Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1249/17.2BESNT
Secção:CA
Data do Acordão:03/27/2025
Relator:LUÍS BORGES FREITAS
Descritores:PENA DE SUSPENSÃO
MÉDICO
INTEMPESTIVIDADE DA PRÁTICA DO ATO PROCESSUAL
PRODUÇÃO DE EFEITOS DAS PENAS DISCIPLINARES
EXECUÇÃO DAS PENAS DISCIPLINARES
Sumário:
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção Administrativa Social
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Subsecção Social do Tribunal Central Administrativo Sul:
*

I
V....... intentou, em 27.9.2017, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, ação administrativa contra a Ordem dos Médicos, pedindo a anulação do «acto que aplicou ao A. a sanção disciplinar de suspensão graduada em 240 dias, condenando-se a R. a eliminar a existência daquela sanção de todos os registos que a ela façam referência em documentos relativos à carreira do A.».

Posteriormente, veio igualmente a ser impugnado o ato de 12.10.2017 do Conselho Superior da Ordem dos Médicos através do qual determinou a execução da pena, com o início em 13.11.2017 e termo em 13.5.2018.

Por decisão de 29.5.2018 o tribunal a quo julgou procedente a exceção da intempestividade da prática do ato processual e absolveu a Ordem dos Médicos da instância.

Inconformado, o Autor interpôs recurso daquela decisão, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:

1.
O A. intentou acção administrativa contra a R., pedindo em suma o seguinte:
a) Na sequência de processo disciplinar instaurado, por Acórdão do Conselho Nacional de Disciplina da Ordem dos Médicos, datado de 18 de Janeiro de 2017, foi aplicada ao ora Requerente a sanção disciplinar de suspensão, graduada em seis meses, Acórdão que foi notificado ao Requerente por oficio datado de 10 de Maio de 2017 e expedido por via postal;
b) O direito exercido por aquele acto punitivo estava ferido de nulidade por violação dos princípios da prescrição, da caducidade e da extinção do direito de queixa.
2.
Com a comunicação daquela decisão punitiva nada fora comunicado ao A. sobre o período de tempo em que deveria cumprir a sanção disciplinar aplicada e, por ofício datado de 31 de Outubro de 2017 e expedido por via postal no dia 2 de Novembro do mesmo ano fora comunicado ao A. que, em reunião do Conselho Superior da Ordem dos Médicos, que tivera lugar no dia 12 de Outubro de 2017, fora aprovado em relação àquela sanção que lhe fora aplicada, o seguinte:
“Foi deliberado em reunião de 29/06/2017, executar-se a sanção disciplinar de suspensão pelo período de 6 meses, determinando-se o seu início a 3 de Setembro de 2017 e o seu termo a 3 de Março de 2018. Contudo, a ata apenas foi aprovada no dia 31/10/2017, circunstância, esta, que inviabilizou o cumprimento atempado do determinado pelos serviços administrativos do Conselho Superior. Sucede que no dia 4/10/2017 o presente órgão poi citado para, querendo, contestar no âmbito da ação administrativa que não determina a suspensão do ato executivo (decisão de aplicação de sanção disciplinar de suspensão pelo período de 6 meses), determina-se nova data para execução da sobredita sanção, devendo ter o seu início a 13 de Novembro de 2017 e término a 13 de Maio de 2018. Nesta sequência devem ser adotados os procedimentos necessários, para a efectiva execução da sanção disciplinar.”
3.
As sanções disciplinares iniciam a produção dos seus efeitos no dia seguinte àquele em que a decisão punitiva se torne definitiva — Ver por todos os arts. 223°, da LTFP, aprovada pela Lei 35/2014, e art. 20°, n° 1, do Estatuto Disciplinar dos Médicos aprovado pela Lei 117/2015;
4.
No caso dos presentes autos, como flui do acto impugnado, a R. não deu execução ao acto sancionatório deixando passar o prazo em que a mesma poderia ter tido lugar, ou seja, o prazo de seis meses imediatamente subsequentes à aplicação da sanção de suspensão, pretendendo agora executá-la, uma vez precludido o prazo para o cumprimento dessa execução, praticando um acto claramente ilegal à luz do citado art. 20°, n° 1, do Estatuto Disciplinar dos Médicos, aprovado pela Lei 117/2015 e que foi objecto de ampliação do pedido formulado nos autos;
5.
Estabelecia o art. 43°, n° 1, do Estatuto Disciplinar dos Médicos, aprovado pelo Dec. Lei 217/94, que das decisões dos Conselhos Disciplinares Regionais cabia recurso para o Conselho Nacional de Disciplina, prevendo-se no seu n° 2, que não era admitida a renúncia ao recurso antes de conhecida a decisão;
6.
E no art. 46°, n° 2, do mesmo Estatuto previa-se que os recursos das decisões finais dos Conselhos Disciplinares Regionais tinham efeito suspensivo;
7.
Nos termos da disposição constante do art. 3° da parte preambular do Dec—Lei 4/2015 que alterou em parte o CPTA, estabelecia-se que nos recursos administrativos pendentes eram entendidos como recursos hierárquicos os que suspendiam os efeitos da decisão recorrida;
8.
Estamos pois perante a questão objecto de discussão na Doutrina e na Jurisprudência de que o art. 59°, n° 4, do CPTA, estatui a suspensão do prazo de interposição da acção administrativa, prazo que só se iniciaria com a decisão do recurso hierárquico ou com o decurso do prazo para decisão deste último;
9.
E embora se concorde em tese com a decisão proferida nos autos sobre esta matéria, sucede que no caso dos autos o art. 43°, n° 2, do Estatuto Disciplinar dos Médicos, expressamente impede a renúncia ao recurso para o Conselho Nacional de Disciplina, existindo aqui um desvio à regra do art. 59°, n° 4, do CPTA, ditada por critérios diferentes e que, no caso, obrigava o A. a aguardar o resultado do recurso interposto;
10.
No caso dos presentes autos o A. não deixou pois precludir o prazo da propositura da acção administrativa de impugnação da pena aplicada, pois teve que aguardar pela decisão do recurso interposto nos termos do art. 43°, do Estatuto Disciplinar dos Médicos;
11.
E ainda que assim se não entendesse, sempre o desrespeito pelos prazos prescricionais aplicáveis ao procedimento disciplinar sempre afectaria a sanção punitiva de nulidade nos termos do art. 133°, n° 2, d), do CPA, sendo pois o acto punitivo impugnável a todo o tempo;
12.
Quanto à impugnação do acto de execução da sanção aplicada, é um acto que só é impugnável a partir do momento em que inicie a sua produção de efeitos e, se a R., a despeito da decisão do Conselho Nacional de Disciplina não deu execução à mesma, só com a decisão de executar o acto, nas suas diversas vertentes de produção de efeitos externos, era suscetível de impugnação — art. 54°, n° 1, do CPTA.;
13.
Impugnação do acto de execução que foi impugnada em tempo, porquanto como se pode ler na deliberação do Conselho Superior de Disciplina da Ordem dos Médicos a execução do acto teria início quanto à sua produção de efeitos no dia 13 de Novembro de 2017, data em que foi requerida por apenso a sua suspensão de eficácia dando origem ao P° 1249/17.2BESNT-A, entretanto incorporado nos presentes autos;
14.
Justificando-se a impugnação autónoma do acto de execução da sanção aplicada quando a R. só se lembrou de o executar quando foi citada para a acção de impugnação da sanção punitiva que havia decidido há meses;
15.
A douta decisão recorrida, ao decidir como decidiu violou pois o art. 223o, da LTFP, aprovada pela Lei 35/2014, 20°, n° 1, do Estatuto Disciplinar dos Médicos, aprovado pela Lei 117/2015, 43°, n°s 1 e 2, e 46°, n° 2, do Estatuto Disciplinar dos Médicos, aprovado pelo Dec. — Lei 217/94, 3° da Parte Preambular do Dec.-Lei 4/2015, 133°, n° 2, do CPA e 54°, n° 1, do CPTA, devendo por essa razão ser anulada, determinando-se a apreciação de fundo dos fundamentos de impugnação invocados.
Termos em que,
Deverá ser dado provimento ao presente recurso, anulando-se a decisão recorrida e determinando-se a apreciação de fundo dos fundamentos de impugnação invocados, como é de direito e é de inteira
JUSTIÇA


A Recorrida apresentou contra-alegações, formulando as seguintes conclusões:

1. Tendo o ora Recorrente impugnado a decisão referido no ponto 33 (acórdão de 30.12.2013, e que lhe foi notificado a 21.02.2014) apenas em 28.09.2017 (cf. ponto 39), mas, decorridos os 30 dias a contar da data para apresentar alegações escritas (21.02.2014) do recurso administrativo, o mesmo já se encontrava tacitamente indeferido (a 21.03.2014).
2. O facto que determina o início da contagem do prazo para a impugnação contenciosa é o termo do prazo legal de decisão da impugnação administrativa, sendo que o ato de execução da sanção é absolutamente irrelevante para o efeito.
3. É manifesto que se encontrava caducado o direito de impugnação da decisão condenatória, de 30.12.2013 na data em que o ora Recorrente impugnou judicialmente tal decisão.
4. Sendo esta decisão condenatória primária relativamente à decisão de execução da pena, não é possível, por via da impugnação judicial desta última decisão atacar a primeira, porquanto esta já tinha transitado em julgado.
5. Não tem razão quando o ora Recorrente alega o art. 43.°, 2, EDM, que impede a renúncia ao recurso para justificar a ausência de caducidade do direito de ação.
6. Uma realidade é esse impedimento mas outra é o prazo legal que o próprio CPA estabelece — tacitamente indeferido se não for decidido no prazo de 30 dias (art. 175.°, CPA).
7. Aliás, ambos os dispositivos fazem, em conjunto, sentido: o recorrendo não pode renunciar ao recurso, bem sabendo que, inexistindo decisão no prazo de 30 dias ele poderá impugnar a decisão judicialmente.
8. O contrário é que seria um contrassenso: admitir a renúncia e vir dizer que o prazo de impugnação seria de 30 dias (neste caso, seria sempre no prazo a contabilizar considerando essa renúncia).
Face a tudo o exposto, é manifesto serem infundadas e insubsistentes todas as conclusões do Recorrente.
Sendo manifesto que bem se decidiu na sentença recorrida julgar a ação improcedente, absolvendo a R., ora recorrida, da instância, porque procedente a exceção de caducidade do direito de ação do ora Recorrente;
Pelo que, deve a mesma ser mantida nos seus precisos termos, assim se fazendo, com o mui douto suprimento de V. Ex.as, Venerandos Desembargadores,
Justiça

*

Notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 146.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, o Ministério Público não emitiu parecer.
*

Com dispensa de vistos, mas com envio prévio do projeto de acórdão aos Juízes Desembargadores adjuntos, vem o processo à conferência para julgamento.


II
Sabendo-se que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões do apelante, as questões que se encontram submetidas à apreciação deste tribunal de apelação consistem em determinar se a decisão recorrida errou quanto:

a) À intempestividade da prática do ato processual;
b) À alegada ilegalidade da deliberação de 12.10.2017.


III
A matéria de facto constante da decisão recorrida é a seguinte:

1) O Autor [A], V......., reside na Rua Casal da Amoreira, ……, Carnaxide, Oeiras.
2) O Autor [A], é Assistente Especialista de Obstetrícia/ Ginecologia, cujo exame final do internato Complementar de Obstetrícia/ Ginecologia, em 27/07/1999, obteve a classificação final de 17,9 valores, tendo adquirido o referido grau de Assistente de Obstetrícia/ Ginecologia Médica, e à data dos factos adiante mencionados, exercia funções Hospital de São Francisco Xavier [HSFX], Lisboa.
3) Em 12/11/2009, pelas 19:40H, C......., residente na Buraca, Amadora, dirigiu e deu entrada nos Serviços do mesmo HSFX, [Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental, EPE], da reclamação manuscrita de fls 6vº e 7 do citado PA anexo, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, mediante a qual participou que nesse dia 12/11/2009, ali foi observada pelo médico, ora Autor, --cujo nome então disse não saber--, e que o mesmo, aquando do exame vaginal, lhe fez toques no clitóris, no contexto que ali explana e valora como consta do respetivo texto.
4) Em 12/11/2009, pelas 22:13H, C......., dirigiu-se à Esquadra da PSP de Miraflores, onde apresentou queixa contra o ora A, por crime contra a liberdade e a autodeterminação sexual, naquele exame do dia 12/09/2009, pelas 19:30H, o que deu origem ao NUIP 001219/09.4 PCOER, do DIAP de Lisboa, conforme a informação modelo oficial de fls 8vº do PA, sobre dedução de pedido de indemnização civil, e fls 18 e 18v, de pedido de informação, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
5) Em 13/11/2009, pelas 13:00H, C......., dirigiu e deu entrada nos Serviços do mesmo HSFX, Lisboa, da reclamação manuscrita de fls 7vº e 8 do citado PA anexo, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, mediante a qual indagou pelo nome do médico, e participou que no referido dia 12/11/2009, pelas 19:30H, ali foi observada pelo médico, ora Autor, --cujo nome então disse ser o médico V.......--, e que o mesmo, aquando do exame vaginal, que não concretiza mas diz «de forma abusiva, totalmente fora do âmbito clínico», como consta do respetivo texto, concluindo estar «segura que esta conduta viola gravemente o código deontológico da ordem dos médicos».
6) Em 25/11/2009, a mesma C......., dirigiu e deu entrada nos Serviços do mesmo HSFX, Lisboa, da carta dactilografada [datada de 23/11/2009], de fls 5vº e 6 do citado PA anexo, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, mediante a qual participou de novo que no referido dia 12/11/2009, pelas 19:20H, ali foi observada pelo médico, ora Autor, --«Dr. V.......»--, e que o mesmo, aquando do exame vaginal, que não concretiza, mas diz que o mesmo lhe «tocou» da forma que valora e adjetiva, como consta do respetivo texto, informando que carta idêntica seria enviada à Inspecção-Geral das Actividades em Saúde, e à OM.
7) Em 07/12/2009, C......., dirigiu e deu entrada nos Serviços do mesmo HSFX, Lisboa, da carta dactilografada de fls 10vº do PA anexo, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, mediante a qual solicitou ao Presidente do Conselho de Administração que, no seguimento da carta de 23/11/2009, que, se existisse e par prova da participação criminal que efectuou, fosse guardada a gravação das imagens para utilização no Processo-crime referido, do DIAP.
8) Em 18/12/2009, pela comunicação de fls 13vº do PA, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, os Serviços do HSFX informaram que, face ao tempo decorrido, já não dispõe de gravação das imagens solicitadas.
9) O ora A descreveu, em pormenor técnico, o exame médico acima referido, de 12/11/2009, pelas 19:24H, no documento cuja cópia se encontra a fls 12vº e 25vº, do PA, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
10) Em 26/11/2009, foi mandado instaurar processo de inquérito -- doc fls 15 e 27, do PA, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
11) Em 18/01/2010, F......., com residência declarada em Sintra, dirigiu e deu entrada nos Serviços do mesmo HSFX, Lisboa, da carta sem data dactilografada de fls 16vº, 17 e 17vº e 81, do citado PA anexo, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, mediante a qual, num longo texto, alegando, entre o mais, que ¯só agora encontrou força para despoletar o processo, participou que no referido dia 13/11/2009, ali foi observada pelo médico, ora Autor, --«Dr. V.......»--, e que o mesmo, aquando do exame vaginal, «introduziu a mão na (….) vagina, deixando o seu dedo polegar pousado sobre o (….) clitóris, e compassadamente, (….), foi repetidamente massajando o (….) clitóris e a parte interior da (….) vagina».
12) A referida F....... foi testemunha da queixosa, C......., no citado processo criminal NUIP 001219/09.4 PCOER –conforme a sentença de 49 a 58, do PA, anexo, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
13) Em 29/12/2009, a referida C....... prestou, no processo de inquérito disciplinar referido, as declarações de fls 19 a 20vº, do PA anexo, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
14) Em 10/12/2009, o ora A apresentou, no processo de inquérito disciplinar, a resposta escrita de fls 22 e vº do PA anexo, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
15) Em 18/12/2009, o médico também visado, N......., apresentou, no processo de inquérito disciplinar, a resposta escrita de fls 23 do PA, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
16) Em 14/01/2010, na queixa de F......., o Presidente do Conselho Disciplinar Regional do Sul [CDRS], pelo despacho de fls 35/s do PA, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, determinou a instauração de Processo Disciplinar [7/2010, fls 16 e 79, 80/83] [por aplicação do artigo 6, do DL 217/94, de 20/08 Estatuto Disciplinar dos Médicos (EOM)].
17) Em 26/01/2010, a referida F....... prestou, no processo de inquérito disciplinar referido, as declarações de fls 29 a 30, do PA, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
18) Em 12/02/2010, a ora A, Dr V......., prestou, no processo de inquérito disciplinar referido, as declarações de fls 31 e v, do PA, no sentido de que terá havido má percepção da paciente, da cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
19) Em 24/03/2010, T......., com residência declarada na Damaia Cima, [Buraca], Amadora, dirigiu e deu entrada na Ordem dos Médicos a 25/03/2010, da carta manuscrita de fls 62vº a 63vº, do citado PA, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, mediante a qual, num longo texto, queixando-se do ora Autor, alegando, entre o mais, que em 03/09/2008, apesar de antes da gravidez e revisão do parto nada ter a apontar, nessa consulta, o mesmo «(….) esteve constantemente a estimular-me até que eu atingi o orgasmo (….), (….) não sou pessoa sensível nem de carências emocionais para (…) até agora estive em silêncio (….) porque isto é uma situação difícil de provar (…). Aguardo uma resposta (….)».
20) Em 20/03/2010, em face da referida queixa, T......., o Presidente do Conselho Disciplinar Regional do Sul [CDRS], pelo despacho de fls 64/s do PA, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, determinou a instauração de Processo Disciplinar [42/2010, fls 60] contra o A [por aplicação do artigo 6, do DL 217/94, de 20/08 Estatuto Disciplinar dos Médicos (EOM)].
21) Em Março de 2010, em momento não indicado, mas até ao dia 30/03/2010, o Instrutor elaborou o Relatório Final do Inquérito Disciplinar, não datado, de fls 32 a 34 do PA, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, propondo, entre o mais, a instauração de processo disciplinar ao visado, ora A, a ser efectuada junto da Ordem dos Médicos, entidade competente; o envio do inquérito à IGAS; e a comunicação ao DIAP.
22) Em 30/03/2010, na sequência da dita queixa de C......., o Presidente do Conselho Disciplinar Regional do Sul [CDRS], pelo despacho de fls 35/s do PA, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, determinou a instauração de Processo Disciplinar [31/2010, cfr fls 46vº] [por aplicação do artigo 6, do DL 217/94, de 20/08 Estatuto Disciplinar dos Médicos (EOM)].
23) Em 21/05/2010, T....... remeteu à OM, pela carta dactilografada, de fls 67 do PA, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, elementos solicitados e indicação de duas testemunhas.
24) Em 03/04/2011, a testemunha M........., com residência declarada em Alfragide [Buraca], Amadora, a quem a Instrutora pediu esclarecimentos por escrito, cfr, fls 72 do PA, dirigiu e deu entrada em 05/04/2011, na Ordem dos Médicos, a carta dactilografada de fls 75 e vº, do citado PA, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, mediante a qual, num longo texto, entre o mais, expôs o que ora se destaca:
«(….) conheço a queixosa [supõe-se, T.......] há já alguns anos (antes mesmo, desta ter alugado uma loja no centro comercial que apoia as torres onde vivo), estando diariamente com ela e sendo sua amiga (….). Há uns tempos, comecei a senti-la triste, (….), chorava por tudo e por nada, (….), andava deprimida e não queria contar o que se passava. (….). (….) até que um dia, (…..) contou-me o que o seu ginecologista tinha feito durante uma consulta, numa observação ginecológica, em que claramente ultrapassou os limites éticos, estimulando-a insistentemente e demoradamente no clitóris, não respondendo às perguntas (….). Naquele dia percebi o que a minha amiga estava a viver, para além do nojo que sentia (….). Porque esta minha amiga é uma jovem mulher, com a vida pela frente, porque acho que já basta destas pessoas (….). Gostaria ainda de dizer, que recentemente tive conhecimento que este mesmo médico, fez isto a outras pacientes, tendo inclusive sido expulso do Hospital de São Francisco Xavier, na sequência de outras queixas (….). O meu objectivo é única e exclusivamente honrar a minha amiga, que é uma pessoa que viu a sua integridade ser posta em causa (….)».
25) Em 03/04/2011, a testemunha G........., com residência declarada em Alfragide [Buraca], Amadora, a quem a Instrutora pediu esclarecimentos por escrito, cfr, fls 71 do PA, dirigiu e deu entrada em 05/04/2011, na Ordem dos Médicos, a carta manuscrita, de fls 77, do PA, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, mediante a qual, entre o mais, expôs o que ora se destaca:
«Estando a Sra D. T......... (….), na sua qualidade de manicure, a arranjar-lhe as unhas, (….), [não diz em que data, ou mês, ano, ou ocasião] perante a minha insistência (….), acabou por me contar o que tinha passado numa consulta de ginecologia (….), aconselhei-a a apresentar queixa. Para defesa das mulheres (….) espero que procedam em conformidade (….)».
26) Em 23/04/2012, a Instrutora do Processo Disciplinar, pelo ofício de fls 46v, 47, do PA, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, solicitou ao DIAP de Lisboa, informação sobre a decisão do processo NUIPC 1219/09.4PCOER, acima referido.
27) Em 06/03/2012, no processo criminal NUIPC 1219/09.4PCOER, --onde a queixosa deduziu pedido de indemnização civil--, no 2º juízo criminal da comarca de Lisboa, foi proferida a sentença de fls 49 a 58 do PA, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, que condenou o arguido pela «prática, como autor(a), de um crime de importunação sexual, p. e p. no art° 170° do Código Penal, na pena de 5 (cinco) meses de prisão, suspensa na sua execução por 1 (um) ano, mas subordinada ao dever de proceder à entrega à lesada/demandante da quantia de €5.000,00; (….), a pagar ao(à) demandante a quantia de € 5.000,00 (cinco mil euros) a título de danos não patrimoniais, (….); absolver o(a) arguido(a)/ demandado(a) do demais peticionado (….); (….)»; a qual foi confirmada por acórdão de 06/02/2013, do Tribunal da Relação de Lisboa, de fls 135vº a 153, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
28) Em 14/03/2012, o 2º juízo criminal da comarca de Lisboa, remeteu ao Conselho Nacional da OM a sentença acabada de referir, pelo ofício de fls 48 do PA, recepcionado no processo disciplinar a 15/05/2012, cfr fls 59 do PA, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
29) Em 23/10/2012, no processo disciplinar 31/2010, mas englobando também os supra referidos processos disciplinares 7/2010 e 42/2010, apensos àquele, a Srª Relatora dos mesmos elaborou o despacho de fls 91vº a 109 do PA, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, pelo qual deduziu acusação disciplinar contra o ora Autor, imputando ao arguido a violação dos artigos 27 e 12 do Código Deontológico dos Médicos de 1985, na altura em vigor, a que correspondem os artigos 39 e 10, do actual Código Deontológico de 2009, «sendo a sua conduta passível da pena de suspensão, nos termos dos artigos 12, alínea c) e 17, nº 1, alínea b) do Estatuto Disciplinar dos Médicos».
30) Em 14/12/2012, [recepcionada na OM a 17/127/2012, cfr fls 113vº], no processo disciplinar 31/2010, acabado de referir, o ora A impugnou a acusação, mediante a contestação de fls 114 a 118v, do PA [repetida a fls 119v a 124], cujo teor se dá por integralmente reproduzido, e excepcionou a caducidade do direito de instaurar procedimento disciplinar, a prescrição dos factos, e a extinção do direito de queixa; e invocando, entre o mais, o princípio in dubio pro reo, e da presunção de inocência, pedindo a absolvição disciplinar.
31) Em 13/08/2013, [cfr fls 173vº], no processo disciplinar 31/2010, após as diligências, o ora A apresentou as alegações de fls 174 a 175, do PA, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, invocando o princípio in dubio pro reo, e o entendimento neste sentido da jurisprudência, contrária à decisão do Tribunal da Relação de Lisboa [e da 1ª Instância], que não utilizara aquele princípio [presunção de inocência] e antes o da livre apreciação da prova, e, que, sendo o processo criminal independente do disciplinar, seja o arguido absolvido, como pediu na contestação.
32) Em 30/12/2013, no processo disciplinar 31/2010, englobando também os supra referidos processos 7/2010 e 42/2010, apensos àquele, a Srª Relatora dos mesmos elaborou o relatório final de fls 177 a 212vº do PA, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, mediante o qual, transcreve a sentença do tribunal criminal e o acórdão do TRL, nos quais, além do mais, se apoia, pronunciando-se ainda sobre as excepções suscitadas pelo A, terminando com a imputação ao arguido a violação dos artigos 27 e 12 do Código Deontológico dos Médicos de 1985, na altura em vigor, a que correspondem os artigos 39 e 10, do actual Código Deontológico de 2009, «sendo a sua conduta passível da pena de suspensão, nos termos dos artigos 12, alínea c) e 17, nº 1, alínea b) do Estatuto Disciplinar dos Médicos», propondo a pena de 6 meses de suspensão.
33) Em 30/12/2013, no referido processo disciplinar 31/2010, o Conselho Disciplinar Regional do Sul da Ordem dos Médicos [CDRS-OM] proferiu o acórdão de fls 213 do PA, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, mediante o qual, «nos termos e pelas razões expostas pela Vogal Relatora, no seu Relatório Final», condenou o Autor na pena de seis meses de suspensão proposta.
34) Em 21/01/2014, o Presidente do Conselho Disciplinar Regional do Sul da OM, pelo ofício nº 000372, de fls 216vº, PA, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, deu conhecimento do acórdão acabado de referir ao A e Mandatário, informando, além do mais que: «Nos termos do Art° 43° do DL 217/94 de 20 de Agosto (….), publicado no DR (….), cabe recurso desta decisão para o Conselho Nacional de Disciplina da Ordem dos Médicos, sendo o prazo para interposição do recurso de oito dias contados da notificação, nos termos do art° 45º n° 1, do mesmo diploma».
35) Em 30/01/2014, o ora A apresentou o recurso administrativo pelo requerimento de fls 225, do PA, [repetido nas fls seguintes], cujo teor se dá por integralmente reproduzido; e, notificado, pelos ofícios 580 e 581, de 20/02/2014, de fls 233v e 234v, [recepcionado a 21/02/2014, cfr fls 236v], para apresentar alegações escritas, o mesmo apresentou em 11/03/2014, as alegações de fls 237v a 250, do PA, [repetido nas fls 251/s e 275/s], cujo teor se dá por integralmente reproduzido, em termos similares aos ora invocados, entre o mais o as supra alegadas excepções e o princípio in dubio pro reo, o entendimento neste sentido da jurisprudência, contrária à decisão do TRL [e da 1ª Instância], que não utilizara aquele princípio da presunção de inocência, e, que, sendo o processo criminal independente do disciplinar, seja o arguido absolvido.
36) Em 12/12/2016, o Relator elaborou o relatório de fls 291 a 355v do PA, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, o qual, transcrevendo os referidos relatório e acórdão da OM, e as alegações de recurso do Autor, conclui e propõe, apreciando, nos pontos 6 a 30 [fls 353, 354, 355], que seja negado provimento ao recurso e mantida a decisão.
37) Em 18/01/2017, no referido processo disciplinar 31/2010 e apensos [embora faça referência ao proc 34/2014, do C Hospitalar], o Conselho Nacional de Disciplina da OM proferiu o acórdão de fls 356 do PA, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, julgando improcedente o recurso do A, mantendo a pena disciplinar de suspensão de 6 meses.
38) Em 10/05/2017, a Ré, OM, pelos ofícios de fls 356v e 357v, do PA, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, recebidos a 12/05/2017, cfr A/R, fls 364v, deu conhecimento do acórdão acabado de referir ao A e seu Mandatário.
39) Em 28/09/2017, o A deu entrada em juízo à presente acção.
40) Em 31/10/2017, o Conselho Superior da OM, pelos ofícios de fls 34 e 35, doc 3 da PI cautelar, e fls 298 e 299, doc 1 e 2, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, levou ao conhecimento do A e seu Mandatário um extracto da Ata desse Conselho, da reunião de 12/10/2017, relativo à execução da sanção disciplinar de 6 meses de suspensão, aplicada a 18/01/2017, de cujo extrato consta o seguinte, que se destaca:
«Extrato da Ata nº 7 (….). Foi deliberado em reunião de 29/06/2017, executar-se a sanção disciplinar de suspensão pelo período de 6 meses, determinando-se o seu início a 3 de setembro de 2017 e o seu termo a 3 de março de 2018. Contudo, a ata apenas foi aprovada no dia 31/08/2017, circunstância, esta, que inviabilizou o cumprimento atempado do determinado pelos serviços administrativos do Conselho Superior. Sucede que dia 04/10/17 o presente órgão foi citado para, querendo, contestar no âmbito da ação administrativa intentada pelo médico visado. Estando-se na presença de uma ação administrativa que não determina a suspensão de eficácia do ato administrativo (decisão de aplicação de sanção disciplinar de suspensão peio período de 6 meses), determina-se nova data para execução da sobredita sanção, devendo ter o seu início a 13 de novembro de 2017 e término a 13 de maio de 2018. Nesta sequência devem ser adotados os procedimentos necessários, para a efetiva execução da sanção disciplinar.».
41) O Autor é casado com R........., tem dois filhos / dependentes, agregado familiar e rendimentos mencionados na Declaração de IRS Modelo 3, do ano de 2016, de fls 53/ss e 66 a 78, dos autos cautelares, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, no valor ilíquido/bruto de ali referido.
42) A Ré não chegou a executar, até agora, a pena de suspensão em causa.


IV
Da intempestividade da prática do ato processual

1. Para boa compreensão do objeto do recurso importa recordar os dois seguintes factos:

· Por acórdão de 30.12.2013 o Conselho Disciplinar Regional do Sul da Ordem dos Médicos condenou o ora Recorrente na pena suspensão por seis meses.
· O ora Recorrente impugnou essa deliberação junto do Conselho Nacional de Disciplina da Ordem dos Médicos, o qual, por acórdão de 18.1.2017, manteve a pena disciplinar de suspensão por 6 meses.

2. Lida a petição inicial, tem-se como inquestionável que o ora Recorrente veio a juízo impugnar o acórdão de 18.1.2017 do Conselho Nacional de Disciplina da Ordem dos Médicos. Na verdade, consta o seguinte do referido articulado (são nossos os destaques e sublinhados):

«2º
No seguimento de uma queixa apresentada por C........., uma utente do Hospital de S. Francisco Xavier (Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental, EPE), relativamente a um acto abusivo alegadamente praticado pelo A. naquele dia durante um exame médico que teve lugar no dia 12 de Novembro de 2009, nas instalações daquele Hospital, e qualificado como de importunação sexual, foi pela R. determinada a instauração de um processo disciplinar que foi concluído por Acórdão do Conselho Nacional de Disciplina da R., datado de 18 de Janeiro de 2017, com a aplicação ao A. da pena de seis meses de suspensão ( Doc. 2 ).
Acórdão que foi notificado ao A. por ofício datado de 10 de Maio de 2017 e expedido por via postal (Doc. 3).
Acto punitivo que se impugna na presente acção (…)».


3. Sem qualquer referência à deliberação de 30.12.2013 terminou pedindo que seja «anulado o acto que aplicou ao A. a sanção disciplinar de suspensão graduada em 240 dias, condenando-se a R. a eliminar a existência daquela sanção de todos os registos que a ela façam referência em documentos relativos à carreira do A. e ainda em custas, selos e procuradoria condigna».

4. Portanto, e como anteriormente se disse, não existe qualquer dúvida quanto ao ato impugnado, independentemente de saber se o mesmo seria impugnável: deliberação de 18.1.2017 do Conselho Nacional de Disciplina da Ordem dos Médicos.

5. Não obstante, a decisão recorrida fez incidir a sua apreciação, quase exclusivamente, sobre a deliberação de 30.12.2013. O que não pode ser, na medida em que – bem ou mal, irreleva para o efeito – o ora Recorrente decidiu impugnar a referida deliberação de 18.1.2017 [de resto, lê-se, na página 19 da decisão recorrida, que «(…) a decisão judicialmente impugnada é a de 18/01/2017, que indeferiu o RH (…)]».

6. De qualquer modo, identifica-se um parágrafo no qual a exceção da intempestividade da prática do ato processual é tratada por referência à deliberação efetivamente impugnada, ou seja, a de 18.1.2017. Nele se diz o seguinte:


«Deve dizer-se que, mesmo que fosse legalmente possível, --e não é--, ao A, atacar judicialmente a decisão condenatória de 30/12/2013, através da impugnação da decisão do RH de 18/01/2017, notificada ao A em 12/05/2017, também em 27/09/2017 estaria, se fosse o caso, caducado o direito de impugnação, pois, desde 02/12/2015, está em vigor o CPTA/2015, e, por força do seu artigo 58-2, o prazo de propositura da acção deixou de se suspender durante as férias judiciais; e, portanto, os 3 meses teriam terminado em 12/08/2017, que, por terminar em férias e se equiparar o termo a dia não útil, passaria, como alega a Ré, para o dia 01/09/2017. Ora a acção foi proposta em 27/09/2017».

7. A apreciação efetuada mostra-se correta. Na verdade, era o seguinte o teor do artigo 58.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, na redação aplicável (a dada pelo Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 2 de outubro):


«1 - Salvo disposição legal em contrário, a impugnação de atos nulos não está sujeita a prazo e a de atos anuláveis tem lugar no prazo de:

a) Um ano, se promovida pelo Ministério Público;

b) Três meses, nos restantes casos.

2 - Sem prejuízo do disposto no n.º 4 do artigo 59.º, os prazos estabelecidos no número anterior contam-se nos termos do artigo 279.º do Código Civil.

3 - A impugnação é admitida, para além do prazo previsto na alínea b) do n.º 1:

a) Nas situações em que ocorra justo impedimento, nos termos previstos na lei processual civil;

b) No prazo de três meses, contado da data da cessação do erro, quando se demonstre, com respeito pelo contraditório, que, no caso concreto, a tempestiva apresentação da petição não era exigível a um cidadão normalmente diligente, em virtude de a conduta da Administração ter induzido o interessado em erro; ou
c) Quando, não tendo ainda decorrido um ano sobre a data da prática do ato ou da sua publicação, quando obrigatória, o atraso deva ser considerado desculpável, atendendo à ambiguidade do quadro normativo aplicável ou às dificuldades que, no caso concreto, se colocavam quanto à identificação do ato impugnável, ou à sua qualificação como ato administrativo ou como norma.
4 - [Revogado]».

8. Tal como assinalou a decisão recorrida, o prazo de impugnação da deliberação de 18.1.2017 – tomando como pressuposto a sua impugnabilidade autónoma, matéria que não está em apreciação – terminou em período de férias judiciais, as quais se prolongaram até ao dia 31.8.2017 (cf. o artigo 28.º da Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto - Lei da Organização do Sistema Judiciário). Deste modo, e por força do disposto no artigo 279.º/e) do Código Civil, o termo do referido prazo transferiu-se para o primeiro dia útil seguinte ao termo das férias judiciais, ou seja, 1.9.2017. Na medida em que a ação foi instaurada em 27.9.2017, decidiu-se bem pela verificação da exceção da intempestividade da prática do ato processual, sendo totalmente irrelevantes as considerações efetuadas nas alegações de recurso a propósito do ato de 30.12.2013, na medida em que, e como se viu, não foi esse o ato impugnado. Assim como não se vê a relevância da chamada à colação do regime da renúncia ao direito de recurso, até porque esse direito foi exercido, embora intempestivamente. Tal como se mostra destituída de fundamento a alegação relativa à necessidade de «aguardar pela decisão do recurso interposto nos termos do art. 43°, do Estatuto Disciplinar dos Médicos», quando se sabe que o Recorrente decidiu impugnar a deliberação de 18.1.2017, que decidiu o recurso hierárquico, e não a deliberação de 30.12.2013.

9. É certo que o Recorrente – não obstante tenha expressamente suscitado a anulabilidade na petição inicial - vem, agora, invocar à nulidade da deliberação impugnada por «desrespeito pelos prazos prescricionais aplicáveis ao procedimento disciplinar», por apelo à norma – inaplicável, porque não vigente à data – constante do artigo 133.º/2/d) do Código do Procedimento Administrativo de 1991. No entanto, o Recorrente dispensou-se de dar a conhecer a este tribunal as razões pelas quais essa alegada ilegalidade ofenderia o conteúdo essencial de um direito fundamental, tal como previsto no artigo 161.º/2/d) do atual Código do Procedimento Administrativo. E o tribunal também não identifica fundamento para tal conclusão.


Da ilegalidade da deliberação 12.10.2017

10. Oportunamente o ora Recorrente ampliou o objeto do processo à impugnação da deliberação de 12.10.2017 do Conselho Superior da Ordem dos Médicos, na qual se decidiu nos seguintes termos:

«Foi deliberado em reunião de 29/06/2017, executar-se a sanção disciplinar de suspensão pelo período de 6 meses, determinando-se o seu início a 3 de setembro de 2017 e o seu termo a 3 de março de 2018. Contudo, a ata apenas foi aprovada no dia 31/08/2017, circunstância, esta, que inviabilizou o cumprimento atempado do determinado pelos serviços administrativos do Conselho Superior. Sucede que dia 04/10/17 o presente órgão foi citado para, querendo, contestar no âmbito da ação administrativa intentada pelo médico visado. Estando-se na presença de uma ação administrativa que não determina a suspensão de eficácia do ato administrativo (decisão de aplicação de sanção disciplinar de suspensão pelo período de 6 meses), determina-se nova data para execução da sobredita sanção, devendo ter o seu início a 13 de novembro de 2017 e término a 13 de maio de 2018. Nesta sequência devem ser adotados os procedimentos necessários, para a efetiva execução da sanção disciplinar».


11. Em defesa da ilegalidade dessa deliberação o Recorrente invocou o facto de o artigo 61.º/1 do Estatuto Disciplinar dos Médicos, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 217/94, de 20 de agosto, estabelecer que «[a]s decisões devem ser executadas a partir do dia imediato àquele em que se tornem insusceptíveis de recurso», sendo certo que «as penas disciplinares começavam a produzir os seus efeitos no dia seguinte ao da notificação das mesmas aos Arguidos», de acordo – invocou igualmente – com o disposto no artigo 58.º do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores Que Exercem Funções Públicas, aprovado pela Lei n.º 58/2008, de 9 de setembro, aplicável subsidiariamente por força do disposto no artigo 11.º do referido Estatuto Disciplinar dos Médicos. Concluiu, por isso, que «pelo menos no dia seguinte ao da comunicação ao A. da decisão do Conselho Nacional de Disciplina da R. teria que se ter iniciado a execução da pena de suspensão por seis meses que lhe fora aplicada, ou seja desde o recebimento pelo A. da comunicação da decisão do Conselho Nacional de Disciplina expedida para notificação do A. em carta datada de 10 de Maio de 2017».

12. Por outro lado, fundamentou ainda a alegada ilegalidade da deliberação de 12.10.2017 do Conselho Superior da Ordem dos Médicos no facto de «o art. 39º, do Estatuto Disciplinar aprovado pela Lei 58/2008, que o procedimento disciplinar não podia ter uma duração superior a 45 dias e que, mesmo nos casos em que havia inconveniente para o serviço, o deferimento do prazo de aplicação de sanção punitiva só podia ser feito mediante o atraso da notificação da decisão ao Arguido por 30 dias – art. 57º, nº 2, do mesmo Estatuto», ou seja, foram ultrapassados «os prazos limite de duração do procedimento disciplinar».

13. A decisão recorrida entendeu que a deliberação de 12.10.2017 do Conselho Superior da Ordem dos Médicos, «que fixa o termo inicial e final do cumprimento da pena, pode ser impugnada, nomeadamente, por reclamação, se por ventura contêm algum erro ou lapso nas datas do início e do final do cumprimento da pena, ou na contagem, ou por falta de título executivo [decisão condenatória definitiva], mas, como é fácil de ver, terão de ser sempre fundamentos próprios da operação de contagem, e não por alegados vícios de uma decisão já transitada ou tornada definitiva (…)». E mais adiante considerou-se que «o A deixou passar todo esse tempo, e pretende agora impugnar a decisão exequenda de 30/12/2013 [o ato que serve de título executivo], – que a decisão do RH, de 18/01/2017, manteve -, através da impugnação da decisão executória de 12/10/2017, notificada ao A a 31/10/2017 [vd 5 e 10 da PI], concitando à discussão vícios que seriam do ato primário de 30/12/2013, que não impugnou até 28/09/2017». E ainda: «Assim, a impugnação do ato/decisão de execução ora impugnado, que apenas fixou ao A o início e termo do cumprimento da pena, e que pressupõe que não foi judicialmente impugnado [em tempo] o ato/decisão condenatório exequendo que lhe serve de título não pode olvidar o pressuposto da impugnação desse ato primário exequendo, pois, sem ele, o ato de execução seria legalmente impossível e inútil, por falta de título executivo». Por fim escreveu-se o seguinte:


«Pretende o A impugnar, através da ampliação da instância, a deliberação da Ré pela qual fixou o termo inicial e final da execução da pena de 6 meses de suspensão, com início a 13/11/2017 e terminus em 13/05/2018.
Admitiu-se a ampliação da instância, pois, nos termos em que é feita, é admissível, mas logo se observou sobre a sua inutilidade, por prejudicada essa questão. E retomámos agora para dizer que, efectivamente, a pretendida impugnação da deliberação pela qual a R fixou o termo inicial e final da execução da pena de 6 meses de suspensão, com início a 13/11/2017 e terminus em 13/05/2018, efectuando o cômputo da pena, não é impugnável com os fundamentos da impugnação do acto primário exequendo que está necessariamente subjacente a esta deliberação, por lhe servir de título executivo da pena.
Como já dissemos, de entrada, em 2.1, o A confunde o acórdão condenatório impugnado, com a deliberação que, muito depois daquele e até depois de instaurada a presente acção, determinou o cumprimento da pena. Pretende, pois, através da ampliação da instância, tentar impugnar o acórdão condenatório que antes não impugnou. Sem razão.
Como vimos acima, esta deliberação sobre o cômputo da pena disciplinar/ fixação dos termos inicial e final da sua execução constitui uma decisão autónoma do acórdão condenatório, que é o título executivo da pena; e, pressupõe, portanto, como não podia deixar de ser e é por demais evidente, que esse acórdão já se tenha tornado definitivo, seja porque não foi impugnado, seja porque estava caducado o direito de impugnação quando impugnou, como é o caso, seja porque, se fosse o caso, por sentença judicial transitada tivesse sido confirmado.
A impugnação desta segunda decisão, objecto da ampliação da instância, –que aliás nunca foi executada, como o confirma a Ré -, teria de ter por fundamento algum vício próprio, fosse relativo à contagem da pena, fosse quanto à fixação dos seus termos, posto que existisse a decisão condenatória prévia, como título válido da execução da pena.
Ora, não sendo impugnável, como vimos que não é, a decisão condenatória que lhe serve de base e fundamento, logicamente, não pode o A pretender, por esta via, atacar a decisão que fixa o termo inicial e final dessa execução da pena, invocando alegados vícios de uma decisão que se consolidou na ordem jurídica por não ter sido impugnada no devido tempo.
Como é bom de ver, nem se compreende logicamente como possa o A pretender atacar o ato secundário referido com os fundamentos próprios do acto primário, quando os mesmos possuem pressupostos, fundamentos, âmbito e natureza totalmente distintos.
Nos termos do artigo 61-1, do EDM/94, como se disse já também na acção cautelar, e mantemos, «as decisões devem ser executadas a partir do dia imediato àquele em que se tornem insusceptíveis de recurso», e foi apenas o termo da execução que a Ré deliberou.
A segunda decisão, que fixa o termo inicial e final do cumprimento da pena, podia ser impugnada, nomeadamente, por reclamação, e, judicialmente, mas, por vícios próprios, por exemplo, como acima se disse, se por ventura contivesse algum erro nas datas do início e do final do cumprimento da pena, ou na contagem, ou falta de título [decisão condenatória ¯ insusceptível de recurso, mas, teriam de ser fundamentos próprios da operação de contagem ou outros, e não os alegados vícios da decisão já transitada ou tornada definitiva.
Ora, nenhum vício o A alega próprio desta decisão, mas sim da decisão ¯ insusceptível de recurso, pelo que, além de impertinente e temerária, a pretensão do A está prejudicada pela impossibilidade de atacar judicialmente a decisão condenatória de que esta depende.
Não é possível, pois, a título de exemplo, ponderar sobre a plausibilidade ou não da versão apresentada pela queixosa, e das amigas que terá arranjado para deporem, e da coerência e verosimilhança ou não do discurso, individual e colectivamente, nem dos princípios da presunção de inocência de que o in dubio pro reo é uma emanação ou sub princípio, pois isso respeitaria à decisão condenatória e não ao acto da execução da pena, aqui visado.
Nada se alegando e nenhum vício próprio assacando, como se pode ver, quanto a esta decisão de 12/10/2017, comunicada ao A por ofícios de 31/10/2017, a fixar os termos da execução, está também vedado ao tribunal conhecer desta pretensão do Autor».

14. O assim decidido mostra-se apenas parcialmente correto. Ou seja, vale apenas na parte em que o ora Recorrente fundamentou a ilegalidade da deliberação de 12.10.2017 do Conselho Superior da Ordem dos Médicos no facto de «o art. 39º, do Estatuto Disciplinar aprovado pela Lei 58/2008, que o procedimento disciplinar não podia ter uma duração superior a 45 dias e que, mesmo nos casos em que havia inconveniente para o serviço, o deferimento do prazo de aplicação de sanção punitiva só podia ser feito mediante o atraso da notificação da decisão ao Arguido por 30 dias – art. 57º, nº 2, do mesmo Estatuto», ou seja, foram ultrapassados «os prazos limite de duração do procedimento disciplinar». E este sim, não é vício próprio da referida deliberação de 12.10.2017.

15. No entanto, o mesmo não se poderá dizer quanto ao outro fundamento alegado pelo ora Recorrente, o qual se reportava – repete-se - ao facto de o artigo 61.º/1 do Estatuto Disciplinar dos Médicos, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 217/94, de 20 de agosto, estabelecer que «[a]s decisões devem ser executadas a partir do dia imediato àquele em que se tornem insusceptíveis de recurso», sendo certo que «as penas disciplinares começavam a produzir os seus efeitos no dia seguinte ao da notificação das mesmas aos Arguidos», de acordo com o disposto no artigo 58.º do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores Que Exercem Funções Públicas, aprovado pela Lei n.º 58/2008, de 9 de setembro, aplicável subsidiariamente por força do disposto no artigo 11.º do referido Estatuto Disciplinar dos Médicos. O que levou o Recorrente a concluir que «pelo menos no dia seguinte ao da comunicação ao A. da decisão do Conselho Nacional de Disciplina da R. teria que se ter iniciado a execução da pena de suspensão por seis meses que lhe fora aplicada, ou seja desde o recebimento pelo A. da comunicação da decisão do Conselho Nacional de Disciplina expedida para notificação do A. em carta datada de 10 de Maio de 2017».

16. Portanto, e por aqui, o ora Recorrente atacou a deliberação de 12.10.2017 do Conselho Superior da Ordem dos Médicos por vício próprio.

17. Vejamos. Como invocou o Recorrente, as decisões que apliquem penas disciplinares começam a produzir os seus efeitos legais no dia seguinte ao da notificação do arguido (artigo 58.º do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores Que Exercem Funções Públicas, aprovado pela Lei n.º 58/2008, de 9 de setembro, ex vi artigo 11.º do Estatuto Disciplinar dos Médicos aprovado pelo Decreto-Lei n.º 217/94, de 20 de agosto, regime vigente à data da deliberação de 30.12.2013).

18. Por outro lado, o artigo 61.º/1 deste último decreto-lei estabelecia que «[a]s decisões devem ser executadas a partir do dia imediato àquele em que se tornem insusceptíveis de recurso». Ora, da deliberação de 30.12.2013, do Conselho Disciplinar Regional do Sul da Ordem dos Médicos, cabia recurso – necessário, aliás – para o Conselho Nacional de Disciplina da Ordem dos Médicos (artigo 43.º/1 do mesmo diploma). Recurso esse que veio a ser interposto.

19. Portanto, e enquanto não veio a ser proferida a decisão do Conselho Nacional de Disciplina, nenhuma questão se colocava quanto à execução da deliberação punitiva, a qual não poderia ocorrer.

20. O mesmo já não se poderá dizer com a prolação da deliberação de 18.1.2017 do Conselho Nacional de Disciplina, através da qual se decidiu o recurso da deliberação de 30.12.2013 do Conselho Disciplinar Regional do Sul. No entanto, é imprestável, para o efeito pretendido pelo Recorrente, o regime de produção de efeitos das sanções disciplinares, tal como previsto no artigo 20.º/1 das regras disciplinares anexas ao Estatuto da Ordem dos Médicos (redação dada pela Lei n.º 117/2015, de 31 de agosto). Valeria, sim, o regime de prescrição das sanções disciplinares, constante do artigo 20.º das referidas regras disciplinares, nos termos do qual a sanção disciplinar de suspensão prescreve no prazo de cinco anos, a contar da data em que a decisão se torna inimpugnável. O que significa que nenhuma razão assiste ao Recorrente.


V
Em face do exposto, acordam os Juízes da Subsecção Social do Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e, em consequência:

a) Confirmar a decisão de absolvição da instância da Ordem dos Médicos, com a fundamentação precedente, quanto ao pedido de anulação da deliberação de 18.1.2017;
b) Absolver a Ordem dos Médicos do pedido de anulação da deliberação de 12.10.2017.

Custas pelo Recorrente (artigo 527.º/1 e 2 do Código de Processo Civil).


Lisboa, 27 de março de 2025.

Luís Borges Freitas (relator)
Maria Helena Filipe
Rui Fernando Belfo Pereira