,85 (sessenta e um mil sessenta e oito euros e oitenta e cinco cêntimos), decorrente da alteração tarifária, por parte do concedente, a que se alude e devido pelos serviços de abastecimento de água e de recolha de efluentes prestados pela AzC ao MUNICÍPIO DO FUNDÃO, acrescido de juros de mora vencidos e vincendos até efetivo e integral pagamento.”.
Para fundamentar este pedido de ampliação do pedido inicial alegou, em suma, o seguinte: Como se refere nos artigos 5.° a 11.° da petição inicial, o Réu encontra-se obrigado ao pagamento de tarifas pelos fornecimentos e serviços prestados pela AZC, sendo o valor dessas tarifas estabelecido nos termos do n.º 3 do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 121/2000, de 4 de julho. Nesse sentido, o cálculo do valor devido pelo Município do Fundão foi efetuado, como se refere no artigo 54.° da petição inicial, em função do valor das tarifas aprovadas para o ano de 2009 e que, à data da entrada da petição inicial, também estavam a ser aplicadas aos fornecimentos e serviços prestados no ano de 2010.
Por despacho proferido em 28 de julho de 2010, o concedente aprovou as tarifas referentes ao ano de 2010, o que aliás é referido no artigo 55.º da petição inicial: a) € 0,6009 por m³ (abastecimento de água); e, b) € 0,6642 por m³ (saneamento). Tal alteração representa as seguintes diferenças nos valores das tarifas aplicáveis em relação às tarifas referentes ao ano de 2009: a) Acréscimo de € 0,0546 por m³ (abastecimento de água); e, b) Acréscimo de € 0,0866 por m³ (saneamento). Esta alteração do valor das tarifas, decorrente de um ato administrativo de conteúdo normativo do concedente e vinculativa tanto para a AzC como para os municípios utilizadores do Sistema Multimunicipal de Abastecimento de Água e de Saneamento do Alto Zêzere e Côa, apenas teve lugar no segundo semestre de
2010, por razões que não são imputáveis à AzC, e implica a ampliação do valor devido pelo Município do Fundão pelos fornecimentos e serviços prestados que estão em causa nos presentes autos. Tendo presente a fixação, pelo concedente, da tarifa aplicável, o valor devido a título de fornecimento de água devia ser ampliado em 27 336,04 €, tendo presente a diferença a que se aludia no artigo 6° do requerimento, que, acrescido de IVA à taxa legal, perfazia o valor de 28 811,04 €. E o valor relativo à prestação de serviços de saneamento ou recolha de efluentes devia ser ampliado em 30 622,19 €, tendo presente a diferença a que se aludia no artigo 6° do requerimento, que, acrescido de IVA à taxa legal, perfazia o valor de 32 257,80 €. Valores a que acrescem juros de mora calculados desde a data em que tais montantes foram liquidados ao Município do Fundão, em setembro de 2010. Concluiu dizendo que o pedido de condenação do réu no pagamento à AZC das quantias em dívida relativas a fornecimentos e serviços descritos nos presentes autos e prestados pela AZC ao Município do Fundão deve (e pode) ser ampliado. E isto porque, estando em causa (i) as mesmas relações contratuais, (ii) os mesmos fornecimentos e serviços prestados e não pagos (iii) e a mesma situação de incumprimento contratual, a ampliação que ora se requer é desenvolvimento ou consequência do pedido primitivo.
Notificado o réu para se pronunciar sobre o pedido de ampliação do pedido, veio dizer que o mesmo não é admissível nos termos do n.º 2 do artigo 273. ° do CPC, por duas ordens de razões: A primeira prende-se com o facto da alteração das tarifas não ser de aplicação retroativa. O despacho do Ministério do Ambiente e do Ordenamento do Território despacho que aprova, em agosto de 2010, a alteração das tarifas - não refere a
retroatividade de aplicação dos novos valores, aos consumos anteriores. Não sendo retroativas as tarifas aprovadas, não podem ser aplicadas aos consumos faturados e em discussão nos presentes autos, devendo improceder este pedido. A segunda razão pela qual a ampliação do pedido é inadmissível, prende-se com o facto de esta não ser um desenvolvimento ou consequência do pedido primitivo, isto porque, à data de entrada da petição inicial - 01 de outubro de 2010 - a Autora sabia exatamente quais os valores da alteração das tarifas, mas só agora os vem cobrar. Tanto mais que enviou, ao réu Município, notas de débito de "acertos" de tarifas em setembro de 2010. A alteração das tarifas foi aprovada por despacho do Ministério do Ambiente e do Ordenamento do Território em 28 de julho de 2010 e foi comunicada ao Réu Município em setembro de 2010. Ora a petição inicial é de 01 de outubro de 2010, pelo que, à data de entrada da mesma, os valores das novas tarifas já eram conhecidos da Autora.
Como acabámos de verificar com este pedido de ampliação do pedido a causa de pedir inicial mantém-se, ou seja, a relação contratual existente entre a autora e o Município do Fundão, não só não se altera, como continua a constituir fundamento da ampliação do pedido, tal como o incumprimento da mesma por parte do réu. O que vem pedido é uma modificação para mais do quantum do pedido inicialmente formulado, resultante da atualização dos valores das tarifas nos termos contratualmente previstos (cfr. cláusula 3.ª dos contratos de fornecimento e cláusula 17.ª do contrato de concessão, que prevê no seu n.º 1, que nos anos subsequentes ao arranque da medição “a alteração do preço do metro cúbico de água e de efluente depende sempre de prévia aprovação do concedente, cabendo à concessionária apresentar para o efeito um projecto devidamente fundamentado”). Alteração, que de resto já tinha sido anunciada na petição inicial (artigo 55.º), por ato da concedente. Verifica-se, assim, que os factos inicialmente alegados se mantêm como fundamento deste pedido, ou seja, a prestação dos serviços de abastecimento de água e de saneamento, nos termos contratualmente previstos nos contratos de fornecimento de água e recolha de efluentes, assim como o incumprimento contratual do réu decorrente do não pagamento da prestação – tarifas – correspondente aos serviços prestados, nos termos previstos nos contratos, sendo o fundamento da alteração deste pedido a atualização das tarifas por despacho da concedente, nos termos previstos nos contratos de fornecimento e de recolha, no contrato de concessão e na lei (cfr. artigo 7.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 121/2000, de 4 de julho). Pelo que não pode deixar de se considerar que estamos perante factos que constituem um desenvolvimento do pedido inicial. Ou seja, o pedido inicialmente formulado correspondia ao resultado da aplicação da tarifa que vigorava para o ano de 2009, aos consumos em causa e serviços de recolha prestados no ano de 2020, tendo a autora vindo ampliar o pedido relativo a estes mesmos consumos, em conformidade com as tarifas fixadas para o ano de 2010. O que não altera a relação jurídica processual inicialmente configurada pelas partes.
De resto como referiu a autora em sede de alegação recursória “com o requerimento de fls. 1933 a 1951 do SITAF, verificou-se um desenvolvimento do pedido inicial que, por sua vez, é produto da evolução anunciada de factos já esgrimidos na causa de pedir inicial, que não foi alterada, mas meramente atualizada com o recálculo das tarifas reportadas às mesmas relações contratuais, aos mesmos fornecimentos e serviços prestados e não pagos e à mesma situação de incumprimento contratual, ampliação que até poderia nem vir a suceder caso o Réu liquidasse as notas de débito em causa nos autos até à data do seu vencimento, ou seja, até 16 de novembro de 2010, o que significa que, aquando da interposição da ação, em 30 de setembro de 2010, ainda estava em curso o prazo de pagamento voluntário de tais acertos tarifários.”. Sendo destituído de relevância para a admissão ou rejeição do pedido a circunstância do aumento das tarifas ter ocorrido em momento prévio à instauração da presente ação.
Estamos, assim, perante uma atualização das tarifas para o ano de 2010, com a qual o réu não podia deixar de contar, pois tal atualização tem previsão legal e contratual, deixando intocada a causa de pedir apresentada na petição inicial, na qual já se anunciava que tinha ocorrido o aumento das tarifas, nos seguintes termos: “a entidade reguladora aprovou as tarifas referentes ao ano de 2010, sendo o acerto daí resultante objecto de cobrança autónoma ao MUNICÍPIO DO FUNDÃO e não ficando naturalmente prejudicado pela pretensão formulada na presente acção”. Trata-se, pois, de uma ampliação do pedido resultante do recálculo dos fornecimentos em função da atualização das tarifas, tendo por base a causa de pedir inicial, que constitui o desenvolvimento do pedido inicial – cfr. artigo 273.º, n.º 2, do CPC`61.
Termos em que se conclui que o despacho recorrido incorreu em violação do disposto no artigo 273.º, n.º 2, do CPC`61, pelo que não poderá manter-se, devendo o requerimento de ampliação do pedido ser admitido, o que se decide.
*

3.2.2 Da nulidade da sentença por omissão de pronúncia sobre a decisão do Tribunal Arbitral proferida a 23/01/2023 e junta aos autos em 27/01/2023 e da violação do artigo 134.º, n.º 1 do CPA

Defendeu o réu e ora recorrente que o Tribunal a quo não dispunha, como não dispõe, de todos os elementos necessários ao conhecimento do mérito da causa, não sem antes se pronunciar sobre a junção aos presentes autos da decisão do Tribunal arbitral, que é essencial para a descoberta da verdade material, pelo que devia ser valorada por este Tribunal. Estamos perante uma omissão de pronúncia pois o Tribunal a quo não se pronunciou sobre questões com relevância para a decisão de mérito da causa. O Tribunal a quo não se pronunciou quanto à questão de fundo, i. e, quanto à questão da nulidade do contrato de concessão e quais as consequências da declaração da nulidade nos contratos de fornecimento e recolha. O Tribunal a quo não se pronunciou sobre quais as consequências da declaração de nulidade do contrato de concessão, quando a ação arbitral transitar em julgado. Não se pronunciou sobre quais as consequências para os contratos de recolha e fornecimento da decisão proferida em Tribunal arbitral. A matéria relativa à validade dos contratos que suportam juridicamente os pagamentos que se reclamam nos autos recorridos, mormente a validade do contrato de concessão, bem como a ilegalidade do sistema multimunicipal são matérias que deveriam ter sido conhecidas a final. No caso de o contrato de concessão e/ou de os contratos de fornecimento de água e de recolha de efluentes virem a ser declarados nulos, tal declaração terá efeitos retroativos com consequências na exequibilidade da sentença ora recorrida. A quase totalidade da relação contratual pressuposta na petição inicial e nas faturas reclamadas, está regulada no contrato de concessão. A decisão proferida em sede do tribunal arbitral acarreta consequências sobre todos os demais contratos celebrados para concretizar a referida concessão, nomeadamente os contratos de fornecimento de água e de recolha e tratamento de efluentes subjacentes à emissão das faturas cujo pagamento a A. ora recorrida reclama nos autos. Ignorar este facto, é ignorar o regime jurídico das nulidades aplicável no âmbito do direito administrativo, nomeadamente o princípio da total improdutividade de efeitos jurídicos dos atos administrativos nulos, constante do artigo 134.º, n.º 1 do CPA, norma que a decisão recorrida violou.
A questão que importa apreciar e decidir é a de saber se o Tribunal a quo incorreu em nulidade por não se ter pronunciado sobre a decisão arbitral junta aos autos, quanto à questão da nulidade do contrato de concessão e quais as consequências dessa nulidade para os contratos de fornecimento e recolha subjacentes à emissão das faturas cujo pagamento a autora reclama nos presentes autos, isto é para a decisão a proferir nos presentes autos, i.e. se incorreu em violação do disposto no artigo 132.º, n.º 1 do CPA e no artigo 615.º, n.º 2, do CPC.
Nos termos do artigo 615.º do Código de Processo Civil (CPC): “1 - É nula a sentença quando: (…) d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento; (…).”.
Só ocorre a nulidade da sentença por omissão de pronúncia, nos termos do art.º 615.º, n.º 1, al. d), do CPC, quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devia apreciar, que são todas as que lhe forem submetidas e que não se encontrem prejudicadas pela solução dada a outras (cfr. art.º 608.º, nº 2, do CPC).
É consabido que as questões que ao tribunal se impõe apreciar e cuja omissão é suscetível de gerar nulidade são as que as partes invocaram nos respetivos articulados e que se consubstanciam no pedido, na causa de pedir, assim como nas exceções deduzidas. Ora, no caso dos autos, atentas as posições manifestadas pelas partes nos articulados apresentados, as questões a decidir e que a sentença recorrida identificou claramente circunscrevem-se à questão de saber “se o réu está obrigado, em cumprimento dos contratos de fornecimento e recolha que celebrou com a autora em 15/09/200, a pagar-lhe € 516.447,79, a título de serviços prestados e bens fornecidos e não pagos” e em caso de resposta afirmativa a esta questão, importava, ainda, decidir se o réu estava obrigado a pagar à autora juros de mora vencidos até 30/09/2010, no montante global de €5.918,92, e juros de mora vincendos. Na referida sentença foi julgada provada a factualidade considerada relevante para a decisão do pedido formulado e efetuada a respetiva subsunção às normas jurídicas aplicáveis. Com efeito, o Tribunal a quo não estava obrigado a pronunciar-se sobre o acórdão arbitral junto aos autos pelo réu, ou sobre a validade do contrato de concessão ou sobre as consequências da mencionada nulidade do contrato de concessão relativamente aos contratos de fornecimento. Questão que não foi objeto de discussão pelas partes nos respetivos articulados. Na verdade, o réu limitou-se a mencionar que corre termos em Tribunal Arbitral uma ação arbitral onde se discutiam, entre outas questões a eventual existência de um incumprimento contratual por parte da Autora, a qual na perspetiva do réu impunha a suspensão “da presente acção até ao trânsito em julgado da decisão que vier a ser proferida no Tribunal Arbitral, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do art. 279.° do Código de Processo Civil.”. Não tendo ocorrido a invocada omissão de pronúncia – cfr. artigo 5.º do CPC.
Com efeito, o réu e ora recorrente, em 29 de novembro de 2011, apresentou requerimento pelo qual requereu “a suspensão da presente instância até ao trânsito em julgado da decisão que vier a ser proferida nos autos do processo que se encontra a correr termos no TAF de Castelo Branco sob o n.º 450/11.7ВЕСТВ”. A autora apresentou pronúncia no sentido da rejeição deste pedido. Este pedido foi indeferido por despacho de 20 de dezembro de 2013, constante de fls. 2031-2033 do SITAF.
Posteriormente em 30 de setembro de 2014, a fls. 2580 do SITAF veio o réu requerer a junção aos autos de dois acórdãos do TCA Sul, relativos à questão da suspensão da presente instância nos termos do artigo 272.º do novo CPC.
O Tribunal a quo pronunciou-se sobre este requerimento, em sede de audiência final, em despacho que consta da respetiva ata a fls. 2637-2649 do SITAF, nos seguintes termos: “Com efeito, embora se reconheça a conexão entre as duas acções, importa considerar que mesmo que seja dada procedência ao pedido que o R. formula no processo n.º 450/11.7BECTB, considerando o disposto no artigo 289.º, do Código Civil, a declaração de nulidade dos contratos não pode impedir, por si só, a improcedência da pretensão formulada pela autora nos presentes autos.
Com efeito, os contratos que a A. e R. celebraram são de execução continuada, pelo que o R. beneficiou do fornecimento dos bens e serviços prestados pela A., não sendo possível a sua restituição, devendo, pois, mesmo que os contratos sejam declarados nulos, pagar à A. o valor da prestação de que beneficiou [cf. acórdão do STA processo n.º 0301/08, de 17/12/2008]
Deste modo, a produção de prova não representa a prática de um acto inútil, pois pode ser aproveitada mesmo que o ora R. venha a obter vencimento no processo n.º 450/11.7BECTB.
Assim, nos presentes autos pretende apurar-se se o valor dos bens fornecidos e dos serviços prestados pela A. ao R. é aquele que a A. facturou, e cujo pagamento peticiona, ou outro valor inferior, pelo que os autos devem prosseguir para apuramento desta questão, com a menção de que quanto mais tempo decorre mais difícil se torna a prova, aumentando o risco de perda da mesma.”.
Sucede que em 27 de janeiro de 2023 a autora veio requerer a junção aos autos “da decisão proferida pelo Tribunal Arbitral”, em 23 de janeiro de 2023, sem que nada mais tenha requerido ao Tribunal a quo – cfr. fls. 2714-2825 do SITAF.
A autora pronunciou-se, dizendo, em síntese que “além do acórdão do Tribunal Arbitral não ter ainda transitado em julgado – facto que o Réu omite convenientemente -, a decisão proferida não integra o conceito de documento supra referido e previsto no art. 362º do C.C.”, requerendo a final que os documentos sejam desentranhados dos autos, por legalmente inadmissíveis – cfr. fls. 2829-2832 do SITAF.
É, pois, manifesto que o Tribunal a quo não incorreu em qualquer nulidade, por omissão de pronúncia, seja processual, pronunciando-se sobre todas as questões que se lhe impunha apreciar e decidir.
De todo o modo, ainda que nos autos não se tivesse demonstrado o trânsito em julgado do referido acórdão arbitral, sempre diremos, como de resto, a autora e recorrida menciona na conclusão H), da sua alegação recursória “a decisão do Tribunal Arbitral não se reporta à nulidade do Contrato de Concessão e às consequências dessa nulidade sobre os contratos de fornecimento e recolha, mas antes à “interpretação ou execução” do Contrato de Recolha de Efluentes”.
Com efeito consta do acórdão arbitral “O âmbito da arbitragem (ou, se se preferir, e como se disse antes, o objecto do litígio) ficou assim cingido à “interpretação ou execução” do Contrato de Recolha de Efluentes, sabendo-se que a sua vigência não foi além da do Contrato de Concessão, a cuja luz fora celebrado.” - Cfr. al. c) do ponto 11, pág. 8 do acórdão arbitral. Para além de que estavam em causa apenas faturas relativas aos anos de 2012, 2013 e 2014, claramente fora do âmbito temporal do pedido formulado nos presentes autos – cfr. fls. 108-109 do acórdão arbitral.
Por outro lado, e como já decidido por diversos tribunais desta jurisdição o conhecimento da questão da nulidade do contrato de concessão e/ou dos contratos de fornecimento de água e recolha de efluentes, ou ainda das consequências da declaração de nulidade do contrato de concessão nestes contratos configuraria a prática de um ato inútil – cfr. artigo 130.º do CPC – pois mesmo que se viesse a concluir pela nulidade do contrato de concessão, e, em consequência pela invalidade dos contratos de fornecimento e recolha, tal não implicaria qualquer modificação da sentença recorrida (3-Cfr. decisão sumária, deste TCA Sul, de 25 de março de 2019, proferida no processo n.º 487/08.3BECTB, referida pela recorrida e consultada no SITAF.).
Neste sentido já havia decidido o STA, designadamente, em acórdão de 12 de abril de 2018, proferido no proc. n.º 0595/17, nos seguintes termos:
carece de fundamento a invocação pelo acórdão aqui recorrido de que se impunha a suspensão da instância para que se aguarde a decisão sobre a nulidade dos contratos por tal ser uma questão prejudicial.
Na verdade, não se trata de uma questão prejudicial a partir do momento em que este STA em formação alargada entendeu que a nulidade do contrato não impedia a autora de reclamar do réu o «quantum» correspondente às tarifas administrativamente estabelecidas.”.
E no mesmo sentido já havia sido decidido, anteriormente, no acórdão de 15 de março de 2018, proferido no proc. n.º 0775/17 (4-Tirado em recurso de Revista de acórdão do TCA Sul proferido no proc. n° 487/08.3BECTB,em 16 de fevereiro de 2017.), do qual se transcreve o seguinte excerto:
“(…) em princípio, estamos perante uma causa prejudicial quando o julgamento dela pode destruir a razão de ser da outra causa; é assim, aquela que tenha por objecto pretensão que constitui pressuposto da formulada, como bem define José Lebre de Freitas, in Código de Processo Civil Anotado, Coimbra, vol. 1º, p. 501.
Por outro lado, a ordem do tribunal, por motivo justificado, é causa da suspensão da instância - artigo 272º, nº 1 do CPC.
Porém, no caso dos autos, a acção 450/11.7 não poderá nunca destruir a razão da presente acção, inclusive, porque tem vido este Supremo Tribunal a decidir que, mesmo no caso de os contratos serem nulos ou até em situações de inexistência de contratos, os Municípios têm por obrigação proceder ao pagamento das facturas decorrentes da efectiva prestação de serviços por parte das empresas concessionárias, aplicando-se aqui o princípio do enriquecimento sem causa, uma vez que, em caso de prestações de serviços efectivos, se o Município não pagar esses serviços está a usufruir indevidamente dos mesmos, ou seja, sem contrapartida, pelo que o montante devido fica ilicitamente na sua posse.
Ou seja, a recente jurisprudência recente deste STA é no sentido de que – mesmo perante a nulidade dos contratos entre os Municípios e as empresas prestadoras de serviços similares – subsiste o dever de pagar tais serviços. - cfr. neste sentido o Acórdão de 04.05.2017, proferido em formação alargada do STA no processo 01209/16, onde se consignou a este propósito:
«As declarações de vontade constitutivas dos contratos não têm de ser explícitas nem sincrónicas (arts. 217º e 228º e ss. do Código Civil). E, por isso, é possível surpreender um acordo entre as partes, não escrito, em comportamentos por elas voluntariamente assumidos.
E essa possibilidade mostra-se efectivada «in casu». Na medida em que o réu, de modo continuado, emitia os efluentes para a autora e esta os recepcionava, deve esse estado de coisas qualificar-se – para que o direito reproduza fielmente a realidade – como um acordo entre as partes, determinativo da obrigação de recepção dos efluentes por banda da autora.
No entanto, está provado que o réu «sempre» disse à autora que não se considerava obrigado a pagar-lhe qualquer preço ou tarifa por causa da recepção de tais efluentes (cfr. o facto EEE). Trata-se de um dado firme e relevante – embora esse «sempre» deva ser encarado com a restrição advinda do acordo aludido no facto GGG e que respeitou ao ano de 2005. Sabemos, assim, que o desacordo das partes não se limitou à simples determinação do preço ou tarifa (cfr. o art. 883º do Código Civil), mas que incidiu sobre a própria existência de uma contrapartida patrimonial. O que levanta a questão de saber se tal postura do município réu, negatória da onerosidade do contrato, afasta a possibilidade desse pacto, ainda que «sine forma», alguma vez ter surgido («vide», a propósito o art. 232º do Código Civil).
Ora, afigura-se-nos que essa drástica solução – a de não haver um contrato oneroso em virtude do réu «sempre» ter recusado a respectiva onerosidade – é de rejeitar no caso presente.
O âmbito das relações contratuais do género encontra-se regulado «ex lege» (cfr. o DL nº 379/93, de 5/11, e o DL nº 171/2001, de 25/5). E dessa regulação resulta que os serviços prestados por concessionários, e relativos à recepção de efluentes provindos de municípios, estão sujeitos a um tarifário administrativamente fixado.
Nesta ordem de ideias, a atitude do réu município – que voluntariamente aderiu a um serviço cuja onerosidade conhecia, embora dela discordasse – corresponde à sua aceitação de negociar com a autora, fazendo-o de maneira que esta ficasse obrigada a receber os efluentes. Ora, esse negócio jurídico, aceite «a silentio» pelo réu, só podia inscrever-se no tipo contratual disponível – e que até fora definido por lei. E, como esta definição já incluía o «quantum» a pagar pelo serviço que a autora prestasse, estava vedado ao réu – perante a incindibilidade do tipo contratual disciplinador das relações entre as partes – aceitar as vantagens do negócio, beneficiando deveras do serviço, e simultaneamente rejeitar a contrapartida pecuniária desse benefício.
Portanto, acompanhamos o acórdão recorrido quando ele disse que as partes se uniram num vínculo negocial relativo à recepção dos efluentes domésticos no ano de 2011. E, ante o que se dispunha no art. 184º do CPA, na redacção então vigente, concordamos com o aresto a propósito da nulidade desse contrato, por falta de forma (art. 220º do Código Civil).
E é de assinalar a absoluta impossibilidade de acometer um tal juízo – o de que houve um contrato de prestação de serviços nulo por falta de forma, mas gerador de consequências – através da mera invocação de princípios jurídicos ou do instituto do abuso do direito, como faz o recorrente. Aliás, se tal abuso houvesse – e não há – ele obrigaria a encarar o contrato como válido, em vez de se ignorar o negócio ou tomá-lo como inexistente.
Prossigamos, portanto, na linha decisória adoptada pelo TCA, que considerou nulo o negócio relativo à recepção dos efluentes domésticos no ano de 2011 e, depois disso, ponderou os efeitos dessa nulidade.
Neste campo, em que convocou o art. 289º do Código Civil, o aresto «sub specie» também decidiu com acerto. Tratando-se de um negócio de execução continuada, e não sendo possível devolver o serviço – de recepção de efluentes – que a autora já prestou, o programa restitutivo, a cargo do município réu, tem de sucedaneamente passar pelo pagamento do valor correspondente à prestação da autora. E esse valor é o do tarifário administrativamente fixado.
(…)».
Ora, sendo esta a posição assumida neste Supremo Tribunal Administrativo, em sede de julgamento em formação alargada, mostra-se destituída de fundamento a argumentação utilizada no acórdão recorrido que determinou a suspensão da instância em virtude da pendência da acção nº 450/11.7 BECTB [nulidade dos contratos ao abrigo dos quais foram prestados os serviços cujo pagamento é reclamado]; ao invés, o que se verifica é que no caso dos autos, é irrelevante o desfecho da referida acção, face à aplicação do direito que deve ser efectuada, não havendo motivo legal que justifique a suspensão da instância, uma vez que não se baseia em qualquer questão prejudicial, na medida em que a decisão da acção não tem qualquer influência no pedido de pagamento das facturas que constitui o objecto da presente acção.”.
Entendimento este, que é inteiramente aplicável aos presentes autos.
Ora, na contestação deduzida nos presentes autos não foi levantada qualquer questão relativa à validade do contrato de concessão e/ou do contrato de fornecimento de água e/ou do contrato de recolha referidos nos n.ºs 1, 2 e 3 dos factos provados. Em sede de alegação de recurso o réu também não indica qualquer razão de facto e/ou de direito que fundamente tal declaração de nulidade.
De todo o modo, ainda que se venha a concluir pela nulidade do contrato de concessão e, em consequência, pela invalidade dos contratos de fornecimento e de recolha, tal não implicaria qualquer modificação na sentença recorrida, que condenou o réu a pagar à autora o “valor de €516.447,79, acrescidos de juros de mora vencidos até 30/09/2010, no valor de €5.918,92, e de juros vincendos, calculados à taxa dos juros de mora aplicáveis às dívidas ao Estado até efetivo e integral pagamento”, relativo aos serviços prestados – fornecimento de água e saneamento -, correspondentes às faturas discriminadas nos n.ºs 5 e 6 dos factos provados e respetivos juros de mora, ou seja, tal nulidade não tem qualquer influência na exequibilidade da sentença recorrida - cfr., também, já decidido na referida decisão sumária.
Em face do exposto, deverá ser negado provimento ao recurso jurisdicional interposto pelo réu e, em consequência, mantida a sentença recorrida.
*
Importa, agora, em face da procedência do recurso apresentado pela autora relativamente ao despacho interlocutório que não admitiu o pedido de ampliação do pedido – e que se impõe revogar por força da procedência deste recurso, como acima decidido – extrair as respetivas consequências da revogação desse despacho.
Previa-se no artigo 7.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 121/2000, de 4 de julho, o seguinte:
As tarifas a cobrar aos utilizadores serão aprovadas pelo concedente, após emissão de parecer do Instituto Regulador de Águas e Resíduos.”.
Como se provou os critérios para a fixação das tarifas constam da cláusula 15.ª do contrato de concessão, prevendo-se na cláusula 3.ª dos contratos de fornecimento e de recolha que o regime tarifário e o regime de faturação e de pagamentos a aplicar ao Município reger-se-ão pelo estabelecido no contrato de concessão. Quanto à revisão de tarifas na cláusula 17.ª do contrato de concessão previa-se “[n]os anos subsequentes ao arranque da medição, sem prejuízo do n° 1 da cláusula anterior, a alteração do preço do metro cúbico de água e de efluente depende sempre de prévia aprovação do concedente, cabendo à concessionária apresentar para o efeito um projecto devidamente fundamentado.”.
Está, igualmente, provado nos presentes autos que por despacho de 28 de julho de 2010 da Ministra do Ambiente e do Ordenamento do Território foram alteradas as tarifas a praticar pela AdZC, relativamente ao ano de 2010, para o valor de 0,6009€/m3 para a atividade de abastecimento e para o valor de 0,6642€/m3 para a atividade de saneamento.
Por ofício datado de 22 de setembro de 2010, a autora remeteu ao “Presidente Município do Fundão”, comunicação relativa ao assunto “Acerto Tarifa 2010”, em anexo à qual remeteu cópia do referido despacho da Ministra do Ambiente e do Ordenamento do Território, com a aprovação das tarifas para o ano de 2010, assim como as “Notas Débito correspondentes ao acerto das tarifas”, as quais vieram a ser retificadas pelas Nota de Crédito 2400000038 e 2400000054, ambas de 18 de novembro de 2010.
Tendo em consideração que se provou que na sentença recorrida foi o réu condenado a pagar à autora o “valor de €516.447,79, acrescidos de juros de mora vencidos até 30/09/2010, no valor de €5.918,92, e de juros vincendos, calculados à taxa dos juros de mora aplicáveis às dívidas ao Estado até efetivo e integral pagamento”, relativo aos serviços prestados – fornecimento de água e saneamento -, correspondentes às faturas discriminadas nos n.ºs 5 e 6 dos factos provados e respetivos juros de mora, valor aquele decorrente da aplicação do tarifário fixado para o ano de 2009, ou seja, € 0,5463/m3, relativos aos fornecimentos de água (cfr. facto provado n.º 5) e € 0,5776/m3, referente à recolha e tratamento de efluentes (cfr. facto provado n.º 6) e que o réu não pagou (cfr. factos provados 7.º e 8.º), devem os referidos fornecimentos de água e saneamento -, correspondentes às faturas discriminadas nos n.ºs 5 e 6 dos factos provados ser acrescidos das diferenças de valores das tarifas atualizadas, ou seja, 0,6009€/m3 para a atividade de abastecimento de água (correspondente a um acréscimo de € 0,0546 por m³) e 0,6642€/m3 para a atividade recolha/saneamento (correspondente a um acréscimo de € 0,0866 por m³) no montante, respetivamente, de € 27.336,04, acrescido de IVA à taxa legal, no total de € 28 811,04 (vinte e oito mil oitocentos e onze euros e quatro cêntimos) e de € 30 622,19, acrescido de IVA à taxa legal, o que perfaz o total de € 32 257,80 (trinta e dois mil duzentos e cinquenta e sete euros e oitenta cêntimos).
A estes valores acrescem juros de mora, tal como decidido na sentença recorrida, desde a data de vencimento aposta em cada fatura até efetivo e integral pagamento.
*

Conclui-se, assim, que deve ser concedido provimento ao recurso interposto pela autora e recorrente, admitindo-se o pedido de ampliação do pedido formulado pelo requerimento de fls. 1933-1951 do SITAF e consequentemente, deve o réu ser condenado a pagar à autora a quantia total de € 28 811,04 (vinte e oito mil oitocentos e onze euros e quatro cêntimos), referente à atualização da tarifa de fornecimento de água para vigorar no ano de 2010 e o total de € 32 257,80 (trinta e dois mil duzentos e cinquenta e sete euros e oitenta cêntimos), referente à atualização da tarifa de saneamento para vigorar no ano de 2010, nos termos acima enunciados.
Assim como, em face de todo o exposto, se conclui que deve ser negado provimento ao recurso jurisdicional interposto pelo réu.

*
As custas do recurso serão suportadas pelo réu - cfr. artigo 527.º n.º 1 e n.º 2, do Código Processo Civil e artigos 6.º n.º 2, 7.º n.º 2 e 12.º n.º 2, todos do Regulamento das Custas Processuais.
*
IV. Decisão:
Pelo exposto, acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da Subsecção de Contratos Públicos, da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul, em:
Conceder provimento ao recurso da autora e recorrente, revogar o despacho recorrido, admitindo a ampliação do pedido formulada pela autora pelo requerimento de fls. 1933-1951 do SITAF e consequentemente, deve o réu ser condenado a pagar à autora a quantia total de € 28 811,04 (vinte e oito mil oitocentos e onze euros e quatro cêntimos), referente à atualização da tarifa de fornecimento de água para vigorar no ano de 2010 e o total de € 32 257,80 (trinta e dois mil duzentos e cinquenta e sete euros e oitenta cêntimos), referente à atualização da tarifa de saneamento para vigorar no ano de 2010, nos termos acima enunciados; e,
- Negar provimento ao recurso jurisdicional interposto pelo réu.

Custas do recurso pelo réu.
Registe e notifique.
Lisboa, 9 de outubro de 2025.
_________________________________
(Helena Telo Afonso – relatora)

_________________________________
(Ana Carla Teles Duarte Palma – 1.ª adjunta)

_________________________________

(Paula Cristina Oliveira Lopes de Ferreirinha Loureiro – 2.ª adjunta)